Machu Picchu

Escrito por Bruh Fernandes | Revisado por Beezus

Tamanho da fonte: |


  Quando seu tio lhe oferece o emprego de guia de turismo, ele acidentalmente esquece-se de mencionar que você tem que acordar às 4 da manhã. Eu sou da política de que se o Sol ainda está dormindo, você tem que fazer a mesma coisa, mas, infelizmente, em alta temporada, acordar cedo é o menor dos meus problemas.
  Problemas com o hotel, confere. Ingressos insuficientes, confere. Turistas passando mal pelo ar rarefeito, confere. E o que fazer quando, depois de ligar pro quarto mais de dez vezes, o telefonema ainda é ignorado? Isso porque ainda era o segundo dia de excursão.
  Mas, não serei tão ranzinza. Eu não faço isso obrigada. Na verdade, comparado à faculdade que eu teria que fazer, turismo é uma das 1001 maravilhas do mundo. Sou do tipo que estuda o menos possível e, não, não tem uma só matéria que eu simpatize. Pra falar a verdade, a única coisa que eu gosto de fazer, mesmo, além de andar pelos pontos turísticos da cidade, é pintar... E, sim, incluindo os pontos turísticos.
  Não é o melhor dos empregos, muito menos o melhor dos salários, mas é o bastante para mim. Não sou uma típica garota, não gosto de fazer compras e muito menos de maquiagem. Aliás, garotas, fica a dica, essa praga estraga sua pele. Aí, olha que golpe capitalista, você tem que comprar os produtos deles que “cuidam da sua pele”! Existe calça jeans, All Star e camisa de banda, pra que vou querer mais?
  Um pouco antes das sete da manhã, todos os turistas já estavam no ônibus, prontos para subir a montanha. Chegamos ao alto depois de andar um pouquinho, a tempo de avistar o sol nascendo. É simplesmente lindo. O meu passeio preferido, sem dúvida. Eu venho aqui sempre, sozinha, pois com os turistas eu não consigo realmente apreciar a vista junto ao silêncio. Só se ouve o som dos clicks das máquinas.
  - Senhorita, quando visitaremos a Ponte Inca? - um senhor da excursão intrometeu meus pensamentos.
  - Amanhã, senhor.
  Por enquanto, nos chamaríamos respeitosamente, mas, dada a convivência, dali a alguns dias, todos teriam apelidos e brincariam um com o outro como amigos de infância. Este é mais um ponto realmente maravilhoso da minha profissão: A quantidade de amigos que eu fiz. Claro, tem aqueles que nunca mais se viu, mas há alguns verdadeiros: italianos, americanos, brasileiros, colombianos, russos, chilenos e outros de tantas outras nacionalidades que converso por internet e muitas vezes voltam para o Peru. A desculpa é que eles amaram a visita a Machu Picchu, mas, na verdade, eu sei que eles retornaram por sentir a minha falta!
  Muitos minutos depois, o sol já nos fazia tirar o casaco. Era janeiro e a hora aproximava-se do meio dia. Era hora de descer. Andamos de volta até o ônibus e, enquanto eles tiravam as últimas fotos, eu lhes dei tchau. Havia outra guia no grupo, então eu me dava ao luxo de fazer uma das coisas que eu mais gostava, descer aquela montanha a pé.
  Eu tinha manejo e conhecimento do lugar, então meus pés trilhavam o caminho sem dificuldades, o que encurtava bastante meu tempo. Tanto que eu chegava poucos minutos depois do ônibus com os turistas.
  Parei numa pequena pedra e olhei para o horizonte, sorrindo. Dali podia se ver minha casa, onde eu e minha família morávamos. Era grande, uma das maiores da vila, com criação de porcos e plantação de muitos alimentos. Avistei meus irmãos menores brincando no quintal. Eles não tinham mais que dez anos e eram filhos do meu pai com minha madrasta, casados um ano depois do falecimento da minha mãe. Não eram menores que pontinhos coloridos diante da minha atual distância, mas, ainda sim, eu sabia que eram eles.
  - Com licença – uma voz me chamou atenção e logo uma mão gelada encontrou meu braço. Tremi de susto. – Desculpe. – ele se afastou.
  Eu finalmente o olhei. Era um rapaz, que não devia passar dos vinte seis anos. Estava vestindo uma calça jeans e tinha em sua cintura um casaco amarrado. Seu cabelo loiro estava totalmente bagunçado e ele tinha sua mão por cima do casaco, enquanto ofegava. Era, visivelmente, um turista.
  - Bom dia, em que posso ajudar? - perguntei polidamente. Quando você é guia, você meio que automatiza uma frase gentil para qualquer turista que lhe dirigir a palavra.
  - Eu queria saber as horas. – ele apontou para o pulso que, percebi, estava sem relógio. - O sol já nasceu, não? - acrescentou.
  Eu o olhei e me esforcei a respirar três vezes pausadamente antes de responder. Era só ele olhar para o lado e veria o Sol no alto, bem forte, ofuscando a visão de qualquer um.
  - Já, sim, há bastante tempo. São onze horas. – afirmei, depois de confirmar a hora no meu relógio de bolso.
  - Uma relíquia, que legal! – ele comentou entusiasmado sobre o relógio. Eu adorava coisas antigas.
  - Você devia ter um. – aproveitei para resmungar – E nem precisa ser de bolso, um de pulso serve. Ou qualquer coisa que lhe permita ver as horas.
  - Um celular, por exemplo.
  Concordei com a cabeça. Ah, sim, um celular. Embora meu pai tivesse um, eu nunca me importei muito com essas tecnologias. Tanto que esqueci que ele marcava horas.
  - E porque, então, me inquiriu as horas? - se ele tinha o celular, porque abarcar um estranho?
  - Acabou a bateria.
  Esbugalhei os olhos, não me contendo. Um cara bem atrapalhado, por assim dizer. Quer dizer, quem não se programa para subir uma montanha? Eu. Ok. Mas, veja bem, eu faço esse caminho durante anos, em uns quarenta minutos. Ele, não. Um turista, que possivelmente nunca viu a vista lá de cima, sozinho, devia ter no mínimo um meio de comunicação para qualquer incidente.
  - Então,... Como é mesmo seu nome?
  - . Prazer. – estendeu à mão, eu apertei-a.
  - . Pois bem, já está tarde. A única coisa que você vai sentir lá em cima vai ser calor. Tem que se fazer essa trilha bem cedo, pra chegar lá no topo antes das sete.
  - Eu saí do hotel as seis, pensava que era suficiente.
  - Você nunca veio aqui antes? - ele negou – Então, sugiro que vá de ônibus primeiro. Essa trilha pra iniciantes, com guia, o que, aliás, você devia ter, demora umas duas horas. Você, sozinho, tem sorte de ter me encontrado.
  Ele sorriu e mexeu no cabelo, envergonhado. Olhou para um lado, para o outro e suspirou, me encarando de novo. E então, exclamou, num tom charmoso:
  - Realmente. Foi muita sorte ter te encontrado.
  ----
  - Eu acabo de me formar na faculdade de engenharia e ganhei de presente essa viagem. – contava enquanto descíamos a trilha. Eu havia o convencido de voltar outro dia e desistir daquela maluquice. – Na verdade, eu ganhei uma viagem a Disney.
  O encarei, soltando uma risada em seguida.
  - Talvez, só talvez, você não seja um pouquinho grandinho para a Disney?
