Just... Nothing

Escrito por Bruh Fernandes | Revisado por Beezus

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Parte do Projeto Songfics - 5ª Temporada // Música: Bruno Mars – It Will Rain

  No começo, é divertido. Não, não diria que a palavra divertido é a melhor para descrever o que eu sentia. Aliás, esse é o ponto: eu não sentia. Mas, vamos aos poucos.
  Como eu estava falando, quando tudo começou, era legal se passar pelo cara que não liga pra nada, que está pouco se fodendo pra vida. É um alívio deixar de sentir tudo. E eu digo tanto à imensa alegria de conhecer um lugar diferente, quanto à imensa tristeza de ver sua vó morrer. É bom não ser suscetível àquela tonelada de sentimentos que com certeza derrubaria qualquer um.
  Tudo mudou quando eu fiz anos e fizeram uma festa surpresa para mim. É aquilo, 21 só se faz uma vez, tem que se comemorar! Não que a gente faça 16 ou 43 duas vezes, mas essa foi à desculpa dos meus amigos. Estes, tão animados, esperavam que eu ficasse muito feliz com a festa, afinal, surpresas são legais!
  Quer dizer, não, elas não são legais. Eu nunca gostei delas, mas, ok, eu poderia fingir gostar porque meus pais me ensinaram a ser educados. Parecia fácil, mas eu não consegui. Então, que seja, que eu mostrasse a pura frustração que eu sentia em ter sido enganado!
  Aí está a grande questão. Eu não sentia absolutamente nada. E eu juro que tentei, por milhares de vezes, sentir qualquer sentimento que fosse. Todavia eu simplesmente não conseguia. Foi aí que um passarinho verde me falou que eu estava sofrendo da doença do século: a depressão.
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  Incompreendido. Acho que posso definir a mim e a todos os depressivos assim. Assim fora Van Gogh, um belíssimo pintor impressionista que cortara a própria orelha, que morrera solitário e pobre. Se ele, um gênio, terminara assim, o que seria de mim?
  Encarei dormindo ao meu lado. Eu devia estar sorrindo com aquela imagem angelical, mas como se fazia aquilo mesmo? Esticando a pele da boca? Mas eu não tinha que me sentir feliz para esboçar um sorriso?
  Não me entendam mal, eu amo a minha namorada. Amo o fato dela não ter me abandonado. Amo o fato de ela entender que não adianta, o pôr-do-sol que deixa a todos felizes, não vai ter qualquer influência sobre mim. Amo o fato de ela compreender que eu não estou infeliz porque eu quero, ou porque estou sendo dramático, como já escutei tantas vezes, mas pelo simples fato de não conseguir sair desse buraco escuro.
  Aliás, falemos desse buraco escuro. É fácil defini-lo: é um nada. Porque, no fim, é isso que a depressão é: um nada, a falta de. E como lutar contra o vazio? Como tentar achar a alegria quando ela simplesmente não vive lá?
  E aí, vamos a grande questão, pra que continuar a viver? É como um chato aparelho doméstico que fica apitando de dez em dez segundos. Uma hora é simplesmente tão irritante que você vai querer jogá-lo na parede. É a mesma coisa. Eu queria me desligar.
  --
  Eu estava começando a entender tudo aquilo. Tomar um coquetel de remédios logo antes do café da manhã não era nada legal, mas era de longe a consequência mais fácil da doença. A confusão tomava conta do meu ser. Eu queria sentir, queria sorrir para a minha namorada e mostrar o quanto estava feliz por tê-la ao lado. Queria chorar, despejar a tristeza, quando meu amigo faleceu em um acidente de trânsito. Mas como expressar o nada?
  - , você não gostou do relógio, né?
  Olhei para a caixa do presente em minhas mãos, observando o relógio preto e prata. Ele era... legal.
  - Eu... Obrigado.
   esperou qualquer outra reação ou mudança em meu rosto. Não aconteceu. Ela assentiu levemente, engolindo em seco.
  - É um pouco difícil pra mim. – ela mordeu o lábio inferior e deu de ombros.
  - Eu sei. Desculpe-me. – ela concordou.
  - Sinto falta de ver seu sorriso.
