Miss Atomic Bomb

Escrito por Láá Amorim | Revisado por Natashia Kitamura

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Capítulo Único

“Parecia inofensivo, era convidativa, tinha o sorriso mais lindo que vi na vida. Eu ainda me perguntava se ele sentiria minha falta e do que seja lá o que tivemos, que no final, perdeu a força assim como eu. O amor é como um jogo onde quando os jogadores não são honestos, alguém perde da forma mais desleal possível. E quem perdeu fui eu. Ele tentou me ajudar, mas não merecia isso. Eu me perdi e não queria ser encontrada.”

  O dia estava nublado e ela sorria, dias depressivos a animavam. Tinha o braço cruzado no da amiga, não gostava de estar sozinha em momento algum.
  Quando os olhos azuis do garoto de jaqueta de couro bateram nos castanhos avelã dos seus, sentiu as pernas fraquejarem e segurou um sorriso tímido que teimou em aparecer em seus lábios, apesar de todos os comentários a respeito da bela menina dos cabelos encaracolados, nunca deu ouvidos. Não ligava para boatos, preferia acreditar em fatos e se sentia indiferente a respeito disso.
  Ainda a encarando, deu um de seus famosos sorrisos, que derretiam qualquer menina do colégio, inclusive as que costumavam fazer comentários maldosos a respeito de , a garota dos olhos castanhos que vinham tirando o sono do garoto desde o dia em que tinha se mudado para a cidade.
  A menina não conseguiu conter o sorriso dessa vez, que apesar de pequeno, foi sincero e o suficiente para ter a imagem perfeita para seus sonhos durante a noite. E foi a ultima coisa que viu, antes da garota e da amiga virarem a direita da avenida principal da cidade e entrarem em uma pequena loja de CDs.

***

   chegou confiante na escola e olhares eram direcionados a ela. Suas roupas provocativas, o pequeno short preto desfiado e a camisa grande do uniforme que quase o cobria deixava metade dos garotos loucos e todas as meninas irritadas.
  Ela não ligava, claro, queria mais que todas aquelas garotas se mordessem de ódio, não fazia questão de agradar ninguém.
  Ao entrar na sala de aula, direcionou os olhos diretamente para o canto esquerdo perto das janelas grandes e a viu. Um sorriso surgiu em seus lábios e foi até ela, sentando-se ao seu lado e fazendo questão de fazer o maior barulho possível, para que sua chegada fosse notada.
  — Então você ouve The 1975?
  — Desculpe? – respondeu com outra pergunta.
  — Perdão, sou . – estendeu sua mão e ela o olhou com um ar de interrogação. O garoto deu uma risada nasalada, abaixando a mão. — Sabe, esse é o momento que você diz seu nome.
  — Erm... Não. – disse e soltou um som parecido com “ploc” da boca. Ele riu e tentou novamente.
  — Vamos lá, esses dias estava de sorrisos comigo na rua e agora não me diz nem seu nome? Tenho o direito, ao menos. – deu um soquinho discreto no ombro de menina, que o encarou com uma feição maior ainda de interrogação.
  — Sorrir para alguém na rua não significa nada, fui educada, apenas. – deu de ombros.
  — E para onde foi a educação agora? E antes que me chame de stalker, eu vi você pegando o CD deles na mão e te vi cantarolando uma música deles ontem, perto dos armários. – deu uma piscadinha discreta e retirou um chiclete de menta do bolso. Estendeu e a garota pegou um.
  — Bom. – pausou para colocar a goma na boca. — Você repara na minha roupa e presta atenção no que eu canto, quer mesmo que eu te ache uma pessoa normal?
  — Vamos lá, de médico e louco todos temos um pouco. Agora me diga seu nome e posso pensar em te deixar em paz.
  A garota respirou fundo e deu um suspiro.
  — . – e voltou a atenção para o nada, da mesma forma que estava antes de sentar ao seu lado.
  — Então, , quer fazer alguma coisa hoje? – ela o olhou rapidamente. — Um sorvete, talvez?
  — Não ia me deixar em paz?
  — Eu disse que pensaria a respeito, mas você não me deu tempo pra isso, me conquistou antes. – uma piscadela do olho direito junto com um sorriso de lado e o mesmo sorriso que tinha visto outro dia na rua, apareceu.