  - Pois é. – ele riu. – Como eu disse a minha mãe, Walt Disney não pode realizar meus sonhos atuais.
  - Quais são esses? - comecei a andar de lado, para que ainda o enxergasse mantendo o ritmo dos passos. Eu conhecia a trilha bem o suficiente.
  - Conhecer lugares novos, mais ligados à natureza.
  - Como Machu Picchu. – interrompi.
  - Isso. Como aqui – ele abriu os braços, girando rapidamente sobre si mesmo. – E, quem sabe, encontrar uma moradora disposta a me levar de graça...
  - O que? - escancarei minha boca, revelando minha surpresa – Nem pensar. – neguei com os dedos. – Eu trabalho com isso, você pode se inscrever no grupo pagando uma taxa...
  - Não. Eu quero uma guia particular. Só você e eu. – ele sorriu, sem vergonha. Talvez ele tenha percebido que eu senti vergonha até por ele.
  - Entre em um taxi e peça uma corrida de graça. Vamos ver se ele vai aceitar! – o desafiei.
  - Se ele for uma pessoa legal – ele pegou meu pulso e puxou meu corpo para o dele. Eu coloquei minha mão em seu peito. Senhor, o que ele estava fazendo? - como eu sei que você é, com certeza faria esse favor ao seu amigo. – ele piscou.
  - Aliás, uma moça bonita como você...
   passou a mexer em meu cabelo, tentando soltá-lo. Eu o repreendi batendo em sua mão. Ele riu e, então, pousou sua mão em minha cintura, apertando-a levemente. Minha mão ainda está em seu corpo e, portanto, estávamos bastante próximos. Ele posicionou seu nariz em meu pescoço e inspirou. Todos os meus pelos do braço se arrepiaram.
  - EI! – gritei no impulso, o empurrando pra longe de mim. – Você está tentando me seduzir pra ganhar uma guia grátis? - inquiri, indignada, já sabendo que a resposta era positiva.
  Ele sorriu pra mim e então eu caí na risada.
   ----
  Assim que nós chegamos em frente ao hotel, se despediu, não sem antes me dar o número de seu quarto. Quando eu cheguei ao restaurante, devido a minha demora, todos os turistas já estavam comendo. Eu fui até a guia e sorri para ela, sentando-me ao seu lado.
  - Porque a demora? - , minha companheira, perguntou, deixando sua comida de lado.
  - Encontrei um carinha. – dei de ombros.
  - Ai, , mais um?
  - Ué, não tenho culpa. Eles me perseguem! – rimos.
  Na verdade, estava exagerando. Tudo começou porque, anos atrás, logo no começo de minha carreira (pode-se chamar assim?) de guia, eu encontrei um grupo que fazia a trilha. E, bom, eu meio que fiquei com dois caras do grupo. Mas, vejam bem, foi um descuido, porque eles eram gêmeos! Então, sim, eu confundi o que eu estava ficando com o outro!
  Mas, tinha sido só esses dois. E um recepcionista do hotel. É. Fim.
  - E ele era gatinho? - a guia me perguntou, sem pudor.
  - Não sei, não reparei. – desviei o olhar, roubando uma batata de seu prato. – Você tinha que ver, ele é um típico turista irresponsável. Não tinha um relógio, estava completamente sozinho, subindo a montanha às onze da manhã! – exclamei, divertida.
  - , não desvie do assunto! – reclamou ela, depois de rir um pouco – E nem os olhos! Mire seus belos olhos castanhos em mim e me responda com um simples “sim” ou “não”. Ele é bonito?
  A olhei, tentando ficar séria com a cara séria de . Mas era simplesmente hilária! Ela me bateu quando eu ri, eu me fingi ofendida. Ela exigiu uma resposta. Eu balancei os cabelos, numa falsa atitude metida, e cruzei as pernas. E então, exclamei segura:
  - Sim. – os olhos dela brilharam - Mas não faz meu tipo. – mordi meu lábio, rindo em seguida.
  ----

  - Esse espelho de água, aqui. – o grupo se aproximou de mim, olhando intrigado para o que eu falava. Os mais desesperados já tiravam foto. – Alguém tem ideia de pra que serviam?
  - Como espelho, oras! – um cara engraçado, lá atrás, gritou, fazendo todos rirem. O apelido dele com certeza viria a ser algo relacionado a palhaço.
  - Quase isso! – retoquei, apontando para o cara. – Na verdade, foi construído para se ver o céu. Tentem ficar horas olhando para cima e não ganhar um pescoço dolorido...
  Estávamos nas ruínas de Machu Picchu, depois do descanso do almoço. O sol estava forte e os despreparados de calça reclamavam de calor. As mochilas já estavam amarrotadas de casacos. As máquinas fotográficas já deviam estar com os cartões de memórias quase completos. Mas os dias da excursão ainda estavam no começo.
  Jorge, meu primo, o outro guia que nos acompanhava em determinados passeios, explicava os mais interessados as histórias dos meus ancestrais, que construíram tudo aquilo. O quanto eles eram inteligentes, preocupados com a natureza e tão desenvolvidos, em alguns pontos até mesmo mais do que nós, milênios de anos “avançados”.
  Como, por exemplo, a construção não ter um ângulo reto, o que prevenia grandes catástrofes causadas por terremotos, o que, aliás, acontecia muito, por estar entre duas falhas geológicas. Era fascinante tudo aquilo. Pensar em como eles viviam.

  DESTINOS

  ----
  O pôr do sol já inebriava o ambiente quando nós descemos a cidade. Levamos os turistas a um pequeno restaurante, o chamado Café Amazônico, que nos servira desde comidas típicas, até um café puramente brasileiro. Com todos sentados, matando a fome, eu comprei meu favorito sanduíche e saí a varanda¹, respirando o ar puro. Sentei em um dos degraus, sentindo as lufadas de ar em meu cabelo e pescoço. Com o rio Urubamba logo ao lado, o vento era refrescante e a vista, com as montanhas fechando a paisagem, era belíssima.
  Mordi o primeiro pedaço, o molho jorrando para além da boca. Eu ri, já sabendo que aquilo ia acontecer. Aliás, era uma das coisas que eu mais gostava, apesar de agora, a transmitindo, isto parecer um tanto idiota. Ter o molho na sua cara e em seus dedos e depois lamber, deliciando-se ao máximo daquele sabor...
  - Que criança! – uma voz atrás de mim zombou-me, e eu fiz questão de ignorá-lo. Não deixava de ser sim uma atitude um tanto infantil, mas, como meu pai bem diz, ele lá paga minhas contas?
  Bufando, eu lambi meus dedos molhados e espalhei o molho ainda mais por minhas bochechas.
  - Agora sim, uma completa criança – rebati a voz, entrando na brincadeira. – Satisfeito agora?
  E me virei para o olhar o tal, enquanto escutava a risada dele. Risada essa já muito conhecida. Oh, surpresa, ninguém menos que o turista desajeitado de mais cedo. . Eu arregalei meus olhos rapidamente, mas logo me recompus, sorrindo levemente e voltando a comer. Ele andou lentamente o que restava até mim e sentou-se ao meu lado.
  - Ei, perdido, como você conseguiu chegar ao Café antes dele fechar? - brinquei com ele, já lhe empurrando um apelido que o caracterizava. Mania de guia. São muitos nomes para gravar, então é mais fácil reparar em algo marcante na pessoa e, pronto, sempre que você olhar para ela, você vai se lembrar.
