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#006 Temporada

Another Love
Tom Odell




Another Love

Escrita por lagrimas-estelares

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I wanna take you somewhere so you know I care

  Meus olhos estagnaram na figura de Lance que, gloriosamente como o apelido, fez um tiro certeiro no meio do peito de Lotor. Depois de tanto tempo, uma traição dentro do Castelo, nosso Castelo, fez com que a luta em proteção ao Voltron não fosse do lado de fora.
  E sim entre os corredores iluminados com as luzes emergenciais instaladas por Pidge, Matt e Hunk. Nos nossos quartos, que se tornaram nossos únicos refúgios de Lotor. No observatório, o lugar favorito de Lance e agora o lugar de execução do alteano-galra.
  E do próprio cubano.
  Não acho que alguém tenha percebido a espada que ainda estava firme entre os dedos de Lotor e que Lance sabia sim do perigo que ele estava correndo ao se aproximar mais do corpo lilás do híbrido alteano-galra, pois ninguém – exceto eu – tentou impedi-lo de executar o tiro preciso e que nos salvou. Mas que matou-o.

But it’s so cold and I don’t know where

  - Lance! – eu gritei em plenos pulmões e soltei o meu bayard com desespero ao lado do corpo do garoto apenas algumas polegadas mais alto do que eu, mas que havia acabado de cair no chão com a espada de Lotor atravessando o seu torso.
  Sua pele não parecia bronzeada dos dois sóis do planeta de Shychi-chitl, que havíamos visitado há três dias, e quando eu retirei o seu capacete com cautela eu pude vislumbrar o suor da luta e do nervosismo escorrendo por seu rosto anguloso e pontudo. Seu nariz longo e arrebitado, as poucas sardas escuras que podiam ser mais vistas agora que eu estava tão perto, seu queixo projetado levemente para frente e suas maçãs do rosto que coravam quando ele flertava com algum alien maldito...
  Ou como tinha feito nas últimas semanas, comigo.
  Seus olhos, mares turbulentos e confusos agora, voltaram-se para mim trêmulos. Suas sobrancelhas longas e finas se juntaram no meio da testa e eu odiei ver aquela ruga de dor dividir seu rosto tão pálido agora, mas que nunca deixaria de ser bonito. Eu odiei a maneira que suas mãos, inquietas e incertas, alcançaram a parte de trás da minha jaqueta em uma busca incessante por suporte que eu era incapaz de oferecer.
  Pois eu sempre havia sido o estranho. O antissocial. O idiota. Aquele que o havia afastado por tantos dias e sem razão.
  Eu havia desperdiçado as chances que eu tivera com Lance com brigas e discussões sem sentido, e agora eu o estava segurando em meus braços pela segunda vez, mas eu sabia que eu não teria como cobrá-lo dessa lembrança.
  - K-Keith – ele tentou chamar o meu nome sem enroscar a língua no céu da boca, e teria conseguido se não fosse pelo fluxo assustador de sangue que deixou os seus lábios. Eu odiei o fato de Lotor ter destruído nossas armaduras, com exceção de nossos capacetes, eu odiei vê-lo à mercê do frio como estava naquele momento.
  - Cale a boca – eu rosnei e em milésimos de segundos a minha preocupação se transformou em mágoa e então em raiva. Ele estava me deixando, assim como minha mãe havia feito, como meu pai havia feito e como Shiro fizera.
  E eu não queria! O plano era leva-lo para o meu quarto, cuidar de suas feridas e finalmente dizer as três palavras que me faziam engasgar no jantar quando seus dedos tocavam os meus, quando ele se dirigia a mim, quando seus olhos encontravam os meus. O plano era lhe levar os tais narcisos que ele tanto me falava, enchê-lo com essas flores e mostra-lo como eu cuidaria bem dele se ele me deixasse ser dele. E ele meu.

