Fast In Love

Escrito por Ana Paula | Revisado por Júlia

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  “A paixão aumenta em função dos obstáculos que se lhe opõe.”
  – William Shakespeare

  Creio que todo mundo já teve uma rápida paixão. Como quando seus olhos se encontram com os de alguém no metrô e vocês se observam por todo o percurso, mas chega à parada de um dos dois e a troca de olhares é quebrada pela irritante voz saída das caixas de som alertando a estação. Ou quando você está em uma livraria e por entre as prateleiras encontra outra pessoa e vocês sorriem um para o outro, mas logo voltam a observar os livros, por mais que a vontade de trocar outro sorriso ainda continue ali. E tem ainda aquele caso de quando esbarramos sem querer em alguém, e a pessoa pede desculpas e sorri com os olhos, e tudo que você quer é esbarrar nela de novo, só para poder olhá-la nos olhos novamente. Todo mundo já teve rápidas paixões. Você poderia estar se esbarrando com o grande amor da sua vida, mas é difícil dizer, porque as chances de vocês se encontrarem de novo são nulas. Ou quase isso.
  O primeiro encontro aconteceu em novembro de 2011, quando eu estava voltando do trabalho de metrô, e por um golpe de sorte encontrei um lugar vago. Ele estava sentado de frente a mim. O cabelo arrumado em um topete simpático, mas parcialmente coberto por uma touca preta. O alargador no ouvido direito dava um ar rebelde a ele. Ele trajava uma blusa de mangas cumpridas azul e uma calça jeans escura. Pelas roupas parecia não querer chamar a atenção, mas então ele levantou os olhos para mim e, depois de me flagrar o observando, abriu um sorriso de lado que mostrava dentes extremamente brancos e fazia uma simpática covinha aparecer em sua bochecha. Naquele momento eu tive a impressão de que o mundo parou para observar o sorriso dele. Então ele tirou o celular do bolso, provavelmente para mudar de musica, uma vez que usava fones de ouvido, e não voltou a me encarar. Minha parada foi anunciada, e logo antes de atravessar a porta, olhei para trás e o vi sorrindo daquele mesmo jeito para mim. O metrô foi embora e eu fiquei parada por alguns segundos olhando o nada, para então balançar a cabeça e me livrar de pensamentos estúpidos e seguir para minha casa.

  - Conta mais uma vez a parte do sorriso – perguntava mais uma vez, enquanto estávamos todas reunidas na sala do apartamento que dividíamos.
  - Por um momento todo o mundo parou para observar o sorriso dele – falei mais uma vez e as outras três que escutavam a história soltaram um “awn” e sorriram pra mim.
  Era uma mania nossa falar sobre as paixões rápidas que tínhamos, começou quando nos contou do filho do professor dela que, de acordo com ela, tinha “o cabelo loiro parecendo raios de sol saindo da cabeça, que te davam vontade de queimar as mãos passando os dedos entre eles”. Desde então, sempre que uma de nós tinha uma paixonite dessas, compartilhávamos depois do jantar, quando nos reuníamos para conversar na sala.
  - Eu não sei de onde vocês arranjam tanta inspiração para descrever garotos assim – resmungou enquanto rodava distraidamente um anel no próprio dedo.
  - Você só diz isso porque só teve uma paixão platônica e ela foi chata – provocou e mostrou a língua pra ela.
  - Conta mais, ! – pediu.
  - Não tem mais o que falar, é só isso mesmo – dei de ombros e me levantei do sofá com o intuito de pegar um copo de leite na cozinha.
  - isso? Está mais para tudo isso! Você nunca ficou tão animada contando algo pra gente! – me seguiu casa adentro, e logo as outras também dividiam o pequeno espaço da cozinha conosco.
  - É que ele era realmente bonito – murmurei e elas soltaram outro “awn” aleatório. Rolei os olhos. – Ok, acho que vocês estão carentes demais. Eu vou dormir, boa noite.
  - Sonhe com o bonitinho do metrô – escutei gritar quando já entrava em meu quarto.
  - Sonharei! – gritei de volta e as escutei gargalhar antes da cair na cama e, de fato, sonhar com ele.

