Apocalypse

Nicole | Revisada por Isabelle Castro

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Estrelas

  - Estou com fome. – diz pela milésima vez. – Podemos ir embora, ?
  Reviro os olhos:
  - Só mais um minuto. Preciso achar esse livro hoje! – Corro os olhos pelas prateleiras lotadas de livros de todos os gêneros.
  Estávamos na biblioteca municipal de Jacksonville, uma cidade ao norte da Flórida. Eu simplesmente amava o cheiro que aquele lugar tinha. É tão aconchegante e rústico. Em meio á aqueles livros eu me sinto bem. Sinto que eu poderia ir á qualquer lugar.
   suspira:
  - É? E por quê?
  - Porque quero ter um pretexto para não precisar ficar na festa de hoje á noite. – Digo apenas.
   arregala os olhos. Ela estava mais animada com a festa á fantasia em comemoração ao aniversário de doze anos de minha meia-irmã do que eu:
  - Como assim não vai ficar na festa? É importante para sua irmã.
  - Corrigindo: É importante para minha mãe e para meu padrasto. – Suspiro. – Vai ter mais empresários e aquelas madames lá, do que amigos da Lauren.
  Finalmente encontro o bendito livro. Vamos até a recepção e o cadastramos em meu nome. Como sempre, a atendente de cabelos pintados de vermelho vivo sorri e me cumprimenta com um aceno de cabeça simples. Ela já virou uma velha conhecida. Venho aqui desde que tinha nove anos, quando descobri como eu poderia viver aventuras sem sair do meu maravilhoso sofá.
  Entro no banco do motorista da minha BMW e ligo o motor. Os bancos de couro estão quentes devido ao fim de tarde de sol. liga o rádio e começa a cantar loucamente uma música que não conheço.
  O trânsito está estranhamente calmo para o centro da cidade. Passamos livremente por um cruzamento e pegamos todos os semáforos verdes:
  - Olha, uma estrela cadente. – aponta para o céu e fecha os olhos. – Faça um pedido.
  Olho de relance e só vejo um pontinho brilhante no céu. abre os olhos e sorri:
  - O que você pediu?
  - Nada, não deu tempo. – Respondo. Ela desmancha o sorriso e faz uma careta. – O que você pediu?
  - Não posso contar, senão não se realiza.
  Reviro os olhos e volto a prestar atenção na estrada. Em poucos minutos, estaciono em frente á uma casa de dois andares no estilo vitoriano em uma cor azul anil:
  - Bom, essa é minha deixa, vejo você mais tarde okay, Honey? Minha mãe está me esperando. – Ela abre a porta do passageiro e põe o pé pra fora.
  Olho na direção da casa novamente e vejo a Sra. acenando. Aceno de volta:
  - Até mais. – Digo. corre até sua mãe e a abraça. Admiro a cena com um tanto de inveja. Não uma inveja ruim. Minha mãe não me abraça desse jeito desde o divórcio. O que faz uns treze anos.
  Em menos de vinte minutos chego em casa. Que é muito maior do que o necessário, devo dizer. Os portões são cromados e levam o desenho do brasão da família Madden. Há uma fonte bem no meio do grande jardim e os arbustos decorados com rosas amarelas são podados cuidadosamente.
  Paro o carro em frente as grandes portas brancas e douradas e um dos inúmeros empregados de meu padrasto vem pegá-lo.
  Assim que piso no primeiro degrau da escadaria de mármore, ouço a voz estridente da mulher que se diz minha mãe, mas que, provavelmente, me comprou em uma feira dessas que passa de cidade em cidade:
  - Elizabeth , você está atrasada!
  A encaro do pé da escada. Já está usando sua fantasia de pavão resplandecente. Os cabelos loiros estão puxados em um coque bem trabalhado e decorados com penas do próprio animal. Maquiagem realmente brilhante. E o vestido cheio de babados nas cores azul e verde, que chega á arrastar no chão:
  - Mãe! A senhora está... Deslumbrante! – Forço um sorriso.
  - Não tente aliviar para o seu lado, mocinha. – Ela vem até mim e me puxa pelo pulso. – Vá correndo se arrumar, mandei as empregadas deixarem sua fantasia em cima da cama.
  Adentro a mansão. O hall tem paredes brancas e é todo decorado com vasos egípcios, italianos, japoneses, búlgaros e de não sei mais onde. Quadros de coisas sem sentido e rabiscos enfeitam as paredes e um lustre de que eu sempre achei particularmente lindo está pendurado no teto de gesso. Há pessoas andando pra lá e pra cá. Andando não, correndo para ajeitar os últimos detalhes da festa. Na sala de estar há uma estante lotada de cristais, um mini-bar e um jogo de sofás com uma estampa de onça. Sinceramente, eu nunca entendi essa fascinação que minha mãe tem por pele de animais. É totalmente desnecessário matar os bichinhos só para a satisfação própria. Já perdi a conta de quantos casacos de pele ela tem no freezer.
  Subo as escadas e vou em direção ao meu tão amado quarto. O cômodo mais simples da casa, decorado exclusivamente por mim. As paredes, pintadas em um tom de roxo não muito escuro, eram decoradas com pôsteres dos meus filmes favoritos. Um sofá na cor branca com algumas almofadas coloridas ficava embaixo da janela, coberta com uma cortina listrada, preta e branca. A cama, comprada pela minha excelentíssima mãe, era uma king size de casal e, esticado em cima da colcha lilás, se encontra um vestido visivelmente rodado com um corpete cor de rosa, todo rendado. Uma pequena bolsa da mesma cor, sapatos de salto alto que devem ter, pelo menos, quinze centímetros e uma coroa.
  Fantasia de princesa:
  - Droga. – Murmuro. Eu realmente deveria ter escolhido a fantasia e não deixado mamãe fazer isso.
  Por um segundo fiquei curiosa. Se eu iria de princesa, Lauren, que era a aniversariante, estaria fantasiada de quê?
  Deixo o livro em cima da escrivaninha. Vou até o banheiro, apalpo a parede até encontrar o interruptor e acendo a luz. Tiro o short e a camiseta e entro embaixo do chuveiro. Tomo um banho gelado e saio de toalha. Sofro pra colocar o corpete e o vestido que eram, possivelmente, uns dois números menores que o meu. Penteio meus cabelos castanhos que caem em ondas até a metade das costas, coloco a coroa e me encaro no espelho. Da pra perceber de cara que eu não sou nada parecida com Georgia Rose Madden, mais conhecida como... Georgia Rose Madden. Ninguém a conheceria como minha mãe. Meus cabelos são mais escuros que os dela. Enquanto os olhos dela são de um verde que eu acho lindo, os meus são de um castanho escuro excepcionalmente comum. Ela diz que eu sou muito parecida com meu pai, que eu vejo uma vez por mês e que mora do outro lado da cidade.
  Termino de me arrumar e saio do quarto. Dou de cara com um vampiro. Quer dizer, uma vampira.
  Lauren teve que exagerar no pó para chegar naquele tom de pele pálido, já que sua pele é totalmente bronzeada. A primeira coisa que notei foi a maquiagem: Sombra preta e um rimel da mesma cor destacavam o azul de sua íris que ela havia herdado de seu pai. Os cabelos loiros estavam puxados para trás em um rabo de cavalo alto e ela usava um vestido todo preto com uma meia calça rendada e uma capa igualmente preta:
  - , você está perfeita. – Ela diz com os olhos brilhando.
  - Achei que quem se fantasiaria de princesa seria você. – Digo sorrindo. Ela faz uma careta.
  - Mamãe queria que eu me fantasiasse disso, mas eu escolhi essa fantasia aqui. – Ela da uma volta completa fazendo a capa esvoaçar. – Achei bem mais interessante.
  Suspiro e sopro uma mecha de cabelo que caiu nos meus olhos:
  - E eu é que tive que pagar o pato. Não tive tempo de escolher a fantasia, sendo assim, a Sra. Madden escolheu pra mim. Olhe só pra isso. – Ergo a saia do vestido que chegaria á arrastar no chão se não fosse pelos saltos – Eu odiei essa fantasia.
  - Argh, pare de reclamar da vida, . – Ela pega a minha mão e começa a me puxar pelo corredor. – Eu adorei a minha fantasia, mas vou ter que usar essa dentadura horrorosa. – Ela abre a outra mão e me mostra uma pequena circunferência branca em formato de dentes que, no lugar dos caninos normais, tinham dentes bem mais afiados. – Isso machuca a gengiva.
  Quase caio umas três vezes descendo as escadas. Já posso ouvir o som abafado de uma música calma. Vamos até o salão que já tem alguns convidados. Como eu pensei: A maioria são caras engravatados conversando com Theodore, meu padrasto, que está fantasiado de pirata. Os cabelos já grisalhos foram totalmente escondidos por uma bandana vermelha. O tapa-olho no olho esquerdo provavelmente dificultava a visão periférica, por isso ele só nos viu quando paramos em sua frente.   - Meninas, estão maravilhosas! – Ele fica entre nós duas, com um braço por trás do ombro de cada uma. – Senhores, essas são Lauren e , minhas filhas.
  Enteada, na verdade. Corrijo mentalmente.
  Forço um sorriso:
  - Muito prazer. – Digo. Os presentes nos cumprimentam com um aceno de cabeça. – Se não se incomodam, vou pegar alguma coisa para beber.
  Afasto-me o máximo que consigo daquela roda de homens que eu nunca havia visto antes. Olho ao redor e encontro minha mãe junto com quem julgo ser, as esposas daqueles caras que conversam com Theodore. Estão provavelmente fofocando e dizendo como o vestido de casamento da princesa da Inglaterra era diviníssimo, ou qualquer coisa que inclua roupas, peles de animais, roupas, coisas caras e mais roupas.
  A decoração está fantástica. Alguns balões pretos e brancos foram pendurados aqui e ali, acompanhados de faixas de tecido em um tom de roxo parecido com o das paredes do meu quarto. A mesa com os alimentos está farta. Tortas, docinhos e um bolo. Ou devo dizer O bolo? Quatro andares de glacê lilás, decorados com referências a fantasia de vampiro de Lauren.
  Um garçom passa com uma bandeja cheia de copos com um líquido vermelho, que julgo ser refrigerante. Pego um e bebo, sentindo o gosto da framboesa.
  Lembrei que não tive tempo de comer nada desde o almoço, então a bebida fez meu estômago vazio se revirar.
  Vou até a sala de jantar, que está vazia, e aproximo-me de uma das janelas. O céu está limpo de nuvens e tomado de estrelas. A lua cheia ilumina o jardim dos fundos e o pequeno bosque que fica atrás da mansão, de onde tenho uma vista privilegiada.
  Lembro de quando minha mãe casou com Theodore e viemos morar aqui. Essa casa é fruto do trabalho dele em uma das maiores empresas de importação dos Estados Unidos onde ele é o dono.
  Basicamente, minha mãe o conheceu dois meses depois do divórcio com o meu pai em uma pista de patinação que ela tinha ido com uma amiga. Eles se apaixonaram, casaram, Theodore meio que me adotou e minha mãe voltou da lua-de-mel grávida de Lauren. Foi tudo bem rápido. Eu fui de “filha de um mecânico falido” para “enteada do cara mais rico do estado”:
  - O que uma garota como você faz sozinha aqui? – Ouço uma voz masculina as minhas costas que me tira de meus pensamentos. Viro-me e encaro o garoto, mais ou menos da minha idade. Olho-o de cima a baixo. A touca preta esconde a maior parte dos cabelos, mas posso ver uma mecha escura caindo na testa. A camiseta de mangas compridas estampada com listras pretas e brancas na horizontal e a calça, com estampa igual, deixam claro que ele está fantasiado de presidiário.
  O encaro. Esses olhos verdes são tão familiares:
  - Não vai falar comigo?
  - Minha mãe me ensinou a não falar com estranhos. – Digo e volto a observar o jardim. Ele não sai dali.
  Quando o encaro novamente, vejo que os cantos de sua boca se erguem ligeiramente, em um sorrisinho malicioso:
  - Você não lembra mesmo de mim, não é Letty?
  Então tudo se clareia. Lembro de um garotinho e uma garotinha brincando de pega-pega naquele mesmo jardim que eu observava anteriormente. Lembro dos dois deitados na grama tentando achar desenhos nas nuvens do céu, como se fizesse muito, muito tempo. Lembro deles comendo torta de maçã depois de um dia inteiro rindo e brincando. Os mesmos olhinhos verdes que choraram quando ele veio me dizer que se mudaria, mas prometeu que voltaria. Os cabelos pretos que foram a última coisa que eu vi, correndo em direção ao carro de seus pais.
  Quando volto a mim, minha respiração está descompassada. Não pode ser ele. Ele foi embora dez anos atrás. Foi pra Nova York. Nunca mais ligou ou fez contato:
  - ? – Murmuro. Seu sorriso aumenta.   Ele abre os braços e praticamente me jogo ali, envolvendo seu pescoço e fazendo-o quase perder o equilíbrio. Ele cheira levemente á loção pós barba e sabonete de alecrim. Era apenas alguns centímetros mais alto do que eu, ou essa era a impressão que os saltos causavam:
  - Senti sua falta. – Ele sussurra.
  Tão rápido quanto o abracei, o empurro separando-me dele:
  - Então por que não ligou? Mandou mensagem? Por que simplesmente não deu sinal de vida? – Digo em um tom de voz mais alto.
  - Eu tentei. Demorei pra conseguir o seu contato. Eu liguei, mas só tinha tempo pra isso nas férias. O resto do ano letivo, eu estudei em um internato em que eu só podia ligar para a família. – Ele suspira e da um sorriso de canto. – Mas sabia que sentiria minha falta.
  Minha respiração está voltando ao normal. Estou pulando de alegria por dentro. Eu não consigo acreditar que, depois de tanto tempo, ele voltou, como tinha prometido:
  - Eu prometi que voltaria, Letty. – Ele diz, como se lesse meus pensamentos. – E eu sempre cumpro as minhas promessas.
  Observo-o melhor. A pele fica ainda mais pálida sob a luz da lua que entra pela janela.
  - Sei disso, . Achei que nunca mais fosse ver você. – Confesso.
  Então acontece muito rápido. Eu só vejo um clarão pela janela em direção ao bosque. Talvez como a estrela cadente que viu mais cedo. Só que maior. Muito maior.
  Arregalo os olhos e me grudo à janela, tentando ver melhor:
  - Viu aquilo?
   franze a testa:
  - O quê?
  Não posso ter imaginado. Foi real demais. Eu vi, tenho certeza disso, então... Como posso ter sido a única que notou aquilo?
  - Tenho quer ver o que aconteceu. – Passo por ele e saio apressada em direção à porta dos fundos. Passo pela cozinha que está vazia, pois todos os empregado devem estar trabalhando no salão e saio, sendo pega desprevenida pelo vento frio da noite. Os pelos do meu braço se arrepiam, mas continuo correndo. O que não é muito fácil com essa droga de saltos. Paro, os retiro e jogo-os em um lugar qualquer do jardim. Sinto a grama meio úmida por entre meus dedos do pé e saio em disparada. O vestido pesa demais. Assim fica difícil correr. Sinto o vento bagunçar os meus cabelos, mas pouco me importa.
  Então eu paro.
  Por que eu estou fazendo isso? Seria muito mais coerente chamar alguém e dizer que algum meteoro ou qualquer coisa do tipo caiu no bosque atrás da minha casa.
  Mas quem acreditaria? Ninguém viu. Nem mesmo ... Droga. Acabei de encontrar meu melhor amigo de infância e o deixo plantado na sala de jantar. Que tipo de pessoa faz isso?
  Sinto um calafrio quando dou um passo em direção á mansão. Eu tenho que continuar. Tenho que saber o que foi aquilo. Preciso entender por que só eu vi o clarão.
  Volto a correr e adentro o bosque. A luz da lua é totalmente extinguida pelas árvores, mesmo que elas não sejam muito altas. É estranho. Só consigo ver um palmo a minha frente, mas mesmo assim, quero continuar. Preciso continuar.
  Corro mais alguns metros quando sinto um cheiro de algo queimado e suor. Minhas pernas já estão dormentes. Não corro assim desde a quinta série, quando eu participava das provas de atletismo da escola.
  O cheiro de algo queimado fica pior quando chego em um circulo de terra um pouco mais baixa, como se tivesse recebido algum impacto. Forço um pouco a visão e grito. Me repreendo e tapo a boca logo em seguida. Mesmo que houvesse música, eu não estava muito longe, alguém poderia me ouvir.
  Há uma pessoa bem no meio do circulo. Aproximo-me. É um corpo masculino deitado de barriga para cima. Quando ele caiu, abriu um buraco em meio ás árvores e permitiu que um feixe de luz iluminasse seu rosto.
  Os cabelos de um loiro quase branco não eram muito curtos e emolduravam um rosto fino. Os lábios dele estavam vermelhos. Era como se ele estivesse dormindo. Devo admitir que ele não seja feio, mas tem uma beleza estranha. Quase que não humana.
  Ele está vestido apenas com uma calça jeans dobrada até metade das canelas.
  Desvio minha atenção para duas compridas varas que saem debaixo dele. Toco-as. Parecem feitas de cartilagem, só que menos flexíveis.   Ele se meche. Por reflexo, me afasto, mas me dou conta que ele está vivo. Isso é bom, certo?
  - Hey, você está bem? – Pergunto e me repreendo novamente. O cara caiu de sei lá onde. É claro que ele não está bem.
  Ele murmura alguma coisa que não entendo:
  - O quê? – Aproximo meu ouvido de sua boca.
  - Minhas... Minhas... – Ele tomba a cabeça para o lado. – Onde elas estão?
  Pouso minha mão sobre sua testa pra ver se ele está com febre. Ele pode estar tendo alucinações ou coisas do tipo.
  Ele se esforça para tocar as tais varas que estão debaixo dele e faz uma careta de dor. Quando ele encontra uma delas, percebo uma lágrima cair de um de seus olhos, ainda fechados:
  - Você precisa de ajuda. Como chegou aqui? – Pergunto.
  Ele solta um soluço e mais lágrimas escorrem de seus olhos:
  - Eu caí. – Ele fala com a voz embargada.
  - Hey, calma, não chore. Vai ficar tudo bem – Passo minha mão pela extensão de seu rosto e ele abre os olhos. São de um azul claríssimo, como o céu em um dia de verão. Eles transmitem calma, mas também dor. Fazem-me querer olhá-los para sempre.
  O garoto franze a testa:
  - Você é uma princesa?
  - O quê? Não, isso é uma fan... – Tento explicar, mas ele fecha os olhos e tomba a cabeça para o lado. Legal, tudo o que eu precisava agora era que esse garoto desmaiasse de novo.
  Passo o braço direito dele por trás do meu pescoço e o levanto com facilidade. Ele é estranhamente leve. Não pesa quase nada. A única coisa que incomoda, são as varas esquisitas que ficam batendo na minha cabeça enquanto ando.
  Isso é estranho. Estou começando a ficar realmente assustada com essa situação. Por um segundo penso se ainda estaria me esperando em frente a janela. Provavelmente não. Eu saí correndo feito uma louca e nem expliquei o porquê. Me senti uma total idiota por isso.
  Começo a andar. Minha visão é tomada pelo breu novamente. Tropeço umas quatro vezes em raízes e galhos de árvores no chão.
  Quando consigo avistar as luzes do jardim, o garoto murmura algumas coisas e começa a se mexer.
  Ignoro-o e continuo a andar. Cruzo a porta dos fundos e entro na cozinha que, por sorte, ainda esta vazia. Olho ao redor por um segundo ou dois, decidindo o que fazer.
  Primeiro: Tirar esse cara do meu pescoço.
  Coloco-o deitado na mesa de granito e ele geme quando sua pele descoberta entra em contato com a superfície gelada.
  Minhas mãos estão tremendo. Como vou contar o acontecido a mamãe e a Theodore? Mesmo que eles não se importem muito com o que eu faço, não vão tolerar um corpo estirado na mesa da cozinha. Eu não poderia esconder isso por muito tempo, mesmo se tentasse. Os empregados iriam falar entre si e isso chegaria aos ouvidos dos patrões mais cedo ou mais tarde.
  Pense . Pense. O que eu faria em uma situação dessas? O que adolescentes fazem quando tem um problema?
  Ligam para a melhor amiga, é claro.
  Busco incessantemente o celular na pequena bolsa que faz parte da fantasia de princesa, que eu havia deixado cair enquanto passava correndo por aqui. Sorte? Talvez. Meus dedos se atrapalharam ao discar o número de , que atende no quarto toque:
  - Alô?
  - , preciso da sua ajuda. – Só percebo o quanto estou realmente nervosa, quando ouço o tom de minha própria voz.
  - O que foi? Já estou pronta, só falta eu achar os brincos de argola e...
  - Venha rápido, por favor. Eu não sei o que fazer.
  - O que pode ter acontecido de tão importante, ?
  Paro e penso. iria acreditar nisso? Eu fui a única que testemunhou com meus próprios olhos o acontecido. Mas era louca o suficiente para acreditar que eu nunca inventaria uma história dessas:
  - Acreditaria se eu dissesse que tem um anjo na mesa da minha cozinha?
  - Talvez. – Pelo tom de sua voz, sim, ela acreditaria.
  Suspiro e encaro o garoto desacordado:
  - Pois bem, tem um anjo na mesa da minha cozinha.