***

  O céu estava coberto de estrelas e a lua redonda completava o espetáculo. A noite estava quente e agradável, e estavam deitados de barriga pra cima, no capo do carro enquanto alguma música desinteressante tocava do lado de dentro.
   vinha sendo cuidadoso e paciente, toda vez que chegava perto da garota, era como se ela fosse dar-lhe um tapa ou coisa do tipo, então o máximo que se atrevia era segurar sua mão de vez em quando. Em uma dessas vezes que se atreveu, percebeu algumas marcas em seus pulsos, o que o preocupou. Pelo tempo de convivência que tiveram desde o dia que a garota aceitou tomar sorvete com ele, percebeu suas oscilações de humor, assim como percebeu que tudo o que pedia era atenção. Surtos com os pais que não sabiam mais o que fazer com ela dentro de casa algumas vezes, gritos trocados com professores dentro da sala de aula, ela queria atenção, carinho, um toque de ternura.
  Só estava pedindo da forma errada, pedia de uma forma desesperadora, como uma forma de pedir socorro por ser o que vinha sendo.
  — Sabe, , eu queria te pedir uma coisa. – entrelaçou seus dedos na pequena mão que descansava em sua barriga.
  — Não sendo minha alma, peça o que quiser.
  Brincadeiras mórbidas e sem senso de humor eram marca registrada da garota.
   riu e ergueu o tronco, apoiando-se no braço esquerdo e encarando-a.
  — Você seria possível de parar com essas coisas? – soltou seus dedos dos dela e levou-os até seu pulso, erguendo um pouco e deixando as marcas a mostra.
Assustou-se ao perceber que as marcas não eram apenas as antigas cicatrizes que costumava ver, elas estavam mais vermelhas e com uma casca por cima, sinal de sangue seco. soltou-se dele e sentou, cruzando as pernas e abaixando as mangas.
  — Seria possível, só que eu não quero. – respondeu sem olhar.
  — E por que não quer?
  — , quando começamos a nos falar, em momento algum eu invadi sua vida. Sua intimidade, não perguntei sobre sua família, suas intimidades, seus segredos. Tudo que sei você me contou por conta própria. Nunca cobrei nada de você e não quero que me cobre nada.
  — Mas isso faz mal pra você, eu quero te ajudar.
  — E quem disse que eu quero ser ajudada? – se permitiu olhar para o lado e encontrou os olhos do garoto perto demais dos seus. Sentiu sua respiração e fechou os olhos. — , eu sou o tipo de pessoa que quando se perde, não quer ser encontrada.
  Ele nada respondeu. Ela nada mais disse. Só se deram conta do que estava aconteceram no momento que abriu os olhos e viu os lábios rosados de se aproximando mais ainda, quase ao mesmo tempo em que seus braços rodearam seu corpo e suas bocas se chocaram.

***

  O final do ano letivo finalmente tinha chego, junto com ele, as várias cartas de aceitação para faculdades de todo o país.
   estava em seu quarto com o melhor amigo, , conversando a respeito da vida após o colegial, quando chegou a sua casa com o coração apertado e precisando de um abraço.
  — Mas e você e a estranha que senta lá no fundo da sala, o que rola? – perguntou, jogando-se na cama do amigo e pegando uma revista qualquer que encontrou.
  — Não sei.
  — Ah, ela é gostosa.
  — Eu sei.
  — Mas é podre por dentro?
  — Ela tem muitos problemas, não sei se quero isso pra mim agora. Eu gosto dela, mas olha pra isso – pegou as cartas das faculdades que o aceitaram — não acho que vou ter tempo pra cada vez que ela brigar com os pais e quiser chorar. Acho que a melhor coisa é ir embora logo e acabar com isso tudo de vez, acho que ela nem tentou ir para alguma faculdade, qual a percepção que você tem de uma pessoa que não quer nada da vida?
  — Sai dessa, ultimamente você ta se esquentando demais com problemas que nem são seus. Larga mão dessa menina, é fase, vai viver sua vida e curtir as universitárias. – deu um sorriso malicioso para o amigo, que devolveu o mesmo. — Falando nelas, você ficou ou não com a ruiva da festa ontem?
  — Acordei sem roupa na cama do apartamento dela, então acho que... – não terminou a frase, gargalhou alto antes disso e pulou no amigo, dando socos e dizendo coisas como “esse é meu garoto”.
  Estavam entretidos demais, rindo, para perceberem que alguém estava parada na porta a alguns minutos, ouvindo toda a conversa, mas se deram conta disso quando a mãe de apareceu perguntando o motivo de ter saído correndo pelas escadas chorando.

