Defender's Love

Maraíza Santos | Revisada por Angel

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  Ele.

  Era o começo do segundo tempo, o placar empatado 0-0. Por mais que estivéssemos bem no jogo, a marcação do PSG havia cercado o nosso melhor atacante, um mexicano, chamado de León. Percebendo a movimentação no lado esquerdo da área do gol, corri em direção ao jogador do time adversário que estava perigosamente perto. Sua afobação para fazer o gol, entretanto, fora uma vantagem para mim que roubei a bola e toquei para o nosso contra-atacante.
  Ao contrário do que os comerciais esportivos demostram, os momentos mais importantes da carreira de um jogador de futebol não passam em câmera lenta. Estar na final da Liga dos Campeões era um sonho de menino, coisa que eu pensava que apenas conseguiria jogando FIFA no Playstation 2 do meu primo. Mesmo com o objetivo de ganhar, o fato de ter acompanhado o time de Liverpool tão longe me dava o sentimento de dever cumprido.
  Foi quando o volante do Paris Saint-Germain fez uma falta totalmente desnecessária em León, recebendo um cartão amarelo do juiz, que tive um dos momentos mais preciosos da temporada. Na minha cabeça, eu sabia que o nosso atacante não perderia a chance de fazer gol sabendo que o maior defeito do adversário era no alto, por isso, não entendi quando ele piscou para mim. Segundos depois a bola vinha em minha direção e só bastou que eu saltar e cabecear a bola para a rede. O grito ensurdecedor da torcida gritando gol e os meus colegas pulando em cima de mim com sorrisos maiores do que o rosto me despertaram do que tinha acabado de acontecer. Em cinco segundos eu havia aberto o placar e dado o primeiro passo para a vitória.
  No momento em que corria para voltar a minha posição e os torcedores gritavam “I believe we will win!” eu a vi e toda a euforia e adrenalina que jogar futebol me dava pareciam ter sidos multiplicados.
   usava a camisa vermelha do Liverpool e um boné branco do lado contrário. Seu cabelo longo e liso balançava para cima e para baixo enquanto ela comemorava avidamente o gol que eu havia feito. Seu olhar era tão cheio de orgulho que me permiti encher o peito.
  Entretanto, foi questão de quinze minutos para PSG empatar com um gol de pênalti provocado pelo puxão de camisa que Luke, o nosso zagueiro da direita, dera no contra-atacante deles; e fomos obrigados a vê-los passar pela nossa torcida pedindo para que gritassem mais.
  De alguma forma isso me despertou o sentimento enorme de competição e o que era algo que eu não coloquei muitas expectativas se tornou uma obrigação. O cartão amarelo veio como consequência de um carrinho maldoso e mordi minha língua para não xingar o juiz, pois eu tinha consciência que ele havia sido bastante generoso.
  O golaço que León fez depois disso despensa detalhes; se ele não ganhar a bola de ouro como o melhor gol do ano com aquela façanha, começarei a concordar com as teorias da conspiração da internet que diz que a FIFA é comprada.
  O que acontecera depois foi inesquecível: em uma assistência totalmente atípica feita por mim para Kai, um jogador de meio de campo que acabara de entrar, a bola foi parar no canto esquerdo da rede no topo, impossível de que o goleiro ao menos espalmar. Como um zagueiro e um jogador de meio de campo fizeram isso, não me pergunte.
  Vi o meu amigo apontar para o céu em uma prece silenciosa para sua mãe que morrera fazia menos de uma semana e dei tapas em seu ombro confortando-o antes que o time se abraçasse em alegria para comemorar.
  Era fácil ver as faces desesperadas dos jogadores do time adversário. Faltavam quatro minutos de acréscimo e estávamos ganhando de forma quase esmagadora e eu apenas assinei sua sentença ao agir como uma muralha impenetrável para os frustrados atacantes de Paris Saint-Germain. Pior mesmo foi a humilhação que eles sentiram quando uma tentativa de caneta foi vetada por mim e executada com dois jogadores antes que a bola chegasse no meio de campo. O barulho dos torcedores de empolgação me fizeram procurar o rosto conhecido de na multidão e sentir vontade de beijá-la em comemoração.
  Quando o último apito foi ouvido, não chorei ou gritei, muito menos comemorei com a comissão de técnicos que invadiram o campo com tanta euforia que mal cabia no peito. Apenas coloquei as mãos na cintura, um sorriso triunfante e desacreditado estampado no rosto e os olhos rodeando o estádio barulhento com a torcida comemorando a vitória; murmurei uma prece de agradecimentos para Deus, por fim. Queria guardar aquele momento porque algo me dizia que a partir dali nada seria o mesmo.