Perguntas

  - Você está ferrada – diz. Ela chegou exatamente sete minutos depois que eu desliguei o telefone. Algo me diz que o Sr. não ficaria nada feliz se sua filha levasse uma multa por excesso de velocidade, usando seu tão amado carro.
  Ela usava uma fantasia de Cleópatra. Disse que seria a fantasia mais barata, já que não precisaria comprar peruca, pois seu cabelo já era curto, liso e preto. Eu me ofereci para pagar qualquer fantasia que ela quisesse, mas ela negou e disse que queria estrear o primeiro salário que havia ganhado trabalhando no Soldatino, o único restaurante de comida italiana do bairro:
  - Eu sei! – Digo.
  - Como disse que o encontrou, mesmo?
  Repito toda a história, desde a parte sobre reencontrar , até a parte de ligar pra ela:
  - Eu não sei o que vou fazer com esse cara. – Desabo sentada em uma cadeira ao lado da mesa em que ele estava ainda desacordado.
  - Tem certeza que ele não está morto? Eu poderia esconder o corpo dele facilmente.
  Arregalo os olhos:
  - Claro que tenho certeza! Olhe, ele está respirando. – Aponto para o peito dele que sobe e desce calmamente.
  Encaro-o. Tomo um susto quando ele se meche, pego uma frigideira no armário atrás de mim e o acerto na cabeça, fazendo-o desmaiar novamente.
   me olha incrédula:
  - O que você tem na cabeça? – Ela pergunta com um tom de voz elevado e examina a cabeça do garoto. – Massa cinzenta é que não deve ser. Agora sim, você poderia tê-lo matado!
  - Mas ele está bem, ainda está respirando. – Digo examinando seu peito novamente, que continua subindo e descendo.
  - Sorte sua. – Ela examina as varas, que eu presumi que um dia teriam sido asas ou alguma coisa do tipo e torce o nariz. – Isso é muito estranho. Tem certeza de que ele é um anjo?
  - Ele caiu do céu! – Digo.
  - Ah, ele pode ser um alienígena.
  Reviro os olhos:
  - Um tempo atrás, eu li sobre isso na Wikipedia. Diz que os anjos que se voltam contra Deus, como punição, são jogados na terra e são imortais.
  - Ah, me poupe de suas explicações de nerd. – Ela suspira. – Dá pra decidir logo o que vai fazer com o indigente aqui? – acena com a cabeça em direção ao garoto. – Eles já serviram o bolo. E é de chocolate! Você sabe como eu amo bolo de chocolate.
  Começo á ficar irritada. Como ela quer que eu decida o que fazer assim? Sem mais nem menos?
  O garoto murmura algo e acerto-o novamente com a frigideira que ainda estava em minha mão.
   revira os olhos:
  - Dá pra você parar? Ele pode ter um traumatismo craniano.
  - Se ele não morreu depois daquela queda, ele não morre nunca mais. – Digo.
  Observo-o. Os cabelos grudavam na testa e, mesmo desacordado, dava pra perceber que ele estava tremendo. Provavelmente de frio.
  Ele começa á se mexer mais rápido, dessa vez e segura meu pulso antes que eu possa acertá-lo novamente:
  - Ah, você não vai fazer isso de novo. – Ela tira o utensílio de minha mão e coloca atrás dela, em cima da pia. – Deixe-o falar alguma coisa.
  Hesito, mas acabo cedendo. O garoto se mexe um pouco e abre os olhos. Os belos olhos azuis, que ficavam um pouco mais escuros, devido á luz da cozinha.
  Ele se apoia nos cotovelos e me encara com a testa franzida:
  - Princesa? – Sua voz continua com a mesma rouquidão de antes.
  - Não. – É só o que consigo dizer.
  Ele olha para , arregala os olhos e pula da mesa em um movimento rápido. Vai em direção á porta dos fundos e tenta abri-la, mas eu fui inteligente o suficiente para trancá-la. Eu e assistimos a cena pacientemente.
  Ele parece desesperado para sair dali. Como se sua vida dependesse disso.
  Olho para e ela dá de ombros. Depois que ele já havia tentado sair pelas janelas e pela porta que dá no corredor da sala de jantar, ele para, ofegante:
  - Quem são vocês?
  Faço cara de ofendida:
  - Quem somos nós? – Pergunto retoricamente. – Foi você que caiu no meu jardim. Você é quem me deve explicações.
  Ele parece estar com raiva, mas sua respiração volta ao normal aos poucos:
  - Desculpe por isso. – Ele suspira. – Não fazia parte dos meus planos.
   ri sarcasticamente:
  - Bom, também não fazia parte dos meus planos passar a noite pagando de babá de um anjo.
  Ele se engasga e arregala os olhos:
  - Como sabe que sou um anjo?
  - Não sou burra, dois beijos.
  Ele olha para todos os lados, como se estivesse procurando uma saída que ainda não havia notado:
  Reviro os olhos:
  - Quem é você?
  - Não vou dizer.
  - Por quê?
  - Por três motivos. Um, não sei se posso confiar em vocês. Dois, vocês vão estar mais seguras se não souberem. E três, vocês podem ser psicopatas! Você... – Ele aponta o dedo pra mim. – Me bateu duas vezes com uma panela.
  - Era uma frigideira – Retruco.
  - Tanto faz. – Ele diz afastando as cortinas da janela e observando lá fora, como se pudesse haver alguém lá.
  , que observava ele como se ele fosse de outro planeta – e eu não tinha certeza de que ele não era – tossiu:
  - Dá pra você parar de agir como um lunático e dizer quem você é?
  Ele a encara:
  - Como vou saber se posso confiar em vocês duas?
  - Não vamos desistir até você falar. – levanta uma das sobrancelhas, coisa que eu nunca consegui fazer. O anjo parece, finalmente, ceder. Ele suspira e desaba na cadeira ao lado da que eu estava sentada antes.
Sento-me também e faz a mesma coisa:
  - Okay, eu não saio daqui até responder todas as perguntas de vocês. Por onde querem que eu comece?
  - Do começo, que tal? – Falo e ele revira os olhos. – Qual é o seu nome?
  Ele suspira:
  - .
  - ? – faz uma careta.
  Ele assente:
  - Bom, sou e ela é . – Digo. – De onde você veio?
  - Do céu, afinal, é de lá que os anjos vêm, não é?
  - Não sei, não sou um anjo. – da de ombros.
  - Percebe-se.
  Suspiro e olho. Ele mantinha a testa franzida como se pensasse em algo ou alguém. Como se também quisesse entender o porquê disso tudo. tirava constantemente o cabelo que caía na testa e na maioria das vezes, mantinha o olhar preso no tampo da mesa:
  - O que foi? – Ele pergunta fazendo-me perceber que o encarei por tempo demais.
  - Por que você caiu? – Perguntei a primeira coisa que me veio á cabeça.
  Ele faz uma expressão de ofendido e abaixa a cabeça:
  - Eu infringi as regras do Paraíso. – Ele murmura. – Eu não devia ter feito isso, não devia ter caído.
  - O que você fez de tão errado á ponto de cair? – se meche desconfortável e a lança um olhar mortal.>br />   - Isso não interessa á vocês. – Ele levanta e começa a andar de um lado para o outro.
  - Como assim “não interessa”? – Pergunto.
  - Não interessando.
  - Nossa como você é maduro. – Levanto-me também. – Será que dá pra entender que pode confiar na gente? Sabemos guardar segredo.
  Ele passa a mão pelos cabelos e nos encara, alternando olhar entre mim e :
  - Quem não entende são vocês, isso não é um assunto que eu possa compartilhar com humanos e... – Ele para e levanta a cabeça como se estivesse cheirando o ar. Levei alguns segundo para perceber que era isso mesmo que ele estava fazendo. – Tem algum Nephilim por aqui?
  - Nem sei o que é isso. – diz.
   revira os olhos:
  - Niphilins, filhos de anjos caídos com humanos.
  - Hum... Não sei se tem Nephilins aqui. – Digo. – E como você sabe?
  - Anjos sentem o cheiro e a presença de Nephilins e vice e versa.
  Tomei um susto com uma batida na porta:
  - ? – Mesmo com a voz abafada, consegui reconhecer Lauren do outro lado da porta. Por extinto ou alguma coisa assim, me aproximei e falei pelo vão.
  - O que foi Lauren?
  - Nada, é que tem um amigo seu te procurando. – Ela disse. – O com a fantasia de presidiário. Ele disse que viu você entrando aqui. Está tudo bem?
  Suspiro. E agora? O que eu digo? Não gosto de mentir para Lauren. Mas espera. estava me procurando? Achei que ele estivesse meio chateado por eu tê-lo deixado falando sozinho.
  Sinto uma fisgada no peito. Talvez seja culpa. Culpa por agir como uma idiota:
  - Sim, está tudo bem. – Digo. – Só tive umas emergências com a .
  - Não me meta nessa história. – sussurra atrás de mim, mais perto do que eu esperava.
  - Ah, querida, você já está metida até o pescoço nessa história. – Sussurro de volta e ela faz uma careta.
  Há mais batidas na porta. Dessa vez, mais fortes:
  - , me deixe entrar, preciso falar com você. – A voz de preenche meus ouvidos.
  - ? O que foi?
  - Por que saiu correndo daquele jeito?
  - É complicado. – Escoro-me na porta. – Lauren, você pode...
  - Lauren não está aqui, ela saiu quando comecei a falar com você.
  Atrás de mim, posso ouvir e sussurrando algo:
  - Aonde ela foi? – Pergunto.
  - Buscar alguma coisa, eu acho, não sei. – Pode ser impressão minha, mas parece que eu ouço suspirar. – Só quero me despedir de você, mal conseguimos conversar direito.
  - Sinto muito. Mas você já vai?
  - Sim, meus pais estão me chamando, dizendo que já está tarde.
  Olho para o relógio de parede um pouco acima da geladeira e me espanto quando percebo que já se passaram quatro horas desde o início da festa.
  E eu nem percebi o tempo passar:
  - Prometo que conversaremos da próxima vez que nos encontrarmos. – Asseguro á ele.
  - Tchau, . – Ouço-o falar, mesmo que baixo.
   foi uma das melhores partes da minha infância. Até ele ir embora. Minha mãe é prova de como fiquei depois da partida dele. Ele disse que precisaria se mudar, pois o pai havia arrumado um emprego melhor em Nova York e, devido á isso, eu passei noites chorando e dizendo como os adultos eram cruéis.
  Mas então minha mãe comprou um ursinho de pelúcia dizendo que, sempre que eu sentisse falta de , era pra eu abraçá-lo, e então toda a saudade passaria. Mas ela não passava. Eu fingia que sim, para minha mãe não se preocupar. Mas a saudade não passava:
  - Tchau, .
  Volto-me para e . Não entendi o porquê, mas os dois me encararam com um ar de preocupação:
  - O que foi?
  Mas antes que ela possa me responder, ouço o barulho das chaves e a porta se abre revelando Lauren com um olhar curioso.
  A maquiagem já estava saindo e ela estava sem a capa e sem a dentadura. Tirou-a para comer, provavelmente:
  - O que vocês duas estão fazendo de tão importante?
  Olho em direção aos dois que estavam ali, mas está só, com as sobrancelhas erguidas e a porta que dá para o jardim está escancarada, deixando o vento forte entrar:
  - Como destrancou a porta? – Pergunto a Lauren. Ela balança um molho de chaves na altura da dos ombros.
  Claro, como não pensei nisso? Deve ter sido isso que ela foi buscar:
  - As chaves reserva. – Ela da de ombros. – Peguei com Gerad.
  Arregalei os olhos. Gerard, o mordomo que minha mãe insistia em ter, não dava as chaves reserva pra ninguém. Em hipótese alguma. Nem se a casa estivesse pegando fogo e tivesse alguém preso em algum cômodo da casa. Bom, talvez assim ele até desse as chaves:
  - Como conseguiu? – Pergunto.
  - Tenho meus truques. – Ela da de ombros novamente. – Mas antes do seu amigo chegar, vocês estavam falando com alguém. Quem era?
  - Nós? – se aproxima. – Não estávamos falando com ninguém.
  - Achei que tivesse ouvido uma voz masculina. – Lauren fica na ponta dos pés e tenta ver se, por ventura, há alguém atrás de nós. O que só me faz pensar que deve ter fugido. Ótimo.
  - Mas não há mais ninguém aqui. – Asseguro-lhe – Só nós.
  - Tudo bem. – Ela diz, mas não para de tentar espirar algo que possamos estar tapando. – Vocês não vão querer bolo?
  - Não. – Digo.
  - Sim! – contesta e a encaro. – Você pode terminar a sua emergência sozinha, não? – Ela faz um biquinho que sempre faz quando pede algo e sabe que isso é fofo demais pra alguém dizer não a ela.
  - Tudo bem. – Digo por fim e as duas saem pulando em direção ao salão de festas, me deixando em meio a um silêncio assustador.
  Então me lembro da minha “emergência”. Não entendi como ele conseguiu abrir a porta e sair, mas isso foi muito útil para Lauren não fazer perguntas sobre o porquê de um cara com duas coisas esquisitas saindo das costas estar trancado na cozinha comigo e com .
  Saio pela porta e sinto o vento bater em meus cabelos. Mesmo com as luzes no jardim, tenho que forçar um pouco a vista. Corro os olhos por todos os cantos e nem sinal de :
  - Me procurando, princesa? – Ouço uma voz rouca ás minhas costas. Viro-me e encaro apoiado na parede ao lado da porta.
  - Achei que tivesse ido embora. – Digo. Então me dou conta do que ele me chamou. – E eu já disse que isso é só uma fantasia.
  - Eu disse que só ia sair daqui depois de responder todas as perguntas, não? – Ele sorri. Coisa que eu não havia visto-o fazer até então. – Sou um anjo de palavra, e parece que você ainda tem muitas perguntas á fazer.
  - Suas asas. – Disparo. – Por que elas estão desse jeito?
  O sorriso dele diminui, mas não deixa seu rosto:
  - Expliquei isso á sua amiga, . Que é muito simpática, por sinal.
  - Não seja irônico. – Digo.
  - Não, é sério. – Entro na cozinha e ele vem atrás. – Ela é meio esquisita, eu gosto de pessoas esquisitas.
  Sorrio:
  - É ela também gosta. – Então me lembro de uma dúvida que me surgiu anteriormente. – Foi ela quem abriu a porta?
  Ele assente:
  - Bom, em relação ás minhas asas, anjos normalmente tem asas totalmente brancas. Se um anjo cai, as penas brancas caem e dão lugar a penas negras. Como penas de um corvo.
  - Então quer dizer que suas asas vão crescer? – Pergunto.
  Ele assente.
  - Vão ser como eram antes, só que escuras.
  - Como elas eram antes?
   suspira e sorri:
  - Ah, eram enormes. Chegavam a arrastar no chão se eu andasse com elas totalmente abertas. – Ele fala encarando o chão com os olhos brilhando, como se visualizasse a cena. – Eram de um branco tão intenso que fariam seus olhos doer se você olhasse diretamente para elas. – Então seu sorriso some, como se as lembranças boas fossem invadidas por lembranças ruins. Lembranças que trazem dor. – Agora elas são isso. – indica suas costas com a cabeça.
  - Sinto muito. – É só o que consigo dizer.
   suspira:
  - Tudo bem.
  - Você não consegue escondê-las?
  - Só vou conseguir isso quando elas estiverem completas. Onde eu vou dormir?
  Franzo a testa:
  - Dormir?
  - Ahn, quer dizer, eu posso dormir aqui, não é? Porque eu não tenho outro lugar para passar a noite. – Ele me encara com uma sobrancelha levantada. Será que sou só eu que não sei fazer isso?
  - Claro. Acho que não vai fazer mal você passar uma noite aqui. – Digo – Só uma.
  Ele sorri e percebo que seus olhos quase se fecham quando ele faz isso:
  - Tudo bem.
  Faço um sinal para ele me seguir, checo para ver se não tem ninguém no corredor escuro e, juntos, saímos da cozinha.
  Sinto uma dor aguda no dedão do meu pé direito, ainda descalço:
  - Ai! Olha por onde anda! – Sussurro meio alto para .
  - Desculpe, é que eu não consigo olhar por onde eu ando no escuro. – Ele sussurra de volta.
  Reviro os olhos e volto a andar. Chegamos à porta do salão de festas, onde poucas pessoas estão sentadas ou conversando. A música calma deixa o ambiente mais chato do que o normal.
  Avisto observando as pessoas que passavam por ela e em alguns segundo ela me vê. Faço um sinal para ela se aproximar e ela vêm ao nosso encontro:
  - Como faço para passar pelo salão? – Sussurro para ela que olha para com uma expressão amigável.
  - Simples.
  Ela o puxa pelo braço, fazendo-o tropeçar na barra do meu vestido quando passa por mim e sai andando normalmente pelo salão.
  Depois ela pergunta o que eu tenho na cabeça? O que ela tem na cabeça?
  Saio atrás dos dois. Percebo que as pessoas não estão olhando para ele como se ele fosse uma criatura diferente. Estavam tentando adivinhar do que ele estava fantasiado. É claro. Em uma festa á fantasia, nada é estranho. Até porque você pode estar fantasiado de qualquer coisa. Todos que o olhavam, achavam que as asas de faziam parte de alguma fantasia.
  Chegamos ao pé das escadas que davam para o segundo andar:
  - Sempre que precisar sabe que é só chamar. – pisca para mim e se dirige a . – Tchau, bonitinho. – Diz e sai jogando beijinhos imaginários no ar.
  Dou uma risada quando percebo que ficou vermelho devido ao pequeno elogio:
  - Vamos logo. – Digo ainda rindo.
   me segue e subimos as escadas que dão no corredor do segundo andar:
  - Pra onde está me levando?
  - Para o sótão. – Paro e o encaro. – Não achou que fosse dormir no meu quarto, achou?
  Ele fica ainda mais vermelho do que antes:
  - Não, claro que não.
  Andamos pelo corredor até a última porta que dá para a pequena escada de madeira que nos leva até o sótão. Não é muito fácil subir a escada com esse vestido longo.
  Chegando ao cômodo, ligo o abajur roxo, que era a única forma de luz ali. A última vez que vim até o sótão foi quando tinha doze anos, para procurar algum objeto que marcasse minha infância para um trabalho de escola. Eu adorava vir aqui. Não havia mudado muito. O piso de madeira deixava o cômodo com um ar acolhedor. Eu me sentia tão segura quando passava horas e horas aqui, lendo ou estudando, que esquecia de descer. Um dia eu até cheguei á dormir aqui. Theodore só me achou quatro horas depois de me procurar pela casa inteira.
  O colchão verde musgo ainda está no meio do local, exatamente onde o coloquei. Fiz Theodore comprá-lo para mim, só pra eu poder dormir aqui de vez em quando:
  - É aqui que vou dormir? – pergunta com os olhos vagando pelo lugar.
  - Se quiser.
  Ele me encara e sorri:
  - Claro que quero. – Ele deita no colchão parecendo se sentir totalmente á vontade.
  Olhando-o ali penso em como essa noite foi totalmente diferente do esperado. Não sei exatamente o porquê, mas não me arrependo de ter deixado aquele livro no quarto e descido para a festa.
  Sorrio e vou em direção á porta:
  - Boa noite, . – Digo já de costas.
  A última coisa que escuto antes de cruzar a porta do sótão e descer as escadas é a voz rouca de dele dizendo:
  - Boa noite, princesa.

Conversas

  Acordo com o despertador tocando sete horas em ponto, muito cedo para um domingo e, depois de uns três segundos, lembro-me da noite passada.
  Meu Deus! Tem mesmo um anjo no meu sótão?
  Levanto num pulo e afasto as cobertas. Devo ter babado enquanto dormia. Tomo um banho rápido, coloco uma calça jeans skinning e uma camiseta com a estampa de um elefante cor-de-rosa que eu havia ganhado do meu pai no meu último aniversário. Digamos que ele não é muito bom em escolher presentes, mas ás vezes a uso para ficar em casa.
  Saio do quarto de fininho e vou em direção ao sótão:
  - Onde pensa que vai, ? – Viro-me e vejo minha mãe usando um hobby branco e chinelos de pano. Ela me olha de cima á baixo e faz uma careta. – E o que você está vestindo?
  - Roupas? – Forço um sorriso.
  - Ah, é mesmo? – Ela me encara com um sorrisinho cínico. – Vai tomar café?
  - Logo desço, preciso pegar uns negócios no sótão primeiro.
  Ela da de ombros e vai em direção ás escadas.
  Espero até ela sair da minha vista e dou passos largos até a porta que dá no sótão. Como esperado, subo a escadinha de madeira bem mais facilmente sem aquele vestido. O abajur está desligado e o colchão está vazio. Meu coração dá um pulo quando a ideia de que possa ter ido embora passa pela minha cabeça, mas logo me tranquilizo ao vê-lo olhando pela pequena janela arredondada que era o único lugar por onde a luz natural podia entrar.
  Ele parece concentrado em algo lá fora e dá um pulo quando toco seu braço, mas logo sorri:
  - Oi.
  - O que você tanto olha? – Me estico para olhar pela janela também. Não há nada lá além do de sempre: O jardim frontal e os portões que mais parecem de uma prisão.
  - Que flores são aquelas? – Ele pergunta apontando para os arbustos na entrada.
  - Rosas amarelas, por quê?
  - Estava tentando adivinhar.
  - Você gosta de flores? - Pergunto e ele assente sorrindo sem mostrar os dentes. Suspiro e volto á observar lá fora. – Acordou á muito tempo?
  - Não consegui dormir direito. Lugar diferente. Mais apertado. Não estou acostumado. – Ele explica.
  Levanto as sobrancelhas e assinto em compreensão:
  - Está com fome? Vou lá embaixo buscar algo para você comer.
  Saio sem nem deixá-lo responder, vou até a cozinha e peço ás empregadas para prepararem um sanduíche, pego uma maçã, coloco um pouco de café em uma garrafa e volto ao sótão.
  O estômago de o denuncia quando ele vê a comida, fazendo-o sorrir envergonhado e fazendo-me perceber que ele ainda estava sem camiseta.
  Entrego a bandeja com a comida á ele e fico olhando-o comer calmamente:
  - Não está com frio assim? – Gesticulo em direção á ele. - Vou pegar alguma camisa do Theodore pra você.
  - Quem é Theodore?
  - Meu padrasto. – Digo. – Vou ter que fazer dois furos nas costas para suas asas e ela pode ficar um pouco grande, já que ele não tem o mesmo porte físico que você.
  Percebo que ele tenta segurar um sorriso:
  - Porte físico?
  - É, tipo, Theo não é muito... muito... – Me atrapalho com as palavras.
  - Muito...?
  - Gostoso. – Falo sem pensar. Ando fazendo muito isso ultimamente.
   sorri mais abertamente:
  - Isso quer dizer que eu sou gostoso?
  Encaro-o com os olhos semicerrados:
  - Até que, para um anjo, você é bem convencido. – Digo e o sorriso dele some. – O que foi?
  - Nada. – Ele coloca a bandeja de lado e levanta. – O que eu vou ficar fazendo aqui?
  Dou de ombros:
  - Sei lá.
  - Que tal se eu respondesse mais algumas de suas perguntas?
  - Quem disse que eu tenho mais perguntas? – Pergunto o encarando.
  - Acredite, princesa, você não me perguntou nem metade do que eu poderia lhe contar.
   e eu passamos a manhã inteira falando sobre tudo. Depois de ele me contar sobre os Serafins, os Querubins, os Arcanjos e os Anjos da guarda, o assunto desandou e acabamos falando sobre mim, sobre ele mesmo, sobre como os pandas são fofinhos e sobre o aquecimento global.
  Ele fez uma cara de decepcionado quando tive que descer para o almoço que foi até bonitinha.
  No meio do almoço, minha mãe avisou que meu pai viria. Achei estranho, pois ele tinha dia e hora marcados pra eu ir vê-lo, mas só dei de ombros e dei um gole no suco.
  Duas horas depois, aqui estou eu observando enquanto meu pai estaciona o carro dele. De certa forma, eu me sinto culpada por ter um carro conversível e ele andar na velha picape enferrujada.
  Quando ele me abraçou, pude sentir o cheiro de graxa que eu adorava quando era criança. Sim, eu gostava de cheiro de graxa:
  - Como vai querida? – Ele pergunta. Por incrível que pareça, ele não aparenta ter seus quarenta e sete anos. Os cabelos ainda estão quase totalmente no mesmo tom de chocolate que o meu e quase não há rugas ao redor de seus olhos.
  - Vou bem, mas, não me leve á mal, o que o senhor faz aqui, pai?
  - Um pai não pode nem visitar a própria filha? – Ele sorri e me abraça me deixando meio sem graça.
  - Que pergunta, pai. – Digo. – É claro que pode vir. Sempre que quiser.
  - Obrigado, querida. – Ele me solta. – Mas realmente não estou aqui só para te visitar, vim conversar com sua mãe.
  Quase como se ela tivesse ouvido que falamos dela, minha mãe aparece na porta.
  - Boa tarde, Tyler. – Ela faz um gesto para que entrássemos e assim fizemos.
  O dois vão em direção ao escritório em que Theodore trabalha de vez em quando. Sobre o que será que eles vão conversar? Meus pais não fazem isso a muito tempo.
  Desvio a atenção ao meu celular que começa a vibrar no bolso traseiro do meu jeans. A foto de enfiando um pedaço de camarão á milanesa na boca em uma viagem que fizemos aparece na tela:
  - O que você quer? – Atendo logo dizendo.
  - Nossa, dá pra ver o quanto você me ama. – Ela se fingiu de ofendida e suspirou. – Como vai o seu hóspede alado?
  - Ainda não me causou nenhum problema. – Digo.
  - Hum, estou morrendo de tédio, só liguei mesmo para saber se você não me acompanharia até o shopping.
  Hesitei antes de responder. Não faria mal eu deixar sozinho duas ou três horas, faria? Acho que não:
  - Ok. A gente se encontra lá em meia hora, é só o tempo de eu trocar de roupa e ir.
  Nos despedimos e subi até o sótão encontrando sentado no colchão de pernas cruzada e com os olhos fechados parecendo muito concentrado. Não aguentei e comecei a rir fazendo-o abrir os olhos e me encarar como se eu tivesse algum problema mental:
  - Do que está rindo?
  - O que você estava fazendo? – Pergunto me recuperando e enxugando uma lágrima que estava caindo devido ao acesso de riso.
  - Isso se chama meditação. – Ele se levanta. – Você deveria tentar. Acalma.
  Fechei a cara:
  - Eu sou calma.
  - Ah, claro que é. – fala ironicamente.
  Reviro os olhos:
  - Só vim avisar que vou ficar fora por algumas horas. – Explico. – Vou sair com .
  - Tudo bem, mas e se alguém entrar aqui?
  Ok, eu não tinha pensado nisso:
  - Se alguém entrar, sei lá, se esconde, finge que é um móvel, na hora você vai saber o que fazer. – Digo sem me importar muito. abaixa a cabeça e olha pela janela.
  - Okay, até logo então.
  Dou de ombros e vou saindo dali. Assim que abro a porta do sótão dou de cara com meu pai em um movimento que sugeria que ele entraria no local que eu acabara de sair.
  Arregalo os olhos e fico grudada á porta de madeira:
  - Pai? O que o senhor estava fazendo?
  Ele parece surpreso de me ver ali:
  - Ah, desculpe, eu achei que esse era o seu quarto. Só vim me despedir.
  Estreitei os olhos:
  - Hum... Ok, então a gente se vê na quarta-feira?
  - Claro.
  Ele deposita um beijo em minha testa e volta pelo corredor. Antes que ele suma de minha vista o chamo:
  - Sim, querida? – Ele responde.
  - O senhor acredita em anjos?
  Ele estreita os olhos e parece pensar um pouco:
  - Não querida, por quê?
  Dou de ombros e forço um sorriso.
  - Por nada, bobagem minha.
  Ele sai e eu fico um tempo ali parada. Processando o acontecido. Meu pai sabe onde é meu quarto, ele já tinha vindo aqui antes. Realmente, não entendi.
  Passei no meu quarto para trocar de roupa e saí. Quando cheguei ao shopping, deixei o carro no estacionamento e estranhei. Estava praticamente deserto, para um domingo. Ignorei e fui direto para onde sei que acharia .
  A praça de alimentação. Foi fácil avistar ela em uma mesa mais afastada já devorando o maior hambúrguer que já vi:
  - Poderia ter me esperado para comer não é? – Reclamo sentando-me á esquerda ela na mesa quadrada.
  - Desculpe, mas eu estava com fome.
  - Como sempre, aliás. – Reviro os olhos. – Me chamou aqui pra quê exatamente?
  Ela faz um gesto para que eu espere, dá um gole em seu refrigerante e finalmente engole o que estava mastigando:
  - Bom, você sabe o quanto eu sou caridosa... – Ela começou e fiz uma cara de tédio. - E, levando em consideração que seu hóspede provavelmente ainda está vestindo só aquela calça...
  - Eu dei uma camisa de Theodore a ele. – A interrompo e ela me encara.
  - Sério? O cara pode ser milionário e tudo mais, mas se você for a um brechó, vai encontrar roupas melhores que as dele.
  Suspiro:
  - Então, o que você tem em mente, ó grande gênio? – Pergunto sem muito entusiasmo.
  - Vou te ajudar á comprar roupas para o anjinho. – Ela diz como se fosse óbvio e sorri.
  - Não sei se é uma boa ideia... – Começo, mas ela me corta.
  - Ah, por favor, . – Ela faz um biquinho. – Deixa de ser ranzinza uma vez na vida.
  Arregalo os olhos e faço cara de ofendida:
  - Eu não sou ranzinza!
  - Então, vamos?
  Hesito, mas acabo cedendo.
  Passamos mais tempo do que eu tinha previsto comprando roupas para . Acertar no tamanho não foi tão difícil, o pior foi escolhendo camisetas totalmente infantis que não pareceriam ser de um garoto normal que aparentava uns dezoito anos.
   havia estacionado o carro fora do estacionamento do shopping, então nos despedimos na porta de saída, ela me entregou as sacolas de roupas e fui em busca do meu.
  Um arrepio percorreu minha nuca enquanto eu andava em direção ao carro. Senti-me exposta. Como se estivesse sendo observada. Senti o ar totalmente pesado ao meu redor. Minha respiração acelera um pouco e apresso o passo. Quando estou prestes a abrir a porta, sinto uma mão em meu ombro.
  Dou um pulo esquivando-me e encaro os grandes olhos verdes que me observavam com apreensão:
  - , desculpe se te assustei. – solta um riso fraco.
  Instintivamente coloco a mão no peito e tento acalmar minha respiração:
  - Não. Não, tudo bem.
  - Eu estava no shopping e vi você vindo pra cá. – Ele explica – Resolvi dar um oi.
  Passo as sacolas de uma mão para a outra:
  - Claro. Bom, oi. – Sorrio fracamente. – Você está de carro?
  Ele abaixa a cabeça:
  - Bom... Não, meu carro está na revisão.
  - Vai fazer alguma viagem?
  - Não.
  - Hum... Então, quer uma carona? – Pergunto me dirigindo á porta traseira, pois, se fosse comigo, não teria como colocá-las no banco do passageiro.
  Ele sorri mais abertamente:
  - Se não for incomodar, eu aceito.
  - Ah, pare com isso. – Digo já sentada no banco da frente. – Amigos não incomodam. Pelo menos não á mim.
  Sorrimos, ele entra no carro ao meu lado e dou a partida:
  - Bom, o que você fez nesses anos todos em que morou em Nova York? – Puxo conversa parando em um semáforo.
  Ele, que até então estava encarando janela á fora com um olhar meio nervoso, me olha e suspira:
  - Estudar foi o que eu mais fiz.
  O semáforo fica verde e volto a prestar atenção na estrada a minha frente. De repente sinto a mão de sobre a minha que estava na marcha:
  - Mas também pensei muito em você.
  Arregalo os olhos discretamente - se é que isso é possível – e tirei minha mão debaixo da dele colocando-a de volta no volante:
  - Ahn, ?
  - Sim?
  - Eu andei pensando, nós éramos melhores amigos quando crianças, certo? – Pergunto desviando os olhos rapidamente para ele.
  - É claro.
  Fingi que estava tateando o painel á procura do botão do rádio para ter um tempo de medir as palavras:
  - Nada mudou, não é? Quer dizer, ainda somos melhores amigos, certo?
  Mesmo não estando olhando para ele percebo-o bufar e voltar a encarar a janela murmurando um “certo”.
  O resto do caminho foi quieto. A não ser por ele me dando instruções para levá-lo em casa - um prédio em uma parte mais afastada da cidade -, ele sendo meio frio na hora de comunicar que estudaria na minha escola e ele dizendo “até mais” e entrando rapidamente na construção de seis andares.
  Não levei muito tempo para chegar em casa e, quando cheguei, fui direto para o sótão checar se as coisas ainda estavam sob controle:
  - ? – Chamei no meio da escuridão em que o cômodo se encontrava.
  - Aqui, princesa. – Ouço-o dizer, sua voz com um tom de pesar que estranhei.
  Tateei o ar até achar o abajur e o acendi. Pisquei os olhos algumas vezes por causa da proximidade da luz e em seguida varri o cômodo com os olhos até encontrar sentado no chão abraçado aos próprios joelhos. Percebi que estava sem a camisa de Theodore. Vou até ele e abaixo-me á sua frente.
  Ele me encara. Mesmo na fraca luz do abajur, posso ver que seus olhos estão vermelhos. Ele havia chorado. Ele faz isso com certa frequência, pensei:
  - O que aconteceu? – Pergunto. Pode parecer estranho, mas vê-lo chorar fez eu me sentir mal, de certa forma. Não foi a primeira vez que ele chorou. Ele derramou algumas lágrimas quando o achei ontem á noite. Não gosto de ver pessoas chorando.
  Passo o polegar por sua bochecha direita:
  - Já começou. – Ele sussurra tão inaudivelmente que acho que se eu não estivesse tão perto, não teria ouvido.
  - O que começou?
  Ele pega algo que estava pousado á sua direita no chão de madeira e estende a mim. Identifico como uma pena. Difícil de ver devido á sua coloração escura:
  - Achei no colchão. Veja.
   vira de costas ainda sentado no chão e tenho visão de outras penas iguais àquela que estava em minha mão. Poucas. Posso chutar umas seis ou sete.
  Ele volta á posição inicial e me encara.
  - Eu disse que seriam pretas. – Sua voz sai meio embargada. – São asas de um anjo caído. Asas de uma aberração.
  Não consigo conter minha indignação:
  - Aberração? – Digo em um tom de voz um pouco alterado, mas cuidando para que ninguém me ouvisse. – Você não é uma aberração!
  - Você não entende, não é mesmo? – Ele levanta do chão e faço o mesmo ficando de frente para ele. – Para um anjo, não existe pior punição do que essa. Não existe nenhum orgulho em ser um Caído.
  Seu olhar se direciona para o chão. Pego seu rosto em minhas mãos e faço-o me encarar. Seus olhos estão marejados:
  - Mas isso não quer dizer que você seja uma aberração entendeu? – Digo com convicção. Uma lágrima solitária escorre de seu olho esquerdo e não resisto ao impulso de abraçá-lo.
  Ele parece surpreso no início, mas depois de um tempo, seus ombros relaxam e ele me abraça de volta.
  Eu me pergunto: Por que eu estou abraçando alguém que conheci há um dia, praticamente? Não um simples alguém. Um anjo. Um anjo muito sentimental deve-se dizer.
  Sinto minha blusa molhada na região do ombro e ouço um soluço de vez em quando. Inspiro profundamente em seu pescoço não sinto o cheiro de nada em especial. Passo minha mão pelos cabelos em sua nuca e percebo que estão molhados. Franzo a testa.
  E então tudo para quando meus ouvidos captam o barulho de passos na pequena escada de madeira.
  O solto rapidamente e olho na direção da entrada com uma expressão de pânico estampada em meu rosto, imagino.
  A primeira coisa que consigo distinguir são os cabelos loiros. Não. Minha mãe não viria ao sótão. Ela detesta qualquer coisa que tenha algum vestígio de poeira.
  Mas pela altura não pode ser ela. Então, após constatar quem é a única que seria inteligente o suficiente para - se estivesse á minha procura - me encontrar aqui, não me surpreendo quando escuto a voz de Lauren perguntando:
  - O que está acontecendo aqui, ?

