Now I have got to go

Escrito por Beatryz Menezes | Revisado por Virginia

Tamanho da fonte: |


Capítulo único

Do you understand who I am? Do you wanna know?

  O passado pode incriminar a vida de qualquer pessoa. Seu passado pode definir perfeitamente quem você será no futuro, mas sabe o que é pior? É que pra ter um passado você precisa viver o presente. E o que acontece quando seu presente não parece oferecer nenhum futuro? Tentar ou desistir? tem passado por esses pensamentos desde os seus dez anos de idade, quando descobriu o mundo cruel dos seres humanos. Com apenas dez anos, era perseguida por “coleguinhas de classe” aos quais sentiam prazer em vê-la chorar, machuca-la com palavras ou até com chutes em sua barriga quando a derrubavam no chão. Com dez anos de idade, tinha como única rota de fuga se sentar no banheiro com o chuveiro ligado para esconder os gemidos que deixava escapar toda vez que a lâmina perfurava sua pele em linhas finas e profundas.
  Todos nós ganhamos apelidos com o passar do tempo, apelidos fofos, engraçados... apelidos. Mas os dados a não chegavam nem perto disso. Xingavam-na de nomes feios, mandavam que se matasse e que ela era apenas uma perca de espaço e gasto de oxigênio no mundo. Fizeram-na acreditar que era feia, gorda, que era louca e que não lhe restava nada além do fim trágico de uma morte solitária e dolorida. Tão ou mais dolorida do que as sessões de espancamento dos anos que insistiu em continuar na escola. deixou a escola e passou a ter aulas em casa, sofria de síndrome do pânico, sem se quer pôr o pé fora de casa. E isso só veio a acontecer depois das inúmeras tentativas de suicídio. Pílulas, lâminas, cordas, venenos. Tudo a queimava a pele e o organismo, mas nada a tirava do inferno em que vivia.

Can you really see through me?

  Seu professor, , parecia ser agora a única pessoa que se importava com ela. Que a permitia chorar em seu ombro e a que lhe olhava nos olhos e acariciava suas mãos toda vez que ela se sentia confortável pra contar seus problemas. Ela dizia que loucos deveriam ser a atração dele já que meses depois do inicio das aulas particulares, confessou sua paixão por e ela se sentiu segura em seus braços. Em seus beijos. basicamente se tornou o motivo pela melhora contínua da pequena ; deixando as lágrimas de lados por sorrisos verdadeiros das cocegas que ele fazia nela, se alimentando normalmente, visitando o psicólogo duas vezes na semana e assim, consequentemente, sentindo o ar fresco do lado de fora de casa depois de tanto tempo sem ver o mundo.
  Terminou seus estudos com o amado namorado e assim ingressou em um curso técnico próximo ao centro da cidade e começou a profissionalizar-se em ajudar as pessoas, esse era o ponto quando começou e terminou seu curso de técnica em enfermagem. Ela estava tendo uma vida. tinha lhe dado uma vida. E era apenas por causa dele e de seu suporte que ela se sentia apta a isso, a viver. Ele era o motivo de não haver recaída, sem depressões profundas, sem tentativa de suicídio... Estava tudo correndo muito bem nesses anos de relacionamento. Eram quase o casal perfeito, o relacionamento utópico. Quase.
  Quando se é inseguro, as coisas não somem assim pra sempre. Nunca sumirão.
  Depois de anos juntos, e se viram morando juntos em um apartamento que conseguiam manter com seus salários. tinha conseguido virar professor de um bom colégio de ensino médio publico da cidade. E assim o inferno começou.
   demorava mais tempo do que o previsto para chegar em casa, algumas das vezes dormia no sofá o esperando e acordava na cama, ele a levava nos braços até lá. Sempre respondia: “Tive que ficar até mais tarde no trabalho”. Você acredita?
  Numa dessas noites de trabalho extra, ficar em casa não fazia sentido para e então ela caminhou até a escola. Tudo estava fechado, apenas alguns postes de luz iluminavam o estacionamento e a frente da escola, onde ela pôde ver o zelador fechar a porta e caminhar em direção ao estacionamento. resolveu tentar.
  - Com licença, senhor?!
  O homem, vestido num macacão azul que tinha o nome MacKenzie bordado do lado esquerdo, analisou a moça agasalhada e de cabelos presos que se aproximava dele.
  - Sim? – perguntou
  - Existe alguma possibilidade de ter algum professor na escola agora?
  - Não senhorita. Tenho que checar todos os cantos da escola antes de começar a limpeza para que ninguém permaneça aqui após o tempo. – ele disse, pondo as mãos no bolso – Até o diretor deixa a escola antes que eu comece.
  - Nenhuma mínima possibilidade então?
  O senhor moveu a cabeça em negação e deu de ombros, virando-se para seu carro quando agradeceu e mostrou um sorriso forçado antes de voltar todo o caminho pra casa. Assim que fechou a porta, viu a cabeça de aparecer na porta da cozinha.
  - Onde estava? – perguntou ele, enxugando suas mãos em um pano de prato.
  - Fui caminhar, precisava espairecer alguns estresses do trabalho. – mentiu, colocando seu casaco no cabideiro.
  - Estresses? – caminhou até ela, segurando sua mão e a levando para se sentar no sofá. Ele se sentou na mesinha de centro ficando de frente pra ela – O que aconteceu?
  - Médicos novatos, recém-saídos do hospital escola com narizes empinados, você sabe.
  - Ei, - começou, acariciando os dedos dela com seus polegares – você sabe que pode conversar comigo pra acalmar o estresse, não sabe?
   assentiu, um leve sorriso se formando em seus lábios. Fora assim que havia conquistado a confiança dela. Segurava suas mãos fazendo carinho e dizia que estava tudo bem, que ele estava ali para ouvi-la e que ela poderia conversar com ele sobre qualquer coisa. Sem segredos. Sem segredos. Seus olhos um tanto avermelhados – talvez, pelo sono – brilhavam fitando os olhos de e ele abriu um sorriso encantador e aconchegante, se aproximou dela e colou seus lábios aos dela.
  - Eu te amo! – disse , colando sua testa a dela.
  - Eu também te amo. – saiu quase como um sussurro.