  Abracei meus colegas de equipe assim que fomos receber as medalhas e o troféu novinho para o clube. A torcida alternavam entre gritos de vitória e o hino de Liverpool FC enquanto nós nos abraçávamos felizes com aquela conquista. Entre abraços e congratulações, a ficha ainda não tinha caído de tudo que nós havíamos conquistado — que eu havia conquistado.
  Imagine só a minha surpresa ao ver meu melhor amigo, León, receber o prêmio de artilheiro da temporada.
  — Parabéns, cara! Se você não ganhasse eu estranharia. — Congratulei-o assim que saímos a andar pelo campo, cego pelos flashes das câmeras. Já haviam se passado quase meia hora desde o fim da cerimônia e aos poucos a arquibancada começara a esvaziar.
  — Não conseguiria nada sem você, meu irmão. — Comentou o homem, com um ar tão emocionado que o abracei sem pensar duas vezes.
  Apenas me afastei quando uma mulher alta e de pele muito pálida correu para abraçá-lo. Mesmo sendo bastante clichê um jogador de futebol com uma modelo Victoria's Secrets, era nítido o amor que os recém-casados sentiam um para com o outro. Observei contente meu amigo chorar e balançar sua esposa pelos ares gritando que seria pai, e me afastei dando um momento a sós para os dois, já que na sua afobação não percebera que metade dos jornalistas escutaram seu grito e registraram as boas notícias.
  Ah, ESPN teria muito o que falar naquele dia.
  Aconteceu de repente: eu estava andando e olhando para os lados à procura do professor no meio de toda aquela gente e confete, quando meu corpo foi atingido fortemente por trás e caí na grama por falta de equilíbrio.
  — You made it! You made it! — Gritava uma voz feminina e soltei uma risada incrédula ao ver em cima de mim gritando histérica.
  — Caralho, , acho que você me quebrou uma cinco costelas dessa vez. — Reclamei sentindo uma dor abdominal. — E por que você tá falando em inglês?
  Ela deu de ombros.
  — É divertido. — Justificou em português e sorri com ao escutar seu sotaque.
  Levantei-me e a abracei, ignorando seus protestos de que eu estava suado e fedido.
  — Pensei que não viria.
  Comentei roubando seu chapéu e colocando na cabeça.
  — Me liberaram mais cedo e nunca que perderia pra ver o melhor zagueiro do mundo jogando.
  — Como você e Candace passaram pela segurança? — Levantei a sobrancelha — Vocês supostamente não deveriam estar aqui.
  Ela olhou para o casal que eu deixara para trás e deu um sorriso malicioso.
  — Só falo na presença de meus advogados.
  Soltei uma risada.
  — Aquele gol, aquela assistência... — ela pôs a mão no peito, dramática. — Você só me dá orgulho.
  Sorri sentindo minhas bochechas esquentarem de vergonha. Nunca soube bem como lidar com elogio, sobretudo os dela. Agradeci baixinho, me sentindo um menino em sua presença. Queria muito beijá-la decentemente, mas os jornalistas ainda estava em nossa cola. Discretamente contornei seus lábios carnudos com o polegar, vendo-a sorrir daquele jeito que derretia meu coração.
  — Quando a parte da comemoração acaba e será pertinente eu falar sobre o encontro com o gato que estuda economia sem soar idiota da minha parte, hein ? — ela disse em tom de brincadeira.
  Senti como se tivessem me jogado um balde de água fria assim que ela mencionou mais um encontro que tivera.
  Eu e éramos amigos com benefícios faziam quase dois meses, entretanto, sempre soube que isso não funcionaria. Eu já estava apaixonado por ela antes mesmo de beijá-la pela primeira vez e, quando o fiz, foi como assinar o atestado que toda mulher que não fosse ela estivesse estragada para mim. Nunca fui um homem de namorar muito ou sair com várias mulheres, mesmo depois da fama e do dinheiro. Não que eu não tivesse propostas ou que nunca aceitasse nenhuma, mas sempre fui cuidadoso, pois não queria ser conhecido pelo número de mulheres que levava pra cama e sim pelo meu futebol. Acompanhei a carreira de diversos jogadores para saber que ter sua vida pessoal exposta era uma merda e não queria fazê-lo a não ser que fosse sério. também compartilhava esse pensamento e parecia ter um pavor de ser considerada Maria Chuteira. No começo eu achava engraçado sua irritação por ver os tabloides questionar nossa amizade, mas hoje eu entendia sua resignação. Ela era uma das mulheres mais inteligente que conheci e não era à toa que conseguira uma bolsa para fazer sua pós-graduação de física na Inglaterra — ser conhecida apenas como namorada de um jogador de futebol parecia inferiorizar sua capacidade.
