Louise

Escrito por Marcella R. | Revisado por Maah

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  A menina corria desesperada, mesmo sem saber do quê. Ela queria gritar, mas sua voz já havia se perdido há muito. Ela sabia que não adiantaria correr, mas, por algum motivo desconhecido por ela, saber deste fato só a fazia correr mais.
  Um barulho se ouviu muito perto, fazendo com que ela se assustasse. A garota tropeçou e caiu, somente pra assim que percebesse sua vulnerabilidade jogada naquele mato alto, longe demais da estrada, voltasse a correr.
  O sol estava alto no céu, algo lhe dizia que era meio dia. Uma gota de suor escorreu por sua têmpora, mas ela não tinha tempo pra secar sua testa. Seus pés doíam, gritavam de dor pelo tempo em que estavam naquele exercício: correr, correr e correr, mas eles precisavam continuar daquela forma. Se não continuassem, teriam poucos minutos nesse mundo. Era a vida da garota que estava em jogo ali e ela precisava correr como nunca correu na vida.
  Ela se distraiu por um momento, sentindo suas mãos raladas arderem, e isso foi o bastante pra que tropeçasse nos próprios pés novamente e caísse pela... Vigésima vez? Talvez mais.
  Dessa vez, porém, sabia que não conseguiria levantar a tempo. Ele já estava perto demais. Podia sentir sua presença fria espiralar em volta dela.
  A garota tentou controlar a própria mente, focar em tudo o que ela conhecia, mas foi em vão, porque logo ele já havia se apossado de sua mente e de todo o controle de seu corpo.
  Agora a menina gargalhava insanamente, como se o fato de não ter bebido água há tantas horas não fizesse a menor diferença. Seu corpo estava arqueado enquanto ela arranhava o próprio rosto, antes bonito, mas agora apenas sujo e em carne viva.
  Ela gritou em júbilo, mas aquele grito não pertencia à ela. Era como se no mínimo quatro garotas com vozes muito mais grossas que a dela gritassem ao mesmo tempo. Não era ela gritando, era ele. Algo disforme. Mais que uma sombra e bem menos que um corpo. Um ser indefinido que não pensava racionalmente. Tudo o que parecia ver, sentir ou alimentar-se de era o ódio.
  Nem ele saberia o que era ou sequer o próprio nome. Se é que tinha um. Não saberia dizer há quanto tempo vagava por esta Terra, mas isso era parte dele. Na verdade, caçar, possuir, enlouquecer e matar eram tudo o que ele era.
  - SAIA!
  Por um momento, a voz da menina era a dela novamente. Talvez estivesse lutando pelo controle de sua mente e seu corpo, ambos tão fortes antes, mas que agora eram apenas trapos. Mas mesmo que lutasse pelo controle, sabia que era o fim. Já era tarde demais pra ela.
  Ao constatar esse fato, ela sentiu uma dor insuportável no peito e as lágrimas escaparam-lhe. Rostos passaram por sua mente, mas antes que pudesse reconhecê-los, gargalhou novamente, sendo dominada por aquele espírito maligno outra vez. Aquele mesmo que já havia lhe tirado tudo o que tinha.
  Pior: tinha feito que ela mesma tirasse de si tudo o que tinha e amava neste mundo. Como os pais, que morreram enquanto ela não conseguia se livrar dele. E o namorado, que agora estava internado depois de ter sido arremessado contra uma janela.
  Pelas mãos dela.
  Talvez o pesar tenha expulsado o que quer que a estivesse controlando naquele momento. Talvez ela, finalmente, depois daquelas duas longas semanas sendo perseguida, feita de brinquedo e de assassina de seu próprio sangue, ela estivesse aprendendo a controlar-se.
  - Mas de que adianta?
  A menina percebeu que ele estava sem controle sobre ela quando ouviu a própria voz choramingar.
  - De que adianta?
  Não adiantava pra ela. Tudo o que ela queria é que ele tornasse a entrar em sua mente e a levasse à morte ou à loucura, qualquer coisa que não a fizesse pensar ou sentir. Mas, pra ele, aquilo era desesperador. O pesar dela o repelira e isso nunca lhe acontecera antes. Ele precisava matá-la o mais rápido possível, antes que perdesse sua presa.
  Ele tomou forma em frente à ela, sabendo que ela não poderia enxergá-lo, mesmo que aquela fosse a forma mais substancial que já tinha conseguido ter. Mas ele sabia que ela poderia senti-lo por perto.
  Só que ela não tinha mais nada a perder. Morrer agora seria um alívio.
  Ele estava preparado para acabar com ela, mas algo estranho aconteceu quando olhou em seus olhos .
  Sentiu como se ambos tivessem sido transportados para um lugar distante daquele campo mal cuidado sob o sol quente do início de verão. Mas o cenário não era a única coisa que havia mudado; ele podia sentir-se. E sabia que, de algum jeito, estava tão vivo quanto a garota que ele estivera atormentando.
