April

Escrito por Danielle | Revisado por Natashia Kitamura

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“O tempo passa. Mesmo quando parece impossível. Mesmo quando cada batida do ponteiro dos segundos dói como o sangue pulsando sob um hematoma. Passa de modo inconstante, com guinadas estranhas e calmarias arrastadas, mas passa. Até para mim.”
- Lua Nova, Stephenie Meyer.

February, 2008

  "Amar dá às pessoas o poder de destruir você". Onde mesmo eu havia lido essa frase? Em Lua Nova* talvez, mas isso não importava. O fato era que agora eu entendia exatamente o que essas palavras queriam dizer. Faça o que quiser, mas não ame ninguém, porque amor leva a expectativas, criar expectativas leva à decepção, e decepcionar-se... Decepcionar-se dói. Principalmente quando isso significa que a pessoa não será sua mais.
  Há quanto tempo eu estava encarando o teto branco do meu quarto? Dois minutos, duas horas, dois dias... Provavelmente já fazia semanas desde a última vez que eu realmente tive consciência de que estava viva, ou pelo menos tentando sobreviver. Sim, eu sei que é extremamente dramático dizer que você se sente em estado vegetativo desde que trocou as últimas palavras possíveis com aquela pessoa. No entanto, quando tudo na sua vida está ligado a esse alguém, quando tudo o que você é foi alicerçado sobre essa pessoa, quando todos os seus planos e ideias de futuro a incluem... Nesses casos, o buraco, o vazio enorme aberto em um lugar importante demais para ficar vago torna-se insuportável. Dolorosamente insuportável.
  "Namoros acabam, . Você não vai morrer por isso. A sua vida vai continuar normal, exatamente como era antes de me conhecer". Quisera eu me lembrar de como era a vida antes de você, . Quisera eu ter feito tudo diferente, como não aceitar quando sugeriu que eu conhecesse você. Não ter dito sim quando você me pediu em namoro. Não ter deixado você se infiltrar na minha vida desse jeito tão absurdo e provavelmente irreparável. Quisera eu conseguir pensar da mesma forma fria e objetiva que você.
  Olhei para o quarto ao meu redor e me arrependi instantaneamente. Ficar encarando o teto era muito mais fácil do que olhar para os bichinhos de pelúcia que ganhei de presente dele em tantas ocasiões alegres e lindas - lembranças antes inofensivas, que eu podia invocar quando quisesse. Agora qualquer lembrança só fazia pulsar cada hematoma que aquele fim de relacionamento abriu em tantas partes do meu corpo. Minha estante estava lotada dos livros que ele leu antes de me dar de presente; os porta-retratos traziam o registro de nosso aniversário de um ano e de um dia qualquer em que ele acordou e decidiu tirar fotos de nós dois com cara de sono. No primeiro mês que passamos juntos, quis conhecer cada um dos meus gostos, e isso o levou a comprar CDs de várias das minhas bandas preferidas, apenas para ouvir e tentar entender o que me agradava em cada uma delas. No último mês que passamos juntos, ele me deu todos esses CDs e resmungou algo como "Realmente eu não sei o que você vê de bom nisso". Até nesses mínimos detalhes, era evidente como as coisas entre nós desmoronaram.
  Afundei minha cabeça no travesseiro desistindo de conter as lágrimas e chorei até ficar sem fôlego. O que eu havia feito de errado para que ele mudasse tanto? Por que eu me apaixonei mais por ele a cada dia que passamos juntos, e, por outro lado, ele só parecia se irritar cada vez mais com a minha presença? Nós nunca fomos um casal perfeito, eu sempre soube disso. Mas quando nos tornamos desastrosos o bastante para magoarmos um ao outro dessa forma?
  Inevitável como a morte, é fato que todas as coisas têm um início, um meio e um fim. A única coisa que muda é quanto tempo demora para que esse final chegue, e quantas pessoas sairão machucadas então. Obviamente, eu fui a pessoa mais atingida no final da nossa história.