  Por isso, não disse nada quando ela estabeleceu que se fôssemos começar a ficar nos pegando pelos cantos, exclusividade não era opção.
  Assim como também não falei nada quando ela jurou que nunca namoraria um jogador de futebol no momento em que leu sobre as fotos vazadas de uma atriz famosa pelo namorado volante e totalmente mau-caráter que espalhou para o mundo porque levou um pé na bunda.
  Uma vez falei sobre um amigo jogador inexistente que queria sair com ela, como de quem não quer nada, crente que poderia conseguir uma brecha naquele preconceito dela, mas se recusara sem nem pensar duas vezes.
  E assim chegamos a minha situação amorosa que assisto minha melhor amiga sair com um punhado de boçais, reclamar para mim que nenhum homem presta, depois passa a noite comigo, diz que nunca vai se cansar de mim e saí de casa animada para conhecer o gato de não sei de onde que alguma amiga queria apresentar.
  Antes que você me chame de covarde por não ter dito a ela o que sentia, lhe asseguro que ela já sabe que eu gosto muito dela e que queria ter um relacionamento sério. Sim, eu já disse isso a (percebam que omitir a parte que eu estava de quatro para ela e a amava. O que, no final, fora menos decepcionante para mim).
  O negócio é que ela não sente a mesma coisa e, infelizmente, isso não está em meu controle. Então, decidi que era melhor ter uma parte bem pequeninha dela ao não ter nenhuma. Mesmo que eu tenha aprendido a viver de migalhas de sua atenção e tendo consciência que não tenho direito de sentir ciúmes, a dor no peito é inevitável e por algumas vezes era agonizante.
  Inferno! Se ela não tivesse ao menos feito todas as outras mulheres ficassem sem graça para mim...
  — Estou brincando, , relaxa! — ela deu um soquinho em meu ombro.
  Sorri amarelo.
  — Não acredito que você só tem 22 anos, cara, já parou pra pensar tudo que conquistou? — Ela comentou pegando seu boné de novo — Veja bem: campeão da Libertadores aos 19 anos, do Brasileirão aos 20, do campeonato inglês e da Liga dos Campeões aos 22 anos. Você não consegue ver tudo que você tem tão cedo?
  Passei o braço pelos seus ombros encostando meu nariz em seus cabelos negros e me permitindo me embriagar com o seu cheiro.
  — Fui reserva quase todos os jogos da Liberta e quase não me deixaram jogar durante o Brasileirão. — eu disse.
  Na época eu ficava bastante frustrado — um pivete que havia saído da categoria de base, louco para jogar no time do coração, mas hoje eu entendo que eu precisava ficar no banho Maria por um tempo. Aquela experiência me fez me tornar paciente e inteligente o bastante para perceber minhas limitações. Olhei para dois de meus colegas de equipe agarrando o troféu e o beijando como se fosse a própria Megan Fox materializada e senti como se tivesse passado séculos desde que eu saí do Sport Futebol Clube de Recife.
  Nunca imaginei que poderia ter chegado tão longe. Eu, um menino abandonado pela mãe aos cinco anos, que adorava jogar futebol descalço pela rua sem asfalto na periferia de Recife, tinha vencido na vida.
  — É. Até que já tenho muita coisa no meu currículo. — murmurei, não me deixando levar pela soberba.
  — Queria ter metade da humildade que você tem, . — ela falou, suspirando — Se eu estivesse em seu lugar estaria gritando “Chupa universo!” e postando aquelas indiretas marotas pra quem disse que você não conseguiria.
  Soltei uma gargalhada.
  — Aliás, desde quando você é expert em futebol e em minha carreira, hein? — Perguntei cruzando os braços dando um sorriso espertinho.
  Ela estalou a língua.
  — Desde que comecei a ser a pessoa mais importante da vida do melhor zagueiro do mundo. — falou em tom de brincadeira.
  Meu estômago embrulhou e o sorriso vacilou ao perceber a veracidade de suas palavras. Não que fosse mais importante que meu pai ou minha avó que ajudou a me criar, mas certeza que ela estava no TOP 5, e o fato dela ter ideia que isso era real, só mostrava que cada vez mais meus sentimentos por estavam expostos e ela nunca os corresponderiam.
  Balancei a cabeça me negando a entrar na melancolia de sempre e naquela auto piedade no dia em que ganhei a Liga dos Campeões. E eu fiz o primeiro gol, porra!
  — Então, — ela deu um sorriso malicioso — que horas posso ir a sua casa para a gente comemorar junto hoje?