Voos

  - Lauren, eu posso explicar. – Digo meio que em desespero. Essa frase é meio clichê, não é? Todo mundo fala isso quando é pego em flagrante. É quase como um reflexo você falar: “Eu posso explicar”. E se você simplesmente não puder explicar? Se não puder falar nada, pois não tem a ver só com você?
  Lauren me encara com os cantos da boca ligeiramente levantados. Um som que nunca ouvi antes invade meus ouvidos. Olho para e percebo que ele está rindo, não só rindo, gargalhando. Nem perceberia que, há alguns segundos, ele estava chorando se não fosse pelas lágrimas contidas em seus olhos.
  Lauren também ri, só que menos escandalosamente, e adentra mais o cômodo.
  Encaro-os, alternando o olhar entre um e outro, com a cara mais confusa do mundo:
  - Você devia ter visto a sua cara. – Lauren diz e pega uma bandeja que eu não havia percebido que estava ali no chão. E não fui eu quem a trouxe.
  - Não estou entendendo. – Digo.
   se recupera do ataque de riso repentino e senta no colchão:
  - Sua irmã veio até o sótão esta tarde. – Ele explica. – Contei tudo a ela. Quer dizer, contei a ela tudo o que contei a você. Ela prometeu guardar segredo.
  - E eu trouxe comida para ele. Anjos também comem sabia? só tinha tomado o café da manhã e você saiu sem trazer o almoço para ele. – Lauren me olha com uma cara de brava e ouço rir baixinho.
  Como eu pude me esquecer de trazer comida para ele? Eu sou tão esquecida á esse ponto? Em parte, a culpa é dele também. Se ele tivesse fome era só falar. Ele é mudo por acaso? Não.
  Lauren sai levando a bandeja com um prato e copo vazios e deixando eu e a sós.
  Encaro-o:
  - O que foi? – Ele pergunta.
  - Contou mesmo para ela?
  - Sim, eu já ia dizer isso, mas você foi me agarrando e...
  - Outch! Eu não fui te agarrando, só não gosto de ver pessoas chorando. – Dou de ombros e sento-me ao seu lado no colchão. Nossos ombros se encostam e sinto o dele tremendo ligeiramente. Demoro um segundo para perceber que ele estava rindo.
  - O que foi?
  - Nada. – Ele encosta a cabeça na parede atrás de nós. – Gostei da sua irmã.
  - É, parece que ela também. – Suspiro. – Desculpe por ter esquecido de te trazer comida.
  - Tudo bem. Sabe, princesa...
  - Já pedi para não me chamar assim. – Corto-o.
  - Mas você não gosta?
  Penso bem. Eu realmente não tenho nada contra ele me chamar assim. É mais uma implicância. Só pra não parecer que eu sou muito fácil de agradar. Ridículo de minha parte, eu sei, mas o que é a vida sem atitudes ridículas?
  Não respondo, apenas dou de ombros:
  - Bem, então vou continuar te chamando assim. Continuando... Sabe, princesa... – Ele riu dando ênfase no apelidinho que havia me dado. – Eu tenho que agradecer por me deixar ficar aqui. Mesmo não me trazendo comida, você é uma ótima... Anfitriã, digamos assim.
  Ele ri e eu o acompanho dando um soco de leve em seu ombro descoberto:
  - Não precisa agradecer, acho que eu faria isso por qualquer anjo que caísse no meu jardim.
  - Do jeito que você fala, parece que todo o dia cai um anjo no seu jardim.
  Continuamos rindo como idiotas por mais um tempo e, quando consigo parar, percebo o quanto estou com sono e tenho que acordar mais cedo amanhã para ir á escola. Acabo bocejando com esse pensamento:
  - Está cansada? – pergunta.
  Assinto e sinto minhas pálpebras pesarem. Estou morrendo de preguiça de ir até o quarto de forma que deito minha cabeça em seu ombro. Acabo adormecendo ali e na manhã seguinte me dou conta de três coisas:
  Primeira: Eu senti muita falta de dormir no sótão.
  Segunda: O ombro de serve como um ótimo travesseiro.
  Terceira: Ir para a escola morrendo de dor nas costas por ter dormido sentada, só me deixa com um humor pior.

  - ! – Entrei correndo no sótão e me surpreendi ao vê-lo com uma camiseta cinza. Só ele. Sem as asas que estavam quase totalmente formadas ontem á noite. – Cadê suas asas?
  - Consegui escondê-las. – Ele fala sorrindo e não consigo evitar sorrir também. Nesse pequeno tempo em que nos conhecemos, ele já é um grande amigo.
  - Isso quer dizer... - Começo, mas ele termina.
  - Que eu vou poder sair desse sótão empoeirado.
  Como um impulso - e eu estou tendo muitos desses impulsos ultimamente – corro e o abraço. Ele circula minha cintura com os dois braços e me ergue do chão. Quando me solta, percebo que suas bochechas estão levemente vermelhas. É engraçado. tem certa vergonha em ter qualquer contato físico com as pessoas. Primeiro comigo, na noite em que as asas dele começaram a crescer, depois quando Lauren beijou seu rosto por ele ter ensinado ela a fazer origamis - sim ele fez isso - e agora isso:
  - Mas, o que você queria dizer quando chegou aqui? – Ele pergunta passando a mão nos cabelos.
  - Ah, sim. Vim te dar a notícia que... – Tento fazer um suspense e ele levanta as sobrancelhas em expectativa. – Euconseguiumapartamentopravocê! – Disparo.
  Ele faz cara de confuso:
  - O quê?
  - Eu. Consegui. Um. Apartamento. Pra. Você! – Digo pausadamente e os olhos de se arregalam.
  - Como?
  - Convenci meu padrasto a dar um para mim, mas ele não quer que eu saia daqui, então, o apartamento vai ficar no meu nome, mas não vou morar lá. – Explico. – Não é muito longe e é perfeito para você!
  Ele me encara sorrindo e desvio os olhos:
  - Por que você está me olhando desse jeito?
  - Obrigada. – Ele diz. – Por tudo. Não tenho palavras pra agradecer a você, princesa.
  - Já disse que não precisa agradecer. Fiz por você o que eu faria por qualquer amigo.
   muda suas expressão de feliz para neutra em menos de um segundo:
  - O que foi? – Pergunto.
  - Você pode me levar para voar, ? – Senti uma aspereza em seu tom de voz, mas ignorei.
  - Ahn, sim, aonde você quer ir?
  - Enquanto eu estive aqui na Terra, só fui a sua cozinha, seu salão que eu não sei pra que serve, o corredor e esse sótão, não sei aonde eu posso querer ir.
  Claro. Eu não tinha pensado nisso. Penso em onde eu poderia levá-lo. Tem que ser algum lugar aberto:
  - Já sei, vamos. – Saio o puxando. Só os empregados e Lauren estão em casa hoje. Aconteceu algo na empresa de Theodore e ele teve que ir pra lá. Em pleno domingo. E minha mãe está tomando chá e fofocando na casa de alguma “amiga” dela. De modo que não corro muito o risco de alguém me ver andando com um desconhecido pela casa.
  Passamos o caminho todo em silêncio. Eu apenas o puxava pela mão e aquele simples toque me fez sentir algo diferente de quando toco ou Lauren. Algo que eu já havia sentido nas duas vezes que o abracei. Algo que eu não sei dizer o que é. É como um formigamento no estômago. Deve ser fome ou alguma coisa assim.
  Passamos pelo jardim dos fundos e entramos na floresta ou bosque, sei lá como se chama isso. É um monte de árvores:
  - Chegamos. – Anuncio.
   olha ao redor. A terra ainda está mais baixa onde ele atingiu o chão.
  - Lembra daqui?
  Ele parece pensar um pouco e então sorri:
  - Foi aqui que você me achou, não foi?
  Assinto. retira a camisa e abre as grandes asas totalmente negras. As penas sobem mais ou menos um metro acima dele e se encurvam até a ponta.
  Lentamente ele as movimenta e seus pés saem do chão.
  Mordo o lábio inferior:
  - Só... Não vá muito longe, ok?
   apenas solta um risinho convencido:
  - Relaxe, princesa, não vou fugir de você.
  - Que bom. – Suspiro.
  Ele voa cada vez mais alto. Vira um pontinho escuro longe e, em seguida, desaparece de minha vista.

Sonho e fuga

  Eu estava andando descalça. Podia sentir o calor da terra nos meus pés, juntamente com o ar quente e abafado. O ambiente em que eu me encontrava só tinha alguns feixes de luz que me permitiam ver o teto do que presumi ser uma caverna.
  Caminhei para o lado em busca de alguma parede, mas não havia nenhuma. O cheiro de enxofre invade meu nariz juntamente com uma explosão que me da a visão que eu precisava para reconhecer o lugar.
  Eu já estive aqui... Eu me lembro desse lugar...
  Levo um susto quando meu pé toca em algo quente. Olho para baixo.
  Isso... Isso é lava?
  Antes que eu possa me situar, uma voz irrompe nos meus ouvidos:
  - Bem vinda, querida!

  Sinto meu corpo tremer. Eu dormi enquanto esperava ? Sim. Talvez seja por isso que eu estou meio sentada, meio deitada em baixo de uma árvore. Quanto tempo passou? O sol já está se pondo. Chegamos aqui ás duas da tarde. Olho no relógio do celular e já são seis e meia. Onde ele se meteu?
  Levanto e reviro os olhos. Ele não teria pedido para voar em vão. Ele foi embora. Mas por que eu me importo com isso? Já devia ter esperado. Mas por que eu me sinto como se tivesse sido abandonada? Ah, meu Deus, eu estou muito emotiva de uns dias pra cá. era só um anjo que, acidentalmente, caiu aqui. Um anjo que virou um ótimo amigo. Onde será que ele está?
  Já estou atravessando o jardim quando o meu celular da um alerta de mensagem:

CrisLindaMaravilhosa: Vou atrasar uns vinte minutos, mas espero que, quando eu chegar aí, a pizza ainda esteja quente

  Reviro os olhos com o nickname que ela havia posto no meu celular da última vez que deixei ela fuçar e apresso o passo. Depois da bela fuga de , até esqueci que havíamos combinado de ela dormir aqui hoje. Nem pedi a pizza que havia prometido a ela.
  A primeira coisa que faço quando adentro a cozinha é procurar o telefone de alguma pizzaria.

  - Como assim “fugiu”? – fala (lê-se grita), enquanto mastiga uma fatia da pizza de calabresa sentada no tapete do meu quarto.
  - Fugiu fugindo, oras. – Me jogo na cama. – Voou, voou e voou até sumir da minha vista. – Digo filosoficamente. Se não me sentisse tão mal, eu até riria da forma como falei.
  - Que filho da...
  - Hey, sem palavrões na minha residência, okay? – A interrompo.
  - Eu ia dizer “filho da mãe”... – Ela resmunga.
  - Aham, sei.
  Por alguns minutos eu só fico olhando ela devorar um pouco mais da metade da pizza. Eu me pergunto: Como essa quantidade de comida cabe nessa anã?
  - E agora? – Ela pergunta quebrando o silêncio.
  - O que tem agora?
  - O que você vai fazer agora que seu querido anjo se escafedeu? – Ela me olha arregalando os grandes olhos acinzentados.
  - O que eu faria de mais? Vou agir normalmente. – Dou de ombros. – Como se nunca tivesse caído aqui. Vou fazer faculdade, casar, ter dois filhos e um cachorro chamado Muffles.
  - Muffles?
  - É.
   ri pelo nariz, o que me faz olhar para ela com uma cara de interrogação:
  - O que foi?
  - Você realmente acha que não vai voltar? – Ela me encara com uma sobrancelha arqueada.
  - Por que voltaria? Agora ele é um anjo livre. – Não consigo evitar ficar chateada com isso. – Ele que voe para o inferno. – Resmungo.
  - Cuidado com o que você deseja minha cara. E, respondendo a sua pergunta, tem um forte motivo para voltar.
  - Qual?
  Ela suspira:
  - Descubra por você mesma. – se levanta e pega a caixa da pizza, amassando-a e colocando em uma sacola que tinha em cima da escrivaninha.
  - Ah, qual é ? – Protesto, mas ela simplesmente dá um sorriso sacana e dá de ombros fazendo-me olhá-la com cara de tacho.
  Ela simplesmente vai até o banheiro, volta, deita no colchão onde ela sempre dorme quando vem aqui e apaga o abajur:
  - Boa noite, senhora . – Ouço-a murmurar rindo.
  - O que? O que é isso?
  - Nada não, , nada não.

***

  Três dias. Já fazia três dias que havia ido embora. Eu estava contando. Deprimente, eu sei:
  - Um dólar por seus pensamentos. – chega por trás de mim. Eu estava sentada no gramado da escola, estudando para uma prova de geografia.
  Sorrio:
  - Qual é a capital da República Tcheca? – Pergunto com um ar de desafio.
  - Praga. Faça perguntas mais difíceis. – Ele ri e senta um pouco á minha frente. Acho engraçada a forma como ele se arruma para vir à escola. Jeans claros e camisa xadrez por cima de uma blusa branca. Cada dia uma camisa xadrez diferente, mas sempre xadrez.
  - Não tenho culpa se vossa excelência é um gênio.
  Rimos e o sinal bate anunciando o final do almoço. Eu e vamos em direção a sala de ciências, que seria a próxima aula.
  Encontro no corredor conversando com algum cara. Ela se despede dele e vem até mim sorrindo, mas seu sorriso se esvai quando ela avista Diminick ao meu lado. Eles simplesmente se odeiam. Eu nunca entendi o porquê, mas diz que o santo dela não bateu com o dele e vice e versa. Simples assim.
  Entramos na sala. sentada atrás de mim e sentado duas carteiras a minha direita.
  A professora, Sra. Fisher, começou a explicar. Assim que a palavra “trabalho” saiu da boca dela, um coro de gemidos de frustração foi ouvido na sala de aula.
  Já estava pronta para me juntar aos meus colegas de classe quando uma bolinha de papel atinge minha têmpora.
  Eu estava pronta para xingar qualquer um que a tenha jogado, quando vejo fazendo um sinal para mim.
  Abro a bolinha de papel e reconheço a caligrafia dele:
  Podemos sair no sábado?
  Respondo:
  Sair? Tipo, como?
  Jogo a bolinha bem ao centro da mesa dele. E ela logo retorna:
  Como amigos, , como mais seria?
  Não sei por que, mas solto um suspiro aliviado:
  Okay, você passa lá em casa às 19 hrs, pode ser?
  Posso vê-lo sorrindo quando lê o papel:
  Pode ser, beijinhos de purpurina :)
  Respondo dando um fim a conversa:
  Para de ser gay e presta atenção na aula ><
  Vejo-o rir e levantar para jogar o papel na lixeira.
  As aulas passam mais devagar que o normal, mas quando terminam, eu só me despeço de e de e vou direto para a casa, me jogo na minha digníssima cama e durmo. Durmo mesmo.

***

  A chuva não parava de cair na tarde de sábado. Eu, particularmente, não estava muito animada para sair, mas não queria deixar na mão. Não que eu nunca tivesse saído com ele. Saí uma vez. foi junto. Acabou que ela o chamou de unicórnio e, para enfatizar, grudou o sorvete de casquinha dela na testa dele. O que foi uma coisa muito estranha, já que é muito difícil desperdiçar comida.
  Afastei meus pensamentos olhando no relógio. Seis da tarde. Droga. Se eu não começar a me arrumar agora, vou acabar me atrasando. Mas esta tão bom aqui nessa caminha...
  Acabo tomando força, não sei de onde, pra levantar e tomar um banho. Acabo escolhendo uma calça legging azul e uma camiseta onde se lia “I wanna be forever Young” . Sabe? A música... Bryan Adams... Re-gravada milhares de vezes...
  Antes que eu possa calçar as botas que eu havia separado, alguém bate na porta. Murmuro um “entra” e Macy, uma das empregadas coloca a cabeça para dentro do quarto:
  - Tem um amigo seu lá em baixo querendo falar com a senhorita.
  - Ah, claro você pode pedir para Dominik esperar um pouco?
  Olho no relógio. Ele chegou antes do combinado, mas eu já estou quase pronta mesmo. Estou terminando de calçar as botas quando Macy pigarreia:
  - Mas, senhorita, o rapaz disse que se chamava .

Encontro? Sim ou claro?

  - O quê? – pergunto perplexa.
  - Ele disse que se chamava . – Macy repete me olhando com uma cara assustada. – Está tudo bem? A senhorita ficou pálida de repente.
  - Tudo bem, Macy. – Meu peito sobe e desce rapidamente. – Você tem certeza que ele disse que se chamava ?
  - Sim, senhorita.
  - Ah, por favor, pare de me chamar assim. – Peço. – Como ele é?
  - Loiro, alto, muito bonito, devo dizer. – Ela explica meio envergonhada com o último adjetivo.
  - Onde ele está?
  - Eu disse que ele podia esperar na sala de estar.
  Abro mais a porta e saio correndo em direção a sala. Tropeço no último degrau da escada, mas consigo recuperar o equilíbrio. Abro a porta da sala de estar num estrondo fazendo uma criatura loira me encarar.
   estava diferente. A calça jeans clara que ele usava quando foi embora deu lugar á uma calça skinning preta, acompanhado de uma regata cinza de alguma banda que deixava seus braços a mostra. Os cabelos, que antes caiam na testa estavam bem aparados nas laterais e deixavam um leve volume na parte de cima. Não pude deixar de reparar como ele estava bonito.
  Saí de meu pequeno transe e meu primeiro impulso foi de abraçá-lo. Pude sentir o cheiro de algum perfume desconhecido.
  Meu segundo impulso chutá-lo. Exatamente onde você está pensando:
  - Por que... Você... Fez isso? – Ele perguntou com o rosto contorcido de dor e se apoiando no sofá.
  - Porque você foi embora?
  - Tive que tratar uns assuntos.
  - Que assuntos? – Pergunto controlando o tom de voz. – Custava você pedir para sair? Você não era nenhum prisioneiro, !
  - Sinto muito, tá? Eu só me dei conta que você me deixaria sair depois que eu já estava longe.
  - E... Porque você voltou? – Pergunto cruzando os braços.
  - Já falei milhares de vezes. – Ele suspira. – Eu não fui embora, só fiquei fora por uns dias e...
  - Seis dias... – Resmungo e vejo-o sorrir.
  - Bom saber que você contou. – se aproxima de mim e coloca o dedo sob meu queixo fazendo-me encará-lo já que ele era alguns centímetros mais alto. Alguns não, muitos. Descruzo os braços e encaro os olhos azuis a minha frente. – E, sobre o que eu já falei milhares de vezes, eu não vou embora até você me perguntar tudo o que deve saber.
  - O que mais eu devo saber?
   franze as sobrancelhas e desvia o olhar:
  - Nada muito importante. – Ele se afasta.
  - ...
  - ! – Sou interrompida por uma Lauren correndo e abraçando-o. – Onde você se meteu? Nunca mais suma assim, entendeu? Sentimos sua falta. nunca admitiria isso, mas ela ficou igual um zumbi, só por que você não estava aqui. – Ela disparou a falar.
  - Hey! Isso não é verdade! – Protesto, mas sou ignorada.
  - Você está bonito, onde arranjou essa roupa?
  - Eu comprei...
  Enquanto Lauren tagarela eu me pergunto com que dinheiro ele compraria aquela roupa:
  - Eu já vou indo, mamãe quer me ensinar a tomar chá, acredita? Como se eu não soubesse levar uma xícara á boca. Vejo vocês depois. Não suma novamente, ! – Lauren saiu tão rápido quanto entrou.
  - Falando em roupa, você vai aonde bem vestida desse jeito?
  - Não posso me vestir bem para ficar em casa? – Pergunto fazendo-o me olhar incrédulo.
  - Você? Normalmente você só veste trapos pra ficar em casa.
  - Nossa, obrigada pela parte que me toca. – Digo e ele revira os olhos. – Mas eu vou sair sim.
  - Hum... E com quem? – Ele pergunta mexendo na tampa de um vasinho egípcio que estava na mesinha ao lado do sofá.
  - Com um amigo.
  - Ah, com aquele seu amigo David e a ? Como da última vez?
  - Não, dessa vez não vai. – Digo e fecha a cara. – E o nome dele é .
  - Tanto faz. – Ele da de ombros e me encara soltando um risinho cínico. – Aposto que ele está afim de você.
  Engasgo-me com minha própria saliva:
  - Porque você acha isso?
  - Ele não larga do seu pé.
  - Ele é meu amigo. – Friso essa última palavra.
  - Aposto cinco dólares que ele quer ser mais do que isso. – Ele me olha com um ar de desafio e estende a mão. Por um segundo passou pela minha cabeça que ele pudesse estar chateado com a possibilidade de eu sair sozinha com , mas essa ideia foi excluída quando ele propôs a aposta. Tive certa dificuldade em admitir pra mim mesma que fiquei meio decepcionada com isso. É, mas eu fiquei.
  Dou um passo a frente e aperto a mão dele. Logo Macy aparece na porta:
  - Ahn, senhorita... – A repreendo com o olhar. – Quero dizer, , seu outro amigo está esperando por você na porta.
  - Tudo bem, pode dizer a ele que já vou? – Digo. Ela assente e se retira.
   me encara.   - Vai lá com o Dexter, vai. – Ele fala friamente.
  - Eu já disse que é ! – Digo revirando os olhos e saindo dali pisando forte. Assim que saio pela porta da frente, percebo que parou de chover e vejo apoiado em seu carro. A única diferença no vestuário, era que, ao invés da camisa xadrez, ele usava um moletom preto onde se lia “I love Pizza!”.
  O cumprimento com um abraço e sinto o cheiro do perfume amadeirado que ele sempre usava:
  - Aonde vamos? – Pergunto já no banco do passageiro.
  - Jantar. – Ele diz simplesmente.
  - Onde?
  - Em um restaurante.
  - Ah, sério? Achei que nós fossemos jantar em uma farmácia. – Digo ironicamente fazendo rir.
  Depois de alguns minutos chegamos ao Soldatino, o único restaurante de comida italiana pelas redondezas. Eu já devi ter adivinhado:
  - trabalha aqui, mas aos sábados ela tira folga.
  - Ah, que bom, seria meio desconfortável se ela tivesse que nos servir.
  - Concordo. – Digo e adentramos o local.
  Não estava particularmente cheio, mas também não estava vazio. Sentamos-nos em uma mesa ao lado de uma família com duas crianças. Eu sempre adorei o clima desse restaurante. Não é aqueles restaurantes chiques que você não sabe com qual garfo ou colher comer. É simples, mas continua totalmente sofisticado e a comida é uma das melhores que eu já comi:
  - O que vai pedir? – Pergunto pegando o cardápio decorado com a bandeira verde, branca e vermelha.
  - Pizza, ora. – Ele diz como se fosse óbvio.
  - Mas aqui não tem pizza. – Falo fazendo-o levantar os olhos do tampo da mesa e me encarar como se eu tivesse algum problema mental.
  - Que tipo de restaurante italiano não tem pizza?
  - Esse. – Digo rindo dele que se finge de indignado.
  Acabou que pedimos um espaguete á bolonhesa para os dois. Conversamos sobre tudo. Fiquei sabendo que o pai de arrumou um emprego melhor aqui, por isso se mudaram. Levando em consideração que esse foi o mesmo motivo deles terem ido para Nova York. Eles conseguiram comprar a mesma casa em que moravam antes de ir pra lá. O que foi bom, na opinião de , pois ele disse que aquela casa tinha boas lembranças. E agora, o Sr. Cleavor trabalha para o meu padrasto.
   queria pagar a conta, mas cedeu quando eu insisti em dividirmos o pagamento.
  A volta pra casa foi muito mais animada com cantando “I miss you” da Blink-182 com uma voz terrivelmente desafinada me fazendo rir até meu estômago doer:
  - A gente se vê segunda? – Ele pergunta. Nós estávamos na porta da mansão, onde eu podia sentir uma brisa fria atingindo meus braços.
  Percebo que está meio nervoso, mas eu realmente não sei o motivo:
  - Claro né, afinal, é impossível fugir da escola. – Digo conseguindo fazê-lo rir. – Boa noite, .
  Começo a me afastar. Acontece tão rápido que eu só consigo sentir puxando minha mão e colando nossos lábios. Seus lábios estão frios, devido a temperatura baixa. De início, não consigo conter minha surpresa, mas depois, fecho os olhos e pouso minha mão livre em sua nuca.
  Pela forma calma em que o beijo flui, ele dura um tempo maior até o ar ser necessário:
  - Boa noite, . – Encaro os olhos cor de esmeralda a minha frente. sorri e vai embora, me deixando ali com a maior cara de tacho.
  Suspiro quando o carro dele sai da propriedade e adentro a casa encontrando minha mãe sentada na sala de estar:
  - Como foi o seu encontro, querida? – Me surpreendo ao perceber que ela realmente está interessada em saber da minha vida.
  - Não foi exatamente um encontro, mãe. – Explico – Eu só saí com... Um amigo.
  - Tudo bem.
  - Boa noite, mãe. – Subo as escadas correndo, mas consigo escutar um “boa noite” da senhora Madden.
  Quando estou prestes á abrir a porta do meu quarto, lembro-me de . Ele disse que iria estar no sótão, não disse? Pra falar a verdade, eu nem me lembro mais.
  Vou até o sótão, subo a escada e encontro olhando pela janela que dá na frente da casa.
  Um arrepio percorre minha espinha. Ele não pode ter visto me beijar, pode?
  - ... – Começo, mas eu realmente não sei o que dizer.
  Ele me olha com o que julgo ser um olhar decepcionado, mas mesmo assim sorri fracamente:
  - Você me deve cinco dólares.