  - Não é como se estivesse uma grande montanha para escalar – ele deu de ombros, divertido – Além do mais, eu fiquei com bastante tempo livre, considerando que você não quer me levar aos pontos turísticos da sua terra!
  - Meu Deus, você entrou na fila da chatice quantas vezes? - inquiri, olhando para ele com uma falsa cara de séria.
  - Não mais do que você. – relinchou , me fazendo escancarar a boca em escárnio.
  - É assim que você quer uma guia grátis? - retruquei, cruzando os braços em meu peito e o encarando.
  - Bom, eu tentei ser fofo e te seduzir, não deu certo. Então eu tentei uma coisa mais agressiva. – ele deu de ombros novamente, como se a explicação dele fosse muito coerente - Eu estou tentando, não há como negar.
  Eu sorri para ele, meneando um não com a cabeça. Não que eu estivesse discordando com as palavras dele, não, longe disso. O Não era porque eu nunca faria algo igual, simplesmente não é do meu feitio. Só que, bem, era uma situação interessante vê-lo tentar ferozmente várias vezes. Era legal. E, acho, que ele até merecia um passeio guiado.
  - É, você é muito persistente. E, por isso, eu vou te levar! – ele pulou, começando a dançar como um idiota. – Maaas... – acrescentei, vendo-o parar abruptamente.
  - Porque sempre tem um, porém? - ele perguntou, descrente, forçando uma cara de emburrado.
  - Cala boca! – eu mandei entre risadas. – Eu levo você para ver o sol nascer se você tirar essa calça jeans que vocês europeus tem mania de usar e colocar uma bermuda!
  - Uma bermuda, sério? - ele gemeu, amassando o cabelo com as mãos – Eu não gosto de mostrar as minhas pernas! - eu ri, embora ele estivesse falando sério.
  - Tudo bem, , eu não vou olhar pra elas. – e sorri.

  ¹ Ok, eu não sei se realmente existe uma varanda lá, mas, bem, se eu fosse dona do lugar, eu faria uma, diante da vista.
  ----
  Eu não consiga parar de rir. Encarava as pernas de e depois sua cara raivosa, rindo ainda mais. Ele ficava gritando “Você prometeu não olhar” repetidamente, mas eu nem prestava muita atenção. Escorei-me na porta dele, deixando a cesta pendurada em minha mão cair no chão e segurei minha barriga.
  - Minha barriga... Doendo. Sua... Culpa! – eu exclamei com dificuldade entre as risadas que eu tentava, inutilmente, diminuir o ritmo.
  Passavam das 4 horas da manhã quando eu toquei a campainha do quarto do . Na noite anterior eu tinha desistido da minha louca aceitação de levá-lo nas montanhas, mas então me obrigou a reconsiderar a ideia. E, bem, me obrigou a fazer isso de qualquer maneira. Eu tentei a desculpa de ter que trabalhar, mas ela disse que dava um jeito. Para completar, ainda preparou uma cesta de café da manhã e uma mochila de necessidades e enfiou nos meus membros superiores usando uma das torturas comuns da Idade Média. Um amor.
  Eu sei que havia prometido a ele que não olharia, mas, como uma criança, quando me é dito para não fazer algo, eu vou lá e faço! É como nos filmes em que uma das personagens diz: não olhe para baixo. E então o outro simplesmente olha! É instintivo. E, foi assim, logo que eu abri a porta, que eu direcionei meus olhos para as pernas dele.
  E, bem, eu fiquei rindo durante quinze minutos. As pernas dele eram muito brancas. Extremamente pálidas, parecia que ele nunca tirara aquelas calças antes. Até mesmo na Inglaterra tem uns diaszinhos de sol. E eu sei que normalmente eles são bem brancos, mas o superava até os mais branquelos. Além disso, suas canelas eram tão finas que pareciam cabos de vassoura! Sua cara, então, de sofrimento misturado à vergonha só me fazia rir mais.
  Quando eu parei de rir, começamos a discutir quem levaria a cesta e a mochila. Eu queria porque queria levar tudo, mas não aceitava aquilo firmemente. No fim, depois de muita negociação, que resolvemos que ele carregaria a cesta e eu a mochila.
  Só depois de muitos minutos que nós, enfim, começamos a trilhar a montanha. contou que já havia feito algumas escalas e eu sorri com aquilo. Era bom ouvir aquilo, porque mesmo eu aceitando guiá-lo, eu realmente não tinha paciência para esperar uma possível lerdice. Quando meu pai trouxe meus irmãos aqui, com a brilhante ideia de subir pelas pedras com as crianças com apenas cinco anos, eu bufei várias vezes. Eu subia tão facilmente, sem realmente prestar atenção e então tinha que voltar tudo para passar às crianças de uma pedra a outra às levantando.
   falava alguma coisa, mas eu sinto dizer que não prestava atenção. Ele ao meu lado, com seu braço roçando no meu, seu cabelo bagunçado pelo vento, a camisa colando em seu corpo pelo suor, até mesmo suas canelas que antes me fizeram rir bastante; deslocavam-me a outra dimensão. Eu estava ali, mas, ao mesmo tempo, era como se meu espírito estivesse concentrado em outro lugar. Vai entender.
  Balancei a cabeça, decidi acabar com aquela sensação estranha. O interrompi, sem ao menos me importar, e comecei um discurso.
  - Você sabe os 10 mandamentos de um turista? - inquiri, desviando o olhar rapidamente para ele.
  - Não. – ele exclamou, meio surpreso.
  - Bom, então vou te ensinar. Você precisa muito dessas dicas!
  E então eu comecei.
  - 1º, Sempre tenha água com você! – apontei para a cesta, afirmando silenciosamente que eu tinha trazido. - 2º E comida. 3º Protetor Solar. Ainda mais você, branquelo desse jeito. 4º Use roupas apropriadas, não calça jeans. – pigarreei, relembrando o erro dele. – 5º Tenha sempre algo para se comunicar com o mundo. Vai que aparece um jacaré?
  - Um jacaré nas montanhas? - ele perguntou, caindo na risada. Eu lhe dei um tapa no braço, o repreendendo.
  - Não duvide da natureza. – falei séria, apesar de me estar me segurando para não rir. – Aliás, 6º, nunca desafie a natureza. 7º Tenha sempre dinheiro. E, principalmente, a 8º, conheça os seus limites! Não dê uma de fodão achando que pode escalar uma montanha sendo que nem sabe aonde ela vai dar.
  Ele bufou, sentindo as palavras diretamente o criticando. Mas sorri, demonstrando que não se importou muito. Ele esperou que eu continuasse, todavia eu fiquei em silêncio.
  - Os dois últimos mandamentos? - ele inquiriu.
  - Não tem. – me olhou como se eu fosse maluca. Talvez eu realmente fosse. – É porque falar “os 10 mandamentos de um turista” é mais legal e marcante do que usando o 8! – argumentei, dando de ombros, o que o fez rir.
  ----
  Chegamos ao topo antes do sol nascer. comemorou com sua dancinha, que eu daqui a pouco já consideraria típica. Seu apelido podia até sofrer uma adaptação, algo como dançarino perdido. Olha, parece até nome de filme.
  - Por favor, não tire fotos! – supliquei, vendo que ele já mexia nos bolsos da bermuda. Ele levantou as mãos, em sinal de rendição.
  - Porque não?
  - Porque você não aproveita o momento. Há fotos a mil dessa paisagem na internet, é só jogar no Google, baixar e dizer que você tirou. Agora, você, aqui, sentindo o clima, aproveitando o silêncio, observando o Sol, aos poucos, ir subindo ao horizonte, essa sensação, só quem esteve aqui pode sentir. E ficar atrás de uma câmera, estraga esse momento.
  - Uau. Vou até desligar o celular, só no caso da CIA entrar no aparelho, comandá-lo e obriga-lo a tirar uma foto. – brincou ele, e eu o retribui dando-lhe língua.
  - Eu, hein. Faço um discurso completamente profundo e bonito e você o sacanea?
  - Desculpa! – pediu ele, se aproximando de mim e sentando-se ao meu lado. – O que você falou realmente é lindo. Espero que eu sinta o que você sente.
  O silêncio chegou junto a uma rajada agradável de vento. Enquanto eu respirava fundo algumas vezes, captando o momento, vi esticar e dobrar as pernas umas cinco vezes, no mínimo. Ele estava impaciente.
  - Vem cá, vai demorar muito? - ele decidiu manter suas pernas dobradas e abraçou seus joelhos.
  Eu ri pela sua reação. Algumas pessoas são impacientes por natureza. Geralmente são muito ativas, a todo o momento fazem algo, se movendo ou simplesmente pensando, e não consegue com a facilidade exacerbada que eu tenho respirar fundo e simplesmente curtir os momentos sem ruídos e sem nada a se fazer. Alguns chamam de tédio, eu chamo de conexão a natureza.
  - Não, bobinho. – olhei para ele, sorrindo. – Respire profundamente e tente entrar no clima tranquilo. Observe as montanhas ali do lado, ou as casas mais a baixo. Se você se sentir agoniado assim, tente pensar no que aqueles moradores estão fazendo. Quem mora lá, se eles gostam de churrasco, essas coisas bobas.
  Ele assentiu e pareceu se concentrar a cumprir a tarefa. Eu, então, voltei ao meu melhor estado, o de apreciação. Logo, eu sabia que o Sol iria nascer, e assim não foi diferente. Assim que ele apareceu, atrás das montanhas, ainda bem tímido, eu apontei, chamando atenção do .
  Ele, na hora, abriu um sorriso enorme de felicidade. Lutou para continuar relaxado como eu pedi, mas então eu ri para ele e dei de ombros, então ele se levantou e começou a andar, querendo observar tudo de todos os ângulos. E depois girou o corpo sobre si mesmo repetidas vezes, rindo consigo mesmo.
  E então, eu reparei que, pela primeira vez em anos que eu ia aquela montanha para o nascer do Sol, eu não olhava para o Sol. A personagem principal da vez, para mim, surpreendentemente, era . Sem perceber, durante minutos, eu deixei o Sol e seu início de lado e olhei as reações do turista. Seu sorriso sempre nos lábios. Sua visível felicidade. E dei-me conta de que ele me deixou feliz.

  ----
  O Sol já brilhava forte e a toalha quadriculada para piquenique já estava esticada, os alimentos esparramados sobre ela. Eu estava deitada, esparramada sobre a grande pedra, comendo uma torrada com geleia quando ele fez, logo depois do meu comentário, uma pergunta:
  - Dá para ver sua casa daqui? - ele inquiriu, depois dos momentos de euforia.
  - Até dá. – levantei minha cabeça para encará-lo – Mas eu encontrei, anos atrás, um ponto da escalada onde dá para observar minha casa bem melhor. Foi onde você me encontrou ontem.
  - Legal. – ele mudou de assunto - Você gosta ser guia?
  - Interrogatório, é? - ele riu, assentindo levemente. Mudei de posição, virando minha barriga para baixo. Coloquei os cotovelos no chão e apoiei o queixo em minhas mãos. Levantei a panturrilha e pés, deixando-os apontando para o céu azul. – Gosto muito. Eu amo essa cidade e amo andar, principalmente em lugares bonitos. E ainda ganho dinheiro com isso, está ótimo! Sabe, eu reclamo que tenho que acordar cedo, mas ver essa vista recompensa tudo. – contei-lhe, vendo-o sorrir e concordar com a cabeça.
  - Você tem quantos anos?
  - Vinte e três.
  - Namorado?
  - Não, nem pensar. – meneei com a cabeça negativamente.
  - Ué, por quê?
  - Eu gosto de liberdade. Gosto de fazer o que eu quero, quando e como quero. E não estou nem ai para os outros. Meu pai sofre comigo até hoje. – mordi o lábio inferior, rindo em seguida.
  - Não que você tenha curiosidade, já que não perguntou nada, mas eu também rechaço uma restrição. Do tipo as dos 10 mandamentos – lembrou ele. Eu suspirei, dando de ombros.
  - São dicas, você faz o que quiser. Aliás, o problema é inteiramente seu.
  - Uau, obrigada por mostrar o quão interesse você tem em mim. – sua voz soou irônica. – Eu tenho vinte cinco anos, terminei meu namoro há um mês e vou tentar me manter vivo seguindo algumas de suas dicas.
  - Desculpa, senhor carente. – e surge mais uma característica para o apelido - Sabe, eu tenho mania de colocar apelidos. E o seu, em vinte e quatro horas, passou de somente perdido, para carente dançarino perdido. – confidenciei.
  - Opa, explique-me como ganhei esses adjetivos! – sorriu para mim.
  ----
  - Você tem que me levar aos outros pontos turísticos! – resmungou , pela milésima vez, sua voz um tanto contrariada.
  - Não! – neguei em resposta, com a voz elevada, meneando a cabeça para reforçar a ideia – Eu preciso trabalhar! Tirei uma folga hoje, mas não posso ser guia particular de graça durante a temporada. Preciso de dinheiro! – bufei, irritada pela incompreensão dele.
  Nós tínhamos acabado de chegar à porta do hotel e o turista ficara todo o tempo suplicando-me para que o levasse a outros lugares, assim, como fora hoje. E depois de tantas negativas, seu sorriso diminuíra, mas ele ainda teimava. E eu realmente fiquei irritada depois de tanto tempo. Ele podia ser um cara que nascera numa família de classe alta, como ele mesmo falou, e tinha tudo mais fácil que eu, mas ele realmente precisava entender que eu não podia leva-lo a todos os lugares e deixar de assumir minhas responsabilidades.
  - Mas... – ele começou, mas eu logo o interrompi.
  - Mas nada! Você está se portando como um mimado! – respondi-lhe grossamente.
  Eu, no geral, era uma pessoa bem tranquila. Não gostava de me estressar e sempre evitava uma briga desnecessária. Entretanto, uma coisa que eu odiava, era que ficassem me repetindo algo, incessantemente. Eu tinha paciência para o silencio, a natureza e o chamado tédio, mas não para repetições.
  - Certo... – ele afirmou pensante, sendo atingindo pelas palavras. Então assentiu, se afastando – O mimado aqui vai te deixar em paz. – avisou raivoso, andando para longe de mim.
  Eu encarei suas costas enquanto ele avançava para o hotel. Levantei minhas sobrancelhas e mordi a parte interna da minha bochecha. estava errado e se fazia de vítima? Maldito dia que resolvi descer a montanha e então o conheci. Maldita beleza e simpática dele que me fizeram cair em sua ladainha. Maldita que me convenceu a continuar a besteira quando eu cai em mim. E, principalmente, maldito turista!
  Virei para o lado oposto e me foquei no que realmente importava: os turistas pagantes.
  ----
  - E então, como foi o encontro? - me olhou esperançosa, enquanto pulava deitada em sua cama.
  A olhei descrente e resolvi ignorá-la um pouco. Ela merecia esse gelo pelo que, mesmo sem querer, me fizera passar. Sentei na poltrona e tirei calmamente meu All-Star, embrulhei meu pijama nas mãos e segui para o banheiro.
  Repassei em mente os acontecimentos de dia enquanto a água lavava meu corpo. E, repensei se teria sido rude com . Eu simplesmente me irritei e, embora ele realmente estivesse enchendo a porra do saco que eu nem tenho, eu talvez tenha tido uma reação exagerada. Quer dizer, apesar de tudo, ele ainda é um desconhecido e a mera formalidade que tem entre nós, e sua condição de turista, me leva a tratá-lo de forma gentil.
  Por outro lado, todavia, a reação dele também fora ruim. Aliás, fora só uma representação do quão eu estava certa em denominá-lo mimado. Não que eu estivesse certa o chamando assim, mas que meu pensamento tinha um fundo de verdade.
  No fim, não importava. Eram só mais alguns dias dele ali e eu podia simplesmente ignorá-lo esses dias. E, então, daqui a pouco, eu nunca mais o veria na vida. Esse é um lado bom para guias, se essas querem só aventuras amorosas. Com a distância, as complicações da vida, os beijos não passavam de beijos, os carinhos de coisa de momento e, então, você não tem que encará-lo no dia seguinte, no mercado, ou aguentar ele apaixonado em seu ombro.
  E, claro, eu não estava me referindo a e eu termos um caso amoroso. Não, longe disso. Só citei um exemplo que, coincidentemente, se encaixa a minha situação com ele, esta mais para ódio do que para amor.
  Só sai de lá depois de muito pensar. A água quente fizera a parede de ladrilhos ficar escorregadia, o espelho embaçado. Sequei e vesti o pijama, levando comigo o calor do banheiro para o quarto que dividia com no hotel. Minha casa ficava a poucos quilômetros dali, mas como guia eu precisava ficar perto dos turistas em caso de incidentes.
  Ela me encarou com um olhar mortal. Eu bufei, me jogando na cama dela e a chamando para o meu lado, já que ela estava em frente ao banheiro, em pé, impaciente. Ela caminhou até lá e me empurrou levemente, refazendo sua pergunta.
  - Primeiro, – comecei, achando o silêncio de minutos suficientes para seu castigo – não foi um encontro. Eu o levei como uma profissional, uma guia, a um ponto turístico da cidade. – ela fez uma cara “finjo que acredito” – É verdade! Existem guias particulares. Tudo bem que eles cobram, e caro, mas eu sou uma pessoa caridosa!
  - Mas é um gato! – ela exclamou, sorrindo entusiasmada.
  - Você nem o viu! – retribui, a olhando marota. Ela colocou as mãos na cintura e me olhou, sonsa. Eu ri. – É verdade, oras.
  - É. – ela concordou, rindo em seguida. – Mas, - acrescentou, logo – você me falou dele e eu até já incentivei o encontro dos pombinhos, ou seja, eu já sinto como se o conhecesse!
  - Aliás, ideia ruim essa do incentivo... – comentei, sem pensar. Arregalei os olhos logo que percebi que falara de mais. Tratei, então, de desviar a conversa. – Nossa, você tinha que ver as pernas branquelas e finas dele, !
  Ela me olhou seriamente, me analisando e então bufou.
  - Porque você tem essa mania de sempre tentar mudar de assunto? É um saco! Você vai olhar pra mim, , e vai me falar que porra aconteceu! – eu a olhei cautelosa, mordendo o lábio. – Deu merda, é?
  - Deu merda! – não me segurei e ri. De nervoso, talvez.
  E contei tudo a ela.
  ----
  Hoje era um dia maravilhoso. Quer dizer, o passeio em si não era um dos mais bonitos, mas era bom pelo fato de poder acordar um pouco mais tarde. Seis horas da manhã. Ainda pode parecer bastante cedo, mas para mim, naqueles dias, seis horas era equivalente ao meio dia.
   sempre levantava antes, então quando abri meus olhos, a vi penteando os cabelos. Dei-lhe bom dia e ela retribuiu com um sorriso. Só ela mesmo pra sorrir essa hora da manhã. Me espreguicei na cama, com extrema preguiça de levantar do cobertor quentinho. Peguei o telefone na cabeceira ao lado da cama e o puxei para mim, ligando para cada quarto do hotel que tinha nossos turistas, para acordá-los.
  Depois da tarefa feita, tirou o cobertor de mim e isso, bom, é como me obrigar a levantar da cama. Na verdade, é realmente me obrigar a levantar. Então, eu me ergui e segui cambaleante até a mala. Já com as roupas do dia em mãos, eu escutei o toque na porta. Segui até lá lentamente e abri a porta.
  Tive dificuldades de enxergar a pessoa em minha frente, pois meus olhos ainda estavam meio fechados. Esfreguei-os e então reconheci. E quase cai pra trás. Segurei-me na maçaneta da porta com força e tentei não pensar em quantas remelas em meus olhos seriam perceptivas a .
  - Bom dia. – ele exclamou, sorridente. Meu Deus, que mania esse menino tem de sorrir e mostrar esses dentes lindos. Respondi-lhe educadamente. – Então, eu queria conversar com você. – ele falou, meio embaraçado.
  Oh, Meu Deus, meu cabelo! Será que ele estava muito embaraçado, com muitos nós? Ou, pior, todo para cima? Passei as mãos por eles, tentando suavizar o possível frizz.
  - Está bagunçado, mas está bonito. – revelou, me surpreendendo. Eu ri nervosa e agradeci silenciosamente com um sorriso. Ele viu ali uma mensagem para continuar – Eu... Eu queria pedir desculpas por ontem.
  - Eu também. – falei rapidamente, o atrapalhando. Nós rimos. Ele tocou meu pulso e olhou em meus olhos. Meu coração chegara a acelerar pela aproximação repentina.
  - Me deixa falar tudo, ok? - Assenti em resposta, não tendo certeza se eu conseguiria falar algo. – Me desculpe. Eu sei que fui um chato insistindo. E, sim, eu sou realmente um pouco mimado. , eu ganhei viagem para a Disney! – eu ri. – Mas, eu fiz aquilo tudo, sobretudo, porque eu quero sua companhia. Não queria que aquele nosso primeiro, hum – ele limpou a garganta – encontro, fosse o último. Me desculpa? - assenti, o abraçando no impulso.
  – E então, o que você queria me falar? - continuou ele.
  Ele me olhou, nossos corpos ainda em uma metade de um abraço. Nossos rostos próximos, seu olhar brilhante, seu sorriso bonito, que só me fazia sorrir.
  - Esquece, . Eu perdi as palavras. – ele sorriu safado e eu escondi meu rosto em sua clavícula, toda envergonhada.
  ----
   se inscreveu em nosso grupo de turistas e entrou no trem conosco, lá pelas 8 e meia, rumo a Águas Calientes. Como eu já havia dito, não é o meu lugar preferido. Na verdade, está mais pra eu odiar aquele lugar que foi construído ao redor do trem. Não tem paisagens muito bonitas, não tem nada muito interessante para fazer lá, mas, incrivelmente, é roteiro certo para os turistas.
  Talvez eles achem legal comprar porcarias, então temos a melhor atração, o camelódromo, com seus vendedores insistentes. Aliás, insistente é elogio. Eles são chatos mesmo!
  Assim que chegamos nos estalamos numa pequena pousada para alimentação e troca de roupa e seguimos para o camelódromo. Eu olhei para e apontei para o outro lado. Ela assentiu, entendendo que eu ia dar o fora dali. Lembram que eu me irrito com repetições? Pois esses vendedores ficam em seu pé, revivendo as mesmas frases e empurrando-lhes produtos.
  Comecei a andar, avistando logo à frente , com uma cara extremamente confusa. Havia uma mulher baixa, bem queimada de sol, segurando-lhe o braço tentando empurrá-lo até seus produtos. Ele dizia algo em inglês, obviamente, e ela nada entendia, então ignorava-o e falava suas coisas em espanhol.
  Caminhei até lá, falando com a mulher para deixá-lo em paz. Uma nativa conhece a outra, principalmente quanto esta é uma guia. Sabendo, assim, quem eu era, ela sorriu forçadamente e saiu dali. Eu olhei para e sorri.
  - É por isso que eu odeio esse lugar. Esses vendedores enchem o saco. Já vi muitos turistas comprando muitas besteiras só por não aguentarem mais o espanhol arrastado deles. – fiz careta.
  - Obrigado, então, minha salvadora. – exclamou ele, visivelmente exagerando.
  - Pode deixar, eu vou cobrar. – pisquei pra ele, o fazendo rir. O que, aliás, não era bem difícil. – Vem, vamos. – puxei-o pelo pulso.
  Sentamos em uma pequena lanchonete. Na verdade, os degraus dela. Eu gostava de degraus, de ficar perto do chão. Era bem no fim do camelódromo, então podíamos ver todos caminhando por lá e fazendo compras.
  - Nossa! – soltei, não me contendo, depois de alguns minutos. me olhou com um olhar interrogativo e eu meneei a cabeça em direção ao comércio. – Aquele francês ali, de camisa azul, acabou de comprar um espremedor de macarrão. - Ele riu.
  - Ei, como você sabe que ele é francês? - ele inquiriu, sua voz curiosa e seu olhar questionador.
  - Está vendo que ele está com um cigarro na mão? Francês. E toda vez que ele fala ele mexe muito a boca. – ele assentiu, me dando margem para continuar – Está vendo aquele grupo ali? - ele murmurou positivamente – são brasileiros. Eles andam em grupos, geralmente, e sempre tem alguém com um chinelo. Não sei qual é o problema deles com tênis.
  - Eles devem ter chinelos bons – sugeriu, dando de ombros.
  - É uma boa consideração. Aquela dupla de casais ali, italianos. Observe o quanto eles gesticulam, é uma característica marcante deles. E eles têm corpos esculturados, também. Ah, podem ser argentinos, eles adoram copiar os italianos. Mas, por via das dúvidas, os chame de italianos e eles vão adorar!
  ----
  Nós comemos em um restaurante, todos juntos, alguns fizeram massagens, outros conheceram a pequena comunidade, outros compraram ainda mais. No fim do dia, nós pegamos o trem de volta. Todos estavam exaustos e famintos, mas hoje o jantar seria por conta deles.
  Eu e não tínhamos obrigação de levá-los a qualquer lugar para comer, então quando chegamos ao hotel, despedimo-nos. Uma adolescente, entretanto, do grupo, chegou ao meu lado e perguntou se podia ficar comigo até a hora de dormir. Ainda eram um pouco mais da sete e a garota, que estava com a família, parecia meio nervosa. Olhara para mim no trem e sorriu simpaticamente. Eu, claro, disse que sim.
  , entretanto, não ficou imensamente feliz. Acho que ele planejava algo, mas tudo fora por água a baixo. Então, ele se despediu, despejando um beijo na minha bochecha e dando um tchau fofo para a garota. Eu segui com ela para a lanchonete do hotel, comprando chocolates e refrigerante. Nós sentamos na recepção e começamos a nos servir.
  - Ele é seu namorado? - ela perguntou, tímida, referindo-se a . Eu neguei. – Ele é bonito! – ela acrescentou, envergonhada.
  - Sim, ele é. – concordei, rindo. – Lindo, não? E simpático. Divertido. Legal. – comecei a enumerar suas qualidades.
  - Eu acho que você quer namorar ele! – ela revelou, com um leve rubor nas bochechas. Eu ri novamente. Que graça de menina!
  - Talvez. – soltei, sorrindo. Ela respondeu também com um sorriso. – Então, me diga, porque está tão nervosa?
  - Eu beijei um garoto!
  - Legal! – parei um momento - Foi legal, não?
  - Foi. – ela riu – Ele também é da excursão e nós conversamos bastante. Então, hoje ele me beijou! Ele é tão fofo!
  - Era isso que você queria falar comigo? - passei a mão em sua franja, arrastando-as para trás.
  - Sim. – ela assentiu. – Eu queria contar a alguém e você parece muito legal. – ela sorriu.
  - Obrigada! Qual o seu nome? - inquiri, me apresentando - O meu é .
  - Sou Iris. – dei-lhe um beijo na bochecha – E eu acho, amiga , que você devia fazer igual a mim.
  - É? - perguntei, curiosa. – Em que sentido?
  - Você devia beijar aquele rapaz!
  ----

  - Eu quero saber quando vou poder passear com você de novo. – apareceu em minha frente, enquanto eu apressadamente comia um sanduiche.
  - Desculpe, , estou ocupada. Iris e Mark foram ao hospital ontem se queixando de dores e estão febris. Deve ser uma virose qualquer, mas eu preciso ficar lá. – expliquei-lhe, já levantando. – Aliás, já estou saindo.
  - me contou o que houve. – ele puxou meu pulso, me virando para si e me impedindo de deixá-lo. – Eu queria saber por que ela ou seu primo não podem ficar no hospital enquanto você continua os passeios.
  - Você está sendo egoísta, . – resmunguei, tirando-lhe sua mão da minha lentamente. – Eu me aproximei de Iris aquela noite e ela me considera sua amiga. Não há melhor pessoa para ficar lá no momento.
  - Desculpa. – ele pediu, abaixando a cabeça e colocando as mãos no bolso da calça jeans. Ele havia desistido de shorts depois de eu tanto rir dele. – Eu sinto sua falta.
  - Eu também sinto a sua. – sorri. – E ainda temos mais cinco dias de excursão pela frente.
  - Eu vou embora depois de amanhã. – ele comentou, me fazendo morder os lábios.
  - Sabe, - comecei, refletindo - quando eu falei com a Iris aquele dia, ela me disse que havia beijado um garoto, o Mark. Mas, bom, ela me falou uma coisa realmente interessante sobre o que eu devia fazer.
  - E o que seria isso? - ele inquiriu, curioso.
  Me aproximei dele, passando meus braços por seus ombros. Ele sorriu, embalando seus braços em minha cintura. Sorri também e findei a distância entre nossas bocas, fechando os olhos. Num primeiro momento, nossos lábios somente se manteram encostados, descobrindo aos poucos o gosto do outro. E então, eles foram se abrindo, tremendo levemente, dando espaço ao novo beijo.
  Diante de o quanto minha boca estava trabalhando, eu não conseguia sorrir com ela. Mas eu sorri com os olhos. E, eu tenho certeza, ele também.
  ----
  Não era coincidência que Iris e Mark, logo ele, estivessem ficado doentes. Eles se beijaram em um dia e, no outro, os dois estavam apresentando os mesmos sintomas de virose. Um passou para outro. Não é a melhor experiência pós-primeiro beijo para a Iris, mas, ainda sim, quando a encontrei no hospital, ela estava sorridente. Um tanto pálida, mas ainda feliz.
  Eles estavam lá desde o dia anterior, quando começaram a apresentar alguns sintomas. Agora, quando voltei ao hospital, eles já estavam bem melhores, com os remédios tomados e altas prescritas para o final do dia.
  - Eu segui seu conselho! – confidenciei a Iris, logo que seus pais resolveram ir a cantina matar a fome.
  - Você o beijou? - ela perguntou, visivelmente animada. Eu assenti, sorrindo. – Que legal! Sabe, o Mark veio aqui, disse que estava preocupado comigo e falou que gosta de mim. – ela sorriu envergonhada.
  - Alguém está apaixonado – cantarolei, fazendo-a tampar o rosto que ficava corado.
  Horas depois, nós voltamos todos juntos, dividindo dois táxis, já que a família dos dois adolescentes também estava ali. Fomos direto ao restaurante e saciamos a fome antes de voltarmos ao hotel.
  Foi lá, em sua entrada, que eu encontrei .
  ----
  Caminhei lentamente até ele, depois de me despedir dos turistas. Minha cabeça se mantinha abaixada, porque eu simplesmente estava morta de vergonha. Eu tomara a iniciativa para o beijo e, agora, não sabia o que fazer. Não sabia nem como olhar para ele.
  - Oi – saudei, insegura.
   colocou a mão na minha cintura, puxando meu corpo para perto do seu. Levantou meu queixo levemente, me fazendo olhar em seu rosto sorridente. Eu devia evidenciar todas as reações de nervosismo: tremedeira, insegurança no olhar, cautela extrema em tocá-lo; pois ele tratou de perguntar:
  - Você quer isso, certo?
  Sua mão passou em meu rosto, desenhando minhas linhas, contornando minhas bochechas, entreabrindo meus lábios secos. Meu coração acelerou e eu me foquei nele, querendo achar algum sinal de nervosismo nele. E encontrei. Suas mãos, apesar de seguras, estavam tremendo. Seus lábios também.
  Mas, ao mesmo tempo, ele exalava um sorriso enorme. Um olhar brilhante. Eu o encarei, senti nossos corpos perto e me dei conta do quanto aquilo parecia tão certo.
  - Só se você quiser. – respondi, insegura, apesar de querer gritar altos “SIM!”.
  Ele acabou com a distância entre nós, batendo nossos lábios. Diferente da outra vez, esse beijo foi afoito, desesperado, sua mão apertando-me.
  E, mesmo que eu antes não quisesse nada daquilo, ali e agora, eu tinha passado a querer.
  ----
  - Hoje eu vou levar você para conhecer minha família! – exclamei a enquanto fazíamos nosso desjejum.
  - Nossa! Um pouco rápido, não? - inquiriu ele, parando com o copo no meio do movimento.
  - Relaxa, bobo! – eu ri – Vou mostrar a cidade a você, a verdadeira cidade e como as casas são aqui. Temos lugares lindos, mas a população não vive bem. – suspirei – Você sabe o que significa Cusco²? - ele negou – Umbigo.
  Ele fez uma careta e riu em seguida.
  - Cultura, baby. – dei de ombros – Dizem que é o verdadeiro umbigo do mundo, de uma forma pejorativa. Mas, bom, eu acho que o umbigo é importante. Quer dizer, se não fosse o umbigo, como viveríamos no útero das nossas mães? Enfim, sabe o que é o melhor, ? Vai ser só eu e você!
  Depois do intensivo que passei no hospital, meu tio me deu um dia de folga, que eu disse que eu passaria em casa para ver minha família e descansar um pouco. O que, aliás, não era de todo mentira, eu realmente ia passar lá.
  Só que, antes, eu e passamos a manhã toda em Cusco, observando os velhos e crianças mais pobres, marcados pela vida. Ajudamos todos com moedas. Almoçamos em um restaurante com uma comida maravilhosa, mas com aparência tão frágil que parecia que tudo desabaria com uma simples chuva. Aliás, a maioria das casas mais populares ali tinham seus tijolos vermelhos de barro, suas estruturas ainda de pé pela falta de chuvas fortes.
  À tarde, aproximamo-nos novamente de Machu Picchu. Minha casa ficava em uma área rural, próxima de lá. Logo na esquina da rua pude avistar meu pai, cortando a folhagem com a tesoura de jardinagem.
  - PAI! – gritei dali mesmo, repleta de saudades dele.
  Ele me olhou e sorriu. Eu acelerei meu passo, puxando também. Ele tentou me segurar, exclamando que não saberia o que fazer, mas eu respondi-lhe simplesmente para não se preocupar. Quando perto o suficiente, me joguei nos braços do meu pai e lhe abracei.
  - Este é o . – apontei para o turista, inventando logo uma desculpa – Ele quis conhecer a verdadeira Cusco.
  Eles apertaram as mãos e trocaram algumas palavras. Logo meus irmãos saíram, escutando minha voz, e correram até mim, pulando em meu colo em seguida. Juan e Sisa sorriam bastante, enquanto matavam suas curiosidades em perguntas.
  - Vou mostrar ao a casa e encontro vocês lá dentro, ok?
  Nos demos até logo e eu segui com ele em meu encalço para o fundo da casa, onde tínhamos plantações de batata e milho. Ele parecia meu surpreso em ver aquelas coisas, então lhe perguntei se nunca estivera em um lugar rural como aquele.
  - Bom, há até alguns lugares assim pelo meu país, mas não é nada como aqui, não que eu tenha visto. A vista daqui, por exemplo, é linda. Montanhas e montanhas e as construções do povo antigo. – deu de ombros – É totalmente diferente dos lugares que eu viajei. É tão mais ligado à natureza, é tão mais bonito e especial.
  - E você gosta? – inquiri, preocupada que tudo aquilo fosse muito diferente da vida dele, mais do que o aceitável.
  - Gosto. Muito. É o lugar mais lindo que eu estive. – ele sorriu para si mesmo, sem desviar o olhar da paisagem. – Mas, talvez, eu não seja o melhor para julgar isso.
  - Por que, oras?
  - Talvez eu esteja me deixando levar por um sentimento por uma garota. – ele olhou para mim, aquele sorriso lindo nos lábios. – Desde que eu a conheci, tudo ao meu redor se tornou mais bonito.

  ²- Cusco é também uma cidade do Peru, próxima de Machu Picchu, onde vive milhares de pessoas e é destino também dos turistas.
  ----
  Quando me falou que queria me levar a um lugar, eu fiquei preocupada. Tudo bem que eu só o conheci porque ele se achou capaz de fazer algo totalmente maluco, no caso. Mas, agora, com ele ao meu lado, ele já não precisava achar que conhecia tudo por ali. Em meio aos meus protestos durante o caminho - saímos do hotel depois de trocarmos de roupa – ele beijava-me, tentando me calar.