  Tinha plena consciência do que ela queria me dizer, mas não estava muito a fim de fingir que era minha aquela noite e ignorar que no fundo, aquele relacionamento não teria futuro. Me sentia esgotado demais.
  — Não vai dá, . — encolhi os ombros — Vamos ter uma noite cheia de comemorações e festa hoje. Provavelmente vou chegar apenas amanhã de manhã;
  Ela fez um bico e uma cara desapontada que quase me fez voltar atrás com aquilo, entretanto, ouvi León me chamar de longe para o grupo com todo o time que se formava na grama.
  — Tenho que ir.
  E me afastei dela desejando uma garrafa de cerveja o mais rápido possível.

  Ela.

  Assim que sair pelos corredores do estádio já conhecido por mim, liguei para Mariano, o pai de .
  — Ele disse que só chega de manhã, senhor. — contei, acenando para Peter, o segurança que ajudara eu e Candace a entrar no campo sem problemas.
  — Perfeito. — respondeu do outro lado da linha — Tem certeza que é uma boa ideia? Não quero aperriar . Meu menino deve tá um caco.
  — Oxe, Mariano, deixa disso. — a voz da tia do ecoou, irritada — A menina não disse que ele sentia falta da família? Então deixe isso pra lá.
  — Tenho certeza que ele ficará muito feliz com a visita dos dois. — Apontei enquanto certificava que a chave do meu carro estava pendurada na calça.
  Sorri contendo a risada ao ver dois torcedores bêbados gritarem um grito de guerra inteligível. Era questão de tempo até os seguranças os chutassem dali.
  — Na verdade, Rebeca também tá indo. — comentou Mariano — Acho que agora que ela se mudou pra gringa namora de vez com a menina.
  Senti uma sensação estranha no peito.
  — Pois espero que ele fique com ela e se case. — Disse Eunice — Ele sendo rico e famoso cheio de boyzinha Maria Chuteira vai acabar com a carreira dele, não acha, ?
  Mordi o lábio inferior, concordando com um murmúrio.
  — Rebeca tá na Inglaterra faz muito tempo? — perguntei casualmente.
  — Faz um mês, acho. — Respondeu Mariano — Ela estuda pra cuidar de doido.
  Soltei uma gargalhada. Eu adorava conversar com o pai de — sua simplicidade sempre me deixava extremamente confortável e, mesmo conhecendo o há um ano desde que me mudei para estudar, sentia que já fazia parte de sua família.
  — Então, eu os pego às uma hora da tarde e levo para o apartamento dele. — Trocamos algumas outras informações e desliguei o telefone assim que entrei no carro.
  Liguei o rádio na música da One Direction que eu havia parado e cantarolei enquanto tentava manobrar o carro.
  Lembrando que só Deus pode me julgar.
  Assim que comecei a assimilar a ideia que Rebeca apareceria como a surpresa que preparei para , meu estômago revirou de nervoso. Fora ela a namoradinha que ele deixara para trás para vir à Inglaterra e Rebeca conseguiu de alguma forma voltar para tentar resgatar o amor perdido.
  Tarde demais, é claro.
  O que me incomodava, entretanto, era aquele sentimento asqueroso e egoísta que começa com c que brotava em mim. Não éramos exclusivos e eu, aliás, já havia ficado com outros caras desde que começamos a nossa amizade colorida, contudo, nenhum deles tinham aquela paixão de .
  Apertei os lábios percebendo que a discussão que dominava meus pensamentos nos últimos dias começaria.
  Eu gostava do . Claro que sim, seria louca se não o fizesse. Ele era um dos caras mais especiais que havia conhecido; simpático, talentoso, divertido e possuía uma humildade rara hoje em dia. Era bastante tímido e acuado, porém não era covarde ou deixava a insegurança prevalecer. Eu poderia ser dois anos mais velha que ele, porém percebi que ele tinha envelhecido uns cinquenta anos apenas naquele ano na Europa — deixara de ser o menino encantado pelas belezas inglesas que eu conheci há muito tempo para se tornar um homem. Tinha feito me interessar por futebol assim que descobrir que ele era zagueiro e pesquisei no Google o que isso significava — logo, Liverpool se tornou meu time do coração e meu jogador favorito.
  Shhh, ele não pode saber disso.
  Ele costumava ser bastante atencioso e perfeito para mim, certo?
  Então, como sempre, estraguei tudo.
  Engraçado como eu posso facilmente manejar minha vida acadêmica e encontrar apenas duas DP enquanto na minha vida amorosa eu era um desastre ambulante.