Casa nova

  Já faz quatro dias que praticamente me ignora. Basicamente, eu só o vejo quando levo comida á ele, e a conversa é mais ou menos assim:
  - Eu trouxe comida. – Eu.
  - Obrigado. – Ele.
  - Tudo bem?
  - Claro.
  - Então ta.
  - Tchau.
  - Tchau.
  Por mais que eu tentasse puxar conversa, ele me respondia com “aham”, “sim”, “não”, “talvez” e “é”. Isso já estava me dando nos nervos. O máximo que eu consegui de uma conversa foi quando avisei á ele que o meu apartamento já estava pronto e que ele poderia ira pra lá quando quisesse. disse que queria sair o mais rápido possível do sótão e eu não tenho palavras pra explicar o quanto isso doeu.
  Nesses quatro dias, e eu não falamos nada sobre o beijo. Agimos normalmente na segunda-feira. De vez em quando, eu olhava de relance para ele e via-o sorrir. Estranho. Eu realmente não acho que ele está “afim” de mim. Ele só me beijou por que... Por que me beijou:
  - Gostou do lugar? – Pergunto á que, dessa vez, usava uma calça marrom acompanhada de uma camiseta listrada. Ele andava pra lá e pra cá, analisando a sala do apartamento que continha uma TV, um sofá de uma cor que não consegui identificar, mas julguei ser confortável e tudo mais que uma sala normal tem. O lugar era relativamente grande.
  - Aham.
  - Ali é a cozinha. – Apontei para a mesma, já que a única divisória dos cômodos era uma meia parede. – Lá é o banheiro. – Apontei para uma porta atrás dele. – Ahn... E, aqui. – Apontei para outra porta, dessa vez atrás de mim. – É o seu quarto.
  - Okay.
  Eu realmente já estou cansada disso:
  - Da pra você parar de falar assim comigo? – Pergunto. Ele me encara com as sobrancelhas levantadas.
  - Não sei do que você ta falando.
  - Não se faça de desentendido. – Dois alguns passos e o encaro. – Sabe muito bem do que estou falando. Você vem me ignorando desde sábado.
  - Não estou te ignorando.
  - Está sim.
  - Não estou.
  - Está sim.
  - Não estou!
  - Então fala comigo direito.
  - Como quer que eu fale com você? – Ele pergunta cruzando os braços.
  - Ah, sei lá, mas um “oi, princesa, como vai você?” seria bom. – Digo rápido, mas me arrependo um segundo depois de perceber o que eu realmente falei e de ver levantar os cantos de sua boca num sorrisinho. – Eu não quis dizer isso.
  - Mas disse. – Ele ri. Sinto o sangue subir para minhas bochechas me fazendo corar violentamente e encaro o piso de assoalho. – Sabe, você fica fofinha com vergonha, princesa.
  - Não me chame de “fofinha”, é frustrante. – Digo fazendo um bico. Sinto um formigamento em minha bochecha quando ele levanta meu rosto fazendo-me encará-lo. A distância entre nossos corpos é mínima.
  - Tudo bem, eu não te chamo mais assim. – Ele sussurra e posso sentir o calor de seu hálito em minha boca. – Do que você quer que eu te chame mesmo? – Ele franze as sobrancelhas alternando o olhar entre meus olhos e minha boca. Não consigo evitar fazer o mesmo.
  - Pode me chamar do que você sempre me chamou, . – Sussurro da mesma forma que ele.
  - Princesa... – Nossos narizes se encostam e posso sentir o calor que emana de seus lábios novamente.
  Então, eu ouço uma música. Mais precisamente, Counting Stars da One Republic.
  Levo dois segundos para lembrar que esse é o toque do meu celular. se afasta bufando. Lanço á ele meu melhor olhar de pedido de desculpas e atendo o celular sem nem ver quem estava chamando:
  - , querida, onde você está? – Uma voz conhecida, mas levemente distorcida fala aos meus ouvidos.
  - Ahn, quem fala?
  - Sua mãe, querida.
  - Ah, oi... Mãe? – Arregalo os olhos. – Você está mesmo me ligando?
  - Sim, por que não estaria?
  Penso em falar: “Ah, talvez porque nos últimos nove anos, você só vem se importando com suas ‘amigas’ e com seu marido e vem me deixando totalmente a deriva nesse mundo cruel”, mas acredito que isso soaria totalmente dramático e, por mais que esse vínculo mãe-e-filha que temos não seja tão forte, eu me odiaria por fazê-la sentir-se culpada por qualquer coisa.
  Então apenas respondi:
  - Por nada, mãe. Mas porque você está me ligando? Aconteceu alguma coisa? – Pergunto.
  - Não querida, eu só acho que uma mãe deve saber onde sua filha está e como ela está.
  Aí tem coisa:
  - Estou bem. – Suspiro. – Estou na casa de um amigo.
  - Tudo bem, esteja em casa para jantar, entendeu?
  - Claro, mãe.
  - Até mais.
  - Até.
  Encerro a chamada e devolvo o celular ao bolso de trás da calça. Olho no relógio que havia na parede cor de creme. Sete e meia. Droga. Em casa, o jantar era servido às oito em ponto. Não me pergunte o porquê.
  Vou até a cozinha e encontro sentado de lado em uma das cadeiras de mesa bebendo alguma coisa:
  - Tudo bem?
  - Sim, mas eu vou ter que ir. Minha mãe teve um surto de super proteção e quer que eu esteja em casa para jantar. – Digo. – Ah, essa ligação me lembrou que tenho mais uma coisa pra você. – Vou até minha bolsa que eu tinha deixado em cima da mesa de centro da sala e procuro o aparelho. Assim que o acho o entrego a . – Aqui.
  - Um celular?
  - Claro, vou ligar pra você a cada uma hora pra saber se está tudo certo. – Digo e vejo-o sorrir, – Já gravei meu número e o da aí. Qualquer coisa, você pode nos ligar, entendeu?
  - Sim, senhora. – Ele fala engrossando a voz e levando a mão a testa em uma continência mal feita.
  Rio e o abraço. Como ele estava sentado, acabou abraçando minha cintura. Ficamos assim por um segundo, dois, três, quatro...:
  - Princesa? – Ele me chama fazendo-me perder minha contagem.
  - Hum?
  - Você tem cheiro de pêssego. – Ele diz levantando a cabeça para me olhar.
  - Isso é bom?
  - Hum, talvez. – Ele dá de ombros sorrindo. Rio e o solto indo em direção a sala para pegar minha bolsa. levanta e se apoia de braços cruzados na parede que divide a sala da cozinha.
  Vou até ele e deposito um beijo em sua bochecha esquerda:
  - Até mais, se, por acaso, você esquecer de me ligar, eu te ligo. – Digo fazendo-o rir e vou em direção a porta.
  - Tudo bem, até mais. – Escuto dizer quando já estou indo em direção ao elevador.
  Do terceiro andar ao térreo levam alguns segundos. Procuro meu carro no estacionamento do prédio, mas acabo dando de cara com uma picape conhecida.
  Franzo a testa. Um arrepio corre minha espinha. Sinto a mesma coisa que senti no estacionamento do shopping dias atrás. Quando encontrei com .
  A lona azul na caçamba chama minha atenção. Ela não estava ali na última vez que vi meu pai.
  Começo á suar frio sem explicação. Dou os três passos que faltavam para eu chegar até a picape e encosto minhas mãos na tampa de trás que abre a caçamba:
  - Procurando algo, querida? – A voz de meu pai me faz pular e soltar um grito que, com o nó que havia se formado em minha garganta, sai mais como um arquejo.
  Com o susto, sinto meu coração acelerar ligeiramente, mas não deixo de notar as duas figuras que estavam ao lado de meu pai.
  O garoto de cabelos ruivos era um pouco mais baixo que eu e alternava o olhar entre mim e meu pai com um semblante preocupado. Já a garota de cabelos encaracolados e pele cor de chocolate me encarava fixamente com um olhar totalmente ameaçador que faria qualquer um sair correndo dali. Ambos usavam roupas totalmente escuras. E não pude deixar de notar o volume sob a blusa da garota perto da cintura.
  Aquilo era uma arma? Porque parecia uma arma.
  Volto o olhar para meu pai que me olhava com sobrancelhas arqueadas esperando uma resposta. Tenho que encontrar minha voz no fundo de minha garganta para responder:
  - Ah, não, eu só... Vim visitar um amigo. – Digo e ele assente em compreensão. – Mas o que o senhor faz aqui, pai?
  - Eu só vim visitar uns amigos. – Ele fala igual a mim me fazendo soltar um riso fraco. Não consigo tirar da cabeça a impressão de raiva que passou por sua face quando ele me achou aqui. – Esses são e Jenna. – Ele indica os dois ao seu lado.
  - . – Digo me apresentando e posso ver o garoto sorrir sem mostrar os dentes. Já a garota, continua com o mesmo olhar ameaçador de antes. – Ahn, eu tenho que estar em casa para jantar, até mais pai. – Me despeço dando um beijo em seu rosto e aceno para os dois ao seu lado.
  Ando em passos rápidos até a vaga fora do estacionamento do prédio onde eu tinha deixado o carro e encontro-a vazia.
  Cadê a droga do carro? Eu o tinha deixado bem ali e ele sumiu. Como pode isso?
  Apoio-me em uma placa que havia ali e por curiosidade levanto a cabeça para lê-la.
  Ótimo. “Proibido estacionar, sujeito á guincho”. Argh. Burra, burra, burra. Tantos lugares para estacionar, e eu fui justamente estacionar em local proibido?
  Suspiro frustrada e reviro minha carteira em busca de dinheiro para táxi ou ônibus. Nada.
  Por que raios eu fui sair de casa sem nenhum dinheiro? deve estar certa, eu não devo ter nada na cabeça.
  Um trovão estala em meus ouvidos e sinto alguns pingos de chuva finos em minha face.
  Mesmo minha imunidade não sendo muito alta, o jeito é ir andando.

Shakespeare?

  - Como você foi pegar essa gripe? – pergunta.
  Espirro pela enésima vez:
  - Eu não estou gripada.
  - , eu te conheço desde os sete anos de idade. – Ela senta ao meu lado no sofá da sala. Sim, por mais que estivesse de shorts e camiseta, eu estava em baixo das cobertas, morrendo de frio. – Sei quando você está doente.
  - Own, que bonitinho. – Tento bagunçar os cabelos dela, mas ela desvia rindo.
  - É sério. – O celular dela da um alerta de mensagem.
  - Quem é?
  - . – Ela ri. – Ele não para de me mandar mensagens perguntando de você.
  Não consigo deixar de sorrir. arregala os olhos:
  - O que foi?
  - Você.
  - O que tem eu?
  - Ta sorrindo daquele jeito ridículo.
  - Como assim?
  - Como se estivesse apaixonada. – Rla sorri maliciosamente e me olha com o canto do olho. – Ta apaixonada, é?
  - O quê? Não!
  - Tudo bem, pode falar. Eu sei que depois que ele voltou daquele “sumiço”, ele voltou com um jeitão charmoso de bad boy sexy e ta na cara que ele ta afim de você e que você ta afim dele. Eu acho que vocês fazem um casal tão fofo. E eu tenho certeza que ele não se importaria de dar um nome esquisito para o cachorro que vocês vão ter quando casarem e...
  - Hey, hey, hey, . - A interrompo fazendo-a me lançar um olhar feroz.
  - O que foi?
  - Você ta louca.
  - O quê? Vai dizer que não ta apaixonada por ele? – Ela me encara com uma das sobrancelhas arqueadas.
  - Não... Quer dizer, não sei, ta legal? – Digo e ela da um sorriso vitorioso. – Eu acho que já entendi que ele não é só um amigo...
  - Mas você não acha que ele sinta o mesmo? – Ela pergunta completando minha fala.
  - Não, ele já meio que deixou claro que está interessado em mim, é só que...
  - Espera. Quê? Ele te beijou, assim como o unicórnio?
  - Não, ele não chegou a me beijar. – Digo. – E não chame assim.
  Ela revira os olhos e da de ombros. Minha mãe aparece carregando uma bandeja com um copo da água:
  - Oi, filha. - Ela pousa a bandeja na mesinha ao lado do sofá.
  - Oi, mãe, o que é isso?
  - Ah, é um analgésico. Macy me disse que você estava com dor de cabeça e decidi trazer um para você. – Ela explica e me entrega o copo da água e a pequena cápsula branca de remédio que eu não havia visto na bandeja antes. Coloco-a na boca e dou um gole na água fazendo-a descer pela garganta. Digamos que eu estou começando a me acostumar com essa atenção toda vinda da minha mãe.
  A campainha toca e sai correndo para abrir a porta, voltando segundos depois:
  - Olha só quem chegou! – Ela diz com um falso ânimo na voz se jogando no sofá ao meu lado e um moreno de olhos verdes aparece.
  - Oi, . – Digo. Ele vem me abraçar, mas o barro e apenas estendo a mão fazendo-o me olhar confuso. – Não quero te passar gripe. – Esclareço.
  - Tudo bem. – Ele sorri e aperta minha mão estendida. - Eu vim te trazer os cadernos com os assuntos de hoje, mas acho que já fez isso, acertei?
  - Claro, quer o que de prêmio? Balinhas?
  - Bem, eu aceito, por que não vai comprá-las?
  - Ótimo, vou mesmo, daí eu já aproveito e compro um revolver pra colocá-las e metê-las na sua cabeça.
  - Da pra parar vocês dois? – Digo enquanto eles se fuzilam com os olhos. – , você não mata nem uma formiga.
  O queixo dela cai e ela se faz de ofendida:
  - Saiba que sou muito perigosa senhorita .
  - Okay, finjo que acredito.
  A campainha toca novamente e corre pra atender. Menina doida. Adora atender portas:
  - Olha quem chegou! – Ela repete a mesma frase de antes, só que, dessa vez, realmente animada. Meu coração da um salto quando entra pela porta. E, o que posso dizer? Ele estava totalmente sexy. Usava a mesma calça skinning preta do dia em que apareceu aqui depois do seu breve sumiço e uma jaqueta de couro também preta que cobria uma regata vermelha.
  Assim que ele me vê, abre um sorriso que faz seus olhos se estreitarem:
  - Oi.
  - Oi. – Digo e um silêncio se instala na sala até minha mãe - que eu até havia esquecido que estava ali - pigarrear. Penso em falar algo, mas é mais rápido que eu e se aproxima dela com a mão estendida.
  - Muito prazer, senhora Madden, sou . – Ele fala e minha mãe sorri apertando sua mão. ? Esse é o sobrenome dele? Tenho a sensação de ter ouvido esse nome em algum lugar... – Eu só vim ver como você está. – Ele fala se direcionando a mim.
  - Não muito bem. – responde por mim e fuzilo-a com os olhos.
  - Pois é, soube que está doente. – Ele me analisa com um olhar preocupado.
  Me mexo meio desconfortável:
  - Não estou doente.
  - Está sim. – se pronuncia pela primeira vez desde que chegou e minha mãe acaba concordando.
  - Isso é um motim? – Pergunto me fazendo de ofendida fazendo todos rirem.
  Depois de um tempo conversando sobre coisas aleatórias, minha mãe sai com a desculpa de “vou ver se há cartas na caixa de correio” (Aham, finjo que acredito) e diz que tem que ir pra casa deixando , e eu sozinhos na sala:
  - Argh, finalmente! – comemora. – Não via a hora de aquele cara ir embora.
  - Ainda não entendo porque você não gosta dele.
   me olha com a maior cara de tédio:
  - Já disse que é simples: Meu santo não bateu com o do menino, o que eu posso fazer?
  - Tentar ser mais amigável...?
  - Definitivamente não. – Ela diz tombando a cabeça para trás. – Mas, sabe? Eu acho que não sou a única que não gosta dele aqui.
  , que, até então, estava sentado em uma das poltronas verde escuras mexendo em uma sacola que ele havia trazido, levanta a cabeça e nos encara com as sobrancelhas erguidas:
  - Nisso você está certa, .
  Eu não teria razão para perguntar o porquê dele não gostar de . já havia deixado isso bem claro.
  Suspiro e faço o mesmo movimento que fez segundos antes me jogando para trás:
  - Bom. – da um pulo no sofá. – Eu to começando a achar que o veio aqui pra falar com você á sós, então eu vou lá ver o que vamos comer no jantar. – Ela diz e levanta saindo da sala, mas não sem antes passar por e bagunçar todo o cabelo dele.
  - Ela realmente não tem jeito. – Ele diz sorrindo e sentando no lugar aos meus pés onde antes ocupava.
  Rio concordando e minha curiosidade fala mais alto:
  - O que tem na sacola?
   me olha sorrindo de lado:
  - Bom, como me falou que você estava doente, eu pensei que você ficaria com algum tempo ocioso, então, como eu soube que você gosta de ler, trouxe um livro pra você. – Ele explica e me entrega a sacola.
  Acho que meus olhos brilham, pois ele ri quando eu praticamente agarro a sacola e tiro o livro de dentro dela>
  - “Pequenos poemas de Shakespeare”? – Pergunto lendo o nome do livro.
  - É... – Ele passa a mão na nuca. - Eu não sei se você gosta, mas, se não gostar, tudo bem. Eu posso trazer outro e...
  - Não, eu gosto sim, mas você já leu? – Pergunto e ele sorri assentindo.
  - Sim, é o único livro humano que eu já li.
  Folheio o livro e acho um poema marcado com marcador verde fluorescente:
  - O que é isso?
  Ele se estica para olhar sobre o que eu estava perguntando e enrubesce:
  - Ah, eu marquei esse porque é o meu poema favorito.
  Sorrio:
  - Você pode ler pra mim?
   me olha com uma expressão de divertimento, mas ainda vermelho:
  - Você não sabe ler, princesa?
  - Sei, mas queria que lesse para mim. – Digo e ele sorri fazendo um pequeno sinal de negação com a cabeça. – Ahh, por favorzinho... – Tento fazer minha melhor cara de cachorrinho perdido e ele me encara por alguns segundos.
  - Tudo bem. – Ele finalmente cede e comemoro entregando a ele o livro marcado na página do pequeno poema de apenas quatro linhas. limpa a garganta e encara a página amarelada por alguns segundos. Não consigo deixar de notar seus lábios se mexendo suavemente quando ele recita. – “Duvida da luz dos astros/ De que o sol tenha calor/ Duvida até da verdade/ Mas confia em meu amor.”

's P.O.V

  Eu estava totalmente ferrado.
  É, ferrado mesmo. Tecnicamente, eu estava sentado à mesa de jantar da casa da garota por quem eu estou idiotamente apaixonado - sim, eu estou - e o padrasto dela, denominado Sr. Madden, me encarava com um olhar totalmente ameaçador. De vez em quando, eu desviava meus olhos até os cabelos castanhos que tanto me encantam.
  O que eu posso dizer de ? Descobri a pouco tempo que o que eu sinto por ela é muito mais que gratidão. Fiquei realmente decepcionado quando a vi beijando , mas minhas esperanças voltaram quase que correndo quando eu mesmo quase a beijei no apartamento que ela me emprestou. Só Deus sabe o quanto eu amaldiçoei os celulares naquele momento. Ela estava tão perto e, um segundo depois, parecia tão longe:
  - , você estuda na mesma escola das meninas? – A voz da Sra. Madden faz a cena do quase beijo se dissipar rapidamente.
  - Ahn, não, eu já saí da escola.
  Eu já havia me preparado para esse tipo de pergunta, mas a que viria á seguir me pegou desprevenido:
  - Você e têm algum tipo de envolvimento amoroso? – O padrasto dela pergunta levando o garfo a boca.
  No segundo que se passou, todas as pessoas na mesa esboçaram alguma reação: Eu, simplesmente travei. Sra. Madden gritou “Theodore!” repreendendo o marido que ergue as mãos em redenção. , que estava com o que julguei ser um pedaço do assado na boca, começou á tossir incessantemente. , como a boa louca que é, começou á praticamente gargalhar. E Lauren se limitou a soltar uma risadinha.
  Esforço-me para encontrar minha voz no fundo da garganta:
  - Ahn, n-não senhor, somos apenas amigos. – Por mais que eu não queira ser só isso, completo mentalmente.
  Comemos em um silêncio constrangedor o resto do jantar. O único sinal de fala, veio na hora da sobremesa, quando e Lauren conversaram animadamente sobre o mousse de chocolate. se tornou uma grande amiga desde o dia em que caí, mesmo sendo meio (muito) maluquinha, ela é uma pessoa muito especial. E Lauren, é como uma irmã mais nova pra mim, por mais que seu aspecto físico a faça diferente da meia-irmã, a personalidade das duas é muito parecida:
  - Você veio de carro, ? – Sra. Madden pergunta. Já havíamos nos levantado da mesa e estávamos na sala de estar.
  - Não senhora, eu não dirijo. - Digo simplesmente fazendo-a me olhar curiosamente.
  - E como você se locomove?
  - Eu caminho. – Digo, pois acredito que dizer “Ah, na maioria das vezes, eu vôo por aí” não seria muito inteligente de minha parte.
  - E você veio caminhando? – Sr. Madden, que não tinha me dirigido á palavra desde a bela pergunta que havia me feito, mas mantinha um olhar satisfeito no rosto, pergunta e eu apenas assinto, pois ainda não me sinto muito seguro em trocar palavras com esse homem.
  - Está muito tarde. – olha em seu relógio de pulso imaginário. – Mesmo não sendo uma garotinha indefesa, não seria bom deixar ir sozinho para casa, não é ? – Ela me lança um olhar significativo que entendo imediatamente.
  - Claro, eu odiaria ter de ir sozinho pra casa, eu poderia ser atacado por...
  - Uma ninfomaníaca... – Todos encaram . - Ou um ladrão, não é?
  Vejo a mãe e o padrasto de se entreolharem:
  - Bom, acho que não seria problema se levasse você, não é mesmo? – Sra. Madden me lança um sorriso caloroso.
  Antes de eu poder responder, passa e me puxa em direção ao hall:
  - Não, não seria. – Ela diz. Só tenho tempo de acenar para a família dela e para .
  Assim que cruzamos as grandes portas da entrada, um vento frio nos atinge me fazendo arrepiar. Ainda bem que eu vim de jaqueta.
   faz um sinal para algum dos inúmeros empregados buscar seu carro:br />   - Desculpe por Theodore, é que ele acha que precisa fazer o papel de pai super-protetor e acaba exagerando. – disse enquanto esperávamos.
  O ar ainda estava úmido devido á tempestade que havia dado na noite e manhã anteriores:
  - Não, tudo bem, eu entendo que ele só queira o seu bem. – Digo e ela me encara sorrindo lindamente. – O que foi?
  - Por mais que eu estivesse tendo um ataque de tosse na hora, eu vi como você ficou vermelho e você fica fofinho vermelho.
  De repente a fonte que ficava ali perto se tornou tão interessante, mesmo assim, ainda pude sentir minhas bochechas arderem. Droga, eu não poderia ser menos... Menos... Assim?
  - Não diga que eu fico fofinho, é frustrante. – Digo a mesma frase que ela disse no apartamento ontem a fazendo rir.
  Ouço um barulho de motor, mas ao envés da BMW vermelho-escura de , o homem baixinho de terno trás uma Mercedes azul celeste:
  - Cadê seu carro? – Pergunto a ela que já estava entrando no banco do motorista.
  - Foi guinchado. – A olho franzindo a testa. – Estacionei em local proibido.
  A viagem toda foi em silêncio. Não um silêncio totalmente constrangedor como o do jantar. Um silêncio confortável. Particularmente, eu sempre ficava confortável quando estava na presença de :
  - Bom, chegamos. – Ela diz parando o carro em frente ao prédio e me encarando. Minhas mãos estavam suadas, o porquê eu não sei. Olho ao redor. Ela desligou o motor. Isso é bom não é? Quer dizer que ela quer ficar mais tempo. Ou não? Ah droga, isso é tudo tão confuso.
  Observei o chaveiro em formato de flor pendurado no retrovisor fixado no teto do carro. Eu podia sentir uma brisa entrando pela janela aberta do lado do motorista:
  - ? Você ta bem? – Ela pergunta me fazendo perceber que fiquei quieto por tempo demais.
  - Ah, sim, claro. – Dou o sorriso mais confiante que tenho. Legal, , você pode fazer isso. Você está apaixonado por ela. E é possível que ela também goste de você. Mesmo você não sendo humano.
  Ótimo, agora eu estou falando comigo mesmo. Esse é um dos primeiros sintomas da loucura:
  - Tem certeza? – Ela pergunta com uma cara extremamente preocupada. Eu até teria rido se não estivesse tão nervoso.
  Assinto e sorrio:
  - Quer me levar até a porta?
  Ela levanta as sobrancelhas e dá um meio sorriso:
  - Por que você pode ser atacado por uma ninfomaníaca?
  Assinto sem conseguir deixar de rir:
  - sempre me surpreende.
  - Acredite, não só a você.
  Ela ri e não consigo deixar de notar suas mãos. Tão delicadas, com as unhas pintadas de roxo e com um anel prateado no dedo mínimo.
  Saí do meu transe e abri a porta do carro:
  - Ainda quer que eu te leve até a porta? – Ela pergunta com um sorriso travesso no rosto.
  - Só um aviso... - Digo num falso tom de ameaça. – Se eu aparecer morto, não chore em cima do meu caixão.
  Ela revirou os olhos ainda rindo e tirou a chave da ignição, abriu a porta e saiu do carro se juntando a mim.
  Fomos em silêncio pelo elevador até o terceiro andar. O caminho pelo corredor até o apartamento de número seis pareceu tão curto. Eu queria que ela ficasse mais tempo, mas eu realmente fiquei sem nenhum assunto interessante para falar:
  - Bom, parece que estou entregue. – Digo sem ânimo nenhum. A olho e fico parcialmente feliz quando ela parece igualmente desanimada.
  - É... , eu não quero ir. – ISSO! Não tenho palavras pra expressar a minha felicidade por ela ter dito isso, mas me contenho a um sorriso.
  - Então fique.
  - O problema é que eu tenho que ir. – Ela faz uma cara emburrada.
  - Cadê seu celular? – Pergunto só para checar.
   me olha confusa:
  - Ficou no carro, por quê?
  - Por nada...
  Okay. Coragem. O pior que pode acontecer é ela te empurrar e não ser mais sua amiga. Deus que me ajude.
  Me aproximei devagar e retirei a mecha de cabelo que escondia parcialmente seu olho esquerdo. Ah meu Deus eu nunca fiz isso antes. Digamos que, no céu, anjos não beijam outros anjos.
  Desci minha mão pela manga do casaco dela e –finalmente- segurei sua mão. Estavam geladas. Presumo que seja pela baixa temperatura.
  Eu simplesmente a beijo. Não sei dizer ao certo se é um beijo, mas nossos lábios ficam selados por um bom tempo. Não estávamos encostados um no outro. Bem, na verdade, nossos corpos estavam á milímetros de distância, mas só nossos lábios e nossas mãos estavam realmente encostados. Bem, é o primeiro beijo da minha vida toda. E agora eu me pergunto: Como eu pude viver tanto tempo sem isso? Quer dizer, sentir meus lábios nos de foi, tipo, UOU! Só Deus sabe o quanto eu gostei disso.
  Nos separamos, por que não tem como beijar e respirar ao mesmo tempo e nós dois precisávamos do maldito oxigênio.
  Mesmo com nossas testas ainda coladas ouso abrir os olhos. Espera. Ela está sorrindo! Tipo, sorrindo mesmo:
  - Não podia deixar você ir sem antes fazer isso. – Explico e ela abre os olhos me encarando.
  - E eu não posso ir embora sem antes fazer isso. – E, sem nem me dar tempo para pensar, ela larga minha mão e passa os dois braços por meu pescoço juntando nossos lábios novamente. Bem, eu não sabia exatamente o que fazer com os meus braços, então, quase como um movimento natural, passei-os por sua cintura trazendo-a ainda para mais perto. Sorrio entre o beijo quando a sinto fazer um leve carinho em minha nuca me deixando totalmente arrepiado.
  Diferente do primeiro, esse beijo é bem mais molhado. Talvez porque, além de lábios, também envolva línguas. Mas, como tudo o que é bom dura pouco, esse beijo dura bem menos que o primeiro, pois, presumo eu, contém uma falta de ar maior.
  Nos separamos, mas antes de nos afastarmos definitivamente ela me dá mais dois breves beijos que duram mais ou menos um segundo cada um.
  Não consigo deixar de sorrir:
  - Quer que eu te leve até o carro? – Pergunto.
  - Se for pra nos despedirmos assim lá também, eu aceito. – Ela gargalha e a acompanho. – Não, mas, agora eu tenho mesmo que ir, senão Theodore vai vir ver se quem foi atacada não fui eu.
  - Tudo bem. – Suspiro. – Até amanhã, princesa.
  Ela sorri. Pra falar a verdade, eu sempre soube que ela gostava de ser chamada assim. O que ficou ainda mais claro na breve discussão que tivemos ontem mesmo:
  - Até amanhã.
  Solto-a - relutantemente, diga-se de passagem - e fico observando enquanto ela anda em passos lentos até o elevador. A última coisa que fica gravada na minha memória quando a porta se fecha é ela sorrindo pra mim.
  Não consigo deixar de sorrir também. Abro a porta e fecho-a depois de ter entrado. Vou direto para o quarto e, com a roupa do corpo mesmo me jogo na cama. Eu realmente não consigo deixar de sorrir. Minhas bochechas estão começando á doer, mas dane-se, eu estou feliz.