I brought you daffodils in a pretty string
But they won’t flower like they did last spring

  - Lance! Keith! – a voz de Shiro soou atrás de nós, e por um momento pensei em me afastar e deixar que ele assumisse a liderança. Eu não poderia fazer nada no momento além de estressar Lance e fazê-lo sangrar mais rápido até a morte certa.
  Nossos pods de cura... Eles estavam fora de funcionamento. E aquele ferimento era letal.
  Mas quando eu me remexi para ajeitar o meu joelho ruim no chão, as mãos de Lance agarraram mais forte a minha jaqueta e ele tentou balbuciar coisas enquanto mais sangue escorria de sua boca. Ele tentou engolir, e eu pude ver as lágrimas enchendo os seus olhos.
  Não me deixe agora, por favor.
  - Nós vamos te levar pra casa Lance – eu disse – Coran vai cuidar do seu ferimento e então nós vamos descansar e agora Lotor está morto, e então nós vamos lutar contra Zarkon e você finalmente vai reencontrar a sua família – minhas informações eram rápidas e sem espaço, mas eu tinha medo de que se eu deixasse de falar, as lembranças do meu passado talvez tomassem conta da minha cabeça e eu abandonasse o corpo de Lance à deriva.
  Sem desviar os meus olhos dos dele, que deixava as lágrimas escorrerem livres pelas têmporas para se perderem entre cabelos que agora tinham cachos tão pequenos e leves, senti a presença de pequenas mãos pressionando ferida, em volta da espada, que ainda estava cravada em Lance e manchava a sua camiseta favorita.
  A que eu havia comprado em um mercado espacial em uma das minhas missões com a Blade of Marmora. Era estampada com uma barbatana de tubarão e eu simplesmente achei que era tão a cara de Lance... e ele a amou.
  Obviamente estava arruinada agora e Deus, tudo o que eu queria era presenteá-lo com outras setenta dessas. Então eu escutei o burburinho de conversas ao meu lado, dizendo que o melhor a fazer era esperar pelo retorno de Coran – ele estivera ali por algum momento? – que fora verificar um pod de cura. Posicionei minhas coxas por debaixo da cabeça de Lance, seus olhos nunca desviando dos meus.
  Eu nunca pensei que poderia observá-los por tanto tempo sem corar.
  Eles eram enormes, grandes esferas azuis escuras, e dentro da direita uma manchinha marrom se estendia para perto da pupila, mas nunca realmente encostando nela. Era adorável, como se a grandeza de suas pequenas marcas que realçavam o seu corpo não pudessem se limitar à pele e então recorressem ao azul oceano de suas írises.
  Como a pintinha debaixo de seu queixo em formato de coração, coberta agora pelo seu sangue tão escuro, como suas sardas, agora tão realçadas na pele cada vez mais pálida.

And I wanna kiss you, make you feel alright
I’m just so tired to share my nights

  Mas mesmo com toda aquela extensão de fluídos, com aquela proporção de sangue que me fazia lembrar toda a guerra pela qual estávamos passando de uma maneira tão ampliada e com todos assistindo, eu queria colocar Lance dentro dos meus braços e beijar a ponta afiada de seu nariz e perguntar se eu poderia dizer, durante todos os dias da minha vida, que aquela cicatriz no canto de sua boca realçava o seu sorriso e o fazia mais charmoso e me tornava mais suscetível a corar diante qualquer lançamento de um deles na minha direção.
  Eu queria sussurrar no seu ouvido toda maldita noite após um pesadelo seu que tudo ficaria bem, que nós estávamos todos juntos e que aquele era o nosso momento, mas que sim, nós voltaríamos para a Terra e ele, para a sua família. Mesmo que isso significasse voltar para um lugar em que nada nem ninguém estava esperando por mim – nenhum futuro, ninguém.
  Pelo menos eu teria em memória a faísca de felicidade nos olhos de Lance, as únicas lágrimas derramadas deles sendo as de euforia, sua risada borbulhante enchendo meu próprio peito de calor.
  Pois eu estava cansado de passar aquele tempo todo sozinho, e estava mais do que arrependido de constatar o fato apenas quando Lance estava morrendo em meus braços. Não era um momento de ligação; era nosso momento de fragmentação.
  De repente, os olhos de Lance começaram a rolar. Eles tentaram se manter focados nos meus, eu posso jurar, mas aparentemente suas pálpebras pesavam toneladas. E ele as teria fechado se não fosse pela mão humana de Shiro segurando suas bochechas com força, fazendo-o arregalar os olhos e cuspir um pouco mais de sangue.
  - Precisamos que você fique acordado, Sharpshooter.
  Dessa vez, o apelido não surtiu efeito positivo sobre o moreno. Seus olhos desviaram-se para mim novamente e então estávamos apenas eu, ele e seu sono sorrateiro e perigoso caminhando nas pontas em volta de seu corpo esguio e tão bonito, feito uma única estrela.