  Quando me disse que gostava de mim e queria tentar um relacionamento sério, me desesperei. Naquela época a sua fama estava no auge e os tabloides não paravam que falar do pernambucano bonito que conseguiu jogar no exterior tão cedo; até apareci como a amiga misteriosa dele no site da EGO algumas vezes. Faziam apenas duas semanas desde que começamos nosso acordo de amizade com benefícios e eu não queria me prender a ninguém — principalmente alguém tão exposto como ele.
  Só percebi que algo estava errado quando meu coração se partiu ao vê-lo com os olhos abatidos pedindo para que eu deixasse aquela história pra lá.
  Depois disso os encontros que tive com os britânicos se tornaram mais do que desinteressantes e eu contava os minutos para fugir para seu apartamento e mostrar o quanto ele era especial com meus beijos.
  Hmm, os beijos de eram...
  Suspirei inconscientemente.
  Não negaria mais: eu estava apaixonada pelo e queria tentar aquela trela de namoro sério, só que precisou passar quase dois meses para que eu percebesse e o receio dele ter visto que não valia a pena tentar algo comigo me acovardava cada vez mais. Nem mesmo a desculpa que eu usava de não me relacionar com jogadores de futebol me convencia; cada vez que pensava sobre isso, mais ridícula a ideia ficava.
  A mídia era uma bosta e isso não era novidade. Nem mesmo lia aquelas baboseiras, então, se eu estivesse feliz, quem ligava para o que um metido a jornalista dizia?
  Vinte e quatro anos na cara e eu agindo igual a uma adolescente, arg!
  E aquela rejeição tão rara que ele me dera minutos atrás era a prova de que eu poderia ser facilmente trocada. era novo, famoso, rico e podia pegar quem ele quiser. Sempre achei estranho o fato dele ser bastante reservado, mas sabia que qualquer dia desses eles se rebelaria e soltaria o foda-se para todo mundo.
  Apertei o volante tensa.
  Eu não queria perdê-lo.
  Respirei fundo, então, decidida a conversar sobre isso no dia seguinte com ele.

  Ele.

  Já haviam se passado cinco horas desde que eu tinha acordado, comido cereal e me entupido de remédios para dores.
  Claro que boa parte das dores que eu sentia provinha do jogo do dia anterior e o esforço físico que fiz, entretanto, foram triplicados pela ressaca monstra que me atacara aquela manhã.
  Por que raios a gente se embebeda mesmo sabendo que vamos sofrer dores miseráveis no dia seguinte?
  Tentei responder o máximo possível de mensagens de agradecimento, desde parentes até meu empresário. Postei algumas fotos com minha equipe, os parabenizando. Meu objetivo, contudo, era passar o dia largado no sofá tentando me recuperar da ressaca e terminar de assistir Gotham, já que comecei a série há meses e não consegui passar do quarto episódio por falta de tempo.
  Dez minutos depois do começo do quinto episódio, alguém bateu na porta. Como não recebi nenhum aviso do porteiro, deduzi que era , já que suas visitas deixaram de ser anunciadas depois que ela quase passou a morar em casa.
  Congelei quando, ao abrir a porta, encontrei não só a minha melhor amiga como meu pai, minha tia Eunice e Rebeca, minha ex-namorada.
  — Surpresa! — gritou animada.
  Fui abraçado pelo meu pai choroso e tia Eunice. Não sei quando exatamente eu comecei a chorar também, a saudade que sentia deles eram maior do que eu imaginava. O fato é que dificilmente os via, por causa dos jogos e as obrigações que me rodeavam; além do mais, meu pai, assim como minha avó, morriam de medo de andar de avião.
  — Onde está vovó? Ela está bem? — Perguntei enquanto fechava a porta e pedia para que eles se sentissem em casa.
  — Claro, vaso ruim não quebra fácil. — Resmungou tia Eunice, ranzinza como sempre, mas ainda mantinha um ar de brincadeira.
  — Ela não quis vir de jeito nenhum. — Respondeu . — Tentei até convencê-la, mas você sabe, né?
  — Parabéns por ontem, . — A voz de Rebeca me fez virar bruscamente, já que eu tinha esquecido de sua presença ali. — Estou bastante orgulhosa.
  Ela tocou meu ombro delicadamente.
  Agradeci, sem graça, sentindo me desconfortável.
  — do céu! Que chiqueiro é esse? — exclamou tia Eunice, da sala — Como você consegue viver nessa zona?
  — É que a senhora veio nos dias bons, tia, devia ter visto semana passada. — dedurou , indo em direção ao cômodo. — Ei, você já almoçou? Acho que vou pedir comida. Seus armários estão vazios desde a última vez que chequei.
  — Ainda não, pode ligar para aquele restaurante italiano que você gosta. — aconselhei — Eu pago.