***

   tinha o dia de folga depois de alguns plantões que havia pego. Depois do banho, ela se sentiu motivada a parar de frente ao espelho apenas de calcinha e sutiã, checando cada parte de seu corpo. Encarou o próprio rosto, cada traço que puxou dos pais, e então voltou seu olhar para baixo novamente, podendo perceber cicatrizes poucos tons mais claros que sua pele na coxa e nas laterais de sua barriga. Nada lhe passava despercebido. Principalmente nas primeiras vezes em que foi para a cama com e ele a fazia notar cada parte do seu corpo com o toque leve e gostoso de suas mãos. Desceu os dedos pelo braço esquerdo, temerosa e então as pontas alcançaram seu pulso.
  Os olhos de se fecharam ao sentir as marcas em alto relevo dos cortes que foram mais profundos, as mais claras que se assemelham a marcas de queimadura quase invisíveis aos olhos e enfim parar na extremidade do pulso, onde pode sentir a veia mais saliente pulsar sangue. Em instantes ela se sentiu envergonhada de estar com seu corpo descoberto e se enrolou num roupão.
  Foi ai que entrou no quarto, pronto para ir trabalhar. Parou atrás dela, passando a mão pelos cabelos mais uma vez e sorrindo pra ela, que o analisava com a cabeça um tanto tombada, como um filhotinho inocente e curioso.
  - Te vejo mais tarde. – falou , beijando-a na bochecha e deixando o quarto logo em seguida.
  Toda a insegurança pesada das porradas que a vida a deram estavam querendo voltar. Lutavam contra o pensamento de que tudo estava bem. As vozes que atormentaram sua mente na adolescência pareciam buscar maneiras de voltar a gritar. Seus demônios estavam tentando tê-la novamente. Mas como em todas as vezes que se sentia a beira da depressão, ela se lembrava da fé que pôs sobre ela, no amor que ele dizia sentir por ela e no anel de noivado que pesava em seu dedo. “Eu te amo”, a voz dele ecoava em sua mente e ela então se viu livre mais uma vez.
  - Eu te amo! – sussurrou ela, admirando o anel em seus dedos longos e elegantes.