  Fechei os olhos fortemente. Eu queria sentir. Aquilo fora um balde de água fria, não? Eu queria sentir, chorar, rir, o que fosse! Mas, bem, querer não é poder.
  - Me desculpe. – fiz a única coisa que eu sabia. Pedir desculpas.
  - Para de ficar se desculpando a toda hora! – a voz dela subiu num quase grito. Eu dei dois passos pra trás. Antes que eu pudesse me conter, saiu:
  - Desculpe. – ela saiu dali correndo para se trancar no quarto.
  --
  Ela achou que eu estava a sacaneando, a irritando, como antigamente fazia. Só que eu não sabia mais fazer aquilo. Eu simplesmente disse o que estava acostumado. Durante aquele tempo desde que tudo havia mudado, eu via as pessoas tentando me animar e elas, obviamente, não conseguiam. E elas ficavam chateadas ou irritadas.
  Eu queria dizer que ficava puto por deixar as pessoas que eu amava assim. Mas, infelizmente, eu não conseguia! Era tão broxante. E isso deixava as pessoas ainda mais infladas pelos seus sentimentos.
   saiu da minha casa com uma mochila nas costas, dizendo que ia dormir fora. Foi no dia seguinte que eu percebi uma coisa muito importante: que eu podia não expressar meus sentimentos, porque eles de alguma forma caíram no triângulo das bermudas; mas, lá no fundo, eu amava aquela mulher. E, sem ela, tudo estava perdido.
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  Dizer que sentir o sol do fim da tarde esquentando a minha pele me deixava feliz era uma completa mentira. Vocês sabem. Mas, de alguma forma, ele ficou frio. O buraco negro ficara ainda mais fundo. E eu enfiei na cabeça que os remédios só estavam piorando tudo aquilo. Aliás, para que tomar os remédios mesmo, pra continuar vivendo aquilo? Me deixa ir até a janela ali...
  Eu cheirava as roupas dela e tentava de alguma forma sentir-me triste pela saída dela. Eu martelei meu braço pra sentir alguma coisa, mesmo que fosse a superficial dor. Eu cortei várias cebolas pra sentir as lágrimas salgadas escorrendo por meu rosto.
  Eu sabia que tinha que chorar. Minha namorada amada não me aguentou e me deixou. Era meu dever sentir-se triste! Mas eu só me sentia um estorvo. Aliás, era a única coisa que eu sentia: que eu estava no mundo para nada.
  Eu não tentei me matar por puro orgulho. Meu pai se matara e seria hipocrisia depois de tantos anos o julgando por isso, fazer a mesma coisa. Foi o que me salvou. Mas eu perdera as contas de quantas vezes subira até o terraço e sentara na beirada, imaginando se eu sentiria alguma coisa me jogando dali.
  Foi vendo filmes de superação que eu me dei conta de que a depressão, afinal, não era nada. E eu ia deixar de viver por nada? Fora difícil na época, mas eu me dei conta de que fosse os melhores médicos ou a melhor mãe e irmã do mundo, nada adiantaria se eu não estivesse disposto a melhorar.
  Até que eu decidi fazer algo para minha vida.
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  Eu recomecei a tomar as pílulas. E me vesti para encontrar meu principal remédio: .
  - ... Olá – ela exclamou, surpresa em me ver em sua porta.
  - Eu sei que é muito difícil pra você entender. É uma confusão só na minha cabeça também. – suspirei - Mas eu percebi que sem você ao meu lado, eu não tenho porque me recuperar. Eu sei que não mostro isso, mas eu te amo, .
  Ela sorriu levemente, dando as mãos pra mim e me olhando.
  - Me desculpe por te largar neste momento difícil. Se é complicado pra mim, pra você deve estar sendo mil vezes pior – ela forçou os lábios um contra o outro, numa careta rápida – Eu vou sorrir por nós dois, prometo. E vou fazer de tudo para que você sinta a felicidade de novo, . A mesma felicidade que eu sinto por ter você ao meu lado.
  --
  Fora complicado para e eu entendo. Eu imagino o quão difícil deve ser conviver comigo mesmo. O eu cheio de sentimentos já era difícil, o eu apático então!
  Nós brigamos várias vezes e ela então vinha correndo se desculpar, como se eu sentisse algo. Eu não sentia. Até um dia.
