Rat A Tat

Escrito por Ceci M. | Revisado por Luh

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No thesis existed for burning cities down at such a rampant rate

   não acreditava que a havia chantageado para ir naquele Bazar. Bazar. Rolava os olhos demonstrando o seu desprezo toda vez que ouvia aquela palavra, com que tipo de pessoas sua amiga estava andando que a obrigava a ir num bazar feito por indivíduos que se achavam artistas, mas que não conseguiam vender seus discos, desenhos ou tranqueiras qualquer que não fosse juntando os amigos dos amigos através de um evento no Facebook?!
  Com tanta coisa para fazer naquela cidade. Praia, teatro, parque, até ir ao zoológico, que fosse. Tinham que ir justo para aquele lugar.
  Não que fosse contra qualquer artista, mas achava a ideia meio idiota de vender essas coisas no quintal de casa, fingindo ser muito hipster. Esses eventos alternativos metidos a intelectuais não eram muito a cara dela, apesar de adorar um pub com ar de underground e bandas tocando.
  Era muito difícil definir . Ela tinha um perfil de quem era popular, mas não havia nenhum traço de fama na sua vida. Seu cabelo era sem dúvida a parte mais chamativa, seu loiro platinado e bem cuidado chegava a brilhar no ângulo certo. Isso sim era invejado por todos, gostava de beber e não via problema nenhum em ser a única numa mesa, principalmente se só houvesse homens. Adorava quebrar estereótipos, achava besteira certas coisas.
  E lá estava ela.
   dirigia, enquanto encontrava todos os meios possíveis de desfazer do pequeno evento.
  - Parece que eles estão tentando usar a mesma tática que eu fazia quando era criança e me juntava com as primas, . Dá certo quando é adulto mesmo?
  Ela sentiu o beliscão na hora. Era a milésima vez que colocava algum defeito e elas nem haviam chegado no meio do caminho.
  - Pára de reclamar. Você vai chegar lá com o sorriso lindo que você tem, elogiar o pessoal e iremos embora, prometo. Animação, Lôra! Vai ter cerveja e gente bacana.
  - É free? - abriu o sorriso maior do mundo, ajeitando o cabelo loiro que insistia em se manter rebelde.
  - A cerveja não. - entortou a boca e levantou um pouco os ombros, sem tirar a atenção do transito, como se tivesse pedindo desculpas por falar um palavrão. - MAS É ESSE SORRISO AÍ QUE EU QUERO VER!
   cruzou os braços, mas em pouco tempo havia se dado por vencida. Não havia mais o que fazer.

X-X-X

  Elas fitaram juntas a casa com portão vermelho desbotado, onde se podia ouvir o som alto de Frank Ocean invadindo a rua e as pessoas fumando cigarros com cheiros duvidosamente misturados na sacada da casa.
  - Vou dar um crédito. - disse desfazendo sua cara emburrada e rindo ao acompanhar a música que tocava. Tinha que admitir que adorava Frank Ocean. E cantarolou. – Or do you not think so far ahead? Cause I been think bout forever.
  - Vocês não vão entrar? - Um cara surgiu abrindo o portão, mostrando o seu sorriso com dentes perfeitamente alinhados, mas amarelados pelo cigarro – Quer dizer, podem ficar na porta também, mas tenho certeza que lá dentro está melhor.
   se manteve estática, contemplando de perto os olhos brilhantes daquele cara, quanto ele a mirava sem qualquer disfarce, suas tatuagens invadiam os braços magros, em milhões de desenhos aleatórios que formavam um conjunto harmônico bonito e seu ar desleixado com a aparência só o deixavam mais charmoso. Que homem.
  Aquela cara de mal dele, mesmo sorrindo, deixava claro que ele não era nenhum mocinho de novela das 7. Porém não deixou de prender a atenção de .
  - Claro que a gente vai entrar, ! - interrompeu, recebendo a atenção dos dois – Já chegou bastante gente?!
  - Bastante a gente nunca espera, mas já tem gente. - ele sorriu novamente mostrando todos os dentes – Tanto que eu vou ali comprar mais cerveja. Algum pedido especial pra você ou sua amiga?
   negou, puxando a amiga para dentro da casa. E antes que o perdesse de vista, trocaram um tímido adeus.
  Observou as paredes descascando, cheias de infiltrações, não muito diferentes das mesas que usavam para colocar os “produtos” que estavam a venda. Eram centenas de cds, vinis, coisas vintages, livros, algumas pinturas feitas pelos organizadores, tudo disposto para quem quisesse comprar. Se perguntou se existia alguém que conseguia morar naquele lugar medonho.
   não tinha problemas com lugares sujos, inclusive, seu bar preferido não era muito bem aceito pela vigilância sanitária, mas sempre serviam cerveja gelada e qual sentido de estar num bar limpo bebendo cerveja quente? Nesse momento era possível relativizar, ainda assim, aquele lugar era demais para ela.
  Após algum tempo conhecendo e conversando com outras pessoas, alguém chamou atenção no microfone instalado no canto da frente da casa, onde estavam todos, anunciando um show ao vivo.
  - Espero que sejam bons, por que basta estar aqui – cochichou para .
  - São meio revolts, mas são bons.
   viu o cara que as receberam se posicionar junto com o restante da banda.
  - Nossa, por que você não me disse que esse tal de existia? - perguntou soltando o cabelo loiro que estava preso em um coque, chamando a atenção de , que a observava de longe. Trocaram sorrisos admirados, estavam encantados um com o outro.
  - Não se anima, Lôra. - avisou – Essa daí só cheira a encrenca das brabas.
  - Foi só uma troca de olhares, sem segundas intenções. - tentou se convencer que não havia sentido toda aquela energia desconhecida lhe invadir e dominar. - É o mínimo que eu posso fazer nesse lugar sujo que você me trouxe.
   rolou os olhos.
   ficou se divertindo ao som da banda que tocava uma música cheia de bateria e riffs de guitarra, num som tão sujo quando aquele espaço, sem perder a oportunidade de retribuir os olhares trocados com .