  — Claro que você paga. — disse, em tom de deboche — O dinheiro que ganho da universidade pela pesquisa não é muito comparado aos trilhões que você deve ter ganhado só ontem. Quando eu tenho oportunidade, certeza que vou torrar seu dinheiro.
  Apertei os olhos, fingindo raiva.
  — Rapariga. — xinguei-a enquanto a fitava desaparecer pelo corredor gargalhando.
  — Vocês são bastante próximos, não é? — Observou Rebeca.
  Dei os ombros, fazendo o caminho até a sala.
  — Então, veio visitar a Inglaterra em tour e tals? — indaguei.
  — Não, me mudei pra cá faz um mês, para me especializar em psiquiatria. Tentei entrar em contato com você, mas não respondeu nenhuma mensagem minha.
  Cocei a nuca, envergonhado.
  — Essas últimas semanas estão uma bagunça. Acredite em mim quando eu digo que deixei todas minhas redes sociais nas mãos do meu empresário, assim como os e-mails. — justifiquei — Ia começar a responder tudo hoje, mas as cem conversas acumuladas e dera um desânimo...
  Ela riu.
  — Tudo bem, de qualquer jeito foi melhor encontrá-lo pessoalmente. — ela suspirou, os olhos claros brilhando de excitação — Quero saber se ainda há chance para nós.
  Parei na metade do corredor e virei-me para ela. Se isso acontecesse ainda há seis meses não hesitaria em chamá-la para sair e recuperar o tempo perdido. Houve um tempo em que me fantasiei casado com Rebeca, até. Namoramos por dois anos, mesmo que não costumávamos ficar muito tempo juntos por causa de nossas obrigações. Agora, só a ideia de tentar algo mais parecia loucura para mim.
  — Olha, Rebeca, muita coisa aconteceu desde que vim para cá... — vi seu sorriso diminuir, entendendo o que eu dizia. — Acredito que seja melhor a gente apenas manter a amizade.
  — Tudo bem. — sua voz denunciava o desapontamento.
  Entramos na sala e tentei ao máximo fugir das indiretas da tia Eunice sobre nós dois e m e atualizar sobre o que tinha acontecido desde as festas de Ano Novo. Não consegui evitar lançar olhadelas para , não sabendo como agradecê-la pela surpresa.
  Em algum momento todos nós estávamos jogados pela sala saboreando comida italiana e conversando coisas alheias. Como não sabia da vinda da minha família, não planejei nenhum ponto turístico para que nós visitássemos, levando uma reclamação ácida da minha tia.
  O dia passou rápido e quando me dei por mim estava levando meus pais para o hotel e Rebeca à república da sua universidade. Com uma promessa de que no outro dia iríamos visitar todos os lugares que conhecia de Liverpool e que os levaria para Londres ainda aquele final de semana, e despedir de meu pai e tia Eunice.
  O silêncio era finitamente constrangedor dentro do carro. e Rebeca se encontravam no banco traseiro, em silêncio, sem saber o que dizer. Perguntei sobre a faculdade de Rebeca, tentando puxar assunto, mas não demorou muito para que apenas o barulho da rua fosse escutado de dentro do veículo. Liguei o rádio, desconfortável, me indagando como eu seria sortudo o bastante para dar carona a minha ex e a mulher que eu gostaria que fosse minha atual.
  — Chegamos. — Avisei tentando ao máximo não mostrar meu alívio.
  No momento eu tinha mais facilidade de a ter uma conversa com do que com Rebeca, isso era fato.
  — Foi mal não poder ir amanhã. — ela olhou para baixo — Você sabe, não quero deixar os projetos acumularem...
  Assenti, entendendo.
  — Qualquer dia desses a gente sai pra colocar o papo em dia. — comento educadamente mesmo sabendo que era provável que não iria acontecer.
  — É... — ela disse com uma cara de poucos amigos. — Até mais.
  Beijou minha bochecha rapidamente.
  — Foi um prazer lhe conhecer pessoalmente, Rebeca. — disse com um sorriso simpático.
  — Digo o mesmo. — Acrescentou Rebeca, com um sorriso cordial.
  E saiu do carro, deixando eu e a sós.
  Ao contrário de qualquer ser humano normal, ela entrou no banco da frente sem sair do carro, me dando chutes inconscientes no processo.
  — Obrigado por trazer painho e tia Eunice. — falo sincero, me sentindo desconfortável por achar aquelas palavras pouquíssimas para expressar minha gratidão.
  — Por nada. — ela disse, sorrindo.
  — Está escurecendo. — comentei quando ela se acomodou à minha esquerda.
  — E eu estou com fome.
  Revirei os olhos.
  — Quer ir a algum lugar pra comer antes de voltar pra casa? — perguntei.
  — Não, eu vou comer em casa.
  Levantei a sobrancelha.
  — Que milagre é esse que você negou comida de graça?
  Ela suspirou, como se estivesse cansada, então pela primeira vez naquele dia percebi que ela não estava tão bem como aparentava. era a pessoa mais cheia de vida que eu conhecia e naquele momento parecia que mantinha uma batalha interna.
  — ... Você vai voltar com Rebeca?
  Franzi o cenho, a achando tola por pensar isso e se senti incomodada por tão pouco. Oras, ela é a minha melhor amiga, devia e conhecer mais do que ninguém!
  — Não.
  Entretanto, ela continuou com cara de poucos amigos e deduzi que aquilo era só a ponta do iceberg.
  — O que foi, ?
  Ela apertou os lábios e começou a torcer as mão em sinal de nervosismo.
  — Acho que estou apaixonada por você. — ela sussurrou.
  — Get out of the way, motherfucker!
  Foi quando eu percebi que olhava por muito tempo para minha melhor amiga e não tinha visto que o sinal havia aberto e que estava criando um caos no trânsito. Apertei o volante e acelerei para sair do caminho dos motoristas raivosos.
  — Olha, eu sei que provavelmente é tarde demais e que você deve estar em outra. — desatou em falar — E ainda tem o fato de eu passar a maior parte do tempo na faculdade e focando na pesquisa, mas acho que, talvez, se você quiser, é claro, a gente poderia, se não fosse...
  Àquela altura eu já havia a estacionado o carro e segurando seu rosto com as minhas mãos como se ele fosse a coisa mais preciosa do universo e a beijei.
   arregalou os olhos, surpresa, mas milésimos de segundo depois ela arquejava seu corpo para mais perto com certa dificuldade por causa do cubículo em que nos encontrávamos. Os nossos beijos costumam ser quentes e cheios de segundas intenções, fazendo com que sempre não nos limitemos aquilo, entretanto, aquela vez fora totalmente diferente. O roçar de seus lábios é muito mais que calor e desejo, sinto uma ternura e alívio transpassar por todo meu corpo.
  — Eu amo você. — deixo escapar quando ela afasta sua face de mim.
  Ela sorriu e afundou sua mão pequena entre meus cabelos. Se movimenta devagar e senta no meu colo e eu abafo um sorriso quando me lembro da primeira vez que ficamos juntos e eu reclamei de seu peso; “O que adianta ser miúda se pesa uma tonelada?” ela me deu um tapa no braço, não sabendo que eu tentava me distrair do meu nervosismo com provocações.
  Segurei suas coxas para deixá-la mais confortável e lhe dei um sorriso que com certeza poderia ser comparado a de um idiota.
  — Eu amo você também.
  Aquela semana tinha sido uma das melhores da minha vida, por n motivos: eu havia ganhado a taça da Champions junto com minha equipe e, por mais que não tivesse ganhado como melhor zagueiro da temporada, eu tinha ideia que estava entre os melhores; ainda tinha, é claro, a visita repentina da minha família que e não via há meses. Entretanto, nenhuma daquelas conquistas e momentos grandiosos se comparavam a felicidade que senti ao ouvir recitar aquelas palavrinhas.
  Se havia alguma dúvida que eu estava de quatro para ela, se dissolveu naquele momento.
  Segundos depois dirigi com pressa até o apartamento de , que era mais perto do que o meu, já que, pelo que se passava pela minha mente, não queria correr o risco de ser preso por atentado ao pudor.
  E aquela noite tive a ousadia de chamá-la de minha.

  Ela.

  — Se eu chegar a ver qualquer coisa relacionada a gravidade nas próximas duas horas terei um treco.
   riu ao ouvir meu resmungo e me abraçou, fechando a porta atrás de mim com a mão livre.
  — Então não estou autorizado a perguntar como foi seu dia hoje? — Ele levantou a sobrancelha e deixei escapar um suspiro apaixonado que agora se tornava hábito meu.
  Seus cabelos estavam úmidos e ele tinha cheiro de sabonete e creme de pós-barba. Provavelmente ele havia chegado da academia de seu prédio, passatempo tomava quando ficava algumas semanas de folga depois de um campeonato.
  — Não mesmo. — Respondi, me esticando para dá um beijo rápido nele.
  Como não é rápido em qualquer outra coisa que não envolva futebol, logo sentir sua mão me segurar pela cintura e deslizar seus lábios para meu pescoço.
  Penso em empurrá-lo e reclamar que eu preciso de um banho, mas estou rendida em seus braços.
  — Amo cada pedacinho seu. — ele sussurra contra minha pele.
  — Uhum. — respondo com a voz rouca.