***

  O baile de formatura tinha passado e tinha ido sozinho. Perguntava-se onde estaria, depois do acontecido em seu quarto, não conversaram mais. Viam-se na escola de vez em quando e algumas vezes ele tentou se aproximar, em uma delas arrastou a garota para o banheiro cobrando explicações sobre as olheiras e os pulsos enfaixados.

  “— Que merda é essa? Eu não pedi pra você parar? Você disse que ia parar! – ele gritava e segurava seu pulso com força, fazendo a dor aumentar e os olhos dela enxerem de lágrimas.
  — Você também disse que iria me ajudar e ficar do meu lado. – ela se soltou com brutalidade e se encolheu na parede, como se estivesse com medo.
   percebeu que estava assustando a menina, seu pequeno rosto que dias atrás queimava quando sentia os beijos do menino em sua pele, nesse momento estava molhado por culpa das lagrimas.
  — Quem está me evitando é você! – disse um pouco mais baixo, porem em um tom acusador.
  — , você não me quer por perto. Nos não temos nada, não sou nada sua, me deixa em paz. Vai viver sua vida universitária, como você mesmo disse, eu não quero nada da vida, não tenho perspectiva alguma de um futuro promissor.
  Foi então que ele entendeu, tinha ouvido a conversa desde o inicio.
  — Nós não somos nada porque você não quis.
  — Se nem meu pai foi confiável com a minha mãe, por que você seria? , aprende uma coisa: as pessoas mentem. E magoam umas as outras. Isso aqui – ergueu um dos pulsos. — não fui eu. Foi meu pai, que chegou bêbado em casa no dia que eu fui até a sua. Quando ouvi os gritos da minha mãe, sai correndo e fui atrás de você, eu precisava me acalmar, precisava de você e quando cheguei lá, ouvi o que você e seu amigo disseram de mim. – deu uma pausa e secou o rosto com a manga do moletom. — Eu saí correndo e voltei pra casa. Meu pai tinha acabado de quebrar um vaso e estava em cima da minha mãe, tentando cortar ela. Eu o puxei e ele me cortou.
  — Então você...
  — É, eu tinha parado. Mas a dor física doeu menos do que saber que meu próprio pai tentou me matar.”

  Depois desse dia, não apareceu mais na escola e não teve mais noticias suas. Perguntou na secretaria a respeito da garota, porém, não obteve resposta alguma, pelo fato de ser a ultima semana de aulas.
  Foi até a casa da garota e tocou a campainha três vezes, mas não apareceu ninguém. Achou estranho, durante um ano de amizade que ele e tiveram, sua mãe não deixava a campainha tocar mais de duas vezes antes de abrir a porta ou gritar para que a garota fizesse isso.
  Mexeu na fechadura e percebeu que a porta estava aberta, então adentrou na casa e chamou pela menina.
  Nada.
  Foi até a cozinha, no quintal e outros cômodos do andar de baixo da casa, mas não encontrou ninguém, subiu as escadas e continuou chamando, mas continuou sem uma resposta. Foi até o quarto de , mas assim como os outros cômodos, estava vazio. adentrou e encontrou um caderno jogado no meio da cama, com algumas manchas vermelhas.
  Estranhou, mas se aproximou, pegando o caderno e sentiu um aperto no peito no momento em que se deu conta do que era aquilo.