She's his suicide blond, she's number than gold

   não se deixava intimidar fácil, muito menos abaixar a cabeça para o que os outros achavam certo e ele discordava. Isso o fez ter várias brigas com o pai, o levando a bater a porta de casa, dando Adeus para nunca mais voltar. Passou por poucas e boas até encontrar o pessoal da 'vila do bem', como apelidaram a casa já envelhecida que morava junto com os amigos.
  A sua luta para se firmar como músico era constante, tentava permanecer forte, trabalhando com o que aparecesse para sobreviver. Tocava muito bem, por isso o que não lhe faltavam era convites para shows, como consequência ganhou muitas groupies e aprendeu a lidar com todos os tipos de mulher. Não se considerava um galã de novela, mas sabia exatamente que tinha sex appeal e tendo essa autoconsciência, ficava ainda mais difícil de uma mulher resistir aos seus movimentos.
  Ele adorava essa fama de galinha, adorava se sentir querido, uma chama de felicidade se acendia quando descobria que havia duas garotas quase arrancando os cabelos para decidirem com quem ele ficaria.
  Mal sabiam as garotas que ele sempre acabava com as duas, não tinha preconceitos, nem queria se apegar, com tanta mulher no mundo, por que diabos ficaria com uma só? Não escondia de nenhuma delas essa opção e deixá-las para trás assim que começavam a causar problemas era ainda mais fácil do que conquistá-las.
  No entanto, aquela loira. Aquela loira. Não conseguia explicar, mas seus olhos, seu olfato, seu corpo iam ao encontro daquela mulher. Que mulher! A cada dia mais se surpreendia com as conversas, com as descobertas de que eram tão parecidos apesar de toda a diferença. A certeza que precisava pelo menos beijá-la para ter a confirmação de tudo que estava sentindo e se não fosse nada, podia seguir a sua vida. Fez disso a sua meta na vida, até o dia em que finalmente conseguiu convencer a ir a sua casa.

X-X-X

   não conseguia acreditar que tinha voltado naquela casa que tanto falara mal. Muito menos acreditar que estava afim de um dos moradores dela. Ria de como o destinho desenhava seus caminhos.
  - Cerveja ou vinho? - ele perguntou vendo ela se acomodar no sofá da sala.
  - Cervinho! - respondeu animada, o fazendo rir.
  - Tá louca?
  – Mentira, traz um vinho, mais legal e tudo. - ela tentou disfarçar seu nervosismo. Queria uma explicação para se sentir daquele jeito único quando estava com ele, sentia uma conexão anormal. Não pararam de conversar um dia sequer depois que se conheceram, mas ela ainda sentia uma certa retenção quando se tratava de encontrá-lo, tanto que enrolou o quanto pode, até se cansar de lutar contra a vontade e jogou a toalha.
  Ele trouxe a garrafa de vinho com uma cara de culpado.
  - Não temos copo, tudo bem? - ele avisou divertido, vendo franzir a testa se perguntando o que teria acontecido
  – Tivemos que desativar a cozinha, por que um de nossos amigos também ficou sem casa, não que a gente usasse muito ela, né?! Nem que a gente tivesse utensílios. A verdade é que só mora homem aqui, ninguém nunca se preocupou em comprar essas coisas.
   perguntou onde estava se enfiando, mas sorriu mesmo assim. Talvez tudo aquilo fosse parte do charme da situação. Além disso, não sentia que nada estava errado.
  - A gente bebe da garrafa. O planeta agradece!
  E o viu abri-la de um modo bem peculiar, sem o abridor, já que isso também era artigo de luxo naquela casa.
  Sem demora viram a garrafa esvaziar, enquanto riam sobre tudo. Abrindo as suas vidas um para o outro, sabendo os sonhos, os planos. Estavam em êxtase, mas ela era especial demais, seus olhos tinham um brilho tão vivo, tão diferente, que o hipnotizava. Era impossível não sorrir ao olhá-la.
  Precisava sentir o toque mais perto daquela garota que estava ali na sua frente.
  - Não consigo mais resistir. - ele soprou antes de puxá-la pela nuca, iniciando um beijo doce, causando milhares de explosões nos dois.
  Então, era assim que você se sentia quando beijava a sua alma gêmea? Por que os dois podiam jurar que sim. Era o encaixe perfeito das bocas, provocando sensações de arrepio que vinha subindo a coluna, trazendo o calor sufocante. De repente, as bocas já não eram suficientes e a intensidade dos carinhos só foram aumentando. parecia saber exatamente como enlouquecê-lo, como se fosse um talento natural, com certeza ela valia mais que ouro.

X-X-X

  - Pode-se saber por que essa cara, uma hora dessa? - , um dos amigos que morava com , perguntou enquanto o via fumar um cigarro parecendo feliz na varanda da casa, em um bom tempo não via parecendo tão leve quanto aquele dia.
  - Encontrei. - disse rindo, passando o cigarro.
  - O que? - o amigo devolveu.
  - A minha alma gêmea, meu caro. - disse enquanto tragava fundo, sentindo que aquele cigarro tinha um gosto diferente, nunca pareceu tão saboroso quanto antes – A minha alma gêmea.

Are you ready for another bad poem?

  Estava tudo bem e se manteve positiva por um bom tempo. Parecia que tudo ia dar certo para os dois, mesmo tendo vidas tão diferentes. Ela, que nunca teve talento algum, tendo que se meter a estudar na faculdade, sendo mantida pelos pais e ele correndo atrás do seu sonho enquanto inventava um jeito de se sustentar, sem qualquer apoio familiar. Ainda assim, passaram os quatro primeiros meses de forma maravilhosa, se entendendo como nunca havia com outra pessoa. Não queria que o tempo passasse nunca.
  Se sentia tão bem quando estava perto dele e tão mal quando se separavam, sentia uma agulhinha lhe alfinetar quando não podia encontrá-lo pelo menos um dia da semana, seja por que seu estudo e seu estágio não deixavam tempo, seja por que quando podia, estava em mais uma reunião para mais um projeto ou tocando em um lugar encardido qualquer.
  E as desculpas foram aumentando com o tempo, a distância só crescia entre os dois, até o momento que achou que não o conhecia mais. Já estavam juntos há 8 meses e esse era o tratamento que recebia. Começou a se perguntar o que significava para ele, por que nunca conseguiram se acertar de verdade, se tornarem 'oficiais'.
  Cada desencontro aumentava sua frustração e a crescente busca por atenção piorava quando ouvia aquela droga de celular cair na caixa postal. Isso a enlouquecia, a tirava de si.
  - É A TERCEIRA VEZ QUE EU LIGO E ESSE CARALHO SÓ CAI NA CAIXA. - reclamava indignada com , a única pessoa que estava ao seu lado e podia desabafar. - Que diabo ele tá fazendo que é mais importante que me dar um sinal de vida?
  - Não sei, eu não quero defendê-lo, já sabe disso. Você devia aproveitar que ele não te dar bola e partir para a próxima.
  - Queria que isso fosse possível, .
  - ! - a repreendeu, sendo mais dura que o de costume. - Há quanto tempo você não tem uma notícia dele? Nem sequer uma mensagem boba no Facebook ele se incomoda de deixar. É assim que ele gosta de você?!
   odiava esses surtos de sinceridade da amiga, por que fazia crescer nela o sentimento de insegurança e derrubava cada vez mais sua autoestima. Claro que merecia mais, merecia alguém que lhe desse atenção e olhasse com carinho para ela, como há muito já não tinha mais de .
  Recebeu uma mensagem, informando que o número de estava disponível para receber ligação. Retornou, apenas para continuar frustrada, por que dessa vez, chamou até não poder mais.