Notícias

  ’s P.O.V.

  Depois que cheguei em casa, não estava mais lá. Nem pra me esperar pra se despedir... Mas eu realmente não consegui tirar da cabeça os beijos com . O primeiro foi totalmente engraçado, por que, bem, eu sabia que ele nunca tinha beijado ninguém, mas foi totalmente especial pelo mesmo motivo. O primeiro beijo dele foi comigo. Não sei se anjos pegam gripe, espero que não. Ainda assim, eu não conseguia conter minha felicidade.
  Já é de manhã e, bem, eu já me sinto parcialmente melhor em relação a gripe, então decido ir á escola. Não posso perder muitas matérias de qualquer jeito.
  Desço e tomo o café da manhã calmamente. Pego o carro de minha mãe emprestado novamente e vou direto para a escola:
  - Finalmente, hein, achei que eu iria ter que copiar tudo o que os professores passassem só para levar pra você. – me recebe no portão da escola com o mau humor de todas as manhãs.
  - Claro, até por que é um grande sacrifício copiar o que é para se copiar. – Retruco.
  Ela simplesmente revira os olhos e agarra meu braço fazendo-me a acompanhar até o interior do prédio.

  - Finalmente! A última aula de uma sexta-feira. – suspira sentada ao meu lado na aula de química. – É a minha favorita.
  - É a única aula que você gosta, na verdade.
  O tempo de aula havia começado há cinco minutos e o Sr. Hemmings ainda não havia entrado. Estranho. A coisa que ele mais preza é a pontualidade:
  - Não acha que o professor está demorando? – Pergunto para que, a essa altura, já estava debruçada na mesa.
  - Querida, pensa comigo, se ele se atrasa, é menos tempo de aula. Automaticamente é menos pra gente copiar do quadro.
  Ignoro o grande raciocínio de . Há alguma coisa errada. Posso sentir. Um arrepio percorre minha espinha no mesmo momento que o professor entra na sala:
  - Srta. ? – Ele me chama. Levanto minha cabeça para olhá-lo e meu coração dispara. Seu rosto está carregado de... Pena? – Poderia me acompanhar?
  Troco um olhar com Cistal, que se endireita na cadeira em estado de alerta:
  - Por quê? – Ela pergunta no meu lugar.
  - Assuntos familiares Srta. . – Franzo a testa. O que poderia ter acontecido com minha família? - Poderia me acompanhar? – Ele repete e assinto levemente me levantando.
  Andamos pelos corredores vazios da escola em total silêncio comigo uns passos atrás do professor até chegarmos à sala do diretor.
  Sr. Hemmings deu três batidas na porta e, depois de uma concessão do diretor, abriu-a.
  O diretor, um homem meio atarracado, me encarou com o mesmo semblante de pena que meu professor e eu não aguentava que me olhassem assim:
  - O que foi? – Pergunto por impulso mesmo sabendo que, se eu não escolher bem minhas palavras, posso me dar mal, pois, mesmo que eu não venha muito a diretoria, esse homem não tem uma fama de paciente.
  Mas, por incrível que pareça, o diretor apenas se levantou e saiu de trás de sua mesa de mogno, deixando á mostra os botões de sua camisa social quase explodindo por conta da proeminência dianteira.
  Ele parou em minha frente e suspirou trocando um olha com Sr. Hemmings. Fiz o mesmo, alternando meu olhar entre os dois:
  - Aconteceu algo? – Insisto e o diretor pousa uma das mãos em meu ombro.
  - Sinto muitíssimo, Srta. , houve uma explosão na sua casa. – Franzo a testa. - Sua mãe está no hospital, mas sua irmã, seu padrasto e os empregados que estavam na casa... Faleceram.
  Não compreendi a notícia na hora, mas não importava como eu organizasse as palavras ditas na minha cabeça, o resultado era sempre o mesmo.
  Perco a fala. Sinto minhas pernas fraquejarem e a última coisa que sinto antes de tudo escurecer, são dois braços me segurando para eu não cair.

  Acordo, mas mantenho minhas pálpebras fechadas para não ter que encarar a luz do lugar em que eu estava:
  - Ela já devia ter acordado, não é? – Reconheço a voz de ecoando nas paredes do cômodo.
  - Eu odeio dizer isso, mas concordo com ele.
  - Senhores, por favor, se acalmem, receber uma notícia dessas não faz bem a ninguém.
  - A enfermeira tem razão, vamos sentar e esperar. – Ouço um coro de suspiros. Depois de um tempo abro os olhos, mas cubro-os com a mão logo em seguida, me arrependendo do ato. – Olhem, acho que ela acordou.
  O ar em torno de mim muda ligeiramente, consigo abrir os olhos e encarar as três figuras que bloquearam a luz:
  - ? Como se sente? – é a primeira a se manifestar.
  - Ah, por favor, deixem-na respirar! – A cabeça de uma mulher mais velha com os cabelos ruivos presos em um coque aparece no meu campo de visão fazendo , e se afastarem do catre em que eu me encontrava. Consigo olhar ao redor e reconheço o quarto da enfermaria do colégio.
  Então tudo vem com um baque. Parece que a mão do diretor ainda está pousada em meu ombro e as palavras ainda estão saindo lentamente da boca do mesmo.
  Fecho meus olhos com força e sinto os mesmos lacrimejarem:
  - É verdade?
   vem até mim e pergunta com certa cautela:
  - Sobre sua família? – Assinto. Ela baixa os olhos. – Sinto muito, é verdade.
  Sinto uma mão quente passar por onde as lágrimas já escorriam e encaro dois grandes olhos verdes:
  - Vai ficar tudo bem, Letty, nós estamos aqui, sua mãe ainda está viva e você ainda tem a gente.
  Levanto num pulo, o que faz com que minha visão escureça por alguns segundos:
  - Minha mãe. – Ponho os pés para fora do catre. – Tenho que vê-la.
  Levanto e vou em direção á minha mochila – que provavelmente havia arrumado e trazido - para pegar a chave do carro, mas sou barrada por um ser loiro:
  - Primeiro, você só vai se estiver se sentindo bem e segundo, provavelmente você nem vai conseguir vê-la, ela não está podendo receber visitas.
  Encaro-o e percebo seus olhos levemente vermelhos. Não tenho dúvidas de que ele havia chorado. Principalmente por Lauren. Eu sabia que ela tão irmã dele quanto minha:
  - Estou bem, fisicamente, mas como assim ela não está podendo receber visitas? Achei que ela estivesse bem.
  Alterno o olhar entre os três que estavam na sala, pois a enfermeira saiu um pouco depois de mandá-los se afastar de mim:
  - Ahn, eu e fomos até o hospital assim que o horário de aula acabou. – explica trocando um olhar nervoso com .
  - E...?
  - Sra. Madden ainda corre risco de vida.
  - E você diz isso assim? – Passo por ele bruscamente e pego as chaves na mochila. – Vamos logo.
  Antes que eu possa cruzar a porta, me segura pelos pulsos:
  - Hey, hey, hey, calma, ta legal? Você não vai dirigir desse jeito. – Reviro os olhos e tento me soltar, mas é em vão.
  - ou podem dirigir, mas, por favor, me levem até o hospital. – Peço e novas lágrimas formadas em meus olhos só com o pensamento de poder perder minha mãe também.
   troca outro olhar com , me solta e pega minha mochila do chão saindo da sala
  Vou atrás sem hesitar.

  - Como assim não posso entrar? Ela é minha mãe! – Havíamos chegado ao hospital em menos de vinte minutos, nós quatro estávamos debruçados no balcão e eu estava discutindo com a recepcionista.
  A mulher que aparentava uns cinquenta anos me olhou com uma cara de tédio:
  - Lamento, senhorita, não posso fazer nada.
  - Tem que haver um jeito, ela é minha mãe! – Repito. A mulher simplesmente me olha com as sobrancelhas arqueadas e volta seu olhar para a tela do computador.
  Suspiro frustrada e passo a mão pelo rosto:
  - Escuta aqui, querida, – da um tapa na superfície do balcão atraindo alguns olhares. – Essa menina... – Ele aponta pra mim. – Estava de boas no colégio, quando, por um terrível golpe do destino ou algo assim, ela recebeu a notícia que a casa dela, onde ela praticamente cresceu, explodiu e meia-irmã e o padrasto morreram nessa explosão. Essa menina... – Ele aponta novamente pra mim. – Ficou quase quatro horas desmaiada num bagulho que eu não lembro o nome, mas era visivelmente desconfortável, por conta do choque da notícia. E nós quatro dirigimos vinte minutos, repetindo, vinte minutos! Você sabe o que uma pessoa pode fazer de útil em vinte minutos? Pois é. Nós não dirigimos tudo isso pra chegar aqui e uma mulher com cara de sapo dissecado dizer que simplesmente não pode fazer nada pra ajudar minha amiga á ver a mãe dela.
  Eu, e encarávamos totalmente assustados. Ele nunca falou com ninguém daquele jeito. Pelo menos eu nunca o vi falando assim com ninguém.
  A mulher o encarava com uma raiva tão grande, que até deu medo. Ela levantou o dedo que continha uma unha pontuda pintada de um cor-de-rosa totalmente estranho e apontou para .
  - Não me chame de “querida”, não tem intimidade pra me chamar assim e eu não ganho pra ficar aturando moleques como você alterarem o tom pra mim. – Ela voltou á sua posição inicial e a encarou incrédulo.
  - A senhora realmente não vai fazer nada?
  - Não.
  Depois de um coro de suspiros frustrados, decidimos sentar na sala de espera e fazer o que se faz nas salas de espera: esperar. sentou ao meu lado e por instinto, entrelacei nossas mãos. O resto do tempo que se passou, eu fiquei observando e pensando o que o fez agir daquele jeito. Até o momento em que ele da um pulo na cadeira:
  - Tive uma ideia. – Ele anuncia e faz um sinal para que cheguemos mais perto. Assim que o fazemos, ele desanda á falar.

Hospital

  - Isso nunca vai dar certo.
  - Vai sim, veste isso. – me estende uma muda de roupas brancas. Onde ele arrumou aquilo, eu não sei.
   levou uns três minutos para explicar todo o “grande plano” dele. Ele disse que seria simples: Eu me vestiria de enfermeira, descobriria o quarto da minha mãe e a visitaria. Simples só porque não era ele que teria que executar tudo.
  No momento, nós estávamos escondidos em uma sala que servia de depósito. Agradeci mentalmente por ninguém ter nos visto entrar:
  - E se pegarem ela? – pergunta com uma das sobrancelhas arqueadas. Antes mesmo que começasse á explicar o tal plano, ela já não havia gostado.
  - Não vão. – Ele diz e o encaro. – Mas, se por acaso for, pode dizer que a ideia foi minha.
  Por um lado, eu estava totalmente grata por ele ter tido alguma ideia. Por mais que parecesse loucura, poderia funcionar e eu veria minha mãe. Por outro lado, eu acho que não saberia o que dizer á ela. “Sinto muito” parece tão ridículo. Por mais que eu realmente sinta, não há necessidade de dizer:
  - Sabe que não vou fazer isso. – Digo e começo á vestir o uniforme por cima da minha roupa mesmo, já que era uns dois números maior que o meu.
  Olho para , que observava tudo com um semblante divertido, mas ainda não havia se pronunciado á respeito do plano:
  - O que foi? – Pergunto e ele dá um sorrisinho.
  - Acha mesmo que isso vai dar certo?
  - Talvez. – Suspiro. – Se não der, nós seremos pegos.
   riu
  - Na verdade, quem será pega é você, nós só vamos assumir a culpa pra não ficarmos com peso na consciência.
  Reviro os olhos e termino de colocar o jaleco:
  - Me desejem sorte. – Falo, mas os três apenas me encaram. Saio da sala e sigo as placas que indicam o caminho á ala de UTI.
  Alguns médicos me cumprimentam e outros me olham torto. Passo por alguns pacientes que andavam acompanhados de um suporte com rodinhas que levava um pacote de soro pendurado. Atravesso duas grandes portas brancas e me encontro em um corredor bem menos movimentado que o anterior. As portas tinham nomes, o que facilitaria o trabalho de achar minha mãe. Passo por várias portas, analisando o nome.
  Georgia Rose Madden. Quarto 319.
  Respiro fundo e abro um pouco a porta. O quarto está vazio á não ser por um sofá, um criado mudo e a cama onde uma mulher está deitada. Não pode ser minha mãe. Adentro o quarto depois de checar se não há nenhum médico no cômodo.
  As paredes são de um tom bem claro de azul. Não pude deixar de lembrar do dia em que quebrei o pé andando de bicicleta e fui trazida pra esse mesmo hospital. Eu devia ter uns sete anos.
  - Por que esse lugar é tão sem graça, mamãe? – Eu perguntara enquanto ela acariciava meus cabelos.
  - É um hospital, meu amor, tem que ser assim.
  - Se eu fosse dona desse lugar, pintaria todas as paredes de roxo e amarelo. São minhas cores favoritas.
  - Não duvido que você realmente faria isso. – Ela ri e acaricia meu rosto dessa vez me olhando com o olhar mais terno que eu já vira em seu rosto.
  E eu sorri. Por mais que meu pequeno pé estivesse doendo, eu sorri. Acabei descobrindo que, se você não conhece a dor, você não conhece a vida.

  Senti algo quente na minha bochecha esquerda e percebi uma lágrima rolando por ali.
  Tomei coragem e me aproximei mais da cama. Observei seu rosto parcialmente queimado devido á explosão. Seguro sua mão fazendo-a se mexer e abrir os olhos.
  Mas, como? Quero dizer, ela deveria estar totalmente desacordada, afinal, estava na UTI.
  - Mãe? Como se sente?
  - Querida... – Sua voz sai como um sussurro forçado.
  - Não precisa falar nada, mãe, só vim ver se estava bem.
  - Querida... – Ela repete. – Você tem que saber...
  Franzo a testa. Do que ela estava falando?
  - Saber?
  - Eu sei. Sei... Quem fez isso.
  Arregalo os olhos:
  - O quê? Como você pode saber? – Pergunto. – Você viu alguém?
  - Não... Mas... Não confie em Tyler. Ele não é um homem bom e vai querer te recrutar, , você tem que fugir. – Disse suplicante e apertou minha mão fortemente. Eu ainda processava as palavras que saíram de sua boca. Meu pai? Me recrutar? Eu estava realmente muito confusa.
  - Mas mãe, como assim?
  Os aparelhos, que antes estavam normais, começaram á apitar ligeiramente mais rápido:
  - e saberão o que fazer. – Ela começa a respirar forçadamente. – Diga a eles que Tyler tem o diamante e eles saberão o que fazer...
  - e ? Diamante? Mãe, o que eu vou fazer? – Grito, pois os aparelhos já apitam descontroladamente. As lágrimas praticamente jorram de meus olhos.
  - Eu amo muito você, minha querida.
  - Não! Mãe, por favor!
  A porta se abre com um estrondo e dois médicos entram e um deles me segura, arrastando-me para fora enquanto o outro tenta estabelecer o estado de minha mãe:
  - Mãe!
  Consigo me soltar e correr de volta para perto da cama a tempo de ouvir a voz de minha mãe:
  - Só mais uma coisa, querida... Não confie no seu pai.
  Depois disso eu fui praticamente jogada para fora do quarto e vários outros médicos entraram lá.
  Andei de volta a recepção com dificuldade devido aos olhos embaçados:
  - ? – Ouço a voz de , mas continuo olhando para o chão e andando em direção á saída. - o que aconteceu? – Ele para em minha frente. Encaro-o e o abraço que me abraça de volta. – Está tudo bem?
  - Eu não sei.
   me solta e me olha preocupado. aparece por trás dele e me encara da mesma forma:
  - O que aconteceu?
  - Eu não sei. – Digo apenas. Minha cabeça ainda está dando voltas e mais voltas. Será que minha mãe está bem?
  - Você falou com sua mãe? – pergunta.
  Assinto e olho ao redor lentamente. Sinto como se meu cérebro estivesse parando ou algo do tipo. Consigo lembrar de tudo o que minha mãe disse, mas suas últimas palavras ficaram gravadas frescamente em minha cabeça. Não confie no seu pai. Mas, por quê? Não confie no seu pai. O que meu pai poderia ser? O que meu pai poderia ter feito? As lembranças que tenho dele são tão amáveis e carinhosas que não consigo imaginá-lo fazendo mal algum á ninguém. Não confie no seu pai:
  - ... ! – sacode levemente meu ombro fazendo-me encarar as duas figuras á minha frente.
  - O quê?
  - O que acha de sentar um pouco? – pega minha mão e me guia até uma das cadeiras que estávamos sentados antes, mas o paro.
  - Cadê a ?
  - A mãe dela ligou. Ela explicou o que aconteceu, mas a Sra. a mandou ir pra casa. – explica. – Ela disse que era pra você ligar assim que saíssemos daqui.
  - Okay, então vamos.
   me olha com as sobrancelhas levantadas
  - Pra onde?
  - Pra casa do meu pai.
  - Pra que você que ir lá?
  Suspiro pesadamente:
  - Minha mãe me disse que não posso confiar nele e quero saber por que. – Os dois me olham preocupadamente. – Vai dar tudo certo, vamos?
  Saímos do hospital em sem falar nada e continuamos assim até metade do caminho, quando pergunta do banco de trás:
  - O que sua mãe falou pra você ficar assim?
  - Eu... Ela falou sobre mim não confiar no meu pai... Porque ele vai querer me “recrutar”. Disse que era pra eu fugir.
   me olha do banco do passageiro arregalando os olhos e da um pulo e mete a cabeça entre os bancos da frente:
  - Então, sua mãe disse pra você fugir do seu pai e você está indo encontrar com ele? – Ele pergunta me olhando como se eu tivesse algum problema mental. – Nunca pensei que você fosse tão inteligente assim, . – Ele diz ironicamente.
  Reviro os olhos e volto a prestar atenção na estrada que está muito escura. Em poucos minutos estaciono em frente á não muito grande casa cor de céu do meu pai:
  - Sua mãe não disse mais nada? – pergunta antes de sair do carro.
  Suspiro olhando para os dois:
  - Ela falou que você dois saberiam o que fazer. – Saio do carro e ando pela pequena trilha de tijolinhos que havia na entrada sendo acompanhada pelos dois. Subo os três degraus e toco a campainha, quando me lembro. – Ela também mandou eu dizer que “meu pai tem o diamante”. O que isso significa, eu nã...
  - Droga. Temos que sair daqui. – mantém uma expressão de pânico. A mesma que encontro em quando o vejo.
  Os dois começam a se afastar da casa me puxando junto, mas os solto:
  - , vamos! – fala meio desesperado.
  - O que está acontecendo?
  Antes que um dos dois possa responder, ouço a porta se abrir as minhas costas e um tiro é disparado na nossa direção.

Verdades

  Demoro um segundo para me virar e ver meu pai com um revólver apontado em nossa direção:
  - Pai? O que você está fazendo?
  Seu rosto era pura raiva. Eu realmente nunca o vi assim:
  - Saia de perto dessas coisas , agora! – Ele aponta com o revólver para e Diminick.
  - Coisas?
  Ele vem em minha direção e segura meu pulso, ficando entre mim e os dois:
  - Vão embora, ou eu explodo a cabeça de vocês.
  Rapidamente, me solto e fico em frente á eles:
  - Não. Pai, eles são meus amigos!
  Ele me olha com nojo:
  - “Amigos”? Então é isso? Já assumiu seu papel como uma dessas coisas também?
  Arregalo os olhos:
  - Como assim?
  Meu pai solta um riso de deboche:
  - Percebo que sua mãe não te contou muita coisa. - Ele suspira dramaticamente. – Lamento ter que matar você e seus amiguinhos, . É um talento desperdiçado. Você seria tão boa se fizesse o que eu faço.
  - E o que você faz? – Pergunto com o maxilar travado.
  - Caça anjos. – sussurra antes que meu pai possa responder.
  Tyler levanta as sobrancelhas:
  - Nossa, estou impressionado em como você pode ser inteligente, mesmo sendo essa criatura desprezível.
  Percebo dando pequenos passos tão lentos que são quase imperceptíveis. Eu estou suando frio e a expressão no rosto do homem que eu considerava meu pai muda rapidamente de enojada para totalmente raivosa:
  - Você não deveria ficar ao lado deles. Sabe o que eles são?
  Não pude deixar de ficar confusa. era um anjo, eu sabia disso e me perguntava como Tyler também poderia saber, mas e ? Quando ele disse “coisas”, se referiu aos dois, mas é humano. Não entendo o que ele pode ter haver com isso tudo:
  - Sei. E não entendo porque quer matá-los.
  - A Terra precisa ser limpa de anjos e nephilins. – Ele segura a arma com mais firmeza. – Esse é o meu trabalho, como disse seu amigo anjo. Eu caço qualquer criatura com sangue angelical e as mato.
  Uma dúvida ainda se passava por minha mente:
  - Então porque você quer me matar?
  Ele dá um risinho e inclina a cabeça levemente para a esquerda:
  - Foi o que eu disse, querida, eu limpo a Terra de anjos, e de nephilins.
  O segundo seguinte passou como um raio. Tyler estava com o dedo no gatilho, pronto para atirar, quando se jogou pra cima dele e conseguiu lançar o revólver longe. Senti um braço passar por minha cintura e me puxar rapidamente me jogando no banco de trás do meu carro:
  - Fique aqui, entendeu? – pergunta me olhando seriamente. Assinto e ele bate a porta.
  Tento olhar pela janela, mas ela está embaçada. Vejo apenas alguns vultos e, depois de um tempo escuto um disparo. me mandou ficar no carro, mas e se eu puder fazer algo para ajudar?
  Abro a porta, mas antes mesmo que eu possa sair, me empurra de novo para dentro e entra no banco da frente. senta no banco do motorista e sai cantando pneu:
  - O que houve? Eu ouvi um tiro. – Pergunto com um tom desesperado que, mesmo que eu não queira, acabo deixando transparecer.
  - Tudo bem, foi só de raspão. – Olho para o antebraço de que sangra manchando a manga da camisa branca.
  Quando nossas respirações se acalmam e estamos á uma distância segura da casa de meu pai, vira pra mim com um olhar acusador:
  - Por que não falou sobre o diamante antes?
  - Faria alguma diferença?
  - Claro que sim, teríamos descoberto que seu pai, na verdade, era um caçador sedento por sangue. – Ele fala alto. – Pelo nosso sangue!
  - O que esse tal diamante tem haver com isso?
  - Sua mãe não quis dizer um diamante. – Ele fala respirando fundo visivelmente irritado. - Foi como um código, diamante é o único material que pode matar seres com sangue angelical. Se perfurar a pele, queima e corrói. Do que você acha que eram feitas as balas que estavam na arma daquele cara?!
  - Por que você ta falando desse jeito comigo? – Falo alto também.
  - Porque, eu não sei se você percebeu, mas aquele cara ia matar você! – Ele grita e vira pra frente encarando a estrada.
  Reviro os olhos:
  - Vocês poderiam parar de gritar? – se pronuncia. - Onde você vai ficar, ?
  Penso. Minha casa está destruída. Eu teria que arrumar um local provisório para morar:
  - Sua casa é muito longe da escola, ? – Pergunto ficando entre os dois bancos da frente, mas antes que ele possa responder.
   me encara.
  - Você tem um apartamento, pode ficar lá. – Ele suspira. – E, provavelmente, Tyler virá atrás de nós com um grupo bem maior. Temos que fugir.
  - Um grupo?
  - Sim, não acha que seu pai mataria um de nós sozinho, acha?
  Lembro-me dos dois jovens que encontrei com Tyler no dia que fui até o apartamento. Lembro-me também de ter tido a impressão que a garota morena possuía um revólver na cintura. Agora, eu tinha certeza que aqueles dois faziam parte do tal grupo:
  - Nós?
  - Está mais do que claro que você é uma nephilim, , assim como eu... – diz e abaixa a cabeça ainda olhando a estrada.
  - É mesmo, pode me explicar isso? Como assim você é um nephilim?
  Ele dá de ombros:
  - Não sou um nephilim de primeiro grau. Meu bisavô era um anjo caído, mas continuo tendo sangue angelical.
  - E você sabia? – Pergunto cutucando o ombro de .
  - Sim, assim como sabia que eu sou um anjo.
  Fico quieta o caminho todo. Quando chegamos à casa de , ele salta dizendo que poderia cuidar do machucado sozinho e assumo a direção, dirigindo até o meu apartamento.
  Subimos em silêncio. estava visivelmente chateado. Seus ombros estavam caídos e seus olhos encararam o chão do corredor até entrarmos no apartamento.
  Deixo as chaves do carro em cima da mesinha ao lado da porta e seguro sua mão fazendo-o se virar, mas ele não me olhou nos olhos:
  - Desculpe por não ter falado sobre o tal código da minha mãe antes, eu realmente poderia ter evitado tudo isso. – Suspiro. – Eu só... Eu não sei, acho que ainda estava processando tudo o que aconteceu. Meu padrasto, minha irmã, minha mãe naquele hospital. Aconteceu tudo muito rápido e eu...
  - Tudo bem, princesa, eu também peço desculpas. Não deveria ter gritado com você. – Ele se aproxima e finalmente me olha nos olhos. – Mas, só de pensar na possibilidade daquele cara que se diz seu pai machucar você de alguma forma, eu não fiquei muito feliz.
  Permito-me sorrir. me puxa pela cintura me beijando. Confesso que me arrepiei ao sentir nossos lábios juntos novamente. Ele passava as mãos por minhas costas e eu arranhava sua nuca.
  Depois de um tempo ele nos separa e sorri:
  - Você dorme no quarto e eu durmo no sofá, okay?
  - Sério? – Digo com uma pontada de decepção.
   me olha com divertimento:
  - Por quê? Tem medo de dormir sozinha?
  Sorrio sem mostrar os dentes:
  - Talvez...
  Ele sorri também e vai até o quarto sem falar nada, voltando com uma regata masculina verde e uma calça de moletom também masculina cinza:
  - Pode vestir isso, vai ficar meio grande, mas acho que é mais confortável pra dormir que essa sua roupa.
  Pego a muda de roupa e vou até o banheiro. Tomo a liberdade de tomar um banho e me troco. estava certo, a regata fica como uma camisola e a calça de moletom chega á arrastar no chão. Deixo a roupa que eu estava usando dobrada em cima do sofá e vou até o quarto encontrando usando apenas uma calça igual a que eu estava usando, porém preta, dormindo serenamente.
  Sorrio e apago a luz. Assim que deito de costas pra ele, me puxa pra mais perto e abraça minha cintura.
  Ele resmunga alguma coisa sem sentido e eu acabo adormecendo sentindo sua respiração na minha nuca.