  Não sei quanto tempo passei repassando os três anos e cinco meses que ficamos juntos em minha mente, procurando os erros que eu cometi e, pela primeira vez, procurando os erros que ele cometeu também. O que sei, é que parei de pensar por algumas horas, finalmente, e mergulhei em um sono profundo, sem sonhos.


November, 2008

  - ! Meu Deus, o Senhor ouviu minhas preces! - disse me abraçando.
  - Como vai, ? - perguntei sorrindo da forma mais feliz que consegui.
  - Eu estou bem. Como vai você? Finalmente decidiu tirar o pijama e respirar ar fresco? - minha amiga andou em direção à sala de estar e eu a segui.
Acomodei-me no sofá ao lado dela pensando em como responderia à primeira pergunta.
  - Eu estou melhor. E não é como se eu tivesse ficado trancada em casa 24 horas por dia. Eu tenho que estudar, você sabe.
  - É, mas sair para ir à faculdade nem conta. Há meses não saímos pra algum boteco, cinema ou mesmo pro shopping...
  Nesse ponto ela estava certa. Aquela era a minha primeira verdadeira socialização em nove meses. Minhas amigas me visitavam e tudo mais, mas aos poucos foram desistindo de mim também. As pessoas simplesmente não gostam de ficar por perto de quem julgam fracas, como eu estava demonstrando que era. Todos tentam ser solidários, mas a solidariedade tem tênues limites.
  - Sim, é verdade. Faz tempo mesmo.
  - Bom, então me conte as novidades! - pediu animada.
  - Não tenho nenhuma. Mas aposto que você tem várias...
  Felizmente, realmente tinha muita história para contar. Passei horas na casa dela conversando sobre banalidades. Fizemos alguns cookies juntas, e os comemos acompanhados de vinho - uma combinação super estranha, mas que deu certo de alguma forma.
  - Sabe do que você precisa? - minha amiga disse enchendo sua taça pela terceira vez. Eu precisaria dirigir de volta para casa, de modo que parei na primeira. - De um namorado novo! - ela mesma respondeu e riu. Não estava bêbada, mas já indicava que estava indo para esse caminho.
  - Não, flor. Obrigada, mas da última vez que você me apresentou um cara ele foi um completo fofo no início, namoramos por três anos, eu fiz a besteira de basear a maior parte da minha vida nele, e então fui chutada, sem dó nem piedade. Estou bem solteira, de verdade. - respondi sinceramente.
  - Ninguém está bem solteira, . Sejamos sinceras quanto a isso. - ela declarou chateada. Não respondi principalmente porque, no fundo, eu concordava com ela. Eu nunca conseguiria fabricar memórias tão boas solteira quanto as que produzi tão naturalmente com . Ele era onde eu me apoiava sempre que tinha vontade de desistir. E por mais que ele tivesse sido frio e otário comigo nos últimos dias do nosso relacionamento, eu jamais conseguiria enterrar as milhões de ocasiões em que ele foi o melhor namorado do mundo.
  - ... - Eu havia prometido para mim mesma que não faria aquela pergunta, mas já estava disposta a tentar me perdoar depois por quebrar a promessa. - Você tem notícias do ?
   e cresceram na mesma rua e eram amigos de infância. Os dois se tratavam como dois irmãos, e quando conheci na faculdade, ela logo teve a ideia de nos apresentar. Isso só aconteceu depois que nos tornamos grandes amigas, porque ia para casa só durante as férias de final de ano, e eu precisei me esforçar muito para convencer meus pais a ir passar alguns dias com ela, já que eu também ia para casa raramente. Daí, de uma simples ida ao cinema e alguns beijos no escuro, eu e iniciamos um relacionamento que nem nós dois imaginávamos que iria tão longe quando decidimos arriscar. Eu, pelo menos, jamais diria que aprenderia a amá-lo de uma forma tão intensa.
