Hear You Me

Escrito por Vê Ferreira | Revisado por Mah

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  Flashback.

  A noite estava agradável. Bom, qualquer lugar com ela era agradável e perfeito. Não havia coisa melhor que estar com ela. Não havia coisa melhor que seu beijo. Ah, seu beijo...
  Estávamos na frente de casa nesta noite estrelada. Eu não queria me despedir e nem parar com o beijo.
  Mas aí ela parou. Claro, sempre era ela a parar. Ela sempre dizia que achava nojento ver um casal se beijando com tanto vigor na rua. Ela achava constrangedor olhar. Por isso, ela era sempre muito cautelosa no meio da rua.
  Eu amava isso nela.
  - Ei – Ela disse, separando nossos lábios. – Amei o jantar. Amei seus pais. – sorria. Cara, como era linda!
  - Que bom. Porque outros jantares estão por vir. Mas esses outros... – Eu a puxei pela cintura para mais perto de mim novamente e dei um sorriso safado. – Seremos só eu e você. – Ela gargalhou até parar por causa de meus lábios nos seus.
  Sua mão abraçava minha nuca e a minha dançava pelas costas dela.
  O beijo foi cessado por ela novamente. A olhei surpreso até ver ela me olhando.
  Eu amava quando ela me olhava com um sorriso nos lábios. Eu amava quando, no silêncio de um olhar, dizíamos tudo um ao outro.
  - Eu te amo. – disse com a voz aveludada afagando meu rosto.
  - Eu te amo mais. – Eu disse a fazendo revirar os olhos e bater em meu peito.
  - Pare com isso. – Ela riu. – Como pode saber? Já sei, tenho uma ideia. 1, 2, 3...
  - Eu te amo. – Dissemos em uníssono
  No segundo depois meus lábios já eram ferozes no dela novamente. Ela sorria durante o beijo, não pude evitar em segui-la com isso também.
  - Tchau. – sussurrou com a testa encostada na minha. Eu podia sentir em meus lábios a sua respiração ofegante.
  - Tchau. – Eu disse também. – Até mais.
  Com um passo largo enorme, saiu de perto de mim.
  - Até mais. – Sussurrou.
  Foi até seu carro vermelho e o ligou. Ela sorriu pra mim e acenou um adeus.
  Ela ficava tão sexy de motorista...
  Dei as costas ao carro assim que ele dava a partida. Fui até a porta e ia abri-la quando um barulho de freio tomou conta da vizinhança. Um barulho de freio e logo depois, a batida.
  Meus olhos foram guiados pelo meu ouvido até verem aquela cena. O carro vermelho de havia sido atingido.
  Corri até ela.

  Fim do flashback.

  Acordei. Que droga, eu acordei.
  Meu corpo estava dolorido e o travesseiro meio úmido. Com certeza eu havia chorado feito uma criança ao lembrar tudo da noite anterior. Mas eu não me importava, sem ela perto de mim eu poderia desidratar de tanto chorar que eu não iria estar nem aí.
  Sentei-me na cama e comecei a massagear minhas têmporas, como isso foi acontecer? Soltei um gemido de raiva e levantei da cama. O dia seria longo... E sem ela.
  Fui até o guarda-roupa e peguei meu melhor terno. Ao me vestir fui até o espelho e não pude não pensar em ...
  Deixei minha mente vagar até aqueles dias em que eu sempre a acompanhava em algum evento formal da família dela. Lembrei-me de como ela ajeitava minha gravata e como repetia mil vezes como eu ficava lindo de terno enquanto seus olhos brilhavam. Sempre que eu usava terno era para acompanhá-la em eventos com a família de . Menos hoje.
  Suspirei em frente do espelho.
  Meu cabelo estava bagunçado, mas eu não queria arrumar. Enormes olheiras abraçavam meus olhos .
  Minha mãe atravessou a porta aberta do meu quarto e veio até mim. Ela fez carinho em meu rosto exibindo um sorriso solidário até me tomar nos braços e me abraçar. Deixei-me levar pelo seu abraço de mãe enquanto uma cortina de lágrimas embaçava minha visão.
   - Vamos. – Disse ela colocando as mãos em meu ombro.
  Assenti, com medo do que veria a seguir.