  O segundo encontro aconteceu somente um mês depois.
  - Acho que não vai dar para eu chegar a tempo em casa para me despedir das meninas. – falei com no telefone enquanto esperava na fila para pagar os presentes de natal que, como sempre, deixei para comprar de ultima hora.
  - Você sabe que elas vão te matar, né?
  - Tenho uma vaga ideia sobre isso.
  - Por que você foi deixar para fazer isso hoje?
  - Não tive tempo antes, você sabe que eu estava correndo para entregar aquele ultimo trabalho.
  - Aquele que você deixou para fazer uma semana antes do prazo?
  - Cala a boca, ! – dei mais um passo na fila que se movimentou vagarosamente.
  - Você tem que dar um jeito na sua vida, !
  - E eu vou, durante as férias prometo colocar tudo em ordem.
  - Aham, sei. Dá um jeito de correr porque é capaz da cortar seu pescoço se você não aparecer.
  - Vou fazer o meu melhor para... – ela nem esperou eu acabar de falar e desligou o telefone. Bufei alto quando percebi que a fila se movimentava novamente e dei mais um passo para frente, enfiando o celular no bolso e checando mais uma vez se não estava esquecendo nada.
  Era dia 23 de Dezembro, a loja estava lotada e eu tinha batalhado arduamente por diversas vezes para conseguir tudo que eu precisava. A blusa que estava namorando desde que viu na loja, um headphone para poder viajar ouvindo música, um novo jogo de facões para usar nas aulas de culinária, um Barbie para a irmãzinha mais nova de e , um porta retratos para minha mãe, a carteira nova que meu pai precisava e até uma bolinha de brinquedo havia comprado para Lulu, nossa cachorrinha. Resultado? Adeus dinheiro para o mês inteiro.
  Depois de verificar novamente se havia pego tudo, percebi que era minha vez de pagar, depositei a cesta de compras no balcão e, sem nem olhar para quem me atendia, passei a procurar dentro da minha bolsa o cartão de crédito e as chaves do carro para poder chegar a tempo de me despedir das meninas.
  - Qual a forma de pagamento? – uma voz masculina deliciosa de se ouvir adentrou meus ouvidos e eu fui obrigada a respirar fundo antes de conseguir responder.
  - Hm, cartão – e só então reparei que aquele parado em minha frente era o mesmo homem do sorriso lindo que eu encontrei no metrô. Ele sorriu pra mim e novamente tive aquela sensação de que todos pararam para observar seu sorriso.
  - Aqui está – ele me estendeu duas sacolas que continham minhas compras e nossas mãos se encontraram no momento em que eu as pegava. Por mais clichê que soe, eu realmente senti uma espécie de choque percorrer meu corpo no momento em que nossas peles se relaram.
  Eu estava disposta a dizer algo, perguntar o nome dele e talvez jogar algum charme e ver onde poderia chegar com aquilo, mas o celular voltou a tocar e eu vi que era me ligando e a ficha caiu de que em menos de uma hora duas das minhas melhores amigas estariam embarcando para a França e eu tive que abandonar minha ideia inicial para só sorrir agradecida para ele e correr rumo ao meu carro, torcendo para que o trânsito permitisse que eu chegasse em casa a tempo.