***

  Já era quase horário de almoço quando deixava o apartamento. Decidiu que seria uma boa ideia almoçar com já que não faziam isso a um bom tempo e ele acabaria comendo qualquer besteira do refeitório. Deixou o bairro familiar e logo estava nos corredores do colégio, encontrou rápido a secretaria de onde terminaria seus estudos se caso não tivesse desistido de estudar no mesmo prédio que aqueles seres repugnantes.
  - Com licença?! – começou , recebendo um “pois não?” da secretária sorridente no balcão – Pode me informar em que sala posso encontrar o professor Jonas?
  - Professor Jonas? Professor Jonas? – ela repetia em um tom baixo de voz enquanto olhava as grades de aulas na parede. – Sinto, mas em sala alguma. Esse é o horário de pausa do professor, ele deve ter saído para almoçar ou está no refeitório. Caso não esteja lá, tem uma lanchonete logo dobrando a esquina em que os funcionários costumam almoçar. – Ela terminou, gesticulando com as mãos a direção.
   realmente não estava no refeitório, apenas alguns alunos barulhentos. deixou a escola desviando das brincadeiras dos adolescentes no estacionamento. Estava na hora da troca de turnos, muitos deles estão deixando a escola em seus carros, skates e motos. Traçou seu caminho pela calçada coberta por sombras das árvores e pode avistar a lanchonete assim que dobrou a esquina como a garota havia dito. Pode vê-lo de pé, pegando a bandeja com dois pratos no balcão pelo vidro que ocupava o lugar das paredes.
  Sorriu acompanhando seus passos em direção a uma mesa qualquer enquanto ela mesma andava em direção à porta. O sorriso dele ao vê-la surpreende-lo era a única coisa que fazia seu coração acelerar naquele momento. Mas vê-lo surpreende-la foi a única coisa que fez o mesmo parar.
   sentou-se numa mesa de frente a uma garota de cabelos longos e lisos, com uma franja desgrenhada na testa. A boca pequena e rosada sorria pra ele assim que a entregou seu prato de comida. se manteve de pé próxima a porta, já estava dentro da lanchonete mas sem saber o que pensar da cena. E então, a casa caiu. segurou a mão da garota por cima da mesa e acariciou seus dedos do mesmo modo como fazia com ela. A respiração de oscilou.
  Seu cumulo foi quando pôs sua mão em torno da nuca da garota e a puxou pra perto, sussurrando entre sorrisos qualquer bobagem que a faria se encantar mais por ele. se virou depressa, chicoteando o ar com seus cabelos e respirou fundo. Sua respiração ficou pesada, estava sem reação e a única coisa que se sentiu apta a fazer foi correr. Correu. Correu como louca até chegar em casa e desabar em lágrimas, jogada no chão. As vozes voltaram. “Ele não te ama mais”, “ele nunca te amou”, “ele vai te deixar”, “você não é nada”.
   chorou tudo o que não tinha chorado em todos esses anos de recuperação em prol de fazer valer a fé do seu amado nela. Tudo por . Quando ele chegou em casa à noite, borbulhava em ódio sentada no sofá. Uma placa escura tinha se instalado debaixo de seus olhos avermelhados, o cabelo estava jogado ao acaso sobre os ombros e as pernas balançavam loucamente.
  - Oi am...
  - Quem é ela? – o interrompeu, num tom de voz grave e sem olha-lo.
  - Do que você tá falando?
  - To perguntando quem é ela. Quem é a vagabunda com quem você tá me traindo?!
  - , meu amor, você está bem? Do que você está falando? – se aproximou, tocando-a no ombro.
  - Não! Não toca em mim. – ela disse entredentes.
  - Vem cá, vamos conversar. – falou em um tom de voz calmo, sentando na mesinha de frente a ela e tentando segurar suas mãos. O ato só vez a imagem deles dois juntos voltar à mente de .
  - Eu falei pra não tocar em mim, !
  - O que aconteceu, afinal?
  - Aconteceu, querido, que eu vi você e aquela garota de mãos dadas e carinhos na lanchonete hoje de tarde. – Ela falou num tom irônico e quase soava engraçado.
  - O que... Você me seguiu, ?
  - Não foi preciso. Você soube ser muito discreto, .
  - Você está estressada, é melhor dormimos, vem.
  - O que foi? Tá cansado? – perguntou, cerrando os olhos ao encara-lo, ambos de pé – Ela te cansou, querido?
  - Do que diabos você está falando? – a voz de já aumentava algumas oitavas.
  - To falando de quando ela deve ter aberto as pernas pra você já que eu fui na escola a noite e nenhum funcionário fica até tarde da noite naquele inferno! – gritou ela
  - O que você quer, afinal? Quer que eu te traia?
  - HAHAHA, agora você vai me pedir permissão, depois de me trair? – e o tom irônico voltou.
  - Olha aqui...
  - Fala logo que me traiu, caralho! Seja homem.
  - Eu te trai! – falou pausadamente – Eu te trai com uma aluna, satisfeita?
  - Ah, que lindo! Então me deixa adivinhar. Ela tem problemas com a família ou na escola, provavelmente insatisfeita com o corpo ou até níveis baixos de depressão. Ah, e provavelmente corta os pulsos por que a vida é cruel. – falou rápido, gesticulando e deixando claro a ele que ela estava fazendo escárnio dos próprios problemas, de como eles ficaram juntos. – Ela já tentou se matar também? Por que, assim, essas são as mais fáceis de cair na sua lábia, querido profe...
   não conseguiu terminar, sentiu a palma da mão que costumava acariciar seu corpo acertar em cheio sua bochecha, fazendo seu rosto arder e latejar. Eram sempre assim que começavam os espancamentos na escola. A respiração de estava pesada e seus olhos arregalados quando o olhou boquiaberta.
  - Viu o que me fez fazer? – ele gritou, puxando os próprios cabelos – Eu vou embora, você precisa descansar.
  - O que? Vai ser só isso? Já recebi coisa muito pior que isso, meu bem.
  - Você está ficando louca! – ele falou, fechando a porta atrás de si.
  - EU VOU TE MOSTRAR QUEM É A LOUCA.
  A cabeça de estava indo a loucura, tudo estava voltando. As vozes, a paranoia, a angústia... Andava de um lado para o outro na casa puxando os próprios cabelos e deixando as lágrimas rolarem em seu rosto que ainda parecia reagir ao tapa. As vozes a diziam pra engolir todo o liquido das garrafas de produtos de limpeza e sentir o prazer de ter seu corpo queimado por dentro, diziam para saltar em voo pela janela e sentir o vento eleva-la ao fim trágico e prático. Outras, mais antigas, apenas a incentivavam a admirar o vermelho de seu sangue esvair seu corpo enquanto ela repetia mil vezes “não” em luta.
   se segurou na parede, de olhos fechados repetindo pra si mesma que deveria parar de chorar, não era isso que ela tinha que fazer, ela devia sua vida a . Aquele homem era sua vida. E agora, ela percebia o quanto era errado viver por outro alguém. Escorregou por toda a extensão da parede até estar sentada no chão frio. As vozes pareciam tomar vida própria e cerca-la.
  - Ele não te ama!
  - Você não é nada.
  - Morra!
  - Se entregue aos braços do descanso eterno, .