  Olhou pra ela, e percebeu que não conseguiria desviar o olhar nunca mais. Porque aquela à sua frente não era uma garota comum, era ela.
  - Hey garotão – uma voz muito suave saiu da boca dela – Sabe que não adianta me olhar desse jeito, não sabe?
  - Você ainda vai ser minha, Louise – uma voz grossa de homem disse, e então ele percebeu que aquela era a voz dele. Pôde sentir um sorriso se formando em seu rosto, e sua voz transbordava carinho ao olhar naqueles olhos tão bonitos e que ele havia admirado durante longos anos. – Eu ainda vou me casar com você.
  Louise riu e cena mudou. Agora ele corria desesperado pelas ruas que pareciam terem sido tiradas de um filme de época. Ele sabia que algo tinha mudado, que o tempo tinha passado, porque o ar estava mais seco, e não estava frio como antes. E, de alguma forma, agora ele se sentia mais velho. Suas pernas pareciam pesar mais e seu cabelo também havia crescido, já que enquanto corria, ele sacudia-se, por vezes grudando em seu rosto suado.
  Ele não sabia por que corria, mas sabia que precisava chegar à algum lugar, e teve ainda mais certeza disso quando ouviu uma risada alta, que lhe parecera familiar.
  Ele corria como um louco, até virar na esquina de uma rua sem saída. Ali, ele estancou.
  Louise poderia tê-lo traído. Ele se sentiria muito melhor se ela tivesse simplesmente escolhido um dos outros rapazes – mais pobres do que ele - que a cortejavam. Ou ela poderia estar ali preparada para atirar algo contra ele, fazendo com que ele sentisse muita dor, mas ele não ligaria. Só não queria estar vendo o que via.
  Porque o que ele via era muito pior. Sua Louise estava sendo machucada.
  Ele avançou, seus passos ainda cambaleantes pela surpresa, e a primeira coisa que fez foi arranjar algo com o qual pudesse afastar aquele monstro de perto dela. Nem sequer conseguiu ver o que pegou, mas era algo pesado.
  Quando ele se aproximou do monstro que tinha sua Louise em mãos e a machucava ao invés de acariciá-la, ele estancou novamente. Porque o monstro era um homem muito conhecido. O homem que ele cresceu assistindo e desejando ser igual. Era seu pai.
  Seu pai que dizia amá-lo e ter orgulho dele tinha rasgado as roupas frágeis de Louise e fodia ela como se fosse a melhor coisa que já havia feito na vida.
  Louise chorava em silêncio. Parecia cansada e, quando tentou falar ao vê-lo ali, soluçou. Seus olhos mandavam apenas um sinal para ele: socorro.
  - Você sabe que essa criadinha nunca foi pra você não é, filho? – o monstro disse, quando percebeu que ele estava ali. Continuava investindo contra Louise, mas agora tinha um sorriso no rosto. E tudo o que o rapaz conseguiu fazer foi sentir raiva pela voz daquele monstro não estar sequer assustada ou arrependida.
  Louise chamou-o e foi o que bastou. Levantou o que quer que estivesse em suas mãos e acertou o homem na cabeça.
  Aquele era seu pai, sangue de seu sangue, e ele não acreditava que ele pudera fazer aquilo. Empurrou-o para longe de Louise e ela gemeu de dor. Ajoelhou-se ao lado dela e ouviu soluços desesperados.
  - Obrigada – ela disse, com a voz falha, e ele tentava levantá-la, mas ela estava mole.
  - O que ele fez com você, Louise? – ele perguntou, e foi só nessa hora que percebeu que os soluços que ouvira antes eram dele.
  Louise fez careta, a bonita feição contraída em uma dor que ela não merecia sentir. Foi quando ele percebeu que o cabelo de Louise estava molhado. De sangue.
  - Lou... Louise...
  - Shhh – ela fez, quando ele olhou-a desesperado – Não chore.
  Ele pretendia levantá-la e correr com ela para algum lugar no qual pudessem ajudá-la, mas Louise caçou sua mão e segurou-a com força, impedindo que ele fizesse qualquer outra coisa.
  - Eu queria, sabe?
  - Queria o quê, Louise?
  Ela sorriu.
  - Me casar com você.
  Então seu sorriso sumiu e um espasmo passou por seu corpo. O garoto sentiu o aperto da mão dela ficar cada vez mais fraco e ele sabia que a estava perdendo.
  - Não, Louise, Não! – ele gemia, soluços altos irrompendo de sua garganta – Não Louise, por favor, não me deixe! Eu amo você, eu amo, amo, amo você!
  O que era amar duas vezes mais que o normal, mas Louise já havia o deixado.
  Ouviu um movimento atrás de si e se virou.
  O monstro estava acordando, e logo que o viu, um ódio maior do que qualquer coisa que já sentira se apossou dele. Um ódio maior até mesmo que o seu amor por Louise. Aquele amor que lhe trazia uma sensação quente e que ele cultivara durante anos a fio, agora estava sendo substituído por um ódio maior do que ele mesmo. Ainda não sabia o que faria com a própria vida miserável, mas sabia o que faria com a vida do monstro.
  Era hora de fazê-lo voltar a dormir, só que dessa vez por muito tempo.