  - Acho bom que você tenha uma ótima explicação para a demora – mal coloquei os pés no cômodo e apareceu com duas malas enormes gritando em minha direção.
  - Eu juro que tenho – disse de imediato, largando as sacolas em cima do sofá e tirando de dentro de uma delas a embalagem dos headphones. – Não deu tempo de embrulhar – estendi para minha amiga, que segurou o objeto com os olhinhos brilhando e sorriu agradecida, me abraçando em seguida.
  - Você é a melhor amiga do mundo.
  - Sei disso, sei disso – ei, afastando-a do meu corpo. – Cadê a ?
  - Dans une heure... Très bien... Je t'aime aussi, papa – a mesma apareceu na sala falando no celular em francês, provavelmente com o pai.
  - O que ele queria? – perguntou para a irmã.
  - Saber em quanto tempo sairíamos daqui. Pediu para ligarmos no celular dele quando chegarmos lá, porque já vai ser tarde e a “princesinha” dele já vai estar dormindo – revirou os olhos ao se referir à irmã mais nova.
   e eram irmãs, nasceram na França e vieram com a mãe para o Brasil quando os pais se separaram. Iam visitar o pai uma vez por ano, para passar o natal e o ano novo com ele, a madrasta e a irmã mais nova que resultou na nova união. Ambas amavam a pequenininha, mas , por ser mais nova, tinha um pouco de ciúmes por perder o lugar e o apelido para a outra.
  - Ah, levem isso para ela – estendi a Barbie recém-comprada para , que resmungou algo e enfiou a boneca na mala.
  - Temos que ir, senão perdemos o voo – chamou a atenção, pegando as malas e apontando para o taxi que já as esperava.
  - Tem certeza que não querem que a gente vá até o aeroporto com vocês? – perguntou, ajudando a carregar a maior mala para o carro.
  - Temos sim, é perda de tempo – a mais nova respondeu pelas duas, e antes que nos abraçássemos e disséssemos nossos “até logo”, resolvi comentar sobre o encontro que tive.
  - Vi o menino do metrô hoje de novo – as três se viraram com caras de quem não entendeu, e eu expliquei rapidamente. – Lembram? Do menino do sorriso lindo que eu vi no metrô mês passado? – elas assentiram. – Ele era atendente da loja que eu fui e... – ia dizer mais, mas fui interrompida pela buzina do taxista e todas nós reclamamos baixinho.
  - Você vai me contar tudo por Skype depois, se prepare – falou enquanto me abraçava. – Se cuida, eu te amo.
  - Eu também te amo, boa viagem.
  Desejei o mesmo para e fiquei abraçada a vendo o taxi se afastar, agora éramos só nós duas por um mês inteiro.

  O terceiro encontro tardou a vir. Foi num dia frio de Julho, tinham montado uma pista de patinação numa praça próxima a onde eu e as meninas morávamos, então , e eu resolvemos experimentar. queria ir também, mas tinha torcido o tornozelo por causa do salto extremamente alto que havia usado para ir a uma festa na noite anterior, então teve que ficar em casa.
  - Tem certeza que quer ir nisso, ? – sempre foi muito medrosa para qualquer coisa que pudesse acabar com ela estatelada com a bunda no chão, e tentava de todo jeito nos desencorajar.
  - Se você não quiser pode ficar tomando um café no quiosque, , eu e vamos – respondeu por mim, e me puxou para entrarmos no ringue de gelo para calçar os patins.
  Tinha escolhido um inteiramente branco, um pouco descascados dos lados pelo uso, mas aparentemente o melhor entre os que não estavam em uso. Estava calçando o segundo pé quando o vi.
  - ? – a cutuquei com o cotovelo e ela se virou para mim sem entender. – É ele.
  - Ele quem? – ela procurou com os olhos quem eu observava.
  - O garoto do metrô – ela me encarou de olhos arregalados por um instante, fato que eu percebi pelo canto da minha visão, já que não conseguia desviar os olhos dele, que patinava com tamanha facilidade que parecia flutuar sobre o gelo.
  - Aonde, ? – ela perguntou aflita.
  - O alto, de casaco preto – balbuciei.
  - Meu Deus, ele é lindo! – ela exclamou ao meu lado.
  - Pois é.
  - Vamos – ela se pôs de pé com dificuldade e me puxou, fazendo-me desviar os olhos dele por um momento.
  - Vamos onde?
  - Patinar ué, onde mais iríamos? – ela riu da cara de babaca que eu provavelmente tinha estampada no rosto e me puxou de leve mais uma vez, me fazendo levantar e ir vacilante até conseguir por os pés no ringue e me equilibrar.
  Nunca tive dificuldade em patinar, meus pais sempre me levavam quando viajávamos para um lugar frio e eu cheguei a trabalhar em um desses ringues móveis na minha cidade natal. costumava patinar sempre que visitava o pai, então não tínhamos problemas, tanto que achei estranho quando minha amiga segurou meu braço de repente, e mal deu tempo de eu olhar pra ela, quando senti a força que ela depositava e o sorriso sacana que brincava no canto de seus lábios e logo estava espatifada de bunda no chão. Ia gritar um xingamento para ela, que continuou patinando como se nada tivesse acontecido, mas nesse instante alguém me estendeu a mão, e no momento que eu a aceitei, foi fácil saber quem era.
  - Você está bem? – ele perguntou, segurando uma risada que eu tinha absoluta certeza que ele estava louco para soltar.
  - Estou, pode rir agora – disse sem graça passando as mãos pela minha bunda para tirar o excesso de gelo que ficou grudado no lugar. Então ele soltou uma risada, e eu juro, parecia que todos os anjos do céu riam de dento dele.
  - Você levou um tombo e tanto – ele disse por fim, se colocando a patinar ao meu lado.
  - Na verdade eu acho que minha amiga me empurrou.
  - Por que ela faria isso?
  - Ela é doida – movimentei um dedo de forma circular ao lado da minha cabeça para ressaltar o que eu falava e ele riu mais uma vez. Quase perdi o equilíbrio.
  - ! – escutei gritando por mim no momento em que passávamos no lado do ringue para o qual o quiosque ficava de frente, mas não parei de patinar.
  - ? – ele olhou para trás, provavelmente para ver de onde o som vinha.
  - É, meu nome. Aquela também é uma das minhas amigas.
  - Hm, – ele disse meu nome divagar, como se experimentasse o nome e tentasse saborear o jeito que ele saia de sua boca.
  - E você seria...?
  - – ele sorriu pra mim. E Deus, um nome nunca me pareceu tão atraente em toda a minha vida.
  - Prazer, .
  - O prazer é meu, – ele sorriu novamente para mim e eu mal percebi que tínhamos dado uma volta inteira de novo até que ouvi meu nome ser gritado de novo por , mas quando me virei para ver, também estava ao lado dela, me chamando com a mão.
  - Acho que elas querem que você vá até lá – ele comentou, e eu rolei os olhos, dando meia volta com os patins e indo até a beirada ver o que elas queriam.
  - ligou pedindo para a gente voltar para casa – disse antes que eu perguntasse.
  - Por quê? – minha voz subiu uma oitava e eu não pude esconder minha decepção.
  - Foi mal , mas ela disse que assistiu um filme de terror e está com medo – concordei com a cabeça. era extremamente medrosa quando se tratava de filmes, e não era justo eu deixar minha amiga passando medo em casa por um carinha atraente que eu tinha acabado de acontecer.
  Dei meia volta e saí do ringue, calcei meu All Star novamente e busquei com os olhos para falar tchau, mas não consegui avistá-lo, então só saí do ringue e fui de encontro as meninas para podermos salvar de algum monstro imaginário.