I wanna cry and I wanna love

  As estrelas.
  - Hunk, por favor, abra o teto de exposição – eu sussurrei, e o paladino amarelo fungou em resposta antes de se levantar ruidosamente e correr em direção ao painel de controles. Logo, o rosto e o corpo de Lance foram banhados pela luz da galáxia na qual nos encontrávamos. Allura deveria estar trabalhando para nos tirar de lá no momento, mas quando eu ousei desviar os olhos para cima e ver aquela luz roxa que pintava Lance...
  Eu desejei que ela nos deixasse ali até que Lance pudesse descansar de verdade.
  Estrelas cadentes rosas e amarelas. Em uma galáxia roxa e repleta de estrelas. Eu não me lembrava dos elementos químicos que proporcionavam cores assim e eu sequer tinha a capacidade de me esforçar no momento para tentar, mas eu apenas agradeci à química no momento em que os olhos de Lance se acalmaram diante a visão e ele fungou horrivelmente conformado com a situação.
  - Você vai voltar para casa, e você... pode me apresentar para Mateo, seu irmãozinho, que você tanto fala. E nós vamos contar histórias sobre as mais belas estrelas que nós vimos: essas – eu apontei para o teto.

But all my tears have been used up
On another love, another love

  Eu estava mentindo, eu sabia que estava. Senti-me culpado por isso mais do que por não conseguir chorar – lembrando-me dos meus soluços gritantes quando meu pai havia morrido, eu achava que nunca mais poderia reproduzi-los -, e quando os olhos de Lance se aquietaram por um momento antes de seu corpo se tornar completamente imóvel nos meus braços, seu aperto afrouxou na minha jaqueta, e ele estava
  sem respiração
  sem sinal de desespero
  apenas com a sombra de um sorriso
  em direção às estrelas,
  senti-me culpado por não dizer que eu, Keith Kogane, o amava e o amei durante tanto tempo.
  - Keith, buddy – a mão de Hunk apoiou-se no meu ombro – Coran disse que ele preparou o pod de cura especial. Pode funcionar, mas precisamos ser rápidos – sua voz era urgente e molhada, um tanto confusa e distorcida, como se algo estivesse impedindo o ar de sair.
  Mas Lance... ele estava morto.
  Em meus braços.
  E ele nunca saberia o valor que sua vida tivera para mim.
  De repente, o seu corpo foi tirado do meu por Allura e eu cegamente tentei puxar a sua jaqueta na minha direção; eu enxergava vermelho nas bordas das vistas. Mas os meus braços foram prensados contra o peito de alguém – magro, mas forte -, e então eu estava me debatendo como um animal arisco e observando o corpo de Lance nos braços da Princesa, seu sangue manchando o caminho para fora do observatório em um rastro ligeiro.

And if somebody hurts you, I wanna fight
But my hands been broken, one too many times

  - Porra! Me solta! – berrei e me debati, acertando uma cotovelada nas costelas de Matt. Escutei um ofego machucado e quando eu achei que finalmente estava livre de seus braços para enfim me levantar e correr atrás de Lance e me redimir, ao menos em sua morte, por algo que eu nunca tivera coragem de fazer em vida, outro puxão me fez voltar para o chão e então eu soube que não conseguiria sair dali nem por meio milhão de chutes e socos.
  Penso que talvez Shiro estivesse tentando me dizer algumas coisas, mas tudo o que se passava em meu cérebro era o coreano grotesco que meu pai havia me ensinado quando eu era apenas um projeto de criança confuso e briguento na escola. Não que tudo isso tivesse definitivamente melhorado.
  Mas não queria pensar no adolescente confuso e briguento de agora, pois ele havia perdido o amor da vida dele para o seu pior inimigo. O cara que escolheu salvar a sua vida e como se fosse Deus, retirou a de Lance da vida dele.