X-X-X

  A calma que sentia quando estava perto dele, se transformava em tempestade quando ficava longe. Ela não conseguia se entender, nem aceitar esse tsunami de sentimento, era muito intenso para ela e ficar de braços cruzados só piorava a situação. Será que ele não sabia tudo o que ela sentia?
  Era mais uma sexta que chegava do estágio, arrasada mentalmente, por ter que pensar nos dois, pelos dois. Havia pelo menos 2 semanas que não o via, apenas conversavam por breves minutos e depois, mais silêncio.
  - Hoje tem show de você-sabe-quem. - adotou a técnica de sequer citar o nome dele, na tentativa de fazer a amiga melhorar. - Talvez pudéssemos ir lá, rapidinho.
   sabia que o tiro podia sair pela culatra, mas também sabia que a amiga precisava vê-lo para decidir seguir com a sua vida e acabar com essa nuvem negra que pairou. havia se transformado em qualquer pessoa que não nela mesma, era difícil achar os traços da antiga alegre e positiva, depois que começou a se envolver com tanta profundidade com aquele garoto.
  Garoto. Menino. Moleque. Era isso o que achava de , pois nunca pensou que sua amiga pudesse passar por isso e o medo crescia, pois sabia exatamente como ele era instável e dramático. Além de não saber valorizar a pessoa que mais gostava dele nessa terra inteira. Quem ele pensava que era?
  - Você tem certeza? - estava apreensiva. Adotou uma regra implícita de nunca aparecer nos lugares em que ele estava trabalhando. Odiava se sentir groupie, pois pensava que só estava com por ele ser um pouco conhecido e tocar um instrumento. - Não acho que seja uma boa ideia.
  - É sim, troca de roupa, a gente já tá indo.
  Mesmo com o coração batendo forte, pedindo para não ir, se arrumou.
  Chegaram atrasadas, com a banda já tocando suas músicas, viu que também tocava com o amigo. se surpreendeu com a quantidade de gente que estavam ali para vê-los tocar, sabia que era muito bom, mas ao ver a casa quase lotada, teve a certeza de que ele conseguiria ir tão longe quanto pensava. Sentia um certo alívio de saber que ele estava no caminho certo.
  Assistiram o show de longe, apenas observando ele fazendo suas gracinhas em cima o palco. Quando terminou, esperaram as pessoas dispersarem, sem saber direito o que faria. Falaria com ele? Iria embora?
  - Vamos lá para fora um pouco. - puxou a amiga, sem perguntar nada.
  - O show acabou, . Vamos embora, vai. - tentou.
  - Você tem certeza?
  - Não, mas também não tenho certeza se eu quero vê-lo hoje. Eu estou mais magoada que o de costume. Não sei o que eu sinto, eu quero matá-lo, mas sei que quando eu ver aqueles olhos, a realidade vai ficar distorcida e eu não vou resistir. - suspirou fundo – Eu to perdida.
   parou em frente, fazendo encará-la.
  - , se você se sente mais mal do que bem quando está com ele, então sabe muito bem o que deve ser feito!
  A loira queria ter essa certeza, por um fim naquela agonia e seguir com a vida, mas acreditava nele, acreditava que as coisas seriam melhores e, enfim, encontrariam um denominador comum em suas vidas, colocando nos trilhos outra vez. Aquele sentimento bom e inexplicável de quando tudo começou estava lá, ela sabia, só estava um pouco perdido. Não queria desistir assim tão fácil.
  Nesse momento, o que podia fazer era apenas falar tudo isso para ele.
  Viram ele do outro lado da calçada, com , fumando um cigarro, como sempre, e conversando com outras duas garotas.
  O coração de começou a bater rápido, suas mãos suavam e sentia seu corpo tremer com a aproximação. Pronto, era assim que as palavras simplesmente iam embora, sem deixar qualquer rastro. Olhando ele era desnecessário falar tudo aqui. Pôde ver dar uma cotovelada no amigo e leu seus lábios: “Olha lá quem tá vindo”. Ela não nunca soube se ia com a sua cara ou não, mas vendo aquela cena e o desprezo escancarado na cara do amigo de , teve certeza: ele não gostava dela.
  E isso só poderia ser por que falara alguma coisa sobre ela. Começou a pensar nas possibilidades dele não sentir mais nada e ela não passar de uma garota imatura que enchia o saco dele, pedindo por atenção, atrapalhando a sua vida. Um calafrio tomou conta.
  - . - cumprimentou após dispensar as garotas que estavam com eles. - .
  - Quanto tempo, né? - alfinetou.
  - Pois é, muito trabalho.
  Por que sentia que eles estavam distantes? Tão distantes que a deixava desconfortável em estar ali, frente a frente a ele.
  - Foi um bom show, parabéns. - elogiou.
  - Se foi! Não estávamos esperando esse tanto de gente. - ele sorriu. - Vai ficar por aqui?
  - Não, a gente vai tomar uma ali do lado. - respondeu com o semblante sério e sem graça.
  - Certo. Depois eu vou lá, ok? - deu um beijo na bochecha dela.
  - Vai mesmo?
  - Vou, . - ele sorriu depois de dar mais um trago no cigarro – To precisando de você.

One more off key anthem. Let your teeth sink in

  Ele não apareceria, tinha certeza. Então por que insistiu em ir para aquele bar esperá-lo? Era a terceira cerveja que bebia com e nem sinal. Olhava no celular as horas passando e perdendo seu tempo.
  - Mais uma e vamos. - disse certa.
  Antes que pudesse colocar o copo novamente em cima da mesa, ele adentrou o bar. Ele com aquele charme que preenchia o ambiente. Ele com aquela energia que sentia a quilômetros de distância. Ele com aquele sorriso tão único.
  Os olhares se encontraram.
   sorriu de lado. Encontrara o que estava procurando.
   se levantou para cumprimentá-lo, sendo surpreendida com as mãos dele a puxando pelos quadris, grudando as bocas. Ela relaxou seu semblante, retribuindo o beijo. Sentia tanta falta daquilo, era tão bom estar ali novamente. Ainda mais em frente a todo mundo.
  Eles nunca ficavam na frente de todo mundo, sempre se encontravam na casa dele ou em sua casa, era novo para ela, mas a fez sentir como se ele estivesse começando a se importar com ela.
  - Preciso conversar com você, vamos ali fora. - ele disse, pegando em sua mão e se dirigindo para a porta.
   rolou os olhos, fazendo sinal para o garçom trazer mais uma cerveja.