  Então aconteceu o quarto encontro e, eu devo admitir, foi o melhor de todos.
  Era a ultima sexta feita de Setembro e eu estava em uma livraria grande que se localizava no meio do meu shopping preferido olhando o preço de algum livro numa daquelas máquinas que ficam espalhadas pelos corredores quando ele parou do meu lado.
  - ? – mal pude conter meu entusiasmo quando ouvi sua voz novamente.
  - ! – me virei já com o sorriso nos lábios e o encontrei parado ao meu lado, também segurando um livro usando a mesma touca daquela primeira vez que o vi e sorrindo de volta para mim.
  - Que mundo pequeno, não?
  -Pois é. O que tá fazendo aqui? – passei a mão pela minha blusa num impulso idiota, me lembrando que estava com a minha blusa ridícula com desenhos dos 101 Dálmatas da Disney. Mais infantil impossível. Ele levantou o livro que havia pegado e pude identificar que era o mesmo que eu verificava o preço. Levantei o meu para que ele pudesse ver também.
  - Que coincidência! – ele sorriu ainda mais (como se isso fosse possível). – Mas e então, o que vai fazer agora?
  - Hm, nada, acho que pagar só.
  - Topa tomar um café comigo?
  - Claro, por que não? – dei de ombros e seguimos lado a lado até o balcão. Pagamos nossos livros e saímos da loja rumo à cafeteria mais próxima, no andar de baixo.
  E aquela foi uma tarde de coincidências. Bandas favoritas em comum, passados que se aproximavam (filhos únicos, cidade pequena, se mudar para cidade grande para estudar, dividir a casa com alguns amigos), gostávamos dos mesmos livros, dos mesmos autores. E, pasmem, quando ele tirou a blusa de frio que ele usava, a camiseta revelada estampava com orgulho um dos sete anões da branca de neve da Disney, o Zangado, se não me engano. No final, acabamos por discordar de uma coisa boba, como filmes.
  - Fala sério! Os filmes só ficaram bons nos últimos dez anos! – ele balançava a cabeça sem acreditar que eu estava discordando dele.
  - Claro que não! Depois dos anos 2000 não conseguiram fazer nenhuma história realmente decente – cruzei os braços, indisposta a mudar de opinião.
  - Mas as produções eram uma porcaria! Os efeitos eram ridículos, a qualidade, tudo era pior! – ele tentava a todo custo me convencer disso.
  - A qualidade de imagem podia ser menor, mas cara, não se fazem mais histórias como antes.
  - E como você tem tanta certeza disso?
  - Você já viu os romances atuais? Por Deus, parece que tudo gira em torno de sexo e brigas. Tudo sempre termina bem, assistimos por assistir, não nos fazem pensar depois.
  - Os antigos também, filmes de romance sempre foram iguais.
  - Claro que não! Você por acaso já assistiu Breakfast at Tiffanys? Não tem nem comparação com os romances de hoje.
  - Na verdade não, nunca assisti.
  - Então você não tem o direito de falar qualquer coisa – finalizei a discussão e ele girou os olhos, incapacitado de prosseguir argumentando. O celular dele tocou.
  - Alô?... Mas que horas são?... – ele chegou o relógio de pulso ao mesmo tempo que fazia a pergunta para seja lá quem estava do outro lado da linha. – Nossa, eu perdi o horário! Foi mal, já estou indo – ele desligou o celular e já pegou a carteira para pagar por nossos cafés.
  - Eu pago pelo meu, pode deixar.
  - Não, eu insisto. Desculpa sair assim de repente, tinha marcado um jantar hoje e é realmente importante para quem está me esperando.
  - Não tem problema, imagina – sorri fraco, já imaginando o quão gostosa deveria ser a mulher que ele ia se encontrar.
  - Então, até qualquer dia, – ele sorriu rapidamente para mim antes de pegar a sacola com seu livro e virar as costas, rumo a saída do shopping. Mal tive tempo de responder, muito menos pedir um telefone ou coisa do tipo.
  Cheguei em casa totalmente frustrada, sem ânimo de falar com qualquer um, só para me deparar com uma perfeitamente arrumada conversando animadamente com na sala.
  - Demorou hein, ? – ela perguntou quando me viu entrar.
  - É, acabei parando para tomar um café. Encontrei o de novo – é claro que elas não ligaram de imediato o nome a pessoa. – O bonitinho do metrô – e foi então que os olhos delas se arregalaram e suas bocas caíram.
  - Meu Deus, vocês tomaram café juntos? – perguntou, o entusiasmo transbordando em sua voz.
  - Pois é, mas ele teve que ir embora... – elas ainda sorriam e eu tive quase dó de terminar a frase, mais por elas que por mim. – Ele tinha um encontro.
  - Ah , não fica assim. Ele nem devia ser tão legal assim – se levantou para me abraçar, e eu escondi a cabeça no ombro dela.
  - Ele era sim – choraminguei, realmente chateada por minha paixonite já ser comprometida.
  Um carro buzinou do lado de fora, e o ombro amigo que eu antes usava de apoio me empurrou de leve.
  - Olha , eu tenho que ir, o vai me apresentar para a família dele hoje, você vai ficar bem? – estava saindo com esse tal de desde o dia da festa em que ela torceu o pé, e a coisa realmente estava séria. Eu nunca a impediria de conhecer a família do cara só porque estava um pouco chateada.
  - Imagina , foi só uma paixãozinha de metrô mesmo – sorri abatida e ela me abraçou rápido, e sem dizer mais nenhuma palavra pegou a bolsa, acenou para que ainda estava no sofá e saiu rumo ao carro que a esperava do lado de fora.
  - Que tal a gente fazer uma noite de filme de terror aproveitando que a miss aterrorizada não está aqui hoje? – sugeriu, levantando alguns filmes de terror que tínhamos ali.
  - Acho uma ótima ideia – ri com a tentativa dela de me empolgar e acabamos nós duas a noite toda no sofá assistindo um filme depois do outro.