Itália?

  Me amaldiçoo mentalmente por não ter fechado a cortina do quarto quando sinto a luz do sol bater diretamente no meu rosto.
  Passo o braço pela cama a procura de , mas estou sozinha. Onde ele pode ter ido?
  Escuto vozes vindo da sala e me levanto indo até lá em passos lentos. A primeira pessoa que avisto é , com um curativo visível em seu braço:
  - Louco, ainda não consigo acreditar que é filha dele.
  - Ah, se eu estivesse lá, aquele cara não teria saído ileso. – Sorrio com o comentário de que logo me vê. – Ah, bom dia, senhorita.
   me olha e adentro mais a sala, encontrando sentado no sofá vestido exatamente como dormiu:
  - Bom dia. – Respondo e sento-me em uma das poltronas. – Estavam contando a ela sobre ontem à noite?
  Os dois assentem:
  - E ela estava aqui fazendo drama por ter ido pra casa e perdido toda a ação. – ri.
   se finge de ofendida, mas logo sua expressão muda para preocupada:
  - E como foi com sua mãe?
  Mexo-me meio desconfortável. Eu tinha que voltar lá e ver se minha mãe havia melhorado:
  - Foi perturbador, vou lá no hospital hoje á tarde novamente.
  - Pra quê? Pra aquela tia esquisita dizer que você não pode entrar? – pergunta com as sobrancelhas arqueadas.
  - Só preciso saber como ela está.
  Um silêncio se instala no cômodo até suspirar atraindo a atenção de nós três:
  - Bom, se esse cara virá atrás de você, terá que fugir, certo? – Ela pergunta e eu assinto. – Algum lugar em mente?
  , que em algum momento havia começado a roer as unhas e andar pra lá e pra cá, senta na poltrona ao meu lado, mas continua inquieto:
  - Tenho alguns amigos na Itália, poderíamos ir pra lá.
  Arregalo os olhos:
  - Itália?
  - Se for pra fugir, que seja pra longe. – fala. – Tyler vai demorar para conseguir nos rastrear.
  - Espera aí, ele pode fazer isso? – Pergunto confusa. assente. – Como?
  - Caçadores não são apenas humanos que decidiram caçar anjos, , são pessoas que nascem com esse dom. Eles sabem como descobrir se passamos por um lugar, sentem nossa presença ali, mesmo que já tenhamos saído á um tempo. – explica e assinto compreendendo.
  - Bom, vou comunicar minha mãe que vou passar as férias na Itália, falo com vocês depois. – sai rapidamente, me deixando sozinha com os dois.
  Fiquei encarando a mesinha de centro da sala por um tempo. Depois que mencionou sobre irmos pra Itália, lembrei que a irmã da minha mãe havia se mudado para lá á um tempo. Eu devia ter uns nove ou dez anos quando tia Liz anunciou que se mudaria junto com seu filho e seu marido.
   acabou saindo dizendo que iria comprar as passagens pela internet, me deixando sozinha com novamente.
  Não tenho ideia de quanto tempo ficamos ali, parados, estaríamos totalmente quietos se não fosse pelo som das nossas respirações:
  - Sabe o que eu nunca entendi? – Ele pergunta cortando o silêncio e olho para ele com as sobrancelhas arqueadas estimulando-o a continuar. – Se o sobrenome da sua mãe é Madden, por que o seu é ?
  Solto um suspiro cansado. Ei já havia explicado isso tantas vezes na escola:
  - Quando eu nasci ela ainda era casada com Tyler e o sobrenome deles era . Então eu fui registrada com esse sobrenome, mas depois, ela se separou e casou com Theodore, dispensando o nome do meu pa... Do Tyler. – Corrijo-me, pois eu já estou me acostumando com o fato dele não ser o meu pai. – E adotando o sobrenome de Theo.
  Ele assente compreendendo. Suspiro pesadamente outra vez e me levanto:
  - Onde você vai?
  - Fazer as malas, afinal, vamos viajar, não?

***

  Dois dias depois nós quatro já estávamos em solo italiano. Não fazia muito frio nessa época do ano e o clima da província de Livorno estava até meio abafado.
  - Quem são esses seus amigos de quem você tanto fala? – Pergunto assim que terminamos de colocar as malas no táxi.
  - Vocês já vão conhecê-los.
  E o resto da viagem foi extremamente silenciosa, me incomodei com o fato do motorista não parar de encarar minhas pernas descobertas pelo vestido que ia até um pouco abaixo da metade das minhas coxas, mas, fora isso, correu tudo bem. Bem até demais.
  O táxi estacionou na frente de uma grande casa. Dois andares, no estilo vitoriano, a casa parecia poder abrigar quatro pessoas á mais.
   praticamente correu para tocar a campainha e quem atendeu foi um cara que aparenta ser um pouco mais velho. Os dois se abraçam de um jeito meio... íntimo demais. Parece que são amigos á um bom tempo mesmo.
  Carregamos as malas, que não eram muitas, na verdade, já que praticamente todas as minhas roupas haviam sido perdidas na explosão. E adentramos o que julguei ser a sala. O jogo de sofá cor de vinho ficava em contraste com o tapete e as almofadas ambos brancos. Pude avistar também uma escada estreita que levava ao andar de cima e logo uma garota ruiva desceu por ali com um sorriso no rosto:
  - Finalmente ! – Ela correu para abraçá-lo. – Graças a Deus você chegou, não parava de tagarelar sobre sua estadia aqui.
  O garoto – agora nomeado - que atendeu a porta, ficou mais vermelho que um pimentão. Foi até engraçado de se ver, mas não ficou muito diferente. Realmente, agora eu estava mais do que certa que esses dois eram muito amigos.
  Depois de todas as apresentações, Diana, a garota ruiva, nos levou até onde iríamos dormir. Eu dividiria o quarto com e dividiria com :
  - Onde está ? – perguntou enquanto conversávamos sobre coisas aleatórias na sala de estar.
  - Ah, ele saiu um pouco antes de vocês chegarem, disse que queria dar uma checada na cidade. Alguns dias atrás sofremos um ataque.
  - Caçadores? – Pergunto já aflita por pensar em termos vindo para um lugar que não seria muito diferente de Jacksonville, mas Diana nega com a cabeça.
  - Cortanas. - Ela fala e franzo a testa. - Vieram em um grupo de cinco, mas acreditamos que pode ter mais delas.
  - O que, raios, é uma Cortana? – pergunta por mim.
  - É uma criança-anjo. São belíssimas, mas são tão diabólicas que destroem qualquer lugar por onde passam. – Diana assente com a breve explicação de e a porta da frente é aberta revelando um outro cara tão parecido com que julguei serem irmãos. , como se apresentou, chegou depositando um breve beijo em Diana que sorriu. Sem dúvidas eles eram um casal.
  Tudo se encaixou rapidamente. Na hora do jantar, já estávamos conversando como se todos fôssemos velhos amigos. Constatei que e eram irmãos, porém era um ano e meio mais velho. Era Diana que cozinhava e não pude reparar que, mesmo na hora do jantar, ela mantinha uma faca presa na canela, assim como os dois irmãos mantinham algumas armas por perto e bem a vista. Depois de terminarmos de comer, fomos todos para a sala, assistir á pequena televisão que havia ali.
  A campainha tocou e, segundo Diana, quem estava mais perto da porta deveria atender. Quem foi a felizarda? Eu. Obviamente.
  Assim que eu girei a maçaneta e encarei o garoto magrelo á minha frente, tive a sensação de já tê-lo visto antes, mas não sabia de onde.
  Acredito que tenha encarado-o por tempo demais e com uma cara muito confusa, pois ele deu uma risadinha tímida e abaixou a cabeça:
  - Não lembra de mim, não é? Sou , nos encontramos no estacionamento, aquele dia.

Capítulo 14

  - ? – Pergunto perplexa e ele assente. – V-você estava com Tyler, não é?
  - Sim, mas ele não está aqui. Eu vim sozinho.
  Estreito os olhos. Lembro-me que ele realmente não parecia perigoso, mas ainda assim era um caçador. Como Tyler.
  - Como vou saber que posso confiar em você?
  Antes que ele possa responder, aparece atrás de mim segurando uma pequena faca. Ele analisa de cima a baixo com um sorriso debochado:
  - Um caçador? Você é meio franzino para um caçador, não acha?
  - Para ser um caçador não é necessário ter força, se você for inteligente. – Ele rebate com as sobrancelhas arqueadas.
  - Okay, mas porque exatamente você veio e como nos achou aqui?
  - Vai me deixar entrar?
  Troco um olhar com que da de ombros:
  - Tudo bem.
  Dei um passo para o lado para que pudesse passar e foi o que ele fez, atraindo os olhares de todos ali.
   logo empunhou uma adaga que estava sobre a mesinha e segura um revólver miudinho que duvido que caiba em uma mão inteira:
  - Tudo bem. – Digo. – Ele veio em paz. Eu acho.
  - Como vou saber se ele não vai tentar nos matar?
   da um risinho e senta no sofá:
  - Bom, se um cara com apenas uma faca de aço conseguir te matar, meus pêsames.
   tira a expressão desconfiada do rosto, mas não larga a adaga:
  - Vai me responder agora? Porque está aqui e como nos achou? – Repito a pergunta que havia feito anteriormente.
   abaixa a cabeça encarando o chão:
  - É só que... Eu não concordo com os métodos do seu pai e...
  - Ele não é meu pai. – Corto-o.
  - Ah sim, eu não concordo com os métodos do Tyler. – Ele suspira. – Eu não vejo o porquê de matar anjos, nephilins nem...
  - Espera aí, deixa eu ver se entendi. – interrompe que revira os olhos. – Um caçador de anjos que não quer matar anjos?
  - Que confuso. – ri.
  - É, exatamente isso, ta legal? – eleva o tom de voz. – Eu só não quero matar ninguém sem um motivo, mas se eu precisar lutar, quero lutar ao lado de vocês.
   realmente nunca me pareceu mal. Não como Tyler, pelo menos ou como a garota que estava com eles, Jenna.
  Diana olha de cima a baixo e pigarreia:
  - Você é meio magricela para um caçador, não?
  - Não é a primeira pessoa que me diz isso. – revira os olhos e lança um olhar afiado á . – Sabe, , você precisa se camuflar mais. Tyler é ótimo com rastros de nephilins e, particularmente, o seu rastro é muito maior que o dos outros, mesmo se eu não tivesse seguido vocês até o aeroporto e visto vocês embarcarem, eu saberia logo onde você estava.
  Arregalo os olhos:
  - Você nos seguiu? E como assim meu rastro é maior que o dos outros?
  - Sim e eu não sei. Você parece ser muito poderosa.
  Agora eu estava confusa. Poderosa? Eu? só deve estar brincando com a minha cara:
  - Bom, , você vai ficar? Quero dizer ele pode ficar? – desconversa olhando para e depois encarando com as sobrancelhas arqueadas como se implorasse para expulsar dali á ponta pés.
  - Acho que tem espaço pra ele aqui, podemos colocar um colchão no quarto dos rapazes.
   engasga do meu lado:
  - O quê? Eu e vamos ter que dividir o quarto com esse cara?
  - Desculpe, , mas a casa só tem quatro quartos. – lança um olhar de desculpas a que revira os olhos.
  - Ah, ele pode ficar no meu quarto. – fala um tanto quanto baixo.
  - Não! – Levo um susto com o grito que dá. – pode ficar no nosso quarto, desde que não ronque. Boa noite pra vocês. - Ele levanta e some escadas á cima.
  Um silêncio se instala e só é preenchido com os “boa noites” vindos de Sam, Diana e que chamou pra mostrar onde era o quarto.
  Eu, e ficamos ali até levantar dando uma risadinha:
  - Bom, eu vou ver como o novo hóspede está se instalando.
  Mais uma que some pela escada.
  Tentei raciocinar tudo o que havia acontecido. Em menos de uma semana minha casa explodiu e eu perdi minha irmã e meu padrasto. Minha mãe ainda estava em estado grave no hospital e eu ainda não me perdoei por ter deixado-a lá assim, mesmo que ela mesma tenha me mandado fugir. Descobri que meu pai, que não é meu pai, é um caçador de anjos que quer matar á mim, o meu melhor amigo e o cara por que eu estou apaixonada. Eu vim para um país desconhecido sendo que eu nem ao menos sei falar italiano. E agora esse me aparece dizendo que quer lutar do nosso lado, sendo que ele deveria querer nos matar.
  É realmente muita coisa para uma semana apenas:
  - Hey. – levanta do outro sofá e senta ao meu lado passando um dos braços por meus ombros. – Vai ficar tudo bem, provavelmente Tyler não vai nos encontrar.
  - Mas, e se encontrar?
   deu um sorriso sem mostrar os dentes e, só esse ato já faz com que me sinta menos tensa:
  - Farei de tudo pra não deixar que machuquem minha princesa. – Ele sussurra.
  Não consigo deixar de sorrir também. O simples som da voz dele me deixava mais feliz:
  - Não sou tão indefesa assim.
  - Mesmo assim. – Ele beija minha têmpora e fica passando a mão sobre meu braço. – Acho que você precisa dormir, amanhã será um dia longo, você vai visitar aquela sua tia que você falou não é?
  - Sim. – Suspiro. – Ainda me lembro do endereço, acho. Ela deve saber como eu encontro meu pai.
   recua e me solta franzindo as sobrancelhas:
  - Por que quer encontrar seu pai?
  - Acho que tenho direito de ao menos saber como ele é. – O encaro e cerro os olhos. – Mas por quê? Sabe algo sobre ele?
  - Claro que não. – Ele fala e desvia o olhar deixando evidente a mentira. levanta e beija minha testa. – Boa noite.
  Acabo ficando sozinha na sala com mil coisas maquinando em minha mente. Por que ele mentiu? sabe algo sobre meu pai. Tenho quase certeza disso.
  Apago todas as luzes e subo a escada de madeira que range pela primeira vez e acabo me dando conta do quanto esse barulho deixa o clima mais sinistro.
   já estava no terceiro sono quando me deitei na outra cama que havia no quarto. Tento pregar os olhos, mas parece impossível.
  Quando finalmente consigo fechar os olhos e relaxar, consigo cair no sono. Mas não sem um pesadelo.
  Eu estava em um lugar diferente dessa vez, o calor ainda era intenso, mas eu podia ver o céu estrelado acima de minha cabeça:
  - ! – Um grito estridente cortou o ar. – , me ajude!
  Comecei a correr atrás da voz que reconheci ser de . A questão era: Pra onde eu estava correndo? Parecia que eu não saía do lugar.
  - ! Corra! – Dessa vez a voz que escuto é a de .
  Continuei correndo e parece que consegui sair de onde eu estava.
  O chão a minha frente desaba fazendo-me tropeçar em meus próprios pés para parar. Abaixo do solo o fogo e as brasas ocupam o maior espaço. Há apenas uma pequena faixa de terra. Como uma ilha.
  Abaixo-me e olho melhor. Há alguém lá. e . Os dois ajoelhados com as mãos presas atrás de seus corpos e com três crianças atrás deles. Crianças tão belas que eu não podia imaginá-las machucando ninguém:
  - , não! – grita. – É você que ele quer! Saia daqui, eles não vão nos... – Ele é interrompido quando uma das crianças empurra-o com o pé e o faz tombar pra frente e, como ele estava com as mãos amarradas, acaba batendo o rosto no chão.
  Retiro totalmente o pensamento sobre essas pestes.
  - ! – grita.
  Atrás de todos eles, em meio ao fogo, um redemoinho aparece dando vida á uma figura que não consigo ver direito. Meus olhos estão ficando totalmente embaçados. A mesma voz que eu havia ouvido no sonho do dia que fugiu, me faz arrepiar:
  - Nos encontramos novamente então?

  Diferente da primeira vez, acordo gritando desesperadamente.

Capítulo 15

  - Hey! Hey! Calma! – tentava me acalmar. Me debato por mais alguns segundos, tentando voltar totalmente à realidade.
  Abraço , que arqueja, ainda perplexa:
  - Você está bem. – Digo mais para mim mesma do que para ela. – Você está mesmo bem. Não está?
  - Claro que estou, , por que não estaria?
  Sem respondê-la, retiro os lençóis e corro até o quarto ao lado com a respiração um pouco mais calma. Abro a porta em silêncio e asseguro-me que está ali. Dormindo. Seguro. Acompanhado de na cama ao lado e de em um colchão aos pés da cama:
  - O que aconteceu? – Levo um susto com a, mesmo que sussurrada, voz de às minhas costas.
  - Nada. – Ela levanta as sobrancelhas. – Foi só um sonho ruim. Vamos voltar a dormir.
  Voltamos para o quarto e nos deitamos cada uma na cama que ocupava:
  - Engraçado como ninguém acordou com seus gritos. – puxa conversa, parecendo não ter nenhum resquício de sono. – Você pareceu um daqueles mini-sapinhos quando são apertados, que passam num daqueles documentários sobre animais estranhos.
  A olho sem expressão:
  - Tá me chamando de sapo?
  - Não. – Ela ri. – É só que eu nunca vi você gritar desse jeito. Sonhou com o quê?
  - Algo ruim. – Digo apenas.
  - Eu estava nesse sonho não é? – Assinto. – E e também?
  - Só , isso é que é estranho. – Franzo a testa. – Só havia você e correndo perigo. simplesmente... Não estava. Como se não existisse.
  - Seria melhor se não existisse. – Ela resmunga e lhe lanço um olhar severo. – Só eu que achei estranha essa aproximação dele com o tal ?
  - Eles são amigos.
  - Tá bom, vou fingir que acredito.
  - O que mais poderiam ser?
   me olha como se eu tivesse algum problema mental e ri logo em seguida:
  - , ... Ás vezes você é tão ingênua. – Ela vira para o outro lado. – Só ás vezes.
  Passam-se apenas alguns segundos quando a escuto roncar. Como ela pode adormecer tão rápido?
  Encaro o teto branco. Realmente não entendi o que quis dizer sobre e . Eu admiro a amizade deles, devem ser amigos há muito tempo para se tratarem tão bem.
  Não achei que fosse consegui voltar a dormir depois daquele pesadelo, mas meus olhos logo pesaram.

  - Vai mesmo atrás dessa sua tia? E se ela for como seu pai? – fala na mesa do café, mas o fuzilo com os olhos. – Quer dizer, como Tyler.
  - Ela não é. – Digo – Bom, eu acho que não é. Minha mãe obviamente não é como ele.
  Ao todo, estavam na mesa, eu, , , e , que havia preparado todo o café da manhã. Devo dizer que esse preconceito com homem na cozinha é pura bobagem. A comida estava maravilhosa e a mesa estava farta, como no jantar da noite anterior.
   desce as escadas com uma cara de sono muito engraçada.
  - Bom, de qualquer forma, você não pode ir sozinha.
  - Não vou sozinha, vou com . – digo, mas a mesma termina de mastigar o bolo de laranja balançando a cabeça negativamente.
  - Ah não, eu não vou sair andando por uma cidade desconhecida com você, provavelmente vou me dar mal se fizer isso. – ela diz e reviro os olhos. – Você, por acaso, tem o endereço?
  Assinto, mas ela simplesmente da de ombros e volta a comer.
  - Então eu vou sozinha, numa boa. – digo.
  - Não é bom uma nephilim sair sozinha, ainda mais sendo tão... – me analisa de cima a baixo falando em um tom... hostil? – Inexperiente.
  - Tudo bem, eu vou com você, diz bocejando no final e esticando o braço para pegar o leite.
  - Não, tudo bem, eu vou com ela – e ficam se encarando antipaticamente por tanto tempo que não consigo deixar de intervir.
  - Eu vou com o ! – digo forçando um sorriso em direção ao garoto que parecia uma múmia. Estava tão mal quanto no quesito sono, mas assim que ouviu seu nome foi como se levasse um choque. Arregalou os olhos olhando para todos os lados.
  - O que foi?
  - Você vai comigo visitar minha tia.
  - Por que eu?
   e alternavam o olhar entre mim e , e segurava o riso.
  - Porque você é o único que não quis ir, além da e do .
   simplesmente dá de ombros e apoia a cabeça em uma das mãos, voltando ao estado de quase múmia em que ele se encontrava antes.
  Depois de Diana e descerem, terminamos o café. Troco de roupa e saímos.
   observa tudo, mas, diferente de mim, era como se ele estivesse familiarizado com o local.
  - Já esteve aqui? – não me aguento e pergunto.
  - Sim – ele sorri – Meus pais me traziam aqui quando eu era pequeno.
  - Não trazem mais? v   Pude ver uma sombra de tristeza passar por seus olhos.
  - Eles morreram em batalha. – franzo a testa – Morreram matando um anjo, .
  Compreendo o que ele quer dizer, mas mantenho uma expressão de dúvida. Eu realmente não deveria confiar nele. Se os pais dele morreram em uma batalha, seria mais um motivo pra ele querer se vingar. Mas algo bem lá no fundo me dizia que eu podia confiar nele cegamente.
  Depois de andarmos alguns quilômetros observando a bela paisagem do mar totalmente azul de Livorno, diminui o passo, olhando cada número de cada casa e parando em frente a um sobrado cor de creme.
  - Se o endereço que você me deu estiver correto, é aqui que essa sua tal tia mora.
  Suspiro e bato na porta de madeira branca. Minutos depois a porta se abre revelando um cara que aparentava ser um pouco mais velho que eu. Os cabelos pretos eram levemente elevados no topo e a barba estava por fazer, mas os olhos azuis entregavam que ele pertencia à família da minha mãe.
  - Buongiorno – ele alterna o olhar entre mim e .
  - Ah, desculpe, eu não falo sua língua.
  O rapaz sorriu.
  - Mas eu falo a sua.
  - Primo Will?
  - Eu mesmo, mas quem são vocês?
  - Sou – estendo a mão e ele a aperta, mas mantém a testa franzida. – Filha da Geórgia.
  - Ah, claro, me lembro da tia Geórgia, como ela está?
  Abaixo a cabeça e sorrio tristemente.
  - Não muito bem.
  Will analisa de cima a baixo como se o reconhecesse, mesmo não o conhecendo.
  - Ah, esse é meu amigo – apresento-os – Tia Liz está?
  Ele assente sorrindo e nos convida para entrar. A porta da frente dava direto em um corredor por onde seguimos Will até uma sala com paredes brancas, onde havia dois sofás verdes e uma estante contendo a televisão.
  - Mamma! – Will grita no pé da escada de madeira que levava ao andar de cima. – Abbiamo visite!
  Depois de alguns segundos escutamos passos na escada.
  - Chi sarebbe pazzo per andare alla casa del l'altro queste ore... – ela para quando me vê. Se eu não tivesse certeza que minha mãe estava em um hospital em Jacksonville, podia jurar que ela estava bem à minha frente, com apenas alguns anos a mais de idade. – Ah, já não era sem tempo. Pensei que não viesse visitar sua tia, .
  - Lembra de mim?
  - Como poderia esquecer da bambina que trouxe tantas reviravoltas à nossa família? – ela diz. Tia Liz me olhava com um olhar terno, mas ao mesmo tempo um tanto duro.
  - “Reviravoltas”?
  A mulher à minha frente não respondeu. Ao invés disso, desviou o olhar para .
  - Eu posso confiar no caçador ali?
  - Sim, mas... espera, como sabe que ele...
  Ela abana a mão fazendo-me parar de falar.
  - Sente-se aqui, ragazza, vou lhe contar a sua história.
  Ela indica um dos sofás, senta-se em um, eu em outro e toma a liberdade de sentar ao meu lado, mas antes que possa falar qualquer outra coisa, Will adentra a sala.
  - Mi scusi, sono un angelo alla porta, è venuto dopo di lei – ele me indica com a cabeça, mas não entendo o que ele diz – Lo feci entrare?
  Tia Liz me analisa com os olhos levemente cerrados e volta a encarar o filho.
  - Daga sarà lui che se tenta qualcosa, sei un angelo morto.
  Will assente e sai, voltando segundos depois com às suas costas.
  Arregalo os olhos.
  - O que faz aqui?
  - Não queria que viesse sozinha com esse cara – ele faz um sinal na direção de que revira os olhos – Não confio nele.
  Suspiro.
  - Tia Liz, esse é , ele é meu... – não sei exatamente o que falar. O que era meu? Com certeza, não era só mais um amigo, mas o que eu diria? – Ahn... meu...
  - Tudo bem, querida, já entendi. – ela sorri docemente – Pode sentar-se também, . Já que está aqui, irá ouvir a história.
   passa por mim e senta ao lado de que acaba se encolhendo um pouco para cabermos os três em um sofá que era apenas para duas pessoas.
  Tia Liz suspira.
  - Tudo começou quando eu e sua mamma éramos bem mais jovens. Você iria perguntar como eu sei sobre seu amigo ser um caçador. É porque nós somos uma família de caçadores. Seus bisavós, seus avós, eu, sua mãe e, consequentemente, você.
  - Mas como? Eu não posso ser nephilim e caçadora ao mesmo tempo, posso?
  - Deixe-me continuar, por favor. – ela fala um tanto grossamente – Nós éramos a família mais respeitada entre os caçadores na época. Não perdíamos uma batalha. Sua mamma, eu e Tyler, que era nosso melhor amigo, formávamos um trio incrível em batalha. Mas, como não éramos de ferro, um dia sua mãe se apaixonou. O vi uma ou duas vezes. O homem mais lindo que eu já vi em toda a minha vida. Os cabelos castanhos como os seus. Os olhos castanhos como os seus. Sua mamma caiu de amores por ele e descobrimos o motivo disso tarde demais. Ela sabia o que ele era e mesmo assim dormiu com ele. Ela sabia que nossa raça repudiava a raça dele. Um anjo caído. Eu sabia que um humano comum não poderia conter toda aquela beleza, mas mesmo assim não alertei mia sorella. Mas ela foi deixada. Ele a usou e jogou fora. Uns meses depois ela descobriu que estava grávida de você. Nossos pais, para esconderem da sociedade dos caçadores que sua filha havia engravidado de um anjo, fez Tyler casar com ela. Ele não recusou. Então você nasceu. Quando você tinha uns quatro anos de idade, sua mamma não queria mais essa vida de caçadora. Foi no ano em que me mudei para cá. Ela separou-se de Tyler e casou com um milionário da Flórida.
  - Theodore. – sussurro ainda pasma com todas essas informações.
  - Você tem sangue angelical e sangue de caçador correndo nas suas veias, por isso pode se tornar muito poderosa se souber como fazer isso e se escolher em que lado vai ficar com sabedoria.
  Tenho que puxar minha voz do fundo da garganta.
  - Eu não...
  Mas antes que eu possa terminar, tia Liz se inclina para frente agarrando minhas mãos.
  - Lembre-se , sua mamma foi enganada por um anjo. – ela da ênfase na última palavra e franzo a testa sabendo onde ela quer chegar – Anjos tem uma beleza traiçoeira que atrai qualquer um. Não se deixe levar por um rostinho bonito.
  - A senhora está me ofendendo – olho para que está com o maxilar travado e com os punhos cerrados encarando algum ponto fixo do chão.
  - não tem culpa se, por parte de pai, possui esse sangue nojento.
   levanta bruscamente e tia Liz faz o mesmo.
  - Mio figlio non lo ha superato il messaggio? - ela diz desafiadoramente.
   e eu nos levantamos e encaro com a testa franzida, mas ele parece ter entendido tudo muito bem.
  - Io non ho paura di te – ele responde, me surpeendendo. Ele sabia falar italiano, será que havia mais coisas que eu não sabia sobre ele? - E io non ho paura di morire.
  - Ma ha paura morirà. – ela me indica com a cabeça e a expressão de muda drasticamente de raiva, para medo.
  - Uccidi propra nipote?
  - Se sceglie la strada sbagliata, forse.
  Eu já estava ficando irritada.
  - Vocês poderiam falar em uma linguagem que nós entendamos? – pergunto.
  Tia Liz sorri vendo a expressão no rosto de que pega minha mão e da alguns passos em direção à saída, fazendo nos seguir, mas tia Liz segura meu outro pulso e olha diretamente nos meus olhos.
  Um arrepio percorre minha espinha.
  - Lembre-se, , sua mãe foi enganada por um anjo.