X-X-X

  - Veio de carro? - ele perguntou enquanto caminhavam para o estacionamento.
   fez que sim com a cabeça, levando-o para onde estava estacionado. Não sabia o que ele queria conversar, por isso seu coração não desacelerou em momento nenhum durante a caminhada, também não sabia o que falar, parecia que todas as palavras haviam fugido da sua mente, duvidava que podia falar português. Esperava que ele dissesse alguma coisa, qualquer coisa para acabar com aquele silêncio constrangedor.
  Entraram no carro. começou a beijá-la. E avançou, apertando seus seios.
  - Nós vamos fazer isso aqui? - criou coragem para perguntar entre os beijos que se tornavam cada vez mais agressivo.
   não se incomodou em parar o que estava fazendo, tirando a própria blusa, em seguida a de . Sentiu a boca dele chupar o seu pescoço, imaginou a marca que ficaria, mas não conseguia recusar ou pedir para parar. Ele a puxou para o seu colo, com toda força e mordeu seu seio, a fazendo sentir que havia encontrado a linha tênue entre o prazer e a dor.
  Então era só para isso que ele precisava dela.

If my heart is a grenade you pull the pin and say

  As semanas foram passando, o casal voltara a se encontrar com a frequência de antes, mas tudo estava diferente. A química fora da cama desapareceu, eles não conseguiam mais conversar direito, os encontros se resumiam a beber uma garrafa de vinho e partir para o sexo, que ficava cada dia mais violento. Parece que havia assinado algum tipo de documento implícito, em que tudo o que teria dele era a cama, mais nada.
  Seu semblante alegre deu lugar a uma versão ansiosa, desgastada e triste, que passou a se perguntar o que estava fazendo, toda vez que saia de casa para encontrá-lo. Sabia que seria mais saudável parar com aquilo, não tinha mais energia para continuar, no entanto, o seu peito ainda batia forte quando via o nome de na tela do celular, as borboletas ainda a enganavam quando sentia o beijo dele. Era como se estivesse viciada e não sabia como melhorar.
   se olhou no espelho, observou atentamente o seu corpo e pela primeira vez e se assustou com a quantidade de marcas que estavam nele, apesar de fazer pouco mais de uma semana que não se viam ou se falavam. Tocou num dos machucados. Ela fechou os olhos sentindo prazer, mas logo em seguida desabou em lágrimas. Não era assim que queria que as coisas fossem, não havia se apaixonado por aquele cara, odiou se sentir mal tratada e chorou ainda mais.
  O telefone tocou novamente. não precisou olhar para saber quem ligava uma hora daquela, só podia ser ele. Tinha que ser ele. Pensou em desligar, bloqueá-lo e nunca mais ouvir falar no nome dele, mas ainda era fraca.
  - Está ocupada? - disse de forma direta quando viu que atendeu.
  - Uma hora dessa, quem está? - ela sorriu enxugando as lágrimas ao ouvir a voz dele, que parecia diferente. Num tom mais compenetrado que o normal.
  - Tem como vir aqui? - Ele cuspiu mais algumas palavras que podia ser facilmente confundidas com um 'estou com saudade', mas preferia não acreditar naquilo. Era difícil acreditar que sentia qualquer tipo de coisa por ela.
  - To indo.
  Passou o caminho se perguntando o que havia acontecido. E quando chegou, uma pessoa abriu a porta, uma pessoa qualquer, menos ele. Mal conseguia reconhecê-lo, os olhos fundos das olheiras, tão cansado que era possível sentir sua fraqueza.
   franziu a testa.
  - ? Ta tudo bem? - abraçou ele sem pensar em mais nada, esquecendo que mais cedo seu rosto inchado de tanto chorar tinha apenas ele como culpado.
  - Ta tudo bem. - ele se jogou no sofá, sendo seguida por , que sentou ao seu lado. olhou nos olhos dela, coisa que já não fácil há muito tempo e acariciou sua bochecha, a fazendo fechar os olhos e corar. Queria eternizar aquele toque em sua memória, por isso apertou ainda mais os olhos. Sentiu descer suas mãos pelo pescoço, braços. Estava tão feliz de sentir aquele toque suave, carinhoso e sutil, como há muito tempo não sentia. Parou na sua coxa, a fazendo abrir os olhos quando encostou no seu machucado. - O que foi isso?
  A pergunta a pegou desprevenida, era uma mancha enorme na sua perna, que pelo tempo que ocorreu já estava verde.
  - Você. - abaixou a cabeça e sorriu desconcertada.
  Sentiu um peso lhe envolver, lhe deixando assustando quando percebeu que era , lhe envolvendo num abraço singelo. Por um momento ela se permitiu voltar no tempo, fingindo que não havia nada de errado entre os dois.
  - Por que você ainda volta? - perguntou ainda segurando-a, como se fosse escapar a qualquer momento.
  - Por que eu te amo.
   afundou o seu rosto no pescoço de , inalando toda aquela mistura peculiar de perfume com cigarro, enchendo os seus pulmões de alívio e felicidade. Parecia precipitado, parecia errado, mas ela também sentia que não teria outra chance de deixar claro o que sentia.
  - Lembre-se de mim como eu não era o que eu sou. - respondeu apoiando seu queixo no ombro de . - Eu não consigo mais ser como antes. Eu não sei me relacionar.
  Ele se levantou rápido, fazendo o caminho do seu quarto. suspirou engolindo o seco, o seguindo. Ali estava claro que eles nunca passariam de nada além daquilo.
  - Quer? - olhou genuinamente preocupada ao chegar no quarto, vendo oferecer um cigarro de maconha. Nunca tinha o visto usar nenhuma droga até aquele dia. - Você não usa?
  - Nunca usei.
  - Uau. - ele pareceu surpreso, fazendo uma cara engraçada enquanto puxava o ar envenenado para os seus pulmões – Você tem cara de que fuma. Não se importa, né?
  Queria dizer que se importava, sim. Precisava saber o que estava acontecendo com ele, para mudar dessa forma. Queria gritar que não gostava dessa nova versão dele, que se não mudasse, ela estava indo embora para sempre, mas não conseguia. A coragem sempre faltava na hora de pensar em desistir dele dessa maneira.
  - Meu irmão morreu. Foi assassinado.
   disse como se fosse uma coisa normal de se ouvir, como se estivesse acostumado a ter um irmão falecendo todos os dias da semana. segurou o susto, digerindo toda aquela informação, pois sequer sabia que ele tinha irmão.
  - Minha mãe tá um caco. - ele se deitou na cama – E eu simplesmente não consigo olhar para meu pai. Estou num inferno.
   se deitou ao seu lado, agora era sua vez de envolvê-lo num abraço.