  O quinto encontro demorou um ano para vir, e eu admito, já quase havia me esquecido dele quando o vi novamente. O ano era 2013. O mês? Outubro. O lugar? Um restaurante. A ocasião? O noivado da .
  - Está nervoso, ? – perguntei para o homem parado ao meu lado, trajando um terno que deixava em evidência seus ombros largos e sua pele clara e tremia sem parar, remexendo a caixinha do anel em seu bolso.
  - Eu acho que vou vomitar, – ele murmurou, olhando para o nada.
  - Larga de ser idiota! Nem sei por que você está tão nervoso.
  - E se ela não aceitar? – ele virou o rosto na minha direção com uma carinha aflita tão fofa que deu uma puta vontade de morder as bochechas dele.
  - E parece que ela não vai aceitar? – apontei para minha amiga que estava conversando com a mãe do outro lado do restaurante que fora reservado para a ocasião.
  Era a primeira vez que as duas famílias se reuniam inteiras. Era aniversário do e foi uma ótima oportunidade, e era óbvio que já desconfiava, mas tinha tido tanto trabalho organizando tudo que ela não sabia se acalmava ele dizendo que já sabia de tudo ou deixava ele achar que a tinha pego de surpresa e o deixava continuar nervoso. Ela optou pela segunda opção, claro.
  - O que a gente está esperando? – parou do outro lado de segurando uma taça de vinho tinto e olhando ao redor pra ver se não faltava ninguém.
  - O idiota do meu irmão chegar – ele resmungou baixo.
  - Aquele bonitão que ninguém conhece? – ela perguntou divertida.
  - Se ninguém conhece como sabe que é bonitão? – ele ergueu a sobrancelha e eu e minha amiga nos encaramos e soltamos uma gargalhada, nos lembrando do dia em que conhecera a família de e voltou para casa falando feito doida do irmão mais novo gostoso do, então, namorado.
  - Digamos que a deixou escapar uns detalhes.
  - Aham, sei.
  Ficamos mais uns momentos ali encarando o nada, até que resolvi ir conversar com a mãe de , que estava sentada no meio da mesa sozinha olhando fixamente para o ex marido que tinha vindo para o noivado da filha e conversava animado com a esposa. A mãe de já era muito divertida naturalmente, com o leve sotaque francês e a mania de estar sempre sorrindo, e quando estava levemente bêbada ficava ainda mais legal. Nossa conversa sobre decorações ridículas, porém, não durou muito. se sentou ao nosso lado, sorriu para mãe e segurou com firmeza minha mão, me forçando a encará-la.
  - O que houve? – perguntei já assustada, temendo que algo tivesse dado errado, tipo a ter dito que não queria casar ou o ter fugido.
  - Eu vou te contar uma coisa, e você tem que me prometer que vai ficar calma – ela olhou fundo nos meus olhos e eu engoli em seco imaginando o pior. – O está aqui – de primeira não entendi, mas quando a ficha caiu virei de imediato minha cabeça em direção a porta e o vi entrando no restaurante trajando uma blusa social branca com as mangas levantadas até os cotovelos, calça jeans escura, sapato social, cabelo penteado de um jeito diferente do usual topete e uma barba rala crescendo em seu rosto que oferecia a sua aparência um olhar mais maduro. Mas o sorriso era definitivamente o mesmo.
  - Meu Deus, o que ele está fazendo aqui? – arregalei meus olhos e voltei a encarar minha amiga.
  - Ele é o irmão do , , é a sua chance – os olhinhos dela brilhavam de um jeito que foi impossível não sorrir. Era ela, afinal, que nunca tinha se esquecido da minha paixão de metrô e que de tempos em tempos me lembrava dele e fazia histórias fantásticas sobre nós quando estava entediada.
  E no momento em que me virei para ele novamente e o peguei me encarando, relembrei o que havia dito depois do jantar em que conheceu a família de .