  Fora só depois de um tempo que eu percebi onde ele estava me levando. Ao café, aquele café em que eu o reencontrei. Em que ele me chamou de criança e pediu novamente para que eu o levasse a montanha. Sorri com as lembranças de como tudo começou. Parecia tão distante, apesar de poucos dias. Eu sentia como se o conhecesse a anos.
  - Ao Café, é?
  - É o único restaurante que eu sei o caminho! – ele se justificou, arrancando risadas de mim.
  Ele falou qualquer coisa com o dono do estabelecimento e minutos depois nós íamos à varanda. Minha boca se escancarou a surpresa de vislumbrar uma mesa para dois repleta de velas, iluminando a noite escura. Aquela paisagem magnífica a nossa frente.
  - É assim que fazemos no meu país. – exclamou ele, me vendo concordar meio abobalhada.
  Nós jantamos um sanduiche qualquer, nada chique. Bem simples, na verdade, do jeito que eu gosto. Rimos bastante: um do outro, um junto com o outro. Relembramos nossos momentos, nos esbaldamos na sobremesa de caramelo.
  E, ao fim, o tão inesperado momento.
  Ele pegou minha mão, sempre sorrindo para mim, e perguntou:
  - Quer namorar comigo?
  Eu sorri como uma idiota. Sentia meu estômago embrulhar de felicidade. Minha mão, de repente, começou a tremer. Então eu sustentei minha voz firme e decidida e respondi:
  - Sim.
  Foi uma noite perfeita.
  ----
  E, de repente, no dia seguinte, eu acordei do sonho. Nossos beijos, nossos carinhos, nossos sorrisos trocados, tudo seria apenas lembrança. Era o dia do voltar a sua terra. Era o triste dia da despedida.
  Nós pegamos um táxi no hotel e levava sua mala toda em uma grande mochila nas costas. Eu segurei sua mão e não ousei soltá-la. Estava calor e, junto ao nervosismo, nossas mãos suavam, mas eu simplesmente não podia deixá-las uma sem a outra.
  - Foi a melhor viagem da minha vida. – ele exclamou, assim que seu voo foi anunciado. – Eu adorei te conhecer, .
  Ele se aproximou e beijou-me fortemente, refletindo já seu sentimento de saudades. Eu o abracei ao máximo, aproveitando seu corpo junto ao meu pela última vez.
  - Eu vou voltar, . Eu prometo que eu vou. – ele suspirou, passando sua mão pelo meu rosto – Você é diferente de todas as outras. Eu... – engoliu em seco – eu gosto muito de você.
  E então ele desapareceu pelo portão de embarque.
  ----

  Passou-se uma semana. Os turistas já foram embora e, de amigos, ficou Iris, a beijoqueira, e Mark, o fofura. Apesar de anos mais novos que eu, construí com eles, com a repentina virose e os acontecimentos entre eles, laços que ficarão mesmo a distância de um oceano. Queria falar a mesma coisa de . Queria profetizar, mais que tudo, que nossos laços, nosso namoro, continuariam sempre a mesma coisa. Mas, com tamanhas milhas longe, tudo fica mais difícil.
  Eu mal falava com ele na internet, já que ele estava ocupado com a família, a festa da mãe e a formatura da faculdade na mesma semana. Foi fechando o computador com desgosto, depois de vê-lo mais uma vez off-line, que escutei uma buzina perto de minha casa. Olhei para o relógio, vendo que ainda era cedo para meu pai chegar, tão pouco minha madrasta com meus irmãos da escola.
  Segui até a entrada então, avistando o carro de . Uma velha caminhonete azul que fazia um barulho agonizante, mas que servia para nossos passeios de vez em quando. Sorri, pensando que ela me convidaria para dar uma volta, quando vi que havia um passageiro.
  Engoli em seco, enquanto meus olhos se ajustavam a visão. Eu fiquei um momento olhando, com medo de minha visão estar embaçada pelas saudades. Mas ele continuava lá.
  .
  Sem ao menos pensar uma segunda vez, corri até ele. Minhas pernas vacilaram pela parada brusca quando já estava em frente a ele, que me puxou pela cintura. Nos beijamos desesperadamente, o ar nos faltando aos poucos e nós não nos importando. O abracei pela cintura, pousando-me em seu peito. Senti seu coração batendo rapidamente.
  Sorri. Como eu senti falta daquilo tudo. Vivemos poucos dias juntos, mas fora tudo tão intenso, tão apaixonante. E os sete dias longe dele, tão ruins, tão melancólicos. Eu o olhei, vendo-o sorrir. Como sempre. E aquela lembrança, junto ao sorriso, me fez sorrir. Como aquilo era importante para mim, agora!
  - Eu senti tanto sua falta, falta desse seu lindo sorriso. – revelei.
  - Senti tanta falta de você sorrir para mim também. De você me focar em seus olhos castanhos brilhantes. De ter você perto de mim. De te beijar. – ele suspirou, fechando os olhos, sentindo o momento – Tudo parece tão completo agora, perfeito.
  Beijei-lhe novamente, louca para matar as saudades, para compensar os dias perdidos.
  - Como veio parar aqui? – inquiri, visivelmente curiosa. Aí, sim, lembrei-me de , que estava logo atrás, encostada no carro. Eu sorri para ela, ela me saudou com felicidade. – .
  - Sim. Você não tem celular, mas ela tem. Então eu resolvei fazer uma surpresa a você. Pedi que ela me trouxesse até sua casa. – ele apertou levemente minha cintura – Tenho algo a lhe contar.
  - Ok! Mas, primeiro, preciso dizer uma coisa, antes que eu perca a coragem. – avisei, o vendo concordar – Eu acho... Acho que estou amando você.
  Eu já o vi sorrir muitas vezes nesses dias. Esses sorrisos me traziam a felicidade, me faziam também sorrir, porque eram extremamente vibrantes, lindos, intensos. Mas o sorriso que ele me deu depois da minha revelação... Foi algo de outro mundo.
  ----
  - Será que eles precisam de um engenheiro para deixar Machu Picchu em pé? – perguntou, depois de beber um gole de sua água. Nós, agora, estávamos no degrau da entrada da minha casa, sentados, já sem , conversando. Eu o encarei, não entendendo – Porque eu preciso começar a procurar emprego por aqui.
  Pulei em cima dele, o abraço forte. Ele retribuiu, seus braços em minhas costas, seu nariz em meu pescoço. Ele sussurrou ali, bem baixinho: “Eu te amo”, embora eu já soubesse disso somente por suas feições. Eu, de novo, sorri para ele.
  - Acho melhor você se acostumar a usar shorts – comentei, vendo-o fazer uma careta em seguida.
  Eu sempre me achei completa. Dois braços, duas pernas, dois olhos, ok. Mas, depois de , eu precisava de mais dois braços, dois olhos e duas pernas finas e branquelas. Não podiam ser qualquer umas, tinham de ser dele. E somente dele.
  Ele beijou centenas de vezes aquele dia. E milhares de vezes pelo resto do ano. Sempre com aquele sorriso maravilhoso, evidenciando todos os sentimentos dele, emanando sua felicidade. E me fazendo feliz.
  E, então, eu definitivamente escolhi um apelido para : sorridente. Mas, agora, ele não era mais turista. Pouco a pouco, ele se tornaria um nativo. E eu poderia chamá-lo por outros apelidos, então, como amor.

FIM



Comentários da autora