A Herança

Escrito por Danielle Aquino | Revisado por Lyra M.

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"Cada relacionamento entre duas pessoas é absolutamente único. Por isso você não pode amar duas pessoas da mesma maneira. Simplesmente não é possível. Você ama cada pessoa de modo diferente por ela ser quem ela é e pela especificidade do que ela recebe de você. E quanto mais vocês se conhecem, mais ricas são as cores desse relacionamento."
- A Cabana.

1. O acordo

  Joguei minha bolsa sobre o sofá da sala e finalmente me livrei dos scarpins que haviam torturado meus pés o dia todo. Eu definitivamente precisava de férias! Não aguentava mais passar doze horas do meu dia com a cara afundada em processos ou gastando a minha saliva em tribunais.
  Dez segundos depois de ficar sentada no sofá olhando para os móveis do meu apartamento enquanto meus pés recuperavam circulação sanguínea suficiente para que eu me colocasse de pé de novo, levantei-me e liguei a secretária eletrônica.

  Oi, ! Estou passando pra te lembrar do chá de lingerie da Summer, sexta da semana que vem. Não se esqueça de que é pra ir caracterizada do tema “cabaré”, ok? Então, tire as teias de aranha de algum corpete e arrase na maquiagem. A gente se vê lá às seis da tarde – sem atrasos! Beijo.

  A voz de , minha melhor e mais petulante amiga, reverberou pela sala. Transbordava empolgação, é claro. seria a próxima de nós a receber um chá de lingerie – Summer se casaria dali a dois meses, se juntaria legalmente a Alex dali a cinco. Phoebe estava noiva há quase um ano e logo acabaria marcando a data do casamento também... E eu? Bom, eu não tinha tempo para namorar desde os meus 18 anos, quando entrei para o curso de Direito na Universidade Columbia. Passei quatro anos trabalhando em diferentes escritórios, e agora, aos 28, era uma das mais respeitadas promotoras da cidade de Nova York, com seis advogados trabalhando para mim no meu escritório, que eu administrava quando não estava no tribunal. Por tudo isso, eu mal tinha tempo para alimentar meu peixe dourado. Arrumar um namorado estava totalmente fora de cogitação. É claro que eu fiquei com algumas pessoas ao longo dos últimos anos, mas meu relacionamento que mais perdurara durou seis meses.

  E aí, , como é que tá? Só avisando: vou dar uma passadinha aí hoje à noite. Então... Até lá!

   anunciou usando o tom cretino e abusado de sempre. , meu melhor amigo e ex-namorado, normalmente me visitava quando queria reclamar de Sammanta, sua namorada pegajosa, mas que devia ser boa demais na cama para que ele conseguisse deixá-la. Rolei os olhos para a mensagem dele e peguei o pote de comida de Tufão, meu peixinho.

  Boa tarde, senhorita . Meu nome é Kevin Adams, e estou entrando em contato para falar a respeito do testamento de sua tia-avó, a senhora Montgomery. A senhorita foi incluída por ela entre os herdeiros, e deve comparecer à leitura do documento amanhã, quinta-feira, às duas horas da tarde, na casa onde sua falecida tia-avó residia. Qualquer dúvida, por favor, entre em contato neste número de telefone. Meus sentimentos pela sua perda. Tenha uma boa tarde!