  Flashback
  Estava com sentada no sofá da sala, os créditos do ultimo filme que assistimos rodavam na TV enquanto escolhíamos o próximo. já dormia há algum tempo no outro sofá, mas despertou com o barulho da porta batendo quando chegou em casa com um sorriso que quase lhe rasgava a cara e se sentou no chão, já preparada para contar-nos tudo.
  Depois de mais de uma hora de conversa sem fim sobre como a pediu em namoro e de como sua sogra era adorável e ficava dizendo toda hora que eles teriam filhos lindos e mais um blá blá blá sem fim sobre como o anel de compromisso era lindo, ela finalmente começou a falar sobre detalhes menos importantes para ela, mas que nos interessavam tremendamente, tipo o irmão mais novo gostoso do .
  - Ah, ele devia ser uns dois anos mais novo que o , ter uns 20 anos no máximo, e um sorriso que meu Deus...
  - Todo mundo para com a intenção de observá-lo sorrindo? – perguntei.
  - É, seria exatamente assim que eu descreveria – sorri abatida e as meninas sorriram em compaixão, se lembrando de que era assim que eu descrevi o sorriso do menino do metrô.
  - Vai, continua – pediu.
  - Ah, ele é uma gracinha, na verdade. Chegou atrasado porque perdeu o horário com alguma menina. Vocês tinham que vê-lo falando dessa menina! Eles se conheciam há pouco tempo parece, e ele estava culpando por ter feito ele, de novo, sair sem pedir o telefone dela ou algo assim. Parece que da ultima vez que eles tinham se encontrado o irmão ligou pedindo socorro porque o carro tinha sido rebocado e ele teve que ir sem nem se despedir.
  - Que dó dela – comentou.
  - Dó nada! Vocês tinham que ficar felizes. Um dia vou apresentar ele pra vocês, aposto que vão se apaixonar na hora.
  - A gente podia combinar um churrasco qualquer dia, aí você fala para o trazer ele – sugeriu.
  - Não vai dar irmãzinha, ele vai viajar depois de amanhã para os Estados Unidos, parece que ganhou uma bolsa de um ano lá ou algo assim.
  - Que pena – murmurei sem ânimo.
  - É. Ah, mas deixa eu contar para vocês, acreditam que uma prima do ficou me mandando ameaças porque eu estava com o primo dela...
  Fim do flashback