  - E então a Brooke simplesmente agarrou a blusa, como se... – minha namorada parou olhando para mim abismada.
  - O que, por acaso tem uma azeitona no lugar do meu nariz? - o Bob Esponja fizera efeito, apesar de tudo. Eu não achara a piada engraçada, mas gostava de vê-la rir e queria que ela achasse divertida a minha gracinha. Ela não o fez.
  - ... Você – ela parou, engasgada em suas próprias palavras – está chorando! – ela gritou a última parte, apertando seu corpo contra o meu em um abraço.
  Eu a olhei meio sem reação e então a abracei pelo pescoço. Nunca argumenta com uma mulher.
  O médico, mais tarde, me dissera que era normal, apesar de eu achar completamente estranho. Simpson na TV e lá estavam minhas lágrimas escorrendo. Abrir a geladeira, servi-me de suco de laranja e, de repente, lágrimas. Eu chorava por qualquer coisa.
  Pouco tempo depois, eu encontrei a toalha de na cama. E simplesmente brandeei seu nome.
  - O que foi, querido? - ela inquiriu sem fôlego pela corrida até ali.
  - , a toalha na cama! Vai deixar toda a cama molhada! – exclamei, alto - Meu Deus, parece homem. – reclamei. – Aliás, eu odeio preto, você está de luto por acaso? - ela, assustada, só negou com a cabeça – Então tire esse lençol com essa cor horrível.
  - Você... Odeia? - ela levantou e eu a encarei, entendendo o que ela quis dizer.
  Eu usara as palavras pra expressar o que eu não conseguia sentir, como tantas vezes fazemos? Não, não... Era diferente. Eu realmente odiava preto! E odiava toalhas molhadas na cama seca!
  - Eu odeio. – afirmei.
  O ódio foi o primeiro sentimento que reapareceu. E, se eu pudesse, sentiria uma profunda alegria por isso. Mas odiar já estava de bom tamanho. E eu odiava absolutamente tudo: o sol e a chuva, o frio e o calor, o preto e o branco; odiava até mesmo a mim! E, acredite, aquilo era bom demais.
  --
  Aos poucos, todos os sentimentos voltaram. Alguns mais, alguns menos, alguns em horas não tão apropriadas. Meio desregulados, mas meus novamente. Eu sentia.
  E, tudo bem, o médico podia afirmar e reafirmar que o meu herói era o coquetel de medicamentos que eu tomava, eu realmente acreditava que eles me controlavam; mas a é a . Sempre fora e sempre vai ser a minha heroína.
  Ela foi minha força de vontade. Era por ela que eu queria lutar com o inelutável, destruir esse monstro invisível de sete cabeças. Eu queria sorrir pra ela, demonstrar e sentir que ela me deixava feliz.
  - Que bom que você pode sorrir de novo, . – ela segurou minha mão – Minha boca já estava doendo de tanto sorrir por nós dois. – ela brincou e eu dei a ela um pequeno sorriso.
  - Você chorou também por nós dois, né? - acrescentei, a vendo sorrir em resposta.
  - Eu choro bastante, você sabe – deu de ombros.
  - Sim. Eu sei. – deslizei minha mão por seu braço, a vendo se arrepiar. – Eu sei cada reação de seu corpo comigo. – usei de meu tom malicioso.
  - Pare, . – ela implorou, fechando os olhos de vergonha.
  - Não vou parar, . – apertei sua cintura levemente, pedindo-a para olhar pra mim. – Nunca me abandone mais, sim? - supliquei - Porque se você se afastar dessa vez, todos os dias vão chover... Lágrimas dos meus olhos.
  - Não, não, nunca vou te abandonar. Esqueça aquilo, sim? - ela pediu, dando-me um beijo na bochecha.
  - Já me esqueci. Eu só... Não aguentaria outra vez. – suspirei profundamente e então peguei uma de suas mãos. – Eu já falei que você é tudo pra mim, ?
  - Hoje não...
  - Agora sim... – retruquei, dando-lhe um doce beijo no pescoço. – Eu vou te fazer a mulher mais feliz do mundo... – sussurrei em seu ouvido, a sentindo arrepiar novamente.
  - Só te ver sorrir novamente, – ela respondeu e desta vez eu que recebi um beijo no pescoço – Já me faz a mulher mais feliz do mundo.
  Na luta da vida, eu tinha minha parceira.

FIM!



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