Capítulo betado por Luh

Choose a side?

  - Okay, agora segura assim – , como pediu pra ser chamado, me dava as instruções de como manejar uma espada. De ferro. Todas as armas ali eram de ferro. Sem diamante.
  Obedeci, imitando a forma que os dedos dele seguravam a outra espada.
  - Ótimo, agora tenta fazer um movimento de corte para frente – ele se afasta um pouco e gira a espada na sua frente de um lado ao outro.
  Tento imitar, mas não é tão fácil quanto parece. Acabo girando a espada, mas quase acerto um vulto que aparece do meu lado.
  - Hey, se vai me matar, avisa ta? – fez praticamente um matrix para desviar do golpe.
  - Desculpe, mas você não morre – digo o olhando com uma cara óbvia.
  - Ah, é verdade - Ele empina o nariz e coloca a mão na cintura, fazendo eu e rirmos e rindo também logo em seguida. – Posso assumir a aula daqui, ?
  - Claro , eu vou afiar algumas facas. – ele sai me deixando com uma cara espantada.
  - Tudo bem, , esse é o passatempo favorito dele.
  Normalizo minha feição e voltamos a treinar. Depois de mais ou menos duas horas, eu já sabia o básico e acredito que conseguiria me defender sozinha se precisasse. Decidimos parar por hoje, e nos sentamos no chão de madeira da não muito grande sala onde eram guardadas as armas maiores e, tenho que dizer, esses três tinham um arsenal muito bom. Espadas, em algumas prateleiras, mas o que ocupava a maioria do espaço eram os revólveres acompanhados de caixinhas com o que julguei serem balas.
  - , podemos conversar? – pergunta repentinamente. Assinto e ele suspira. – Como você descobriu que amava ?
  Arregalo os olhos.
  - Como assim?
  - Ah, , por favor, todo mundo já sacou o lance entre vocês. – ele da um sorriso travesso – Sabemos que você o ama e tal.
  Sinto o sangue subir para as minhas bochechas provavelmente as deixando ruborizadas.
  - Eu nunca disse que o amava.
  - E não ama?
  - Eu não sei. – suspiro pesadamente – Sei que estou apaixonada por ele, mas acho que amor é um sentimento meio forte pra se dizer, não acha? – pergunto e ele dá de ombros – Mas por que você me perguntou isso?
  - É que, eu acho que estou apaixonado por uma pessoa. – ele abaixa a cabeça envergonhado e dou um sorriso travesso como o que ele deu antes.
  - Ai que fofo – levanto seu rosto e aperto suas bochechas – E como é o nome dela?
  - Esse é o problema, – ele faz uma pausa e me encara com aqueles olhos cor de esmeralda que eu sempre achei lindos – O nome dessa pessoa é .
  Meu queixo cai. apaixonado por ? Sempre achei que a amizade deles era forte. Forte até demais.
  Eu, particularmente não tenho nada contra isso. Se o que sentir, for amor de verdade, na importa que a pessoa que ele ame seja do mesmo sexo que ele. O amor não vê esse tipo de coisa, ele simplesmente é sentido.
  Todos os olhares que eles trocavam não eram de amizade. Agora eu vejo como eu fui idiota em não perceber antes, quer dizer, ainda era meu melhor amigo, mesmo que não estejamos tão próximos e eu simplesmente não soube ver o que estava acontecendo ali.
  Até já havia sacado e eu não.
  - ? ! – ele balança a mão em frente ao meu rosto fazendo-me perceber que ainda o encarava de boca aberta.
  - Ah, desculpe, eu só... fiquei surpresa. – digo e ele me olha com receio – Você é mesmo gay?
  - O termo politicamente correto é homossexual – ele ri e o acompanho – Mas sim.
  - E o ? Ele sabe?
  - Acho que ele desconfia, mas não sei se sente o mesmo.
  - Ah, , eu não tenho dúvidas de que ele também goste de você. – sorrio – Já percebeu como ele te olha?
  - Bem, sim, é como o olha pra você.
  Abro a boca para falar algo a respeito, mas nada sai. Ficamos uns segundos em silêncio até que uma dúvida surge à minha mente.
  - Tem uma coisa que está me intrigando: Há quanto tempo você descobriu que era assim?
  Ele dá um sorrisinho malicioso.
  - Eu nunca senti atração pelas garotas da escola, mas adorava ficar no vestiário depois da aula de educação física pra ver os garotos trocarem de roupa. – solto um riso nasalado e ele cora levemente – Mas por quê?
  - É que, se você sabia que gostava de garotos, por que me beijou aquela noite?
  - Ah isso? – ele faz uma careta engraçada – Foi como um teste. Eu nunca tinha beijado uma garota antes. Já tinha beijado garotos, mas uma garota não, então, depois que eu te beijei eu meio que tive uma confirmação do meu gosto.
  - Nossa, eu beijo tão mal assim? – coloco a mão no peito e finjo uma cara de indignada fazendo-o rir.
  - Não é isso, é só que... Eu não senti nada, sabe? – ele pergunta e assinto compreendendo. De repente, ele me encara com certo medo – , você não vai agir diferente comigo, né?
  - Claro que não, , que ideia – sorrio e passo o braço por seus ombros cobertos pela camisa xadrez vermelha – Não importa se você for homossexual ou heterossexual, se for negro ou branco, se for baixo ou alto, se for gordo ou magro. Se você for legal comigo eu serei legal com você, entendeu?
  Ele sorri, assente e beija minha bochecha. Logo Diana aparece na porta nos chamando para jantar.
  Nem parece que chegamos nessa casa há pouco mais de um dia. Na mesa, sentou-se ao lado de que sorriu pra ele. Sentei-me entre Diana e que estava ao lado de e já agia como se fosse de casa, o que era engraçado, pois ás vezes , da cabeceira da mesa, o olhava com certa desconfiança.
   sentou-se à minha frente e ficou encarando seu prato por um tempo antes de começar a comer a macarronada que Diana havia feito com a ajuda de . Nós não havíamos conversado depois da visita a tia Liz (a quem eu não pretendia rever tão cedo). Ele estava quieto, tudo bem que ele não é de falar muito, mas estava muito mais quieto que o normal. Nem prestando atenção na conversa que rolava na mesa ele estava e, assim que terminou de comer, saiu da mesa, levou seu prato até a pia da cozinha e subiu sem dizer uma palavra sequer.
  Fiz a mesma coisa e fui até o quarto que ele estava utilizando juntamente a e , encontrando-o sentado em uma das camas, virado para a janela.
  Sento-me ao seu lado encostando nossos ombros, mas ele não deixou de encarar a escuridão fora da janela.
  - Por que você está assim?
  - Só estou pensando, princesa.
  - Pensando em quê? – perguntei curiosa.
  - Em tudo o que aconteceu. Em tudo o que você e descobriram hoje de manhã.
  - Você já sabe de que lado eu estou. – seguro sua mão e ele desvia os olhos da janela para os meus – Nós estamos juntos e nada vai mudar isso. Nada do que aquela mulher disse vai me fazer mudar de opinião sobre você e sobre tudo.
  - Só acho que você deveria pensar melhor – ele diz e franzo a testa – Não que eu queira que você lute ao lado dos caçadores nessa guerra porque, vamos admitir que isso está se transformando em uma guerra, mas eu só estou dizendo que do lado deles você estaria mais segura.
  - Mas eu...
  - Se ficar do nosso lado eles vão te matar, mas se ficar do lado deles não mataríamos você, pois é uma de nós, entende?
  - E é por isso mesmo que eu vou ficar desse lado. – dessa vez, quem franze a testa confuso é ele – Se for assim, também corre perigo. Acha mesmo que vou lutar ao lado de pessoas que matam sua própria raça? Se acha isso, ao contrário do que pensei, você não me conhece tão bem assim. – digo tudo num tom calmo. Sem alterar a voz em nenhum momento.
  - Eu sei que você não quer ficar do lado deles, só estou dizendo que lá você estaria mais em segurança.
  - E se eu não quiser ficar em segurança?
  - Você vai morrer.
  - E daí? Ao menos morrerei por algo em que acredito. Morrerei lutando do lado certo.
  - E as pessoas que te amam? , , sua mãe... Como eles ficam? Como eu fico?
  - Perdas podem ser superadas.
  Ele da um sorriso amargo.
  - Às vezes você é tão egoísta.
  - E às vezes você é tão dramático.
  Ele me encarou incrédulo.
  - Agora ter sentimentos é ser dramático, ah “senhorita sem coração”, desculpe-me por não superar suas expectativas de alguém com quem se ter alguma relação.
  Ficamos nos encarando em silêncio por um tempo.
  - Ultimamente está difícil conversar com você. – murmuro baixinho, mas ele escuta mesmo assim.
  - Acredite, com você também – ele suspira – Me desculpe, acho melhor você ir pro seu quarto ou pra sala ou... sei lá.
  - Você quer que eu saia. Tudo bem, me desculpe também. – levanto-me. – Então, eu já vou.
  - Boa noite, .
  Dou dois passos afastando-me, mas paro quando ele levanta a cabeça para me olhar. Aproximo-me novamente, puxo sua cabeça levemente para baixo e deposito um beijo em seus cabelos que cheiravam a shampoo de menta.
  - Boa noite.
  Afasto-me e saio do quarto.

Capítulo betado por Luh

Capítulo 17

  Dias se passaram. e estavam oficialmente juntos. Não foi surpresa para Diana e nem pra , que já sabia da sexualidade do irmão e aceitava normalmente. fez uma dancinha totalmente estranha dizendo que sempre soube, quando eles anunciaram o namoro.
  Mas impagáveis mesmo, foram as expressões de e que se engasgaram com a própria saliva, mas parabenizaram o casal.
   e eu não tocamos no assunto daquela noite. Ele agiu como sempre, sorrindo pra mim, conversando comigo e até roubando beijos meus quando estávamos sozinhos.
  E, nesse exato momento, nós estávamos sozinhos, no meio da tarde e no meio da calçada.
  - Qual é o caminho mesmo? – pergunto apoiando-me em um poste.
  - disse que era pra gente entrar na segunda rua depois do museu. – ele fala e eu solto um riso – Do que você está rindo?
  - , essa é a quarta rua depois do museu.
  - O quê? Não. Se os voltarmos duas ruas, vamos chegar ao museu.
  - Não, se voltarmos duas ruas, vamos chegar ao mercado, que é onde nós temos que ir. Por que você não olha o mapa da cidade?
  - Eu não preciso de mapas, princesa. – ele sorri convencido, mas logo faz uma cara de confuso e olha para os dois lados da rua. Parece pensar por um tempo, revira os olhos e se volta para mim que o encaro com as sobrancelhas arqueadas. – Okay, cadê o mapa?
  Sorrio e pego o mapa no bolso de fora da minha bolsa.
  - Aqui. – entrego-o a ele.
   analisa o pedaço de papel e sorri envergonhado.
  - É, você tem razão, temos que voltar duas ruas.
  Sorrio e o acompanho no caminho de volta, de mãos dadas, como andávamos na maior parte do tempo.
  - Está com a lista de compras? – ele pergunta quando chegamos ao mercado.
  Assinto e começamos a pegar as coisas das prateleiras.
  Depois de pagarmos, voltamos carregando as sacolas (que não eram poucas) e encontramos a casa totalmente vazia e três bilhetes grudados na porta da geladeira.
  O primeiro em papel amarelo:
  “Soubemos de alguns ataques de Cortanas no sul da cidade, fomos verificar e, provavelmente, voltamos à noite. Se precisarem tem comida congelada no freezer. Ass.: e Diana.”
  O segundo era no mesmo padrão de papel, mas este era azul claro:
  “Levei pra sair, qualquer emergência, podem ligar para o meu celular. Ass.: .”
  E o terceiro era de uma letra que eu conheci totalmente, escrita em um pedaço de papel verde:
  “Não aguentei ficar dentro de casa sem fazer nada, então arrastei comigo pra ver se achamos algum restaurante bom por aqui. Ass.: .”
  Ótimo, pensei.
  - Todo mundo saiu? – Demain pergunta e assinto – Então, estamos sozinhos? – assinto novamente, sorrindo desta vez.
  Ele umedece os lábios sorrindo também e vem até mim, agarrando minha cintura e selando nossos lábios.
  Abraço seu pescoço aprofundo nosso beijo. Seus lábios são tão doces. Sinto como se eu necessitasse disso pra sobreviver. Como um carro precisa de gasolina pra andar, eu preciso de para viver.
  Paramos por dois segundos para retomar o ar, mas voltamos a nos beijar, com mais intensidade dessa vez.
  Eu podia sentir todas as terminações nervosas do meu corpo se acendendo a cada toque dele. Arrepios percorrem meu corpo quando ele deposita beijos em meu maxilar e desce para meu pescoço.
  Ele me guia dois passos para trás, fazendo eu me chocar contra a bancada. Puxo a barra de sua regata branca para cima e ele ergue os braços para que eu possa retirá-la.
   carrega um sorrisinho totalmente sexy no rosto. Ele impulsiona minha cintura pra cima e sento-me na bancada com uma perna de cada lado de seu corpo.
  - . – o chamo num sussurro. Ele desce uma das alças de minha regata pelo meu ombro e beija o mesmo.
  - Hum?
  - Abra suas asas. – peço fazendo-o me olhar nos olhos. Ele morde o lábio inferior e gruda sua testa com a minha. Fecho meus olhos e beijo seus lábios novamente. Sinto uma movimentação em seus ombros e, quando abro meus olhos, encaro seu par de asas tão negras quanto carvão. Abraço-o e deslizo uma de minhas mãos por uma de suas asas. Como eu imaginava, elas eram tão macias quanto algodão. Volto a beijá-lo, no pescoço dessa vez, e escuto-o suspirar.
  Suas mãos deslizam sobre minhas pernas cobertas pelo tecido da calça jeans até a barra da minha regata e a puxam pra cima, mas antes que ele consiga retirá-la uma música conhecida começa a tocar.
   para suas mãos onde elas estavam e aproxima sua boca de minha orelha.
  - Eu juro que, se esse seu celular nos atrapalhar mais uma vez, eu jogo ele pela janela. – ele sussurra e recolhe as asas, se afastando e abaixando para pegar sua regata que acabou caindo no chão.
  - Alô? – pergunto quando atendo o maldito aparelho.
  - Senhorita ? – uma voz feminina desconhecida diz do outro lado da linha.
  - Eu mesma.
  - A senhorita é a única parente da Sra. Georgia Rose Madden cadastrada aqui no hospital, posso saber o que a senhorita é dela?
  Meu coração acelera ao ouvir falar sobre minha mãe.
  - Sou filha dela, o que aconteceu?
  - Ah, sinto muitíssimo em ter que dizer isso à senhorita, mas ela acabou de falecer.
  Essas palavras são como facas que cortaram o que restava do meu coração. Sinto como se tivesse levado um soco no estômago. Minha mãe não.
  - ? – me chama após vestir a camiseta me olhando com preocupação. Meus olhos já estão lacrimejados.
  - Mas como assim? – digo para a moça ao telefone e sinto as lágrimas começarem a rolar. – Ela estava melhorando. Como... isso... aconteceu? – sinto soluços vindos do fundo de minha garganta.
  - Eu sinto muito, ela estava realmente apresentando melhoras, mas acabou tendo uma parada respiratória e não resistiu.
  Já não consigo mais responder. Estou soluçando descontroladamente e meu nariz já se encontra congestionado devido ao choro compulsivo.
  - Princesa, o que aconteceu? – segura meus ombros. – Quem era no telefone?
  - Ela... ela... – tento me acalmar, mas é em vão. Sinto como se meu peito estivesse sendo esmagado, é uma dor insuportável – Nós estávamos começando a nos dar bem e ela...
  - Era do hospital? – ele pergunta e eu assinto – Notícias sobre sua mãe? – assinto novamente – Ela não está bem, não é? – dessa vez nego freneticamente.
  - Ela morreu, – digo chorando mais ainda, ele me abraça e enterro minha cabeça na curva de seu pescoço – Ela me deixou sozinha. Ela se foi.
  - Não, ela não te deixou sozinha, princesa, você tem a mim, tem a e tem o também. – ele segura meu rosto – E agora você tem também , Diana, e . Sabe que pode confiar na gente. Nós estamos com você e sempre vamos estar. Está me ouvindo? Somos sua família.
  - Mas ela... ela... ela não podia morrer. – falo mais para mim mesma do que para ele – Podemos ir ao enterro dela?
  - Princesa, eu não sei se é uma boa ideia voltarmos agora. Podemos ser mortos, sabe disso.
  - Mas temos que voltar, por favor – peço suplicante.
  - Tudo bem, vou falar com eles. Enquanto isso, – ele se inclina e passa um dos braços por minhas pernas, me pegando no colo – acho que você pode dormir um pouco.
  Assinto e ele sobe as escadas, me levando até o quarto.
  - Tente não pensar muito nisso, tudo bem? – ele me coloca sobre a cama e me cobre com o lençol – Farei de tudo para voltarmos pra Jacksonville.
  Ele deposita um beijo em minha testa e sai. Agarro o lençol com toda a minha força e deixo mais algumas lágrimas caírem antes de apagar totalmente, devido à dor de cabeça causada pelo choro.

  - Reservamos um vôo à meia-noite e meia, acho que dá tempo de você dormir mais um pouco antes de irmos. – fala.
  Nós já havíamos falado com os outros. e Diana foram os últimos a chegar, pois não estavam tão perto de casa.
  Depois de todo o coro de “sinto muito”, anunciou que iríamos voltar e todos concordaram e quiseram ir junto para dar um apoio.
  - Obrigada, mas acho que não vou mais conseguir dormir. – suspiro – Você já arrumou suas malas?
  - Sim, quer ajuda para arrumar as suas?
  - Pode ser – sorrio tristemente.
  Um silêncio um tanto desconfortável se instalou enquanto dobrava algumas de minhas roupas. Chovia fracamente lá fora e o galho de alguma árvore batia na janela.
  - Hum, sabe em que eu andei pensando? – ele quebra o silêncio. Levanto as sobrancelhas indicando que ele prossiga – O que nós somos? Quero dizer, aquele dia na casa da sua tia você não soube dizer o que eu era seu, então... sei lá, o que nós somos? – ele repete a pergunta.
  Mesmo que ele simplesmente não queira manter aquele silêncio incômodo, esse é um dos piores assuntos em que ele pode tocar agora.
  - Eu não sei – ele franze o cenho – Você é um grande amigo, , até mais que isso, mas eu não sei exatamente o que somos.
  - O que você sente por mim? – ele pergunta e mexo-me desconfortável – Desculpe, se você tem medo dizer, tudo bem.
  Largo bruscamente a blusa laranja que estava dobrando e o encaro.
  - Eu não tenho medo de dizer.
  - Então diga.
  - Não antes de você – rebato. Eu estava sendo orgulhosa? Sim. Eu me arrependeria disso depois? Provavelmente.
  - Por que você não pode dizer primeiro?
  - Porque ainda não tenho certeza de que posso confiar em você inteiramente.
  Ele arregala os olhos com uma expressão de ofendido.
  - E por que não poderia?
  - Desde a primeira noite que a gente chegou aqui, uma coisa vem martelando na minha cabeça: Por que você mentiu quando eu perguntei se sabia alguma coisa sobre meu pai?
  - E-eu não menti – ele gagueja.
  - Mentiu sim, e está mentindo agora. A questão é: Por quê?
  Ele respira fundo e desvia o olhar para o chão.
  - Eu não caí do céu porque infringi as leis do paraíso, como eu te disse. – ele diz e franzo a testa – Eu caí porque tinha que te proteger. Não foi por acaso que eu caí no seu quintal. Todos os anjos têm um motivo pra cair, . O meu motivo foi você.
  Demoro a achar as palavras certas e mesmo quando as acho, tenho dúvidas de que sejam realmente as mais coerentes.
  - Então você mentiu não só naquela noite, mas esse tempo todo? – digo com raiva – Tudo aquilo foi teatro? Aquela coisa de, eu ser a única pessoa que podia te ajudar e de você “se sentir um monstro” por ter caído, tudo aquilo foi mentira?
  - Não, eu... quer dizer, sim, eu menti, mas não inteiramente.
  - Sobre o que você não mentiu?
  - Sobre os meus sentimentos por você.
  - E quais são eles? – pergunto. Nós já estávamos em pé e provavelmente já dava para nos escutar do andar de baixo.
  - Os mesmo que os seus.
  - Ah, então você me odeia? – digo irônica – Bom saber.
  - Não, você não pode me odiar, princesa eu...
  - Não me chama assim! – grito. – Você traiu minha confiança, . Eu não sei mais em que acreditar. Quando você me abraçava era verdade? Quando você me beijava era de verdade ou era só parte do seu teatrinho?
  - Agora você está me ofendendo – ele sorri com escárnio – Até os anjos são capazes de... – ele para.
  - De que, ? Agora quem está com medo de falar é você?
  - Para com isso, ! – ele grita. – Você só está pensando em si mesma agora, eu tinha uma missão e essa missão era proteger você. Eu só estava cumprindo o que eu tinha que fazer!
  - E precisava esconder isso de mim?
  - Você ainda não estava preparada para saber. Não sobre tudo.
  Respiro fundo tentando conter minha raiva, mas é em vão. Como ele pôde? Eu acreditava nele. Eu realmente achei que o que nós tínhamos era verdadeiro.
  - Sabe , em minha opinião, nós não precisávamos ter nos conhecido.
  Vejo os olhos dele brilharem. Ele não pode chorar agora. Se ele chorar eu não sei o que posso fazer.
  Desvio os olhos para o chão, mas posso o ver dando passos curtos para trás.
  - Sabe – ele repete a mesma coisa que eu disse antes com a voz embargada e levanto minha cabeça para olhá-lo – Em minha opinião, amar você foi uma das piores coisas que eu já fiz.
  Encaro-o fixamente. Ele finalmente disse. Disse que me amava. E eu também o amava. Mas agora ele não sabe disso e meu maldito orgulho é grande demais para que eu diga isso a ele agora.
  Ele se encaminha para a porta, mas para como se lembrasse de algo e vira para mim com os olhos marejados.
  - Ah, e sobre o seu pai, creio que você o conheça. O nome dele é Lúcifer.