  Eu lembro que continuou tagarelando por mais um bom tempo, mas eu não prestei atenção na maior parte. Agora tudo começava a fazer um pouco de sentido. não tinha ido na patinação no dia em que as meninas viram o comigo então não tinha como saber que o irmão do na verdade era a minha paixão de metrô. E devia ser a mim que ele se referia quando falou sobre sair sem pedir o telefone e coisas do tipo. Meu Deus, ele tinha realmente se interessado em mim, e agora ele estava no mesmo ambiente que eu enquanto esperava o irmão pedir a mão da minha melhor amiga em casamento. O mundo era realmente um lugar pequeno.
  Não tive tempo de fazer mais nada quando ouvi o tilintar da colher batendo no copo no fim da mesa e pedindo a atenção de todos. O ambiente ficou em silêncio e todos os rostos se focaram no casal.
  - Eu queria agradecer a presença de todos aqui para a comemoração do meu aniversário, mas não é só para isso que estamos aqui hoje – ele falou brevemente e se ajoelhou de frente para , que apesar de já esperar se mostrou genuinamente surpresa. tirou a caixinha de dentro do bolso e abriu para que ela pudesse ver a belíssima aliança de ouro que ele havia escolhido. – , você aceita passar o resto dos nossos dias comigo? – minha amiga começou a chorar sorrindo e só balançou a cabeça afirmativamente para logo depois ser beijada de um jeito tremendamente apaixonado por . Todos nós batemos palmas e pude observar a mãe e a irmã da minha amiga derramando algumas lágrimas. foi por trás do casal que ainda se beijava junto com outro garoto, mais ou menos da mesma idade que ele, e ambos soltaram bombinhas de confete em cima dos noivos, fazendo com que se separassem e rissem com todo o resto do pessoal.
   também gargalhava e batia palmas quando seu olhar se encontrou com o meu, então ele parou de rir, ficou quase imóvel, seus lábios ainda curvados num sorriso e o espanto aparente em seus olhos. Expulsei minha timidez e acenei sem graça para ele que retribuiu de um jeito absurdamente fofo. Nosso olhar se quebrou quando me puxou pela mão e fomos todas abraçar , que chorava e gargalhava ao mesmo tempo.