  - Eu sempre falo com ele pelo telefone ou pelo facebook. - ela respondeu ficando séria.
  - Como ele está? - tentei tornar a pergunta casual, mas não consegui convencer ninguém.
  - Está bem. Normal. - deu de ombros. Com certeza havia como responder mais do que isso, mas "bem e normal" já me atormentaria o bastante. Eu não precisaria de detalhes também para saber que eu estava a poucos centímetros do fundo do poço, ainda me recuperando, ao passo que ele se sentiu aliviado desde o momento que se despediu de mim dizendo que ainda queria que fôssemos amigos. E foi nessa ocasião que eu descobri como ele era um bom mentiroso.


April, 2013

  Coloquei os fones no ouvido, aumentei o volume do iPod e alonguei novamente minhas pernas. Então, acenei para o porteiro que ainda me observava da entrada do prédio, e comecei a correr.
  Correr tornou-se um dos meus hobbies favoritos depois que decidi cuidar direito da minha vida. Aqueles cinquenta minutos de corrida por dia me davam um ânimo que nem eu sabia que existia em mim. Os pedestres nas ruas, os carros passando, o sol se pondo no horizonte... Essas coisas simples me distraíam de ver problemas em tudo, de brigar comigo mesma. E eu já estava farta de fazer isso - de apontar as falhas da e odiá-la por ser como era.
  Como eu não corria para emagrecer, parei sem remorso algum numa barraquinha na praça que marcava o limite de até aonde eu ia sempre e comprei um picolé de chocolate. O local não estava movimentado - alguns idosos faziam caminhada ou passeavam com seus cachorros, e alguns carros passavam nas ruas em volta de tempo em tempo. Assim, sentei-me em um dos bancos limpos, livres de folhas de árvores, e me concentrei no meu picolé pelos próximos minutos.
  Cinco anos haviam feito milagres na minha vida. Terminei a faculdade de medicina e já estava fazendo a especialização em cardiologia que sempre sonhei tanto. Comprei um apartamento próximo de onde eu morava na época da faculdade - eu gostava do bairro, conhecia tudo por ali e tive sorte por construírem um prédio e estarem com pressa de colocar pessoas morando nele, de modo que o preço foi bem menor do que o normal. A única coisa que não mudou, no final das contas, foi a minha amizade com , e eu estava muito feliz por isso. Ela havia escolhido a neurologia como especialização, e nenhuma de nós duas tínhamos muito tempo, mas sempre dávamos um jeito de pelo menos ligar para a outra e conversar.
  Joguei o palitinho de picolé em uma das lixeiras da praça e corri de volta para o meu prédio. Dentro de uns quinze minutos eu estava tirando os fones de ouvido e cumprimentando o porteiro de novo.
  - ? - Ouvi uma voz de homem um tanto familiar chamar o meu nome. Virei-me por reflexo para conferir quem era, e não acreditei quando o vi parado na calçada, segurando as chaves do carro com as duas mãos e sorrindo sem graça.
  Quantas vezes eu sonhei que ele viria me procurar assim, de uma forma tão casual e quando eu conseguisse olhá-lo sem me derreter em lágrimas? Naquele momento, só consegui acreditar que estava sonhando acordada de novo, mesmo depois de me esforçar tanto para parar de fazer isso.
   caminhou em minha direção e chamou meu nome de novo.
  - Srta. Lawrence, tem um rapaz lhe chamando lá fora. - meu porteiro disse enquanto eu ainda olhava incrédula a figura de , exatamente como cinco anos atrás, me encarando do lado de fora do prédio.
  - Sim, é verdade. Obrigada, Paul.
  Andei para a calçada e o sorriso confuso de agora questionava a minha sanidade. Ele ainda tinha os mesmos cabelos nem tão curtos nem tão longos bagunçados, vestia uma bermuda branca e tênis, e uma camiseta novinha em folha de seu time de basquete preferido. Parecia demais com o por quem eu me apaixonei. Cheirava e sorria da mesma forma também. E tudo isso era muito mais difícil de ver do que eu calculei que seria a essa altura do campeonato.
  - ? - perguntei como uma idiota caminhando na direção dele ainda sem conseguir acreditar no que estava vendo.
  - Sim, eu mesmo. - ele sorriu mais abertamente me incentivando. Caminhou para mais perto ainda de mim e me puxou para um abraço apertado. Ah, eu tinha que admitir como era bom ter o calor dele perto de mim daquela forma de novo! tinha mais de um metro e oitenta de altura, o que significava que eu era mais de vinte centímetros mais baixa. Assim, quando ele me abraçava, seu corpo todo cobria o meu, e eu me sentia como uma criança pequena demais, desprotegida. Acho que essa sensação foi um dos fatores que ajudou a me fazer acreditar que ele era tão essencial. E eu definitivamente não podia me sentir assim outra vez.
  - O que te traz aqui? Aliás, como você descobriu meu endereço? - perguntei me afastando. Tudo saiu como uma acusação, embora essa não fosse a minha intenção.
  - A me deu. Eu estou de férias do trabalho, então decidi vir visitar vocês por uns dias. - ele respondeu casualmente.
  - Em cinco anos, essas foram suas primeiras férias?
  - Na verdade, sim. Eu arranjei vários estágios na época da faculdade ainda, e depois me juntei a um amigo pra começarmos nossa própria construtora. As coisas foram se ajeitando, eu trabalhei como um burro de carga desde então, mas agora está tudo mais estabilizado. Daí eu pude tirar algumas semanas de férias.
  - Caramba, sua própria construtora! Parabéns! - falei sinceramente feliz por ele. Vinte e cinco anos era bem jovem para já ter alcançado tanto. Eu sempre soube que seria um excelente engenheiro civil, mas enquanto estávamos juntos ele não tinha uma mente tão empreendedora.
  - Obrigado. Eu soube que você está fazendo residência em cardiologia. Decidiu de uma vez por todas que vai cuidar do coração das pessoas? - ele perguntou cutucando-me na cintura e arqueou as sobrancelhas quando eu me contorci, demonstrando que ainda sentia cócegas ali.
  - Digamos que sim. - fiz uma careta. - Mas estou surpresa você ter vindo me visitar.
  - Eu não queria que cinco anos atrás fosse a última vez que nos vimos. Nós vivemos boas coisas juntos. Acho que vale a pena tentarmos ser amigos. Claro, se você concordar com isso. - disse sério. E eu não poderia negar que estava feliz por vê-lo, por saber que ele estava bem. Eu não podia negar que ainda tinha sentimentos por ele, mas talvez já fosse hora de parar de ignorar isso e tentar conviver com os fatos.
  - É lógico que eu concordo. - falei sinceramente. - Bom, estou sendo uma péssima anfitriã. Vamos entrar logo.
   abria uma garrafa de vinho na cozinha do meu apartamento enquanto eu tirava as roupas da corrida no meu quarto. Vesti um vestido um palmo acima do joelho de alças - pareceu bastante inocente para mim - e fiquei descalça mesmo. Catei meu celular que estava abandonado sobre a mesinha de cabeceira e digitei uma mensagem para , mas desisti de enviar. Se havia sido uma coisa boa ou uma coisa ruim ela ter dado meu endereço para meu ex-namorado, eu ainda não havia decidido. Portanto, achei melhor esperar para ver como a noite terminaria antes de formar conclusões.
  - E aí, conseguiu? - perguntei ainda caminhando para cozinha, e então surgiu na copa com duas taças de vinho cheias nas mãos. Ele me entregou uma e bebericou a sua.
  - Hmmm. Muito bom. - ele elogiou.
  - Ganhei de presente no dia dos namorados.
  - Hum, então você tem tido muitos encontros... - disse e sentou-se no sofá. Sentei-me na poltrona em frente pensando em qual seria minha resposta e se isso não deixaria as coisas estranhas.
  A verdade era que eu tive um encontro desde que terminei com - meu primeiro namorado, meu primeiro beijo, minha primeira vez. E esse encontro terminou com o cara chorando quase tanto quanto eu naquele mesmo sofá onde meu ex-namorado estava - cada um de nós lamentava seu trágico fim de relacionamento. Pelo menos, o cara havia terminado há pouco mais de um mês. Eu estava tentando superar tudo há mais de um ano... Bom, a experiência foi um desastre, e com tudo da faculdade acontecendo ao mesmo tempo, eu nem pensei em sair com mais alguém depois disso.
  - Aposto que nem tantos quanto você... - foi a minha resposta. Ele não precisava saber que eu passei todo aquele tempo sem ficar com ninguém. Ele com certeza havia se comportado de forma contrária.
  - O está namorando. - ele falou de repente.
  - Jura? Não pensei que viveria o bastante para ver isso. Que bom!
  - Pois é. O cara tá todo romântico, falando em casamento e tudo mais.
  - É, estamos ficando velhos. Está na hora de sossegar mesmo. - respondi deixando que ele mudasse de assunto. Se queríamos ser amigos, falar de relacionamentos provavelmente não era uma boa escolha de conversa.
  Passamos os próximos minutos apenas bebendo, sem dizer uma palavra. Meu relógio de parede indicava nove da noite, então decidi pedir uma pizza.
  - Uma pizza tamanho família, metade de bacon e metade de frango. - eu disse para o atendente o pedido que fizemos tantas vezes durante nosso relacionamento e desliguei em seguida. - Deve chegar em uns trinta minutos. - falei para e ele assentiu. Não sei como ele se atrapalhou com a taça de vinho no momento seguinte. O que sei é que ele conseguiu entornar boa parte da bebida em sua camiseta e levantou-se do sofá xingando.
  - Caralho!
  Corri até a cozinha e peguei um pano de prato. Eu provavelmente deveria ter jogado o pano para ele se virar sozinho, mas a força do hábito e provavelmente a taça de vinho que eu já havia drenado, me fizeram correr até ele e tentar secá-lo por mim mesma.
  - Não vai adiantar. - respondi observando sua camiseta arruinada. tirou a camisa e a jogou no chão. - Você voltou a malhar? - perguntei por reflexo encarando seu peito, ombro e braços bem definidos. Ele malhava antes de nos conhecermos, mas parou alguns meses depois que começamos a namorar. Tinha o corpo de um atleta ainda, mas malhar definitivamente deixava-o bem melhor. Eu tinha certeza disso agora que estava vendo os resultados.
  - Voltei. - ele respondeu ainda preocupado com a camiseta. - Você por acaso não ficou com nenhuma roupa minha, né? - ele perguntou com um sorriso amarelo no rosto. Balancei a cabeça negativamente também sorrindo sem graça. As coisas que eu tinha dele e os presentes que ganhei durante o relacionamento estavam dentro de uma caixa no sótão da casa dos meus pais, na Carolina do Norte, há milhas de New York. - E também não tem roupa de nenhum dos seus antigos namorados aqui? - ele parecia esperançoso.
  - Eu não tive nenhum namorado esse tempo todo. - admiti voltando para o sofá e bebendo o resto da minha taça de vinho.
  - Eu admito que tive algumas ficantes, mas não tive nenhuma namorada também.
  - Namorar é tão complicado, né? Por que a gente não consegue simplesmente ser amigo de uma pessoa que acha atraente e, quando as duas pessoas quiserem, transar? Seria muito melhor se fosse tudo tão simples, sem expectativas, sem pensar no futuro, sem esperar satisfações. - suspirei. Eu realmente queria ser capaz de separar as coisas e não me envolver tanto.
  Passei alguns segundos de cabeça baixa, e quando olhei para frente, estava a centímetros de distância de mim. Não sei qual de nós dois tomou a iniciativa, mas no instante seguinte estávamos nos beijando. Meu corpo inteiro questionava como eu consegui passar tanto tempo sem tocá-lo, sem sentir seus lábios nos meus, sua língua na minha boca, suas mãos na minha cintura. A sensação do cheiro e do calor dele me envolvendo em um abraço se multiplicava centenas de vezes agora, e eu sabia que aquilo me destruiria depois, mas, no momento, tudo o que eu queria era que houvesse uma forma de ficarmos ainda mais próximos um do outro. O barulho do interfone tocando foi o que nos interrompeu.
  - Eu preciso atender. - sussurrei com beijando meu pescoço. - É o entregador de pizza, . - falei de novo antes que ele voltasse a me beijar. Era difícil pensar com coerência, mas consegui afastar-me dele e convencê-lo a me deixar atender o maldito interfone. O porteiro anunciou que o entregador de pizza aguardava na entrada do prédio, e eu autorizei a entrada dele.
  Paguei o garoto com uma nota de vinte e deixei que ficasse com o troco.
  - Bom, nosso jantar chegou. - Anunciei deixando a embalagem sobre a mesa da cozinha. surgiu de algum lugar e me abraçou por trás, demonstrando que não estava disposto a esquecer que estávamos nos agarrando minutos atrás, e fazendo com que toda a minha sanidade evaporasse pelo resto da noite.

  Acordei com um sorriso bobo nos lábios, e, por mais que eu tentasse, não conseguia tirá-lo dali. O corpo de envolvia o meu, e estava tão confortável daquele jeito que eu não queria mudar nada no cenário. No entanto, eu sabia que não daria para fingir que aquilo era real e continuaria sendo pelo resto da minha vida. Para sempre não existia, e eu já devia ter me acostumado com isso. Meu despertador se pronunciou em algum canto do quarto intensificando a mensagem.
  Tentei me levantar, mas ele tentou me impedir, como sempre fazia antes.
  - Eu preciso ir para o hospital, . - falei me libertando. O chão do quarto estava coberto pelas nossas roupas, e as lembranças da noite anterior começaram a fazer com que eu me sentisse culpada. E a culpa sempre saía de mim em forma de lágrimas. Sentei-me na beirada da cama como a idiota que era e me debulhei em lágrimas, odiando a mim mesma por ser tão fraca e estúpida.
  - , o que foi? - sentou-se ao meu lado esfregando os olhos e então pegou as minhas mãos.
  - O que foi? - repeti a pergunta e bufei antes de prosseguir: - Nós nunca vamos conseguir ser só amigos, ! Isso é óbvio, evidente. Aliás, que jeito foi esse de tentar? Tomando vinho na minha sala e falando sobre os namoros que não tivemos depois do nosso término? É claro que daria tudo errado! - eu disse levantando-me e jogando os braços para o alto.
  - Você se arrepende de...
  - Nós não estamos juntos mais. Eu não devia ter me deixado levar... - eu o interrompi.
  Nós dois ficamos em silêncio por alguns instantes até que a voz de choro dele preencheu o ambiente:
  - Eu te amo, . - ele disse com os olhos marejados. - Eu nunca devia ter terminado com você. Já se passaram cinco anos, e a única coisa que eu sei é que eu ainda te amo. Eu senti tanto a sua falta... - a voz dele era tão intensa ao dizer cada palavra e o fato dele ter chorado na minha frente pouquíssimas vezes durante o tempo todo que passamos juntos, fizeram com que eu acreditasse em cada palavra assim que elas escaparam de seus lábios.
  - Mas você disse que estava complicado namorar assim, com você estudando em Los Angeles e eu aqui. Você disse que não estava te fazendo bem. Você disse que namoros acabam, e, bom, você estava certo sobre não morrermos por isso. - repeti as razões que ele enumerou durante a última conversa que tivemos, há mais de cinco anos. A conversa que me fez recomeçar a construir a minha vida e a minha forma de encarar o mundo, porque toda a minha certeza até então era sobre os meus sentimentos por ele.
  - Eu fui um covarde naquela época. Faltavam dois anos pra eu me formar, e não era tanto tempo. Nós fizemos dar certo no início, e você nunca desistiu de nós. Mas é claro que eu fui estúpido o bastante para acabar com isso. - ele disse secando o rosto com as mãos.
  - Mas de que adianta nós retomarmos qualquer coisa agora, ? Você tem uma vida construída lá em L.A. Eu tenho a minha vida aqui. Estamos no mesmo estado que há cinco anos, com os mesmos problemas e só um pouco mais de dinheiro. Como isso daria certo agora? - respondi sentando-me ao seu lado na cama.
  - Eu não sei, . Eu não sei se tenho respostas para essas perguntas, e, acredite, elas me vieram à mente e o as fez para mim quando eu disse que viria pra cá. Só que há tempos a minha única vontade é te procurar. Eu só adiei tanto porque eu queria me convencer de que eu estava certo. Além do mais, você tocou a sua vida, e eu não podia simplesmente chegar bagunçando tudo. Aí eu conversei com a e...
  - E a disse o quê? - eu o interrompi um tanto exasperada.
  - Ela disse que você sabia o que queria da sua vida. Que não ter certeza ou firmeza com relação às coisas sempre foi um defeito meu, não seu. Ela disse que eu não te convenceria a fazer o que você não quisesse realmente. - Eu até poderia imaginar dizendo isso para ele, e é claro que ela estava certa. Eu realmente sempre soube muito bem o que queria, mesmo que nem sempre eu quisesse as coisas possíveis de se conseguir. Eu era intensa e obsessiva o bastante para me apegar demais a alguns objetivos e algumas pessoas, e definitivamente foi uma dessas pessoas e provavelmente sempre seria.
  - Então eu devo fazer o quê? Transferir minha residência para algum hospital em L.A que me aceite e a gente reata o namoro? - eu já podia ver essa vida se formando na minha mente, mas parecia algo improvável demais. Eu já havia apostado tanto nesse relacionamento, e na primeira vez que fiz isso, as coisas não terminaram muito bem.
  - Eu nunca te pediria uma coisa dessas. Fui eu quem terminou pela primeira vez, e você provavelmente ainda vai precisar de um bom tempo para voltar a confiar plenamente em mim. - ele respondeu e então me puxou para o seu colo. - Eu decidi ontem à noite que vou vender a minha parte na empresa para um amigo e me mudar pra cá. - ele disse sorrindo levemente.
  - , eu não posso deixar que você faça isso... - tentei me levantar de seu colo, mas ele me segurou mais firme.
  - , eu não estou fazendo para te pressionar, pra fazer você pensar que eu larguei muita coisa por sua causa e você deve se empenhar para que dê certo. Eu estou fazendo por mim. Eu preciso de você. E New York é a maior cidade do mundo, então empregos é o que não me faltarão por aqui.
  - Você tem certeza de que é isso o que quer? Quero dizer, todos os seus amigos e a sua família estão em L.A...
  - E todos ficarão muito felizes por mim, e me visitarão com frequência. - ele respondeu. aproximou seu rosto do meu ainda mais e me beijou. Foi um beijo diferente de todos os que aconteceram entre nós na noite anterior, quando cada ação parecia desesperada demais e nós dois nos esforçamos o tempo todo para não pensar. Esse beijo foi calmo e longo, exatamente como eu esperava que fosse a próxima fase da minha vida.

  *Segundo livro da saga Crepúsculo, por Stephenie Meyer.

FIM



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