But you need to lower your standards cause it's never getting any better than this

  Depois daquele dia, tudo voltou ao caos de antes. Nada que tentasse fazer era o suficiente para conseguir abrir os olhos de , convencê-lo de que o mundo era um bom lugar, apesar das dificuldades. Seu semblante se tornou sofrido, sem esperança.
  A dor dele se tornou a dor dela e era quase impossível de suportar, pois estava vendo desistir aos poucos das coisas que o tornavam um ser humano de qualidade, ainda mais quando soube que ele tinha saído da banda, sem qualquer motivo aparente.
  Ainda assim, ela precisava se manter forte pelos dois.
  Aquele era um ótimo dia para não deixar passar em branco, um dia tão importate! Teve uma grande ideia e ligou. Queria trazer algum tipo de alegria para ele. Com surpresa, ouviu a voz do outro lado da linha. Antes que dissesse qualquer coisa, falou:
  - Comprou algum presente para sua mãe?
  - Não. - respondeu sem emoção - Não vou visitá-la hoje.
  - Hoje é dia das mães! Ah, vai sim. Se arruma que eu não sei o caminho da casa dela.
   não resistiu a ideia, era uma boa ver como a mãe estava. Em 30 minutos o pegou e caíram na estrada. A mãe dele morava em uma cidade próxima, bastavam 45 minutos e estavam tocando a campainha.
  O pai dele atendeu. Assim, ela percebeu todo o ressentimento naquela rápida troca de olhares, havia uma tensão sobrenatural entre os dois, que tornava o espaço pequeno para todos eles.
  - Podem entrar. – o pai deu passagem sustentando uma cara de poucos amigos – Marli não estava esperando visitas.
  - Nada não, só vim vê-la rapidinho.
   o seguiu para dentro de casa.
  O clima pesado amenizou quando Marli viu seu filho. O sorriso se abriu no rosto estampado com as cicatrizes de quem havia perdido um filho para a violência urbana e outro que não conseguia se sentir parte da família. Mas estava feliz ao vê-lo ali, na casa em que se criou.
  - Não acredito no que estou vendo! – correu para abraçá-lo – Não achei que viria hoje.
  - Encontrei uma carona e acabei vindo.
   chamou a atenção para e a mãe finalmente se deu conta que havia mais alguém no cômodo.
  - Até que enfim você trouxe uma namorada para nos apresentar! – Marli foi cumprimentá-la.
   enrubesceu. É verdade que se gostavam, mas era tudo muito complicado entre eles. Seus momentos nunca convergiam, mas teimavam em continuar.
  - Sou só uma amiga – disse constrangida.
  - E onde está sua mãe, querida?
  - Longe. Ela mora em outro país.
  Conversaram por algumas horas, até que uma pequena colocação errada em uma frase transformou uma pequena discussão entre ele e o pai numa enorme briga em que um culpava o outro infinitamente pelos seus problemas. O pai de não aceitava o caminho que o filho estava seguindo, achava que seu filho era mais um vagabundo que estava usando a música para não fazer nada da vida. Era muito até para ela ouvir.
  Já era tarde demais quando interveio. a tirara do meio do caminho e em um ataque de fúria, derrubara tudo o que estava à sua frente, incluindo uma televisão que o pai acabara de comprar.
  O embate físico parecia inevitável, o sangue escorrendo dos lábios de , enquanto os dois se machucavam ainda mais com as palavras foi o suficiente para se meter, o empurrando para fora da casa. A ideia que parecia ter sido tão boa, se transformara numa das piores que já tivera. Se culpou imensamente por tudo o que presenciara.
   puxou um cigarro para aliviar a tensão.
  Ela voltou para dentro da casa e viu Marli chorosa, catando os cacos das suas coisas, que se espalharam em mil pedaços ao redor da casa. Apressou-se em socorrê-la, a fazendo sentar à mesa da cozinha.
  - Marli, fique calma. Eles tem muita coisa mal resolvida.
  - Eles não podem se tratar assim! São sangue do mesmo sangue.
  Viu o pai passar pelo corredor, em direção à porta de casa.
  - Leva ele daqui, por favor. - ouviu o pedido encarecido da mãe de .
  Não havia muito mais o que fazer, precisava levá-lo de volta e assim saíram quase fugidos.
  - Meu pai é um babaca! – trovejava no caminho de volta – Acha que ninguém sabe da humilhação que a minha mãe passa?! É um absurdo o jeito que ele a trata! Minha mãe é uma pessoa muito boa para passa por essas coisas. Ela não merece... Ela não merece... Ela não merece.
  Ele respirou fundo.
  - Me larga aqui.
  - No meio do nada? – ela o olhou incrédula.
  - Isso. Aqui. – disse ríspido.
  - De jeito nenhum. E depois?
  - Não sei. Não preciso de você para descobrir.
  Aquilo a matava aos poucos, essa ignorância gratuita que ele teimava em distribuir a ela. Tudo estava bem e no momento seguinte, às águas ficavam turvas. Como se fosse a culpada de todas as coisas que aconteciam com ele.
  - Amigo, seu problema é com seu pai, não comigo. - respondeu impaciente, não conseguindo guardar toda a sua decepção acumulada.
  Ele fechou os olhos e novamente, respirou fundo, tomando todo o ar que pudesse.
  - Não sei por que você continua aqui. – ele voltou a falar, com uma voz entrecortada pela raiva.
  Então ela compreendeu o que ele queria dizer. As entrelinhas pareciam destacadas agora. Percebeu que não se tratava apenas do comportamento do acabara de acontecer, era sobre o seu próprio comportamento e o que vinha fazendo com ela. Não era certo tratá-la como se fosse uma qualquer, ela era especial, mas ele não era. Seu pai era inexoravelmente o seu reflexo. Era como se via no futuro. E ela era Marli.
  Não era justo com que seu futuro fosse se tornar uma mulher como Marli, casada com um homem que não a respeitava. Ela merecia mais e não sentia como se fosse conseguir proporcioná-la à vida maravilhosa que ela estava destinada a ter, ele não poderia oferecer o grande prêmio, mas ele precisava entender que ela estava ali por que queria estar e por que achava que o que tinham um com o outro era o suficiente.
  - Eventualmente, nós descobriremos o porquê. Por enquanto, eu sei de uma coisa. , você não é seu pai. - disse pausadamente, como se estivesse falando com uma criança.