  Quando a banda que haviam contratado tocava, eu me isolei próxima a uma janela que dava para rua e fiquei observando as pessoas dançando, na maioria velhos que dançavam de forma desengonçada e tentavam acompanhar o ritmo da música sem sucesso, quando senti a presença dele próxima a mim. Eu não precisei me virar pra saber quem era.
  - Oi – ele disse simplesmente.
  - Oi – finalmente virei a cabeça para ele, sorrindo com os lábios fechados.
  - Então você é a amiga da ?
  - E você é o irmão do .
  - Mundo pequeno.
  - Acho que você já disse isso.
  - É, pois é – ele riu sem graça e passou a mão pela nuca, aparentemente com vergonha.
  - Mas e então, o que tem feito?
  - Nada na verdade, acabei de voltar de viajem, passei o ultimo mês arrumando as coisas no meu novo apartamento. E você?
  - Nada demais, basicamente fazendo trabalhos para conclusão do curso.
  - Hm, que chato.
  - Também acho. As meninas já terminaram os delas, mas eu sempre deixo tudo para a ultima hora.
  - Também sou assim.
  Um silêncio um tanto incomodo se instalaria se não fosse pela banda. Uma música mais conhecida começou a tocar e eu cantava baixinho, ainda olhando para a multidão. Ele estendeu a mão pra mim.
  - Me concede essa dança?
  - Mas a música não é lenta – me xinguei mentalmente, era só aceitar! Para que complicar?
  - E daí? – ele sorriu daquele jeito e eu acabei sorrindo de volta e aceitando a mão que ele me estendia.
  Caminhamos juntos até o centro da pista e paramos um de frente ao outro. As mãos dele se posicionaram na minha cintura e as minhas em seus ombros enquanto nos balançávamos num ritmo devagar demais para musica que tocava.
  - Sabia que eu nunca te esqueci? – ele disse mais próximo do meu ouvido, me permitindo sentir todo seu peitoral de encontro ao meu corpo.
  - Como assim?
  - Você é minha paixão de metrô – ele comentou baixinho, e eu tenho certeza que o vi corar.
  - E você é a minha. Também é minha paixão de loja de conveniências – ele riu um pouco mais alto.
  - Vergonhoso isso.
  - Aliás, o que você fazia trabalhando de caixa?
  - Tinha brigado com meus pais e eles pararam de pagar minhas contas por um tempo, precisei me arranjar.
  - Sei como é, quando isso aconteceu comigo eu trabalhei de garçonete numa lanchonete – foi a vez dele rir.
  - Você também é minha paixão de patinação.
  - E você a minha paixão de livraria.
  - E de cafeteria, não se esqueça de cafeteria.
  - É claro, de cafeteria também.
  - Por que não só paixão? – ele perguntou bem próximo ao meu rosto.
  - Você quer ser minha paixão? – perguntei baixinho, nossas testas se encostando.
  - Só se você quiser ser a minha.
  E foi assim, seis encontros não planejados, uma paixão de metrô, que se tornou uma paixão de loja de conveniência, para virar uma paixão de livraria e mais tarde de cafeteria, que por fim acabou por ser só paixão. Uma dança fora do ritmo e um beijo para selar tudo.
  Um beijo lento e compassado, um beijo de conhecimento, seguido por um de confirmação e um apaixonado. Seguido por outro, e mais outro, e sabem-se lá mais quantos. Quem está contanto, afinal? Tudo que importava no momento era que não era mais uma paixão de metrô, ele era uma paixão. E só isso. Ou melhor, tudo isso.

  “Paixão é uma infinidade de ilusões que serve de analgésico para a alma. As paixões são como ventanias que enfurnam as velas dos navios, fazendo-os navegar; outras vezes podem fazê-los naufragar, mas se não fossem elas, não haveria viagens nem aventuras nem novas descobertas.”
  – Voltaire

FIM



Comentários da autora


Olá criatura linda que está lendo essa nota. Primeiramente espero que você tenha gostado dessa história, realmente espero. Eu queria explicar, por mais que ninguém se interesse, de onde surgiu minha inspiração pra ela. Eu sempre fui uma menina de muitas paixões rápidas. Realmente de ter esses pequenos momentos com alguém que eu nunca mais vou ver. Minha amiga estava comentando comigo sobre como isso é engraçado, porque talvez se eu perguntasse o nome de alguém, ou falasse algo, e não só permitisse que o momento passasse, talvez essa minha paixão rápida poderia se tornar só paixão. Então pensando nisso escrevi essa história. Porque eu realmente acredito que todo mundo já vivenciou uma dessas. Eu aqui, deixo humildemente um pedido pra vocês: não deixei que essas paixões sejam assim. Só de perguntar o nome da pessoa você talvez já pode mudar o rumo da sua própria história. Pensem que por trás dessa paixão rápida pode estar o grande amor da vida de vocês. Enfim, comentar não dói e faz uma criatura (eu, nesse caso) muito feliz, então abusem! Até a próxima história (: