A Última Carta de Amor

Escrito por Agatha Mello | Revisado por Duda

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Prólogo

  - Você acha que viajar nesta tempestade no meio da madrugada irá fazer com que eu fique menos brava ou com que me esqueça do fato de você ter esquecido, ? - Perguntei irritada, bocejando demoradamente por ter sido acordada às três horas da manhã com o som de Poker Face da maravilhosa Lady Gaga, sentindo cansaço do dia anterior se abater sobre meu corpo e mostrar que era possível dormir em pé.
  - Sei que esqueci, mas só quero me desculpar com você… Será que é pedir muito para que você fique feliz e me espere acordada? Tenho uma surpresa para poder te recompensar. - Disse ele seriamente com sua voz mais rouca que o normal antes de soltar um suspiro pesado, como se estivesse desistindo de algo que não me era perceptível. - Por favor, . Fique acordada! - Reforçou seu pedido.
  - Prometo que tentarei ficar acordada, não garanto nada. - Cedi por fim ao seu pedido.
  - Amo você. Não se esqueça disso, meu amor. - Ouvi aquilo e sorri abertamente, sentindo meu peito se apertar com o tom de despedida na sua voz.
  - Apenas tenha cuidado, . Amo você. Muito. - Disse baixo, encostando minha testa na parede gélida, respirando fundo e ouvindo “Terei, querida. Terei.”. - Mais do que o oxigênio. - Acrescentei para o vazio. A ligação havia sido encerrada. Ele não ouviu.

Capítulo Único

  Eu podia ver as lágrimas incessantes que caíam dos olhos dos ali presentes, deixando um rastro molhado por seus respectivos rostos, manchando maquiagens bem elaboras para cobrir as olheiras e criando caminhos de água pelos outros mais limpos.
  Pastor John estava a frente de toda aquela cerimônia, segurando uma bíblia aberta em algum livro, pronto para ler mais um capítulo repleto de versículos que não me fariam ter fé naquele exato momento, afinal estava abalada para ter um pensamento mais racional ou para crer que um milagre poderia acontecer. As palavras de conforto não mudaria o que tinha visto naquela manhã.
  - A morte realmente nos surpreende. Nos pega despercebidos. - John começou a falar com calma e uma paciência excepcional. Minha atenção permaneceu no caixão fechado a minha frente, sem piscar enquanto me lembrava de alguns momentos ao lado de . - A morte não costuma agendar a sua chegada. Quando ela vem. Não pede licença. E, nem espera se despedir dos entes queridos. - Continuou ele, deixando a bíblia fechada e rente ao corpo. - Não espera ter que enviar e-mail para alguém, nem mesmo telefonar para alguém e dizer “adeus”. Ela chega. Sem explicação. - Aquilo era uma verdade. Uma das poucas verdades que a humanidade sabia e preferia ignorar para não sofrer com antecipação a morte de alguém. - Uma hora você está com a pessoa, brincando, conversando e segundos, minutos ou horas depois você está se lamentando em cima do caixão. Flores, algodões dentro do nariz e o corpo pressionado em um pedaço de madeira, pra meses depois aquilo tudo virar pó. Apenas pó enterrado no pó. - Então, ele finalmente conseguiu atrair minha atenção e qual foi minha surpresa ao ver que ele me olhava? A mensagem era pra mim? Sério? - Engraçado… Algumas pessoas nunca vão deixar de fazer falta. Os anos passam, você nem sente mais como no começo, mas de alguma forma a falta daquela pessoa nunca passa. E seria uma pena se passasse, não restariam lembranças, nem risos e nem choros. - Disse ele antes de soltar um suspiro pesado, repeti seu gesto. - Lembre-se das pessoas queridas. Talvez, amanhã. Não. Nunca mais haverá oportunidade de fazê-lo. Talvez, parta você. Talvez, eu. Ou, talvez, quem devesse ser lembrado. - Apenas pude desviar o olhar, mantendo-me firme e longe das lembranças. - Um dia você está chorando por uma pessoa que, talvez, nem sabe teu nome inteiro, e no outro a vida lhe apresenta um real motivo para chorar. Uma pessoa para realmente sentir falta. Uma pessoa que realmente se importou, que chorou e se doou. - Continuou. - Uma pessoa, mesmo distante consegue te fazer sorrir. Uma pessoa que nem a morte é capaz de separar. É tão clichê, mas é assim: ela sempre fica no seu coração; e depois ela vira aquela estrela que mais brilha no céu. É… como disse, a morte nos surpreende. Mas eu sei, Deus tem um plano pra tudo e não existe morte para aqueles que estão no Senhor, só um longo sono… Então, bons sonhos ! - Finalizou ele, abrindo a bíblia e lendo uma das passagens, logo orando e então dando o espaço para que a mãe jogasse a primeira flor quando o caixão baixasse.
  Tudo parecia estar em câmera lenta. Minhas memórias estavam em conflito com a realidade. As lembranças começavam a me deixar desnorteada e o tempo parecia prosseguir lentamente.
  - Descanse em paz, . - Disse o Pastor John por fim, finalizando aquela cerimônia fúnebre.
  E, então, o tempo parou. Vi com lentidão quando o caixão foi erguido e encaminhado para o buraco profundo na terra, e aquele foi meu estopim.
  Ele não voltaria, nunca mais.
  As lágrimas que tanto segurei, escaparam por meus olhos e deslizaram por meu rosto, criando uma trilha lenta e fina de água salgada que começara lenta e ganhara velocidade assim que passava pelas maçãs de meu rosto, terminando em meu queixo antes de se desprender e ir ao chão. Outras lágrimas repetiram o gesto e o autocontrole se foi.
  O desespero apossou-se de mim. A sensação de estar só e vazia alcançaram-me com violência.
  Ele havia quebrado sua promessa. Ele me deixou, sozinha.
  As lágrimas deslizavam descontroladamente por meu rosto, não existia mais nada pelo qual valia lutar, não mais.
  O mundo parecia ter perdido a cor. O chão sob meus pés desapareceram quando o caixão com o corpo dele começou a baixar-se. Meu coração tinha encolheu-se e partiu-se em mil pedaços gelados.
  O tempo foi passando lentamente e em meio às lágrimas pude ver quando os funcionários iniciaram o trabalho de tapar a cova aberta, tornando toda aquela despedida forçada em algo muito mais do que dolorosa. Aquilo era tortura.
  Ouvi um último "sinto muito" e desesperei-me quando fiquei sozinha pela primeira vez desde que havia recebido a noticia de que o tinha perdido. Eu estava em pedaços e não existia ninguém que pudesse me ajudar a juntar os cacos restantes.