  Escutei a última mensagem que constava em minha secretária eletrônica chocada. A tia Montgomery havia morrido? Como eu só estava sabendo disso agora? Talvez o fato de eu ter ignorado as ligações de minha mãe ao longo dos últimos dias tivesse alguma coisa a ver com aquilo... Peguei o telefone e disquei o número da última pessoa com que eu gostaria de falar, mas provavelmente a única que me informaria direito sobre o assunto.
  — Realmente, milagres acontecem. — minha mãe disse ironicamente. Nada de “oi”, “como vai?” nem nada do tipo; somente a sentença sarcástica que tinha como objetivo fazer com que eu me sentisse mal por trabalhar tanto e ser tão ausente.
  — Oi, mãe. Como estão as coisas? — perguntei já me arrependendo por não ter escolhido a internet como fonte de informação. Minha tia era milionária, então com certeza havia algum lugar na rede que noticiava sua morte.
  — Eu te liguei a semana inteira para contar que a sua tia-avó faleceu, mas pelo visto a senhorita é ocupada demais para atender às ligações de sua própria mãe. — rolei os olhos para o drama.
  — Eu ia retornar às suas ligações porque eu sempre estava no tribunal quando a senhora telefonava, mas a minha semana foi muito cheia e eu acabei me esquecendo. Desculpe.
  — E por que decidiu ligar agora?
  — O advogado da tia-avó Marie me ligou. Parece que ela me incluiu no testamento e eu tenho que comparecer à leitura amanhã.
  — Jura? Bem, isso é ótimo. A velha era bem rica, então deve ter te deixado um bom dinheiro. — minha mãe comentou indiferente. Ela nunca se dera bem com a família do meu pai enquanto ele ainda estava vivo, e a situação só piorou depois de sua morte.
  — Eu não acredito que perdi o velório dela... — murmurei pesarosa.
  O contato que tive com minha tia-avó Marie Montgomery não fora próximo o bastante para que eu sofresse tanto agora com sua morte. Já havia alguns meses que ela sofria de câncer de pele, e a verdade era que eu já imaginava que ela não sobreviveria tanto tempo. Oitenta e três anos também era um bom período de vida – eu seria grata a Deus eternamente se chegasse tão longe. E exatamente porque nunca fomos pessoas assim tão próximas que eu não conseguia entender por que ela havia deixado algum bem para mim. A última vez que eu me lembrava de tê-la visto, foi quando me acompanhou em sua festa de aniversário, oito anos atrás. Sorri automaticamente ao me lembrar do meu ex-namorado dançando com ela. O sorriso da tia-avó Marie era tão grande e sincero que qualquer um sorriria também ao olhar para o rosto dela.
  — Não teve velório, querida. Sua tia deixou bem claro que ela queria ser cremada imediatamente, e que suas cinzas fossem depositadas próximas à do marido no memorial da família. Ela não queria ninguém lamentando sua morte porque, palavras dela minutos antes de dar o último suspiro, ela mesma não lamentava isso. Estava feliz por ter vivido tanto e agora se juntar ao marido. — minha mãe disse aparentando finalmente um pouco de tristeza na voz.
  — Hum, então está certo.
  — Bom, eu te liguei também para dizer que conheci um rapaz da sua idade maravilhoso essa semana. Ele é médico, filho do meu dentista.
  — Seu dentista e peguete?
  — Nós estamos nos conhecendo. — ela respondeu provocando-me uma risada. — Enfim, o nome dele é James, e ele é um encanto.
  — Boa noite, mãe. Depois te conto como foi na leitura do testamento. Se cuida.
  — ... — ela murmurou meu nome usando seu tom de repreensão. — Você tem 28 anos, filha! Todas as suas amigas estão se casando ou caminhando para isso!
  — Boa noite, mãe. — eu disse simplesmente e não esperei que ela respondesse. Desliguei o telefone e fui para o banheiro tomar o banho com o qual havia sonhado o dia todo.