And I can't think from all the pills

  Ela ergueu o olhar em direção ao banheiro e praticamente rastejou-se até a farmacinha grudada à parede. Ali tinham potes alaranjados de medicamentos antidepressivos que há tempos não via a necessidade de toma-los. Com eles em mãos, rastejou-se até a cozinha onde um pote de remédios parecia chamar seu nome. Estava enlouquecendo. Despejou todas as pílulas em cima do balcão e de olhos fechados pôs a mão neles, pegando um punhado de pílulas diferentes. Todas tinham um gosto seco em sua língua e garganta. Desciam arranhando as paredes.

Watching the clock that's ticking away my time

  Cambaleou pela casa, desistindo de tudo e chegou ao quarto. Lá, dentro do guarda-roupa, ela encontrou uma das camisas favoritas dele e se despiu, trajando apenas as roupas intimas e a camisa maior que ela. voltou à cozinha e admirou o brilho da faca de prata, estava entorpecida pelas pílulas, começava a sentir as pernas falharem, mas o plano não era apenas apagar. Nunca foi. Logo estava de volta ao quarto arrastando os pés descalços no chão com a faca em uma das suas mãos. Veja a oportunidade e não deixe-a passar.
  - É tudo sua culpa! – ela gritou, jogando um porta-retratos com a foto dele no chão – Você é como todos eles. Eu dei minha vida por você... agora, te ofereço a minha morte.
  A cabeça de tombava pro lado, seu corpo já começava a perder forças e equilíbrio, como se estivesse bêbada. Mas ainda encontrou tempo para marcar o espelho com palavras em batom vermelho: “and if I am through then it's all because of you just tonight”. Era hora, . Era hora de pôr um fim em tudo. Oferecer ao seu amado sua vida, sua morte. Oferecer sua alma.

But I'm too numb to feel right now

   se pôs de pé em frente ao espelho, admirando suas letras tortas através da vista embaçada. Já sentia seu corpo ficar pesado, mas precisava ter certeza de que nessa tentativa, não iria falhar. Sentiu a faca fazer a primeira abertura no centro do pulso e então a puxou pra cima, gemendo ao sentir-se entorpecer pela dor. Ela finalmente conseguiria o que tanto almejou. Seu corpo pesou por completo e ela caiu no chão, podendo admirar seu sangue vermelho formar uma poça a medida que seu olhos de vazios se tornavam sem vida, e agora a paz quase utópica que tanto desejou tomava seu corpo. Era finalmente o fim que tanto esperou. Era finalmente a última vez.

Now I have got to go

FIM



Comentários da autora