{...}

  Pastor John havia me dito que doeria, mas que o tempo faria questão de amenizar a situação, porém não era o que estava acontecendo.
  A dor continuava ali, intensa e lasciva, dolorosa e agonizante, torturando-me com afinco e prazer. Uma tortura longa e dolorosa com duração de vinte e quatro horas, sem interrupção. Doía, feria, sangrava. Cada vez mais.
  Se a situação fosse vista pelo lado de fora, pela visão de terceiros, parecia que sou masoquista e que gosto da sensação… A verdade é que estou acostumando-me com a dor, deixando-a fazer parte de quem sou, do modo como vivo, de como penso.
  Há alguns dias comecei a frequentar um psicólogo, Owen. Um sujeito muito paciente com uma barba loura hipnotizante e olhos azuis penetrantes que tentava a todo custo fazer-me falar o que sentia, pensava e queria, mas se demorou quase dois anos para que conseguisse me ter por inteiro, por que com ele seria diferente?
  Ah, … Owen queria saber sobre toda a minha raiva, fúria e ódio. Sobre minha solidão, dor e depressão. Sobre o além do fundo do poço a qual encontrava-me após aquele dia fatídico.
  Tudo indicava que a situação iria piorar e a sensação de impotência apenas crescia e me esmagava, afundando-me gradativamente.
  Suspirei pesadamente na frente de Owen e ele notou o quão entediada estava, fiz questão de deixar aquele sentimento nítido e não passasse despercebido, lembrar-me dele era reconfortante nos primeiros minutos e traiçoeiro nos seguintes.
  - Escreva. - Disse o médico, conseguindo trazer minha mente de volta a realidade. O olhei confusa e esperei que ele explicasse novamente do que diabos estava falando, como sempre acontecia. Era um vicio a qual não estava disposta a mudar agora. - Escrever ajuda. - Começou ele, soltando um suspiro cansado. Ele achava que estava cansado? Eu estava pronta para desistir de tudo, de lutar, de viver. - Se você não confia em ninguém para contar seus segredos mais sombrios ou sobre como se sente com relação à morte de , então escreva sobre essas coisas. - Continuou sua linha de raciocínio, tendo toda minha atenção voltada para si. O primeiro avanço depois de tantas sessões fracassadas. - Escrever ajuda a desabafar, acredite. - Garantiu.
  - Se eu escrever... - Comecei a falar e o vi se surpreender com meu recente interesse em uma das suas ideias. - A dor irá desaparecer até sumir por completo? - Terminei minha pergunta, olhando no fundo de seus olhos e vendo a resposta ali, mas não quis aceitar o que vi.
  - Sim, ela irá sumir. - Respondeu ele. E eu acreditei nele. Precisei acreditar.

{...}

  Olhei o papel a minha frente antes de desviar minha atenção para a paisagem do outro lado da janela e ver algumas crianças brincando de pega-pega na rua. O céu estava nublado e parecia que choveria a qualquer instante, mas aquilo não as impedia de viver. Se eu tivesse o mesmo entusiasmo que elas... Talvez houvesse uma chance, mesmo que mínima.
  Peguei a caneta e respirei fundo, pensando em como deveria começar e o que poderia escrever.

  "Querido ,
  Você se foi há pouco mais de duzentos e oitenta e cinco dias e sabe... Ainda não consegui superar sua perda. O mundo parece mais triste, mais cinza, sem vida.
  Longos dias.
  Todo esse tempo e eu ainda não lidei muito bem com sua ausência. Nossos amigos levaram-me a um terapeuta, Owen. Você teria gostado dele após ter tido uma crise de ciúmes, claro.
  Ele tenta toda sessão aproximar-se de mim. Ele tenta descobrir como estou, mas você sabe como sou. Ele irá fracassar todas as vezes e desistirá em algum momento, pois é nisso que sou boa. Sou boa em fazer as pessoas desistirem, sempre foi assim e ainda não mudou.
  Nossos amigos querem que eu te esqueça, porém não posso te esquecer. Você é tudo em que penso. Seu rosto, seu cabelo e os fios rebeldes que você tanto odeia, seus olhos repletos de bondade, seu jeito, seu sorriso... Amo tanto o seu sorriso e é por isso que é impossível te esquecer.
  Eu não quero esquecer.
  Owen me entregou esse caderno já faz um tempo e só tive coragem de escrever algo hoje... Sei que estou sendo covarde, mas não tenho outra opção no momento sem ser recuar. Tenho medo para lutar.
  Todos estão preocupados comigo, até Owen. Deveria entregar este caderno com algo escrito para Owen toda semana, contudo ele vê apenas o vazio.
  É como me sinto agora, vazia.
  Nossos amigos e meu terapeuta querem ter certeza de que estou lidando bem com sua perda. Sendo sincera, não estou lidando bem com isso e estou bastante consciente de que ele irá ler isso. A verdade precisar vir mais cedo ou mais tarde, certo?
  Quando ele me sugeriu que escrevesse o que estou sentindo, não houve especificações sobre o que escrever ou para quem escrever, então te escolhi para ser meu correspondente mesmo que isso fosse impossível e irracional.
  ... Preciso te dizer como está sendo desde que estou sem você, como me sinto todos os dias, partindo do principio. O dia em que você deixou este mundo.

  Primeiro dia:
  Acordei animada naquela sexta-feira com a expectativa de encontrá-lo enrolado nos cobertores ao meu lado. Contudo, quando virei-me, a cama estava vazia e você longe de ser visto.
  No começo, pensei que estivesse cozinhando algo para nós ou tomando um banho, mas a falta de barulho pelos cômodos daquele apartamento, deixou-me desconfiada. Eu deveria ter percebido que havia algo de errado, deveria ter percebido a tempo e parado você...
  Assim que saí da cama, o silêncio rodeou-me e vi que tinha algo de errado. Então, fui em busca de sua presença pelo apartamento. Meus joelhos enfraqueciam-se a cada passo que dava.
  Lembro-me de ter caído de joelhos no momento em que encontrei você. Eu chorei.
  Meus olhos ardiam quando as lágrimas, dolorosas e incrédulas, caíam. Nunca serei capaz de apagar aquela imagem. A imagem de seu corpo, frio e imóvel, deitado no chão da cozinha com um vidro de antidepressivos ao seu lado. Isso me assombra, todos os dias e noites.
  Fiz a única coisa que deveria fazer, chamei a ambulância.
  Eles entraram no apartamento rapidamente e, em poucos minutos, o levaram para longe de mim. Foi Noah quem, praticamente, colocou-me dentro da ambulância enquanto chorava silenciosamente ao lado de seu corpo gélido.
  Não queria acreditar.
  Não podia ser real.

  Segundo dia:
  Toda a sua família estava lá. Todos estavam.
  Abracei sua mãe em uma tentativa de conforto quando eu mesma não tinha em meio a suas lágrimas salgadas. Precisei conter minhas lágrimas durante todo o tempo.
  Nossos amigos cuidaram das suas duas irmãs mais novas, Jessie e Gaylle, que gritavam e debatiam-se, recusando-se a acreditar que seu irmão protetor e babaca tinha partido. Lágrimas caíam por todos os rostos.
  Cada um ali viu do lado de fora como você foi removido do seu leito e levado em uma maca com um fino lençol branco cobrindo-o. Não consegui ver seu rosto pela última vez e, naquele momento, recusei-me a acreditar que você se foi.
  Ainda me recuso.

  Terceiro dia:
  Silencioso.
  Essa é a única palavra que posso usar para descrever aquele dia. Não houve palavras para falar. Só existia lágrima atrás de lágrima.
  O dia foi desperdiçado com os respectivos pensamentos deploráveis de cada um.

  Quarto dia:
  Acabei achando uma carta sua nesse dia e a visão familiar de sua letra, fez-me chorar e tomar uma atitude egoísta. Não podia compartilha-la com ninguém.
  Sua mãe visitou-me naquele dia. Era uma Terça-feira…
  Assim que vi seu rosto, mostrei-lhe a carta e ela chorou, ... Ela chorou muito. Senti-me culpado por tudo isso e o peso dos meus ombros continua crescendo.

  Quinto e Sexto dia:
  Começamos a organizar seu funeral naquele dia... Não sei se era cedo ou tarde demais, mas ninguém queria o fazer, ninguém queria aceitar o fato de que você realmente havia ido, de que tinha desistido.
  No sexto dia, mostrei sua carta aos nossos amigos. Bom... Não mostrei exatamente. Foi Karol quem encontrou a carta em cima do balcão depois de um descuido de minha parte.
  Ela entrou na sala com lágrimas escorrendo pelo rosto e então ela gritou comigo. Ela gritou comigo por não ter contato a eles. Ela gritou comigo por ser egoísta. Ela me culpou sobre tudo… E talvez estivesse certa.
  Louis e Annie tentaram acalmá-la, mas não a culpo por estar com raiva. Também estava com raiva de mim.

  Sétimo dia:
  Uma semana sem você em minha vida e parece uma eternidade. Sete longos dias em que tudo mudou drasticamente para pior.
  Passei o dia inteiro assistindo os nossos vídeos antigos, fingindo que você estava ali comigo, rindo junto. Eu sei... Parece loucura. Era o único jeito de ter você de volta, mesmo que por algumas horas."

  Sequei as lágrimas que caíam teimosamente e pingavam diretamente na folha que usava para escrever. Não deveria ter te culpado por ter esquecido um jantar bobo de comemoração de mais um ano de amizade e de namoro.
  Ah, ... Por que você havia desistido? Por que não me deu a chance de tentar te salvar? Eu poderia ter tentado e talvez você estivesse aqui.
  Poderíamos ter o mundo, mas não… Você me deixou.

FIM



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