So I’ll use my voice, I’ll be so fucking rude
Words they always win, but I know I’ll lose

  - Eu odeio ele Shiro! – eu não dava crédito para que ele realmente estivesse entendendo qualquer palavra que eu estava dizendo, mas eu esperava que a força com a qual eu as colocava para fora fosse suficiente para que parte do recado fosse dado. Meus olhos não desviavam agora da figura ensanguentada de Lotor, os cabelos brancos empapados no líquido roxo escuro que era seu sangue – Queria que ele estivesse vivo para que eu mesmo pudesse mata-lo com minhas próprias mãos. Eu quero que ele sofra como Lance sofreu!
  A mistura de inglês e coreano me frustrou a certo ponto e então, para a minha própria sanidade, eu decidi me encolher nos braços de Shiro e gritar o mais alto que eu podia: com toda a força dos meus pulmões, de uma maneira que talvez o estivesse assustando, mas que eu não podia impedir. Era como se eu voltasse ao enterro do meu pai, mas agora nós tínhamos pods de cura e mesmo assim Lance estava morto.
  Eu nunca mais veria o movimento de seus cílios ao vento, de seus dedos entre os cabelos confusos, seu rosto impecável ao acordar, suas canelas nuas de pelos e seus dedos esguios nos meus ombros. Eu nunca mais ouviria o som de sua voz, o agudo de seus gritos surpresos, as alterações quando ele estava nervoso, seus ofegos na comunicação do capacete e seus sussurros preocupados quando nos encontrávamos em meio à uma missão. Eu nunca mais veria o seu sorriso descarado, o seu corpo magro, o seu jeito tão confiante e ao mesmo tempo tão consciente de andar. Eu nunca mais poderia me livrar de suas preocupações, dizer o quão bom ele havia sido em um tiro, elogiar seus planos e... Nunca poderia ter a chance de pedir a ele para ser meu.
  Quando minha garganta havia se cansado, eu me perguntei se as lágrimas viriam. Mas a única sensação que eu obtive foi o vazio em meio peito e uma súbita lembrança do significado dos narcisos. Pidge havia me contado uma vez sobre um homem chamado Narciso que era tão obcecado com sua beleza que se afogou em um lago por observar o próprio reflexo por tempo demais. Mas as flores, elas significavam paciência e união de opostos. Fidelidade.
  Oh.
  Talvez... fosse por isso que ele me dizia tanto sobre elas.
  A constatação quebrou alguma coisa dentro do meu peito e eu achei que finalmente Shiro me deixaria sair do aperto de seus braços, mas eu estava enganado. Voltei a gritar em coreano o mais rápido que conseguia em uma tentativa inútil de assustá-lo para conseguir fugir, mas ele não deixaria que isso acontecesse novamente:
  - Não estou deixando você entrar na tubulação de ar do Castelo como da última vez – como se lesse os meus pensamentos a sua voz disse para mim, e então eu apenas fechei os meus olhos e comecei a tremer dentro de seus braços como se fizesse o pior frio de todos os tempos – Keith?
  Lance estava morto. E eu não tinha lágrimas para chorar.
  - Eu não consigo chorar – sussurrei em um inglês arrastado – E Lance está morto. Tudo é culpa minha.
  Shiro sabia que era inútil discutir comigo no momento, então ele apenas me virou para que eu pudesse sucumbir ao calor de seu abraço e eu me deixei embalar pelo meu irmão mais velho.