We are professional ashes of roses. This kerosene's live. You settled your score

   simplesmente não conseguia se separar, parar de vê-lo. A ideia de fazer isso, era como se tivesse desistindo do que sentia e essa parte do seu cérebro continuava uma briga sem fim com a parte que insistia que era o melhor a se fazer. Tentou de todas as maneiras melhorar seu espírito, mas ao contrário ela estava tornando seu próprio espírito doente.
  Não tinham mais salvação.
  Neste dia, em especial, se sentia mais triste que os dias comuns, sentiu algo errado.
  - Não acredito! - comentou alto, olhando o celular – Viu isso, ?
  - O quê? - perguntou pegando o celular.
  Recebeu uma facada nas costas. Podia sentir a lâmina dura e fria penetrar, perfurando seu pulmão, seu coração, tudo o que estava no caminho. A dor foi paralisante e se não estivesse sentada, com certeza teria caído, pois não conseguia sentir suas pernas.
  Encarava uma foto em que estava alegremente abraçando uma ruiva qualquer, logo abaixo conseguia ler com dificuldade, devido a visão embaçada de decepção, um esclarecedor ‘está em um relacionamento sério’.
  As lágrimas caíram sem pedir licença. Então era isso. Era ela que não era o suficiente?! Se sentiu tão mal, que chegou a pensar que vomitaria. Suou frio e sentiu seu coração bater em sentido inverso. tinha sido baixo, tinha estraçalhado a melhor parte de . Seu coração.
  Estava presa num labirinto sem fim.
   a abraçou quando tudo o que conseguia era chorar escandalosamente. Precisava dar um rumo diferente a sua história.

X-X-X

  Olhou as paredes cheias de adesivos, fotografias e desenhos aleatórios. Aquela parede tão conhecida, daquele lugar que não havia parado de frequentar.
  Então era assim que seguiria com a sua vida? Se tornando amante de um cara que nem sequer se importava com seus sentimentos? Escondendo a vontade de chorar enquanto ele aproveitava para batê-la durante o sexo?
  Olhando aquelas paredes, não conseguiu se imaginar indo mais fundo do poço.
  Vestiu suas roupas e ficou em pé, não ficaria ali mais nenhum minuto. Não aguentaria mais segurar uma palavra sequer sem desmoronar.
  - Por quê? - o balançou fazendo-o acordar atordoado. o olhou confusa. - Por que ela e não eu?
  - Ah, . Por favor. - bufou impaciente.
  - Por favor digo eu! - deixou transparecer todo o seu desespero – Eu que sempre estive aqui, presente. Eu que tenho que aguentar as suas mudanças repentinas de humor.
  - Nós tivemos uma transa maravilhosa, não estraga isso. - ele passou a mão pelos cabelos, já nervoso.
  - Não quero, mas eu preciso de uma explicação. - insistiu.
  - Então tente buscar suas respostas sozinhas uma vez na vida.
  - Você me deve ESSA explicação.
  - EU NÃO TE DEVO PORRA NENHUMA – gritou se levantando num impulso só, da mesma forma que havia estourado na casa dos pais. – APENAS ACEITE. A VIDA É ESSA PORCARIA, ONDE A GENTE NÃO TEM EXPLICAÇÃO PARA TUDO. ISSO SIMPLESMENTE NÃO TEM EXPLICAÇÃO.
   engoliu o choro de medo enquanto ele continuava seu discurso enraivecido.
  - VOCÊ NÃO É NADA MINHA. EU NÃO QUERO QUE VOCÊ SEJA NADA. NEM AMIGA, NEM NAMORADA, NEM AMANTE. PEGA ESSE CARALHO DE AMBIÇÃO LOIRA E SAI DAQUI.
   a empurrou para fora do quarto, batendo a porta na cara de que despencou em lágrimas, ajoelhando no corredor.
  - Aconteceu alguma coisa? - ajudou a levantá-la. - Ta tudo bem com você?
  - O que está acontecendo com ele? - com a voz embargada perguntou, mas não esperou a resposta, juntou as forças que tinha e foi embora o mais rápido possível.

As alone as a little white church in the middle of the desert getting burned but I'll take your heart served up two ways

  Magoada. Triste. Sem nenhum humor. não se reconhecia mais. Passou a se boicotar. Se castigava mentalmente por ser fraca e não conseguir esquecer aquele cara que a maltratou tanto. É verdade que não o via há algumas semanas, mas não havia um dia em que não pensasse nos seus beijos ou seus carinhos. Se odiava profundamente por isso.
  - , você precisa atender essa ligação – olhou pesarosa, enquanto estendia o telefone para a amiga. - me desculpe.
  Sem emoção, pegou o telefone.
  - Alô? ? - reconheceu a voz desesperada da outra pessoa.
  - ? - ao falar esse nome seu coração acelerou.
  - , eu sei que eu não deveria ligar. Eu sei. Mas achei que talvez quisesse saber o que aconteceu com .
  Foi a sua vez de perder a calma.
  - O que houve, ?
  - Eu deveria saber o que ele estava aprontando. Você tentou me avisar, mas eu não dei bola. O sempre foi imprevisível. E eu achava que era culpa sua, mas eu sei que não é.
  - , por favor!
  - Ontem a noite eu bati no quarto dele para deixar alguns papéis da banda, ele estava mais distante que o normal e simplesmente disse: “Eu dou uma olhada amanhã, se eu não acordar morto”. Mas o rosto dele parecia tão tranquilo, achei que fosse uma brincadeira.
   sentiu o coração saltar pela boca. Pensou no pior.
  - foi internado pela manhã. Ele sofreu uma overdose de cocaína.
  Foi o suficiente para o ar de fugir dos pulmões e desaprender a retornar. Tudo queimava por dentro.
  Ouviu outra voz do outro da linha, acalmá-la.
  - Ele está fora de perigo, querida. - Marli, a mãe de completou, porém ainda estava muito preocupada – Mas a gente precisa da sua ajuda. precisa da sua ajuda.

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I sing a bitter song, I'm the lonelier version of you, I just don't know where it went wrong

  Aceitou o desafio, passou a visitar diariamente enquanto Marli esteve cuidando do filho. Todas as promessas do mundo foram feitas, ele passou a lhe tratar de uma forma tão carinhosa, parecia que finalmente passara a existir. Então a mãe de teve que voltar para casa, pois parecia que tudo ficaria bem.
   voltou para o quarto de , depois de se despedir de Marli. Sentou na cama, vendo-o sentar na cadeira do computador. Ele voltou seus olhos para os dela, respirou fundo exitante em dizer alguma coisa. Até que ouviu o que não esperava.
  - Me desculpe. - disse indo ao encontro de . - Eu não queria falar aquelas coisas naquele outro dia, nem te fazer passar por tudo isso, não sei o que me deu.
  O sorriso singelo preencheu o rosto dela.
  - Eu sei, tá tudo bem.
  - Me casaria com você, se soubesse que ia viver muitos e muitos anos.

X-X-X

  Pela primeira vez em muito tempo, se permitira enlouquecer, precisava daquele tempo. Precisava deixar a loucura tomar conta uma vez, pelo menos. Já devia ser umas 20h da noite de uma terça, mas precisava sentir a liberdade um pouquinho.
  Pegou um litro de whisky, bebeu o quanto aguentou e bateu na porta de .
  - Vamos ali? - ela sorriu mostrando todos os dentes, exalando aquele cheiro característico e pegou pela mão, sentindo seu corpo formigar pela quantidade de álcool que tinha ingerido. - Quero te mostrar um lugar.
  - Vamos, mas me dá as chaves. - ele a viu colocar as chaves gentilmente em sua mão, enquanto ele balançava a cabeça achando divertido vê-la naquele estado. - Você não tem condições nenhuma de dirigir.
  Entraram dentro do carro.
  - O que foi? Vamos aonde? - ele perguntou curioso. - Quer ir para um motel?
  - A gente não precisa. - mostrou a língua – Tem sua casa para isso.
  Os dois gargalharam como a muito não faziam.
  Em alguns minutos, indicou um lugar para ele estacionar. Eles estavam num lugar afastado da cidade, de onde podiam ouvir o som do mar batendo nas pedras.
  Ela respirou fundo sentindo o cheiro da água salgada, por alguns segundos se sentiu em casa.
  - Queria te mostrar esse lugar.
  Foram andando, bebendo e rindo. Sentiram a areia invadir os pés, causando uma leve cocégas. encontrou o seu lugar, colocou a toalha que havia trazido no chão e sentou. Observou a única luz que os iluminavam, a da lua, brilhando tão forte. Fechou os olhos absorvendo a energia.
  Aquele lugar era seu esconderijo, era onde ia quando queria fugir do mundo, do caos das pessoas, das complicações do dia a dia. Era uma boa hora para terem alguns minutos de paz.
  Ele sentou ao lado dela, observando a paisagem, sentindo o vento tocar o seu rosto.
  - Eu odeio essa vida. - disse tranquilo.
  - Mas é uma vida tão boa – acariciou a mão dele – E é a única que a gente tem.
  - Não consigo me encaixar. Sinto que já fiz tudo o que poderia ter feito. E você, , merece tanta coisa boa. Eu gosto de você, de um jeito que eu não consigo aceitar, por que não fui feito para o seu mundo, não para esse, pelo menos.
  Ela não achou que palavras fossem suficiente. Deitaram e ela apoiou a cabeça no peito dele, sentindo os batimentos cardiacos descompassados.
  - Não precisa de muito. - ficou encarando as estrelas – Só ser você é o que basta para todos nós.
  - A gente nunca imagina que crescer seja assim, né? Quando criança tudo que quer é ser adulto, sem saber das consequências e do peso que é envelhecer.
  Sabia que lutava muito para crescer e aquilo que tirava seu sono.
  - Crescer é complicado, mas é bom. Pelo menos a gente pode beber cerveja. - tentou fazê-lo rir.
  - E fazer sexo. - ele a acompanhou na risada, dando um beijo na cabeça dela.
  Ficaram quase uma hora conversando sobre coisas aleatórias, todas as inquietações que cercavam, curtindo a companhia e o humor um do outro.
  - Por quê não se pode ter os dois numa mesma pessoa? - ela questionou frustrada, era uma boa hora para que suas dúvidas fossem embora.
  - Existem coisas que não tem explicação, . E por mais que a gente procure, não encontraremos esse motivo, então, é melhor permanecer leve com as situações.
  Ela suspirou chateada. Como poderia doer tanto não estar com sua alma gêmea ao mesmo tempo em que parecia estar numa sessão de tortura chinesa quando estava ao lado dela? Uma injustiça. Das grandes.
  - Tudo vai se encaixar, acredita.
   levantou, indo até o mar. Observou a imensidão escura, sentindo a água salgado tocar na sua pele.
  - Você não vai entrar? - ele se virou, observando continuar sentanda.
  - O mar é traiçoeiro demais. – ela avisou de longe – De dia já é perigoso, à noite, então, nem se fala! Nem pense nisso.
   pode vê-lo sorrir, voltando a contemplar toda a escuridão do mar. E voltou para perto dela.
  - Vamos embora?

X-X-X

  O dia em que o levou para conhecer o seu lugar especial foi um dos últimos dias de bom humor de . As mudanças repentinas de personalidade ficaram piores a medida que o tempo voltou a passar e estava perdida, cansada de ser arrastada por ele naquele buraco depressivo.
  Precisava fazer alguma coisa por si mesma. Precisava parar de pensar apenas nele. Depois daquele dia na praia, brotou nela a força para seguir em frente. Viu que ele não queria se ajudar e começou a se acostumar com a ideia de deixá-lo para trás, gostava muito dele, mas também precisava aprender a gostar dela.
  Algumas coisas podiam não ter explicação, mas outras podiam ser mudadas com as nossas atitudes. Afinal você se define por quem ama, não por quem ama você.
  Se manteve forte, decidida, até que um dia juntou toda a coragem para ser totalmente sincera com ele. Era um domingo de outono, fazia um pouco de frio. discou o número de celular tão conhecido com as mãos trêmulas. Ia mesmo fazer aquilo.
  Ele abrira a porta e ela entrou devagarzinho, analisando cada centimentro daquele lugar. Aquela era a atmosfera de despedida? Encostou atrás da porta, ainda com a mão na maçaneta. Não a tiraria de lá por nada nesse mundo, precisava conversar e dependendo da sua reação, já estava estrategicamente posicionada para ir embora.
  - Vai ficar aí? - ele disse vindo em direção a .
  - Vou. - balançou exageradamente a cabeça.
  Ele então se virou em direção ao som. Iria colocar uma música para preencher o ambiente. Rotina que conhecia muito bem.
  - Sabe, eu gostava e gosto muito de você - respirou fundo tomando coragem para continuar. Ele continuou olhando para o mp3, escolhendo uma música, talvez aquela atitude dele a ajudou não parar - Eu já disse que te amava. E era de verdade. Mas adquiri uma concepção muito sólida sobre o amor: ele precisa ser recíproco e o que eu sentia, você nunca foi capaz de sentir de volta. Talvez até tenha algum tipo de sentimento, mas não amor. Posso estar errada, mas você tem uma ideia totalmente errada de quem eu sou justamente por causa disso. Eu nunca medi esforços para te ver, nem para te agradar. A você ou qualquer outra pessoa. Eu sou assim, se eu quero fazer, por que eu tenho que ficar ligando para as convenções sociais? E nisso você viu um ponto fraco meu... - parou o que estava fazendo para prestar atenção no discurso - Você achou que eu era uma pessoa fraca, sem autoestima, dominada, na qual você poderia fazer qualquer coisa e estava tudo bem, por que eu havia me diminuído. E isso se reflete em todas as suas ações, sabe. Eu não preciso de ninguém, sou bastante independente, mas você não vê. É, eu não preciso de ninguém, mas não significa que eu não queira alguém para me acompanhar. Eu posso fazer qualquer coisa sozinha, você sabe disso. Eu aprendi a montar armários, trocar lâmpadas, por que gosto de saber que posso fazer essas coisas, mas prefiro não fazer. Eu não quero ter alguém só para passar uma ou duas noites em que eu me sinta sozinha, quero alguém que esteja tão presente que eu não precise me sentir assim. Que me acompanhe nas coisas simples, como ir no mercado, ir resolver aquele problema naquele órgão público que vai levar o dia inteiro, colocar um garrafão de água no filtro. Coisas simples, sabe? Você não é meu companheiro. Você não gosta de mim. Você não me admira. E, nossa, admiração é uma coisa tão importante! Eu seria capaz de inúmeras coisas, se você apenas me visse como alguém capaz... Todas as coisas que você fez, tudo o que você não fez também, transformaram o que eu sentia. Eu gostava de você, hoje eu continuo gostando, mas de longe. Minha ideia ingênua que um dia você também me veria como eu te vejo já foi embora, eu sei que nunca vai acontecer. E sabendo disso, não há mais porque continuar aqui.
  - Eu sei, . - ele se aproximou – Tudo bem. Mas eu ainda posso te ligar?
  Ela se sentiu ofendida. Será que não ouvira uma linha de tudo o que dissera? Ela precisava se afastar, esquecer dele e tudo o que passou. Esses seus pensamentos preencheram o ambiente, pois antes que abrisse a boca para responder, respondeu a sua própria pergunta.
  - Você não entende?
  - Não, esquece que eu disse isso. Não vou mais te ligar.
  Se abraçaram uma última vez.