  A garota continuava a olhar assustada ao redor, sem saber o que tinha acontecido ao espírito que a assombrava. Ele tinha desistido?
  Talvez sua vontade de viver ainda fosse grande, talvez estivesse apenas consolando a si mesma quando pensou que a morte seria um alívio, porque ela encontrou forças para se levantar pronta pra voltar a correr, mas uma voz perturbada a interrompeu.
  “Seu nome. Diga-me seu nome.”   A voz parecia estar dentro da cabeça da garota e ela levou as mãos até a testa, pressionando o local como se isso fosse o fazer sair de dentro da cabeça dela.
  “Diga-me o seu nome AGORA”, a voz não estava mais descontrolada e perturbada. Agora estava raivosa.
  - ... – a menina disse, e foi deixada em paz.   Não era ela. Não era sua Louise. Era muito parecida. Era parecida demais, mas não era ela.
  Ele ainda estava com as imagens da verdadeira Louise na cabeça quando percebeu que corria novamente. Ele não se mexeu. Sequer conseguia se livrar das imagens que revivera.
   corria como uma louca novamente, uma louca desesperada. Não tinha ideia do que o nome dela fazia de diferença, mas ela corria como uma doida.
  Percebeu que estava chegando até à estrada quando pôde ouvir novamente o som dos carros.
  “Por favor, por favor”, ela pensava. “Quase lá. Apenas 100 metros. 90 agora, eu sei que você consegue...”
  Estava a vinte metros da estrada quando alguém a notou. Um carro parou e ela quase sorriu.
  - Me ajudem, por favor, me ajudem! – gritou, com o restinho de voz que tinha. A mulher que estava dirigindo saiu do carro e parecia querer perguntar o que lhe acontecera – Só me ajude, por favor!
   chegou até a porta do carro, mas, novamente, já era tarde demais pra ela.
  Suas pernas cambaleantes ganharam força e ela se afastou daquele carro, indo em direção à pista. Olhou para um caminhão que estava vindo à toda velocidade e um sorriso diabólico apareceu em seu rosto antes de entrar na frente dele.
  Um baque alto se ouviu e o grito da mulher que estivera dirigindo o carro também.
  Sangue voou para todos os lados, e a garota agora era apenas mais uma mancha no asfalto.
  “Eu não sei meu nome”, ele pensou consigo mesmo, se afastando da cena para buscar sua próxima vítima. “Eu não sei meu nome, nem de onde vim. Tampouco sei para onde vou. Tudo o que sei é que o ódio me alimenta, me fortifica. Mas agora eu sei meu motivo para odiar.”
  Já estava longe, perto de uma garota que odiava aquela que roubara seu namorado. Já tinha ideias de o que faria para matá-la. Sentiu sua própria raiva ser alimentada novamente.
  “Desculpe, mas eu não vou abrir mão de nada disso, Louise.”
  Porque, no fim das contas, Louise nem existia mais.



Comentários da autora


Primeira fanfic que escrevo pra um especial e terceira que a sinopse fica melhor do que a estória em si... sou muito gênio, né?! KKK
Enfim, tive a ideia no dia que li sobre o especial, e como isso é raro de acontecer, mandei a fanfic. Sei que ?Louise? não está exatamente uma estória de terror ou sangrenta, mas ?meu? gênero é o drama, e já foi tipo um milagre ter conseguido terminar essa, então tá valendo, né? u.u
Obrigada por terem lido e espero que tenham gostado um pouquinho haha. Beijos! Xx