And I wanna cry I wanna learn to love
But all my tears have been used up

  Acordei ao som de murmúrios, e por alguns segundos eu não soube o motivo de tanta bagunça se nós não estávamos atrás de Zarkon. Mas então a consciência dos fatos recaiu sobre mim e eu me obriguei a sentar subitamente, percebendo que eu estava na enfermaria em uma das camas hospitalares alteanas. Todos se voltaram para mim.
  Todos.
  Todos.
  Até mesmo Lance.
  Meu primeiro impulso foi jogar as pernas para fora da cama e Hunk me segurou quando eu quase me dei por vencido com meu joelho machucado, mas voltei a me arrastar com a ajuda de seu corpo na direção de Lance. Seus cabelos estavam úmidos e grudados na testa como se ele tivesse acabado de sair de um banho, e se não fosse pela enorme cicatriz que se estendia por sua barriga, eu poderia pensar que tudo aquilo não passara de um sonho.
  - Como? – foi a única coisa que eu consegui cuspir, minha voz rouca de tanto gritar. Eu esperava que Lance erguesse os olhos na minha direção, que ele dissesse “eu sou Lancey Lance, você esperava menos de mim, mullet?”, mas isso nunca aconteceu. A resposta caiu dos lábios de Coran, que parecia tantos anos mais velho.
  Não pude deixar de me sentir mais culpado por isso, toda a onda de preocupação dos últimos dias recaindo sobre ele: - Alfor projetou um pod especial, e ele foi usado duas vezes na mãe de Allura, Adole. Ela estava muito doente e ele tinha a intenção de curá-la através de sua própria essência, não como Zarkon fez. Mas ela escolheu reencontrar os seus ancestrais, mas Lance... ele resistiu. Como pensamos que faria. As chances eram mínimas, mas...
  Meus olhos se desviaram para a figura de Lance, que timidamente ergueu o rosto para mim. Não que seus olhos estivessem se dirigindo aos meus, mas eles estavam presos na minha jaqueta. Então me desloquei dos braços de Hunk e a retirei, colocando-a sobre os ombros de Lance com cuidado para não o assustar.
  Ele não retesou quando meus dedos tocaram a sua pele cheia de pintinhas da área dos ombros, e pela primeira vez eu pude notar seus ossos saltados e o quão macia sua pele era. Ele se encolheu dentro do tecido vermelho, ergueu a gola o máximo que podia para esconder a linha do seu maxilar e voltou a se deitar no travesseiro da cama, virando de costas para todos nós.
  - Lance está com mutismo – Allura confidenciou em uma voz amena – Ele não tem nenhum ferimento físico nas pregas vocais, então pensamos que pode ser em associação ao evento traumático de não conseguir falar anteriormente.
  - Ele está associando a fala... ao sangue?
  - Mais à sensação de desespero, mas vamos mudar de tópico caras – Hunk completou e apontou para o paladino azul, que começou a tremer debaixo da minha jaqueta.
  Aquela era outra coisa que eu odiava, ver Lance envolto da aura insegura e indefesa depois de alguma situação horrível como aquela. Ver seus olhos mortos por alguns segundos e então seu corpo vivo novamente, completando movimentos de respiração, mas sua mente envolta de memórias que não poderiam ser apagadas.
  Nunca mais.
  Dei a volta em sua cama, empurrando qualquer um que tentasse colocar as mãos sobre meus braços nus e me sentei na cadeira que estava de frente para Lance. Quando vislumbrei os eu rosto, pude enxerga-lo molhado de lágrimas e naquele momento em diante eu desejei poder olhar para seus olhos todos os dias ao acordar e nunca ver um resquício de tristeza sequer em seu semblante.
  Eu queria ter o poder de fazê-lo feliz com o simples toque dos meus dedos, fazê-lo voltar a falar e sorrir em minha direção como eu nunca pudera fazer por ninguém, nem por mim mesmo; mas eu soube que ferimentos internos eram sempre mais delicados e demorados para sarar que os físicos, e eu faria de tudo para que Lance se recuperasse em seu tempo.
  - Eu te segurei nos meus braços, buddy, espero que você se lembre disso dessa vez – eu estava enganado. Talvez eu tenha conseguido trazer a sombra de um sorriso para os lábios de Lance, e... é, eu poderia cobrá-lo desse momento pelo resto de seus dias.
  Ele não respondeu, como o esperado, mas fechou os olhos e apreciou o contato dos nós dos meus dedos calejados em suas bochechas e na ponte do seu nariz, enquanto eu limpava suas lágrimas. Havia uma calma assustadora dentro de mim, eu não estava mais perturbado com a possibilidade de Lance McClain saber sobre o quanto eu me importava.
  Pois eu estava diante a mornidão do seu corpo e a magia intensa da cor de seu corpo novamente, algo que eu achava que só poderia presenciar diante um caixão e flores que apodreceriam com o passar do tempo. Pois eu pensei que tinha perdido o brilho dos olhos oceânicos de Lance para as estrelas e que eu nunca mais poderia recuperá-lo, e pilotar Red depois que Lance havia sentado como piloto e havia me ajudado a aceitar o meu destino com o Black Lion sem de fato sua presença no Voltron... seria impossível para mim.
  Minhas lágrimas poderiam ter sido desperdiçadas e acabadas em minhas outras perdas, com outras pessoas que amei, mas Lance não era uma pessoa perdida. Ele estava diante os meus olhos e ele era real, e isso era o que importava.
  - Eu fiquei com medo – sussurrei em sua direção, aproximando minha cabeça de seu braço estendido para fora da cama e a apoiei na temperatura cativante de seu corpo. Subitamente senti dedos em meus cabelos e nem mesmo em meus sonhos mais confidenciais eu pude imaginar que a sensação seria tão... tão... aprazível – Pensei que eu fosse perder você também.
  O silêncio continuou por alguns segundos e eu não me importei com os murmúrios de todos os outros na sala, e sim apenas a respiração de Lance, comprovando sua existência. Seus dedos deslizaram pela barba rala em meu rosto e se dirigiram para a minha mão. Ele a segurou com os dedos em volta do pulso e a empurrou contra o lado esquerdo do seu peito, sobre o coração.
  Eu corei até as orelhas e esperei que meu cabelo estivesse cobrindo minhas bochechas, pois afinal de contas eu estava encostando em seu mamilo. Mas então... eu estava sentindo o seu coração bater forte contra as almofadas dos meus dedos e as linhas da vida, do destino e do amor que traçavam a minha mão.
  E talvez ele estivesse batendo por elas.
  Depois de alguns minutos, Coran nos disse que estavam nos deixando sozinhos por algumas vargas para que pudéssemos conversar. Eu não sabia o que dizer. Vomitar uma declaração de amor? Agradecer aos céus por ele estar vivo?
  Sucumbir ao choro certeiro que estava entalado na minha garganta?