“Acho que eu realmente nunca tive uma perspectiva de vida. Não fui aquela criança que queria ser veterinária ou professora, eu só queria crescer logo e sair de casa. Talvez viajar por vários lugares, encontrar alguém que eu amasse e que retribuísse na mesma medida.
Conforme fui crescendo, percebi que sonhos são coisas de pessoas que querem alguma coisa e eu cheguei ao ponto que não queria mais nada. Não queria mais nada, não tinha mais desejo algum, existiram dias que eu pedi a Deus que ele me tirasse a vida durante a noite, para que ninguém tivesse tempo de me socorrer e me obrigar a ouvir um discurso de como sou irresponsável.
, obrigada por ter estado do meu lado por tanto tempo, esse ano foi incrível, graças a você. Naquele dia que te vi e você sorriu, eu senti uma coisa diferente. Não posso dizer que foi amor a primeira vista, não acredito nem no amor, quem dirá nisso. Saiba que uma semana depois, no momento que você se sentou ao meu lado, desejei que falasse comigo e desejei mais ainda que me chamasse para sair.
Um mês depois, quando estávamos ouvindo musica, deitados no seu carro, eu quis que me beijasse. Queria sentir se a segurança que me passava nas palavras, seria mais real ainda no momento em que eu sentisse você me segurando. E foi.
Mas não era justo, você merece algo melhor. Merece uma garota linda ao seu lado, que sorria e que não diga frases sempre relacionadas à morte, você merece alguém que não tenha problemas, que sorria a todo momento, que tenha sonhos e que te inclua neles.
Você estava certo, eu sou podre e estava aos poucos apodrecendo as poucas pessoas que prevaleceram a minha volta. Ontem a noite minha mãe foi embora de casa e não me disse o motivo e nem se voltava, só disse que não conseguia mais olhar na minha cara e ver eu me matando aos poucos. No começo do próximo ano você vai embora, vai pra faculdade, conhecer pessoas novas e, por favor, sem hipocrisias, ia esquecer a garota estranha que ouvia The 1975 com você nas tardes de sábado. De quando eu dizia alguma besteira e você me chamava de boboca, então eu dizia que você iria sentir falta de mim e das minhas piadas sem graças quando eu não estivesse por perto.
Eu nem sei se você vai ler isso, mas se um dia ler, quero que saiba que você me ajudou a adiar isso ao máximo, mas no fundo eu sabia que hora ou outra ia acontecer. Não tem como sobreviver quando se deseja tudo, mas ao mesmo tempo não se deseja nada.
Eu nem sempre fui assim, , a vida me fez assim.”

  Uma carta de despedida. estava se despedindo dele e pela primeira vez, desejou que a menina estivesse indo embora, se mudando de cidade, estado, país, desejou que qualquer uma dessas opções fosse verdade, mas dentro de si tinha a resposta verdadeira e sabia que não era nenhuma dessas.
  Com os olhos embaçados e com as mãos tremulas, ele caminhou em passos lentos até o banheiro e encontrou a pior cena que já tinha visto na vida.
  Seu corpo pálido, coberto pelo vermelho forte do sangue e seus lábios que costumavam ser rosados e quentes, estavam arroxeados e provavelmente gelados. O brilho dos olhos castanho avelã estavam apagados e opacos. Além dos pulsos cortados, havia um corte em seu pescoço. Ao lado esquerdo de sua cabeça, tinha um estilete e ao direito, uma caixa de remédios.
   não aguentou ficar muito tempo olhando aquela cena, saiu correndo do banheiro, desceu as escadas da mesma forma e ligou para o resgate, que chegou segundos depois.
  Não conseguia conversar com os paramédicos, mas também não conseguia chorar. Estava ainda em estado de choque, ver o pequeno corpo de ser tirado de sua própria casa dentro de um saco plástico escuro e ser colocado dentro do carro seria uma cena que marcaria sua vida para sempre. Assim como todas as cenas que vivenciou ao lado da garota.

Epílogo

foi como uma bomba. A todo momento ela dava sinais de sua fragilidade e de que precisava de atenção, de carinho e no momento que explodiu, levou consigo não só a vida, mas um pedaço de mim. Seu enterro foi algo simples, apenas o pai e a mãe compareceram, não sei como souberam do que aconteceu, trocamos no máximo olhares, mas nenhuma palavra. A mãe parecia abatida, o pai não demonstrava emoção alguma.
Me pergunto se poderia ter sido diferente. Se ela não tivesse ouvido minha conversa com , se eu tivesse a ajudado quando viu o pai descontrolado, se ele não tivesse a cortado e se sua mãe não tivesse ido embora.
Ela estaria aqui comigo, a nuvem de desespero teria se abaixado, nossos olhos estariam claros e estaríamos bem.
O amor que embalei por , não foi forte o suficiente para mantê-la.
Mas quando se deseja tudo, sempre há outro lado.”

FIM



Comentários da autora


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Láá xx