Capítulo betado por Luh

Capítulo 18

  - C-como? – Pergunto pasma.
  - Você é a filha do Rei do Inferno, . – Ele sorri amargamente. – Acho que isso faz de você uma princesa, não é?
  Encaro o chão.
  Isso não deveria estar acontecendo. A minha vida toda foi uma mentira sem fim. O homem que eu sempre respeitei como pai quer me matar e matar meus amigos, minha mãe está morta do outro lado do oceano Pacífico. E tudo isso começou no dia da explosão da minha antiga casa. O dia em que meu padrasto e minha irmã morreram e que eu falei pela última vez com minha mãe:
  - Quem mais sabe disso? – Pergunto.
  - Só eu. – Ele suspira e sai sem falar mais nada.
  Sinto uma imensa vontade de chorar, mas é como se não desse. As lágrimas não saem. Continuo á arrumar minha mala lentamente. Dobrando roupa após roupa perfeitamente. As camisetas, as calças e todo o resto. Uma hora depois a mala já estava pronta e o armário que antes eu ocupava estava vazio. Assim como eu.
  Apaguei a luz, deitei-me na cama e fiquei encarando o teto, ainda tínhamos duas horas antes do vôo decolar. Ainda era difícil processar tudo. Eu era metade nephilim metade caçadora, mas havia escolhido lutar ao lado dos anjos. Como eu posso ter achado que eu era apenas uma humana? Ainda penso como uma, mas sei que tem muita coisa envolvida nisso. Eu era filha do primeiro dos Anjos caídos. Filha do mal, como eu posso nunca ter nem sentido isso?
  Mas eu senti.
  Sonhos com lugares quentes. Fogo e enxofre. Calor. Seria o mundo de baixo? Eu havia sonhado com o Inferno?
  Um arrepio percorre meu corpo só de pensar nisso. Eu tenho o mesmo sangue de Lúcifer? Um sangue amaldiçoado. Um sangue nojento. Agora, eu só podia sentir repulsa de mim mesma.
  E ainda tinha . Como pude ser tão orgulhosa? Mas ele não precisava ter mentido. Ele estava me protegendo. Mas, ainda assim, mentiu. Ele disse que me amava. Mas também disse que isso foi uma das piores coisas que ele já fez. Mesmo assim, amor não é uma coisa que se para de sentir de uma hora para outra. Desapaixonar-se é difícil. Mas não é impossível.
  Fica difícil pensar em coisas coerentes quando se está discutindo com sua própria consciência:
  - ? – Escuto a voz de na porta se misturando com o som da chuva que ainda caía lá fora. Apoiei minhas mãos na cama sentando-me e fiz um sinal coma cabeça para que ela entrasse. – Eu sinto muito, por tudo, mas temos que ir.
  Ela sentou-se ao meu lado e segurou minha mão. Quanto tempo havia passado? Quanto tempo eu fiquei ali olhando para o teto?
  - O que vai acontecer agora? – Murmuro.
  - Vamos enfrentar tudo. – Ela fala com convicção. – Como fazíamos quando tia Georgia dizia pra gente ficar no quarto, sem fazer barulho e fingindo que não existíamos.
  Sorri fracamente:
  - Minha mãe nunca disse isso.
  - Eu sei, mas achei que, se eu citasse Harry Potter você ficaria feliz. – Ela sorriu também. – Só queria dizer que não importa de quem você é filha.
  - Você sabe?
  - acabou falando. – Ela da de ombros. – Como eu disse, não importa de quem você é filha, você sempre será minha melhor amiga. Eu sempre vou amar você, porque, , você é minha irmã e sabe disso.
  E, novamente, eu estava morrendo de vontade de chorar, mas não conseguia. Era como se meus olhos tivesse secado, de alguma forma.   Ela inclinou-se para frente e abraçou-me. Como eu estava precisando de um abraço nos últimos tempos, apenas a abracei de volta:
  - Agora vamos, senão perdemos o vôo. – Assenti. – Esperamos você lá em baixo.
  Fui até o banheiro e encarei meu reflexo no espelho. Eu estava definitivamente horrível. Nada de rímel borrado nem nada, mas visivelmente mal.
  Joguei um pouco de água no rosto e prendi o cabelo em um rabo de cavalo. Peguei a mala e desci as escadas encontrando todos lá em baixo:
  - Vamos?
  Ninguém fala nada, só segue para fora, correndo até os táxis devido á chuva. Iríamos em dois. Eu, , e em um e , Diana, e em outro.
  Eu encarava a cidade passando como um borrão escuro lá fora, misturado com as gotas de chuva que deslizavam pelo vidro da janela.
  Não demorou muito para embarcarmos no avião. Eu estava sentada entre Diana e que roncava alto. estava sentado duas fileiras atrás de nós e não me olhou nos olhos em nenhum a das vezes que eu o observei:
  - Sei que já ouviu muito isso, mas eu realmente sinto muito. – Diana falou de repente. – Por sua briga com ele e por sua mãe também.
  Dou um sorriso forçado:
  - Tudo bem, mas deu mesmo para ouvir a briga lá de baixo?
  - Paredes de madeira, o que poderíamos fazer? – Ela deu um sorrisinho fraco. – Você gosta mesmo dele, não é?
  Assinto:
  - Eu o amo. – Sussurro. Como se aquilo fosse um segredo que eu tivesse que guardar á sete chaves.
  - Então diga isso á ele. Sabe o quão difícil é você achar que não é correspondido?
  - Isso já aconteceu com você?
  Ela se mexe no assento estofado e suspira:
  - Quando , e eu nos conhecemos, eu estava sendo atacada por um grupo de caçadores e eles me ajudaram e me acolheram na casa deles. E eu me apaixonei perdidamente por , mas ele me via como uma amiga, quase uma irmã, bem, ao menos era isso o que eu achava.
  - E como soube o que ele sentia de verdade?
  - Eu engoli meu orgulho e disse a ele que o amava, mesmo correndo o risco dele não sentir o mesmo e me achar uma boba. – Ela riu. – Mas aí ele disse que sempre me amou também e então ficamos juntos.
  - Fim da história?
  - Bom, nem todas as histórias tem um fim, ás vezes elas só tem aqueles três pontinhos. e eu temos algumas briguinhas quase todas as semanas, mas não deixamos isso abalar o que sentimos um pelo outro, ás vezes isso só fortalece nossa relação.
  Assenti em compreensão e um silêncio se instalou entre nós, continuando assim até o avião pousar.
  Senti o clima pesado. Estava chovendo em Jacksonville também, mas era uma chuva bem pior que a da Itália. Era uma tempestade.
  Desembarcamos. O aeroporto não estava muito cheio. O quase silêncio era assustador. A maioria das pessoas que estavam ali eram funcionários, pois os vôos noturnos, em sua maioria, nunca vinham cheios. E esse não foi diferente.
  Andando pelo saguão, vejo um rosto conhecido. Não. Isso não. Tyler com aquele sorrisinho cínico se prostrava á nossa frente. Á uns seis metros de distância:
  - Finalmente chegaram, estávamos cansados de esperar. – Ele diz e mais alguns caçadores se juntam á ele. Vejo Jenna me encarando com aquele mesmo olhar ameaçador daquele dia no estacionamento.   Achei que poderiam ter mais caçadores ali, mas os únicos que estavam acompanhando Tyler estavam em quinze no máximo, numa contagem rápida.
  - Esperar? – Franzo a testa. – Como sabia que viríamos?
  Ele ri com desdém:
  - , , você realmente achou que iríamos nos deslocar daqui até o outro lado do Oceano Pacífico? Não perderia meu tempo com isso, então tive que pensar em alguma coisa pra te trazer de volta.
  - E é claro que você pensou. – Digo ironicamente.
  - Você ainda não está entendendo. – Arqueio as sobrancelhas. – Por que você voltou?
  - Voltei pela minha mãe e... – Arregalo os olhos raciocinando. – Você... Você a matou?
  Dou um passo em sua direção, mas ele saca uma espada, fazendo alguém (a quem julgo ser ) me segurar pelo pulso:
  - Ela já estava mal, não foi tão difícil. – Ele admira a arma em sua mão. – E não será tão difícil matar esses seus amiguinhos.
  - Quinze contra oito? Como você é justo. – Ouço a voz de falando friamente ás minhas costas.
  - A vida não é justa, meu caro anjo. – Foi como se todos ali tivessem parado de respirar. O ar ao nosso redor ficou mais pesado. Agora seríamos nós contra eles. Um anjo, cinco nephilins, um caçador e uma humana contra quinze caçadores muito bem armados. Venceríamos? Talvez. Lutaríamos? Com toda certeza.
  Percebo Tyler sorrir mais abertamente. Aquilo já estava me irritando:
  - Podem atacar.
  E foi aí que tudo começou.

Capítulo 19

  Eu via tudo passar como um borrão á minha volta. Eu estava paralisada, até o momento que Diana passou por mim correndo com uma adaga em direção á um caçador.
  Olho ao redor. Todos estão com as armas que conseguiram trazer clandestinamente no avião. Lembro-me da minha própria adaga, dada por alguns dias atrás, em uma bainha presa á minha canela. Levanto a barra da calça e pego-a posicionando em minha mãe do jeito que eu havia sido ensinada.
  Á essa altura todas as outras pessoas já haviam entrado em pânico tentavam sair do aeroporto.
  Não penso duas vezes em sair correndo, indo em direção ao monte de pessoas lutando á minha frente. Aplico os golpes de luta corpo a corpo: Cotoveladas, joelhadas e chutes em qualquer caçador que se meter na minha frente. Sinto uma ardência em meu antebraço e vejo um filete de sangue escorrer, mas esse é apenas um detalhe. A adrenalina da batalha não me permite sentir a dor. Nunca pensei que me sentiria desse jeito lutando.
  Sinto o sangue ferver nas minhas veias. Sinto como se eu fosse indestrutível e, não que eu queira me gabar, mas achei que esses caçadores lutassem melhor. Eu, que aprendi á lutar á pouco mais de uma semana estava dando um jeito em pessoas que, provavelmente, lutavam á anos.
  De repente á luz do saguão do aeroporto cai, deixando o lugar iluminado apenas com as luzes da pista de decolagem e aterrissagem.
  Vejo encurralado por um caçador que parecia conhecê-lo. Pelo seu olhar, ele estava totalmente assustado, mas conseguia esconder isso quase perfeitamente e sua espada estava no chão á alguns metros de distância:
  - Decidiu trocar de lado, irmãozinho? – O cara pergunta.
  - Sim, e você deveria fazer o mesmo. É muito melhor quando você luta pelo que é certo.
   se encolhe com os olhos bem fechados esperando o golpe de seu irmão, que não chega, pois o agarro pelas costas dando uma joelhada em sua espinha. O garoto se arca de dor e cai, dando tempo para abrir os olhos assustado:
  - Obrigado. – Ele fala e se arrasta para pegar sua espada.
  Só então olho ao redor e forço a vista para ver todos com armas grandes:
  - Quem conseguiu tudo isso?
  - foi inteligente o suficiente para trazer uma mala clandestina com armas maiores.
  - Como ele conseguiu isso?
  - De que importa isso agora, ? Procure a mala preta, lá tem as armas que você vai precisar.
  Dito isso, ele sai correndo, provavelmente em direção a algum outro caçador. Vejo um vulto com o canto do olho, mas ignoro e começo a andar a procura de alguma mala preta:
  - ! – chega ao meu lado ofegante. – Você está bem?
  - Achei que em deveria perguntar isso era eu.
  Ela revira os olhos e me entrega uma espada e duas facas bem afiadas:
  - Estamos indo bem, mesmo com a desvantagem. Acredita que eu deixei um desses caras desacordado?
  Antes que eu possa responder, outro vulto passa ao nosso lado, mas agora estão bem visíveis, mesmo com a pouca luz, como fumaças pretas voando sobre nossas cabeças:
  - O que essas coisas são?
  - Vines. – aparece depois de ter chutado um dos caçadores que caiu desacordado.
  - Vines? Tipo aqueles vídeos de seis segundos e tal? – pergunta fazendo encará-la como se ela tivesse algum problema mental.
  - Não, Vines do tipo espíritos malignos que possuem qualquer criatura com sangue angelical. Devem ter vindo atrás de você, .
  Arregalo os olhos:
  - De mim? Por quê?
  - Querem te levar ao mestre deles. – Uma sombra passa por seu rosto. – Seu pai.
   sai correndo em direção á outro alvo que já estava se aproximando de nós, sendo seguido por que manuseia uma adaga melhor do que eu imaginava.
  Nós estávamos vencendo. Quase sorri com esse pensamento, até ver Tyler saindo de fininho até uma das escadas que dava para o segundo andar do aeroporto. Não hesito em sair correndo atrás dele, pois, se ele pensava que sairia ileso dessa luta, ele estava muito enganado:
  - Tyler! – Grito com toda a raiva que consigo e ele para a alguns metros do topo da escada. Termino de subir e paro. Tyler vira, me encarando com um sorrisinho irônico, mas sem largar a espada que carregava:
  - Touchè, querida, você me pegou.
  - Estava fugindo? Até nisso você é covarde?
  Ele inclina a cabeça um pouco para o lado e me encara curioso:
  - Do que está falando, ?
  Sorrio maldosamente:
  - Admita que só fez tudo isso por que era apaixonado pela minha mãe e ela se deixou levar por um anjo.
  Uma sombra de raiva passa por seu rosto, mas ele logo repõe aquele sorrisinho irritante:
  - Um demônio, você quer dizer.
  - Fale como quiser, só preciso ouvir isso da sua boca.
  - Então está perdendo seu tempo. – Ele diminui o sorriso, mas ainda não o tira do rosto. – Há uma coisa muito maior nisso, , não sou só eu que quero matar você, mas serei eu á fazer isso.
  Avanço em sua direção com a espada em uma mão e uma das facas na outra, mas não chego nem a dar dois passos, pois ele é mais rápido sacando um revólver:
  - As balas nesse revólver podem matar qualquer nephilim, querida, acho que você sabe de que material elas são feitas, não?
  - É, eu sei. – Digo friamente. Tyler dá alguns passos para sua esquerda e eu mantenho a distância entre nós, dando passos para a direita, acabamos trocando de lugar. Eu, á uns três metros da escada e ele exatamente na frente da pequena grade de vidro que não deixava as pessoas caírem no térreo. Lá em baixo, nós podíamos ouvir os sons da batalha que ainda acontecia. Isso acabou me dando uma ideia.
  - Eu realmente não queria que isso acabasse assim, . – Ele fala falsamente. – Teve uma época que em realmente gostei de você, mas isso foi antes daquele anjo ridículo cair atrás da sua antiga casa e você ficar sabendo demais.
  - Eu odeio você. – Digo com a raiva transbordando por meus olhos.
  - Bem, isso é uma coisa que temos em comum querida, agora eu também odeio você.
  Dou mais um passo em sua direção e então escuto o estouro do tiro. Sinto uma fraca queimação em meu peito, mas isso logo passa. Começo a rir e encaro Tyler que finalmente tira aquele maldito sorriso do rosto dando lugar á uma expressão confusa:
  - Você estava enganado, Tyler. – Digo e enfio o polegar e o indicador em forma de pinça no ferimento raso formado pela bala e tirando-a de lá, curando-me logo em seguida. – Eu não sou uma nephilim qualquer. – Jogo a bala em um lugar qualquer e ouço-a tilintar no chão. - E não é uma dessas balinhas de diamante que vão me matar.
  Então, em um movimento rápido, atiro minha faca em sua garganta e corro em sua direção empurrando a região de seu estômago com meu pé, fazendo-o quebrar o vidro da grade e despencar no andar de baixo.
  Encaro seu corpo no chão e todos que estavam no meio da batalha, param para me encarar fazendo um silêncio sombrio instalar-se.
  Em seguida, acontece tudo muito rápido. Vejo Jenna cravar uma espada e girá-la bem no meio do peito de Diana que arregala os olhos surpresa.
  Desço a escada tropeçando em meus próprios pés enquanto corria na direção de Jenna e a atacava com toda sua raiva. Ajoelhei-me ao lado do corpo de Diana que respirava com dificuldade. Á essa altura já era tarde demais. A espada era de diamante puro e corroia rapidamente a pele da garota ruiva estirada no chão.
  Escuto um arquejo ás minhas costas e vejo fazer com Jenna o mesmo que ela fez com Diana, porém com uma espada diferente. Em seguida os três caçadores que haviam sobrado ali já estavam perto da saída. Covardes:
  - . – Diana sussurrou com dificuldade. O homem a quem ela chamou, veio e ajoelhou-se ao meu lado retirando a espada e colocando sua amada em seu colo.
  Não pude conter minhas lágrimas, que já rolavam livremente por meu rosto, mas estava realmente pior. Ele estava soluçando de tanto chorar.
  Observei o ferimento. Definitivamente já era tarde demais. A pele estava totalmente desfeita e o sangue chegava á manchar o casaco.   Olhei ao redor e pude perceber abraçado á chorando também e sentado no chão ao lado de . Ambos com expressões vazias.
  Só pude ouvir Diana sussurrar um último “eu amo você” antes de desabar de vez.
  Ele não estava aqui. Talvez tenha ido atrás dos outros caçadores que saíram correndo, mas por quê?
  - Temos que tirar esses corpos daqui. – diz. – Provavelmente alguém vai ligar para a polícia se chegar aqui e ver um monte de gente morta.
  - Você tem razão. – Murmuro, mas no silêncio que estava aquele lugar, não foi difícil ser ouvida.
  Mais ou menos uma hora depois o aeroporto estava sem nenhum corpo, mas os efeitos da batalha ainda eram evidentes. Vidros e cadeiras quebradas, muita coisa ali não teria concerto.
   ainda não havia voltado, pedi para ir atrás dele há alguns minutos e ele ainda não havia voltado.
   e ainda choravam em um canto, sendo confortados por e .
  Ouvi passos correndo e então aparece com uma expressão nada boa:
  - O que foi? – Pergunto. – O encontrou?
  Ele apensa nega com a cabeça:
  - , eu acho que ele sumiu.

Capítulo 20

  Eu observava o caixão descer com uma lágrima solitária escorrendo por minha bochecha.
  A manhã estava nublada e, de vez em quando, algumas gotas de chuva nos atingiam, mas nada que nos encharcasse.
  Nunca pensei que fosse vir ao enterro de minha mãe, não agora pelo menos. Depois de sairmos do aeroporto, vimos duas viaturas policiais indo na direção dele. Parece que realmente sumiu. Na opinião de e , ele fugiu, mas , , e eu fomos contra, mesmo que lá no fundo eu tenha certo receio dele ter feito isso mesmo. Mesmo assim, iríamos procurá-lo por toda a cidade e, se precisasse, fora dela também.
  Cerca de um mês e meio atrás eu estava na biblioteca com reclamando de fome e pedindo para irmos embora rapidamente. Foi o último aniversário de Lauren antes de sua morte precoce. Foi o dia em que eu escolhi deixar de ler para descer para a festa a fantasia, vestida de princesa. Foi o dia que eu vi um anjo cair. O dia em que eu conheci o amor da minha vida.
  E agora ele não estava comigo.
  Eu estava cansada de perder as pessoas que amo. e são o único motivo de eu não desmoronar por completo.
  O pior de tudo foi que e eu ainda estávamos brigados. Ele sumiu sem saber que o amo, tudo porque eu fui idiota o bastante para não dizer isso á ele antes. Mas ele não estava morto, isso eu podia sentir. Tenho esperanças de que ele esteja em algum lugar perto e, por algum motivo, está impedido de voltar. Mas por quê? Essa é a pergunta que martela em minha cabeça.
  Não haviam muitas pessoas no enterro. Só meus amigos, umas três ou quatro mulheres que viam minha mãe ao menos uma vez por semana e que se diziam muito amigas dela e seus maridos, e eu. De família, só havia sobrado a mim. Todo aquele dinheiro de Theodore seria dado a mim. Isso é tão ridículo. Eu era nephilim órfã e milionária:
  - Quer que eu vá com você para casa? – pergunta com uma mão em meu ombro enquanto as pessoas começam á se retirar ao fim do enterro.
  - Não. – Digo e forço um sorriso. – Sério, vá pra sua casa, encontre sua mãe, que eu vou para o meu antigo apartamento.
  Ela me olha com preocupação:
  - Você está bem?
  - Vou ficar.
  - , ele vai voltar. – A encaro com os olhos marejados. – Da ultima vez ele voltou, lembra?
  - Sim, mas nós não tínhamos brigado nem nada.
   abre os braços e não hesito em abraçá-la. É tudo o que eu preciso no momento:
  - Sabe, ? Você é a pessoa mais idiota que eu já conheci. – Solto-a e a encaro pronta para falar algo. – Fica quieta que quem vai falar agora sou eu. Custava dizer que amava o cara? Desde a primeira vez que ele sumiu assim, eu já tinha percebido que era mais do que um amigo pra você e eu aposto que você também, mas, como seu orgulho é maior do que qualquer outro defeito seu, você só soube que o amava depois que o deixou partir.
  - Você está fazendo muitas citações ultimamente. – Digo fungando e fazendo um bico. – Eu realmente errei, sei disso, mas o que é amar se não houver erros? – Suspiro.
   simplesmente dá de ombros e me abraça novamente. Despedimos-nos dos garotos (, , e ) e ela dirigiu meu carro até sua casa.
   me encara mais uma vez antes de abrir a porta:
  - Você tem certeza que vai ficar bem?
  Reviro os olhos:
  - Absoluta, pode ficar tranquila.
  Ela sai do carro e mudo-me para o banco do passageiro. Ligo o motor e dirijo até o prédio do apartamento anteriormente ocupado por um anjo. Estaciono o carro e ando em passos lentos até o elevador.
  O corredor até a porta do apartamento nunca pareceu tão longo. Parei na porta e olhei ao redor lembrando-me da noite em que nos beijamos aqui. Foi simplesmente inexplicável e eu ainda podia sentir os lábios dele sobre os meus. Acabo sorrindo com essa lembrança.
  Giro a chave na maçaneta e empurro a porta que range. Acendo a luz, dando-me visão da sala que estava exatamente como deixamos naquele dia.
  Lembro-me da noite em que descobri sobre Tyler, quando e eu chegamos aqui:

  - Desculpe por não ter falado sobre o tal código da minha mãe antes, eu realmente poderia ter evitado tudo isso. – Suspirei. – Eu só... Eu não sei, acho que ainda estava processando tudo o que aconteceu. Meu padrasto, minha irmã, minha mãe naquele hospital. Aconteceu tudo muito rápido e eu...
  - Tudo bem, princesa, eu também peço desculpas. Não deveria ter gritado com você. – Ele se aproximou e finalmente me olhou nos olhos. – Mas, só de pensar na possibilidade daquele cara que se diz seu pai machucar você de alguma forma, eu não fiquei muito feliz.
  Permiti-me sorrir e me puxou pela cintura me beijando.

  Sorrio tristemente. Eu só o queria aqui novamente. Comigo. Queria poder ouvir sua voz sussurrando em meu ouvido chamando-me de “princesa” como ele sempre fazia.
  Deixo as chaves em cima da mesinha de centro e vou até o quarto encontrando a regata verde que ele havia me emprestado na última noite que dormimos aqui. Na noite que dormi com um de seus braços circundando minha cintura.
  Permito-me derramar uma lágrima, mas logo, mais delas vem atrás. Praticamente incontroláveis.
  Levo a camiseta ao rosto sentindo o cheiro dele que ainda há no tecido mesmo depois de todo esse tempo.
  Arrasto-me até a cama e encolho-me lá. Acabo torturando-me com cada uma das lembranças que eu tinha de nós:
  - Quem são vocês?
  Faço cara de ofendida:
  - Quem somos nós? – Pergunto retoricamente. – Foi você que caiu no meu jardim. Você é quem me deve explicações.
  Ele parece estar com raiva, mas sua respiração volta ao normal aos poucos:
  - Desculpe por isso. – Ele suspira. – Não fazia parte dos meus planos.

  Rio amargamente, mas ainda molhando o lençol com lágrimas, por perceber que aquilo foi uma mentira. Cair naquele lugar fazia exatamente parte dos planos dele:
  - Me procurando, princesa? – Ouço uma voz rouca ás minhas costas. Viro-me e encaro apoiado na parede ao lado da porta.
  - Achei que tivesse ido embora. – Digo. Então me dou conta do que ele me chamou. – E eu já disse que isso é só uma fantasia.
  - Eu disse que só ia sair daqui depois de responder todas as perguntas, não? – Ele sorri. Coisa que eu não havia visto-o fazer até então. – Sou um anjo de palavra, e parece que você ainda tem muitas perguntas á fazer.

  E era totalmente verdade. Eu só não sabia quais perguntas fazer. Mas já sabia de tudo naquela época. Ele já sabia que mais cedo ou mais tarde eu teria que saber. Eu teria que perguntar:
  - Não está com frio assim? – Gesticulo em direção á ele. - Vou pegar alguma camisa do Theodore pra você.
  - Quem é Theodore?
  - Meu padrasto. – Digo. – Vou ter que fazer dois furos nas costas para suas asas e ela pode ficar um pouco grande, já que ele não tem o mesmo porte físico que você.
  Percebo que ele tenta segurar um sorriso:
  - Porte físico?
  - É, tipo, Theo não é muito... Muito... – Me atrapalho com as palavras.
  - Muito...?
  - Gostoso. – Falo sem pensar. Ando fazendo muito isso ultimamente.
   sorri mais abertamente:
  - Isso quer dizer que eu sou gostoso?

  Sorrio verdadeiramente dessa vez, lembrando que, por mais que ele tenha mentido, ele também me trouxe muita felicidade:
  - Você não sabe ler, princesa?
  - Sei, mas queria que lesse para mim. – Digo e ele sorri fazendo um pequeno sinal de negação com a cabeça. – Ahh, por favorzinho... – Tento fazer minha melhor cara de cachorrinho perdido e ele me encara por alguns segundos.
  - Tudo bem. – Ele finalmente cede e comemoro entregando á ele o livro marcado na página do pequeno poema de apenas quatro linhas. limpa a garganta e encara a página amarelada por alguns segundos. Não consigo deixar de notar seus lábios se mexendo suavemente quando ele recita. – “Duvida da luz dos astros/ De que o sol tenha calor/ Duvida até da verdade/ Mas confia em meu amor.”

  E, assim como dizia o poema que ele leu no dia em que fiquei meio doente, eu nunca duvidaria de seu amor. Mesmo ele ainda não sabendo, eu também o amava, perdidamente, loucamente:
  - Hey. – levanta do outro sofá e senta ao meu lado passando um dos braços por meus ombros. – Vai ficar tudo bem, provavelmente Tyler não vai nos encontrar.
  - Mas, e se encontrar?
   deu um sorriso sem mostrar os dentes e, só esse ato já faz com que me sinta menos tensa:
  - Farei de tudo pra não deixar que machuquem minha princesa.

  Lembro-me de realmente sentir que nada iria me machucar enquanto ele estivesse por perto. Talvez pelo fato de ele ter caído para isso mesmo. Para me proteger. Acho que, afinal de contas, ele acabou sendo como um anjo da guarda para mim. Lembro-me dele querendo que eu lutasse ao lado dos caçadores pelo simples fato de que, lá, eu correria menos risco de me machucar.
  - Sabe, , em minha opinião nós não precisávamos ter nos conhecido.
  Vejo os olhos dele brilharem. Ele não pode chorar agora. Se ele chorar eu não sei o que posso fazer.
  Desvio os olhos para o chão, mas posso o ver dando passos curtos para trás:
  - Sabe, . – Ele repete a mesma coisa que eu disse antes com a voz embargada e levanto minha cabeça para olhá-lo. – Em minha opinião, amar você foi uma das piores coisas que eu já fiz.

  Idiota. Como pude ser tão idiota? Aposto que, se ele pudesse escolher, escolheria não me amar, mas eu não posso negar que, se fosse eu no lugar dele, faria a mesma coisa.
  Ah, como eu gostaria de acordar com amnésia e esquecer tudo de ruim que vem acontecido... Seria tudo tão mais fácil se nós dois fôssemos simples humanos.
  Ás vezes, ser humano é uma das melhores coisas que você pode ser. É tão simples e descomplicado ser apenas um pequeno e frágil humano.
  Acabo adormecendo. Sentindo o cheiro de meu amor e imaginando como será quando eu poder vê-lo novamente.

FIM



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