***

  Meu pai dirigia o carro, não me deixaram pegar no volante hoje por causa do meu psicológico. Tá, eles estavam fazendo algo certo uma vez que eu não iria conseguir decidir se corria para ir logo ou se dirigia como uma tartaruga igual ao meu pai. Provavelmente eu pararia no caminho e iria esmurrar qualquer coisa perguntando o porquê disso acontecer.
  Meu estômago embrulhava e o enjoo se apoderava de mim a cada vez que eu me dava conta que estávamos indo a caminho de um velório. Do velório de . Da minha ...
  Não dissemos nada enquanto meu pai estacionava o carro numa vaga e descíamos dele. Encontrei vários rostos familiares, desde os colegas de , até seus parentes ricos que eu nunca pensei em ver de novo. Mesmo assim, a típica abaixada de cabeça em sinal de pêsames foi feito por todos e eu retribuía a cada gesto.
  Fui o primeiro da minha família a adentrar o recinto e encontrar os parados na porta. Fui ao encontro da senhora primeiramente. Fiquei um pouco aliviado quando esta veio me abraçar. Seu soluço alcançou meu ouvido e o bolo na garganta começou a se formar.
  - Sinto muito. – Eu disse tentando tirá-lo dali e não chorar como ela.
  - Eu também sinto muito por você, ! – Ela disse entre o choro, saindo dos meus braços.
  Fui até o senhor , que era um assunto mais delicado de se lidar.
  - Meus pêsames. – Eu disse dando aqueles típicos tapinhas nas costas.
  - Meus pêsames por nós dois, , por nós dois... – Sua voz era rouca e chorosa.
  Afastei-me deles enquanto eu dava espaço para meus pais os cumprimentarem.
  Enquanto eu ia, com dor no coração, até , vi suas amigas num canto do lugar. Todas elas tinham olhos vidrados e o rosto úmido.
  Só fui entender o que sentiam quando eu vi . Quando as lágrimas saíam sem ao menos pedir permissão. Era uma coisa natural nessa situação. O que não era natural era vê-la ali. A minha , ali. Eu queria gritar, mas só o que eu fiz foi sentir meu coração afundando mais e mais em agonia.
  Aquela não podia ser minha . Não podia.
  Mas era. Claro que era. O mesmo cabelo emoldurando seu rosto, seus lábios, agora bem mais delicados e pálidos. E eu podia ver, mesmo ela estando com os olhos fechados, aqueles olhos , agora sem o brilho que eu tanto adorava...
  Ah, meu amor...
  Comecei a soluçar enquanto eu me lembrava dela viva. Eu tinha que fazer alguma coisa. Algo para todos saberem o quão amada ela foi e o quanto eu a amava. Eu tinha que fazer alguma coisa para senti-la mais perto de mim, só hoje, pelo menos hoje.
  Eu iria tocar violão. Sim, isso mesmo, eu iria tocar pra ela, talvez isso me faça melhorar também.
  Saí do velório com passos largos até chegar ao carro. No banco de trás estava a o meu violão e o peguei. Voltei com a mesma velocidade e, ignorando olhares de desaprovação, peguei um banco e sentei ao seu lado.
  Os primeiros acordes começavam e eu comecei a lembrar de quando ela disse que havia chorado a primeira vez que ouviu a música. Ela disse: “É sério, é muito triste, nunca ouvi uma música assim...”.

  There's no one in town I know
  
(Não há ninguém na cidade que eu conheça)
  
You gave us some place to go
  
(Você nos deu algum lugar para ir)
  
I never said thank you for that
  
(Eu nunca te agradeci por isso)
  
I thought I might get one more chance
  
(Eu pensei que eu poderia ter mais uma chance)
  
What would you think of me now,
  
(O que você pensaria de mim agora)
  
So lucky, so strong, so proud?
  
(Tão sortudo, tão forte, tão orgulhoso?)
  
I never said thank you for that
  
(Eu nunca te agradeci por isso)
  
Now I'll never have a chance
  
(Agora eu nunca terei a chance)

  May angels lead you in
  
(Que os anjos levem-na)
  
Hear you me my friends
  
(Ouçam-me meus amigos)
  
On sleepless roads, the sleepless go
  
(Nas estradas sem sono, o sono vai embora)
  
May angels lead you in
  
(Que os anjos levem-na)

  So what would you think of me now
  
(Então o que você pensaria de mim agora)
  
So lucky, so strong, so proud?
  
(Tão sortudo, tão forte, tão orgulhoso?)
  
I never said thank you for that
  
(Eu nunca te agradeci por isso)
  
Now I'll never have a chance
  
(Agora eu nunca terei a chance)

  May angels lead you in
  
(Que os anjos levem-na)
  
Hear you me my friends
  
(Ouçam-me meus amigos)
  
On sleepless roads, the sleepless go
  
(Nas estradas sem sono, o sono vai embora)
  
May angels lead you in
  
(Que os anjos levem-na)

  And if you were with me tonight
  
(E se você estivesse comigo esta noite)
  
I'd sing to you just one more time
  
(Eu cantaria pra você só mais uma vez)
  
A song for a heart so big
  
(Uma canção para um coração tão grande)
  
God couldn't let it live
  
(Deus não poderia deixá-la viva)

  May angels lead you in
  
(Que os anjos levem-na)
  
Hear you me my friends
  
(Ouçam-me meus amigos)
  
On sleepless roads, the sleepless go
  
(Nas estradas sem sono, o sono vai embora)

  May angels lead you in
  
(Que os anjos levem-na)
  
May angels lead you in
  
(Que os anjos levem-na)
  
Hear you me my friend
  
(Ouça-me o meu amigo)
  
On sleepless roads, the sleepless go
  
(Nas estradas sem sono, o sono vai embora)
  
May angels lead you in
  
(Que os anjos levem-na)

  Meu coração parecia querer despedaçar-se ali mesmo. As lágrimas em meus olhos não haviam sumido.
  Olhei em volta e todos estavam com a mesma expressão de dor, de saudade, de compreensão.
  Escutei algumas palmas das amigas de , olhei para elas e elas sorriram fungando.
  Coloquei meus olhos em de novo. Por que ela não estava sorrindo e pulando em meus braços como sempre fazia depois que eu cantava para ela?
  Ah é, porque ela estava morta.
  Esse pensamento fez meu coração pesar e fez meu cérebro não querer acreditar.
  Ela estava tão serena... Tão linda...
   parecia uma princesa.
  Sem pensar, ignorando os olhares de todos ao meu redor, colei meus lábios nos seus delicadamente.
  Não sei por quanto tempo fiquei esperando acordar.



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