  Largo minha mochila no chão e agarro seus ombros para que ele se aproxime, entretanto, meu estômago me denuncia com um barulho que facilmente poderia ser comparado ao dos trovões que costumavam nos assolar em dias de chuva.
  — Eu preparei algo para gente. — ele fala para minha barriga, como se dialogasse com a fome — Não precisa declarar uma guerra a mim.
  Dou um empurrão nele e faço uma carranca.
  — Idiota. — murmuro.
  Ele me puxa até a cozinha e sento na mesa fitando-o terminar o spagetti que estava fazendo.
  — É assim que eu gosto. — comento pegando o celular do bolso para ler as notícias pela internet — Eu trabalho, você cuida da casa e dos nossos futuros filhos.
   solta uma gargalhada gostosa de se ouvir e que tem sido bastante escutada nas últimas semanas e eu sorrio com aquela cena maravilhosa. Saio lendo as manchetes rapidamente, ignorando as notícias de violência que infelizmente se tornaram normais em nossas vidas. Parei quando vi que a lista de jogadores convocados para a Copa das Confederações.
  Lembro que desligara o celular nas últimas semanas e não tocara em nenhuma rede social querendo aproveitar de verdade as férias. Ele, ao contrário de todo e qualquer pessoa, não é muito chegado a tecnologia e prefere bater perna ao ficar em casa navegando na internet, algo que antes achei estranho, mas hoje admiro, principalmente para alguém famoso que tem que engoli muito sapo.
  Faço uma careta quando vejo o nome de jogadores que não são lá essas coisas, mas minha expressão muda totalmente quando o nome aparece bem no final da lista.
  O grito que saí da minha garganta é automático.
  — Puta que pariu, ! — grita — Me sujei todo de molho de tomate.
  Começo a rir, tanto da sujeira que meu namorado fez como a de felicidade pela sua conquista desconhecida. Eu imaginava que o empresário de estava louco tentando falar com ele.
  — Deixa eu ver isso aí. — Ele falou, mal-humorado — Espero que seja algo que vala a pena.
  Mostro a matéria para ele e, diferente da minha reação, fica quieto, contudo, seus olhos estão correndo pelo texto rapidamente. Ele lê e relê a notícia e ri como um menino. Quando me pega no braço, rodando me no ar com animação, me pego proferindo diversos tipos de palavrões ao perceber que no seu abraço sujei minha camisa branca novinha de molho de tomate.
  — Eu compro trinta dessas se você quiser, meu amor. — fala, segurando meu rosto — Só quero comemorar com você, posso?
  Meu ar indignado some ao ver a forma em que seus olhos brilhavam me pedindo aquilo que era tão banal para alguns, mas importante para ele. As lágrimas começam a descer em seu rosto devagarinho e percebo que foi a primeira vez que ele sentiu o peso de uma conquista sua. O abraço com força, chorando junto com ele e com a voz rouca o parabenizo — ao menos tento fazê-lo.
  Minutos depois estamos abraçados no meio da cozinha em silêncio, digerindo a notícia em nossas cabeças. Eu devia aconselhá-lo a ligar para seu empresário, em vez disso, fico lá no calor de seus braços.
  — Eu amo você. — ele diz aquelas palavras que esquentam meu coração todas as vezes que são proferidas.
  — E eu também amo você. — respondo — Assim como sinto um orgulho que não cabe em meu peito.
  Ele dá um sorriso daquele jeito de menino que faz meus joelhos tremerem.
  — Obrigado por estar no meu lado por todo esse tempo. — sussurra, as pupilas escuras dilatadas — E por ser simplesmente... Você.
  Digo emocionada, não percebendo que começara a chorar.
  — Você que vai jogar na seleção e eu que recebo declaração? Isso está errado. — comento o beijando logo depois.
  Me entrego ao meu jogador favorito, meu melhor amigo e namorado. Me entrego ao dono do meu coração e participante de boa parte da minha felicidade. Estou de mãos atadas diante do melhor zagueiro do mundo que acabou de me desarmar e eu o amor por isso.

Fim!



Comentários da autora


  Bruna do céu, você é minha musa inspiradora para essa história e espero de coração que você tenha gostado! Não sei se você gosta de futebol (ou mesmo de física) já que meus stalkers no Facebook são muito limitados. Nunca cheguei a conversar com você, mas fiquei muito feliz ao descobrir que era você por trás da Equipe dos Trailers — aliás, te acho muito linda.
  Enfim, não vejo a hora de ler seu feedback e acredito que amará tanto ler essa história quanto eu amei escrevê-la!
  Leitores que deram uma chance a essa história, peço que e digam o que acharam. Sua opnião é de muitíssima importância!
  Até mais!