And they throw the matches down into the glitter not a dry eye left in the house

  Exatamente quando fez um mês que ela não mais ouviu falar sobre ele, sentiu um frio percorrer a espinha, fazendo seus pêlos se arrepiarem. Toda o desespero que sentia por gostar dele se transformou em algo muito próximo do vazio.
  Caminhou até o quarto de e a viu mexendo no computador.
  - Ele se foi.
   ficou sem entender, levantando para abraçá-la. O telefone tocou e um desolado podia ser ouvido do outro lado da linha: um corpo havia sido encontrado nas pedras de uma praia perto da cidade.

X-X-X

  Ela era a própria imagem da tristeza. O conceito em forma de gente, coisa de livro, que ninguém nunca imaginaria na vida real. A depressão havia tomado conta, mesmo depois de tantas lutas internas.
  Sentada, ali, sozinha, naquele píer, olhando o sol ir ao encontro do mar, na hora mais bonita do dia. Uma das poucas coisas que ainda lhe trazia conforto. Balançava os pés ao vento, numa vontade louca de se jogar naquele mar e lavá-la de toda dor que guardava profundamente.
  O cigarro mentolado ia à boca, em movimentos lentos. Sentia todas as substancias dele invadindo o seu pulmão, soltava a fumaça, restando a secura.
  Eram 4700 substâncias nocivas à saúde, diziam as autoridades. Nicotina causando cancêr, alcatrão causando disfunções, monoxido de carbono causando problemas respiratórios. Todas levando a uma morte lenta e tudo o que precisava era acabar com tudo de uma só vez. Enquanto isso, ia se matando aos pouquinho, junto com o cigarro.
  Estava tão maltratada que não se lembrava a ultima vez que havia visto o céu tão vivo e azul.
  As mãos ajeitavam os cabelos bagunçados e destratados, com a mesma emoção que procuravam o squeeze, já pela metade, com aquele líquido transparente que queimava-lhe a garganta. Não mais. O hábito já impedia que houvesse reações. Além do mais, nada podia queimar mais que seu peito. Nem aquele cigarro, nem mesmo o sol que ia embora à sua frente.
  Tudo era nublado. Tudo era melancolia. Tudo era solidão.
   se aproximara devagar com todas aquelas tatuagens coloridas pintadas em seu braço, sustentando também uma expressão triste e desolada.
  - Nunca gostei. - ela fitou o cigarro, delirando para si, sabendo que ele estaria ouvindo. Sem desviar o olhar do horizonte, levantou a mão, num gesto oferecendo-lhe o cigarro. Ele entendeu como uma permissão para sentar-se ao seu lado. E assim o fez, silenciosamente, tentando não atrapalhá-la de seus pensamentos. Ela levou novamente o cigarro à boca, com os mesmos movimentos lentos, apreciando cada substância daquela droga, misturado ao gostinho levemente adocicado que permanecia em seus lábios - Mas agora, essa é a única forma de eu acreditar que ainda existe algo doce na vida.
  Ele tirou o cigarro da mão dela, sem nenhuma resistência, e o apagou. Junto com as cinzas, caiu uma lágrima.
  - Sinto Muito. - disse a abraçando.

We're all fighting growing old in the hopes of a few minutes more to get on St. Peter's list

  É que ele sabia que não ia envelhecer. Que tinha uma idade que não chegaria para , não que tivesse data marcada e fosse proposital, ele simplesmente sabia que sua vida só chegaria até certo momento, depois, tudo era um borrão indefinido.
  - Eu sei que eu não vou envelhecer, não consigo ver como as coisas serão depois dos 30.
   pedia para ele imaginar, para tentar com mais vontade. Mas existem coisas que não são assim. Ela queria que ele enxergasse os dois no fim da vida, com os filhos ao nosso redor, mas não era assim que funcionava.
  - Quanto tempo a gente se conhece? Dez anos?
  - Não, menino, eu não ia te aguentar por tanto tempo. Foram dois longos anos de teimosia.
  - Teimosia? Você acha?
  - E como você explica? A gente sempre ta junto, mas nunca ta junto. A gente se odeia, se gosta, não se confia... Só teimosia explica.
   gargalhou.
  - Você acha que eu sou quase uma prostituta, não é, ?
  - Vamos dizer que bem perto disso, .
  Ela falava dos seus planos, mas também não conseguia imaginar um momento em que tudo se resolveria. Não tinham sido feitos para ficar juntos. E se perguntava quando conseguiríam se libertar um do outro, se viveríam se traindo e enganando as outras pessoas que os queriam bem. Ela teve tanto medo que isso fosse para sempre. Ela queria que ele fosse a sua companhia, mas sempre existia um porém, um momento que toda a certeza virava incerteza, até que finalmente desistiram.
  Levou apenas um mês para que se arrependesse disso, ainda queria ouvir a sua voz, independente das escolhas que fizeram. Mas era tão tarde para se arrepender, pois como ele sabia muito bem, ele não foi feito para envelhecer.

Fim.


Comentários da autora


Nota da autora: Obrigada por lerem, não se acanhem em comentar! É muito importante ter um feedback de vocês.
Aproveitem para dar uma lidinha nas minhas outras fics:
- Show Girl - All Time Low
E lembrem-se que não há nada melhor na vida do que amor próprio. Beijinhos e até a próxima!

Nota da beta (NÃO sou a autora!): Comente! Não demora e deixa a autora feliz e inspirada. Qualquer erro, me avise no betagemdaluh@gmail.com ou através do meu Ask.fm!