And I’d sing a song, that’d be just ours
But I sang 'em all to another heart

  Então eu simplesmente comecei a narrar uma canção, pois era humanamente impossível para eu cantá-la. Era coreano barato, me levava de volta aos meus momentos assustados de quando eu era criança e meu pai cantava para mim com sua voz rouca, e eu esperava que a sensação de ser cuidado e amado também difundisse em Lance.
  No dia em que Lotor morreu e Lance voltou à vida com a força de suas conquistas acumulada em sua essência, eu posso ter cedido à minha covardia. Eu não disse que o amava, mas disse que me importava o suficiente para chorar segundos depois, sendo acalmado pelo calor de seus dedos e a luz de seu sorriso. Em algum momento da noite eu sorrateiramente peguei um dos meus cobertores e cobri seu corpo adormecido, mas infelizmente acordei com o barulho de seus gritos abafados pelo tecido da minha jaqueta em meio a um pesadelo.
  Lance demoraria a curar, mas eu estaria lá para cuidar dele. Não importavam outros amores que haviam me deixado, outras pessoas que haviam me abandonado. O cubano era meu agora, meu presente. Ele era meu real e se ele me permitisse, eu mostraria que todo o universo poderia ser o real dele.
  Em meio ao silêncio, eu me lembrei dos narcisos. Eles também representam a ausência de som e talvez como uma flor, Lance precisasse florescer novamente para se curar. E eu esperaria o tempo necessário para ver todas as suas pétalas.