  — JÁ VAI! — gritei pela trigésima vez enrolando o cabelo na toalha, molhando boa parte do corredor. Fechei o roupão e então abri a porta para . — Você é chato, hein, ? — resmunguei enquanto ele entrava no meu apartamento e se jogava no sofá da sala sem tirar os sapatos. — Tire os sapatos se quiser continuar tendo pés.
  — Ok, ok. Que mal humor... Há quanto você não transa, hein?
  Lancei um olhar fulminante para o folgado, mas isso só o incentivou a continuar pegando no meu pé.
  — Eu já te disse que posso cuidar disso, se você quiser. É só a gente não contar nada pra Sammanta.
  Pensei em jogar nele um dos copos que estava por perto na cozinha, mas não valeria a pena limpar a sujeira depois.
  — Pode ter certeza de que, se eu for fazer sexo com alguém, a última pessoa com quem faria seria com você.
  — Por quê? Você está com a memória tão fraca assim pra não lembrar mais como eu sou bom nisso? — ele perguntou ofendido provocando-me uma gargalhada. — Não me faça ir aí te provar meu argumento, ...
  — Ok, ok. Você é bom nisso. Agora cala a boca e escuta a novidade. — voltei para a sala passando-lhe uma taça de vinho e me acomodei em uma das poltronas.
  — Hum, fala.
  — Sabe aquela minha tia-avó que estava com câncer?
  — Aquela da reunião de família que eu fui enquanto a gente namorava? — uma das melhores (ou piores, eu ainda não tinha certeza) coisas em era sua memória perfeita. Ele nem precisava prestar muita atenção ao que você falava que conseguia falar do assunto de novo mesmo anos depois.
  — Essa mesmo. Ela morreu essa semana.
  — Caramba. Meus sentimentos, . — disse automaticamente.
  — Obrigada. Mas enfim, parece que ela me incluiu no testamente, porque eu recebi uma ligação do advogado hoje dizendo que a leitura do documento será amanhã, e como uma das herdeiras nomeadas, eu tenho que comparecer.
  — Essa sua tia era bem rica, não era?
  — Milionária. — respondi sem conseguir conter um sorriso.
  — Você não presta, . Está feliz com a morte da dona porque saiu ganhando... — balançou a cabeça em negação.
  — O que importa é que ela viveu muito. E você não é nenhum santo! Já estaria fazendo dívidas com o dinheiro se tivesse recebido uma notícia dessas.
  — Bom, não posso negar isso. — ele deu de ombros.
  — Certo, agora desembucha. O que aconteceu dessa vez pra Sammanta ter vestido a calça jeans?
  — Como é que é? — perguntou ultrajado.
  — Você só me procura quando briga com ela. E eu sei que você tá doido pra desabafar, então pode começar. — ele me encarou por alguns segundos e então começou a falar sobre como Sammanta entrou de novo no assunto “casamento” e eles brigaram porque essa é a última coisa que quer fazer na vida.
  — E nós não nos falamos desde ontem por isso. — ele falou por fim e entornou o resto do vinho que estava em sua taça.   — , me responda uma pergunta com toda a sinceridade. — seus olhos verdes me encorajavam a prosseguir. — Por que você não quer se casar com a Sammanta?
  — Porque eu acho que não é o momento certo pra fazermos isso. Eu quero tomar essa decisão sozinho, . Não quero que ela faça isso por mim.
  — Mas você já parou pra pensar que vocês praticamente moram juntos? A parte mais difícil do casamento é essa. E, de qualquer modo, você sabe como se divorciar é simples hoje em dia.
  — Eu não quero me divorciar. Quando me casar, quero que seja para sempre.
  — Awn, você é tão fofo quando diz essas idiotices românticas. — me aproximei dele para apertar sua bochecha como uma tia chata faria com um sobrinho bonitinho, mas ele se afastou fazendo uma careta. — Agora eu vou ser sincera com você, meu querido. — falei retomando a seriedade. — Você não quer se casar com a Sammanta porque você não vê um “para sempre” com ela. Você acredita, na verdade, que no instante em que vocês assinarem um papel que diz que estão unidos pela lei pelo resto de seus dias, o relacionamento de vocês vai durar alguns meses no máximo, e então a convivência será insuportável o bastante para levar ao divórcio.
  — Eu não vejo um futuro com ela mesmo. Agora. Quero dizer, a gente pode dar certo daqui algum tempo, quando eu estiver preparado para esse tipo de compromisso... — murmurou com pouca ou nenhuma firmeza.
  — Caramba, o quão boa de cama essa garota é, hein? — perguntei nervosa. sempre foi o garoto egoísta que não gosta tanto mais do brinquedo, mas se recusa a deixar que outra pessoa brinque com ele.
  — Não é só isso, . E você é melhor que ela. Ou era, porque já deve estar tão enferrujada que... — as palavras de foram interrompidas por uma almofada que acertou em cheio sua cara; almofada esta lançada por mim, apenas porque eu não queria quebrar meu telefone ou o aquário de Tufão, que eram as outras coisas mais próximas.
  — Sim, mas eu quem terminei com você. E eu ia dizer que isso era bom porque eu quem seria a Sammanta de agora, mas eu abomino casamentos tanto quanto você, então... — dei de ombros.
  — Pra que assinar um papel, juntar os bens, fazer seguro de vida e essas palhaçadas se vamos desfazer tudo depois? — concordou andando até a cozinha provavelmente à procura de mais vinho.
  — É por isso, meu querido , que “quem pensa não casa”.
  — Por que mesmo nós não demos certo, hein? — ele questionou voltando da cozinha com a garrafa de vinho nas mãos e pegou minha taça para enchê-la novamente.
  — Éramos muito jovens, a coisa tava ficando muito séria, eu queria focar na carreira... Mas isso não importa. Somos bons amigos e eu provavelmente serei sua madrinha de casamento daqui a alguns meses. — brinquei, e desta vez fui eu quem levou uma almofadada. — O que foi? — perguntei rindo da atitude dele.
  — Vire essa boca pra lá, . Deus me livre! — fez o sinal da cruz três vezes e jogou-se no sofá de novo, ligando a TV logo em seguida.

***

  Dois milhões de dólares. Depois que o advogado anunciou o valor da herança que minha tia-avó destinara a mim, parei de escutar o que ele dizia. E provavelmente o que ele dizia era importante, então eu deveria prestar atenção... Sacudi minha cabeça de um lado para o outro várias vezes tentando focar minha mente no que ele falava ainda sobre o assunto.
  — A senhorita e o senhor ainda não estão casados, certo? — Kevin Adams perguntou acordando-me para a realidade.
  — O quê? — questionei chocada. O que tinha a ver com tudo aquilo, pelo amor de Deus?
  — Bom, a vontade de sua falecida tia-avó é clara: os dois milhões de dólares serão depositados diretamente em sua conta bancária no momento em que a senhorita me apresentar o documento de casamento dos dois. Ela também deixou claro que quer que sua secretária pessoal acompanhe a rotina do casal por alguns dias, afinal, assinar um documento de casamento pode ser um acordo facilmente forjado. O que nos leva novamente à minha pergunta... A senhorita e o senhor ainda não estão casados, certo?
  — Não, ainda não. — respondi.
  — E pretendem oficializar o relacionamento quando?
  Ok, o que eu deveria fazer agora? Dizer a verdade e falar que e eu terminamos há muito tempo, que eu não tinha contato com minha tia-avó há anos e ela provavelmente ainda pensava que estávamos juntos por causa de uma festa de aniversário que eu nunca deveria ter levado , mas fiz essa besteira porque eu tinha 20 anos e não devia raciocinar muito bem nessa época? Se eu dissesse isso, porém, ele simplesmente responderia que a condição para que eu fosse herdeira era estar com e me casar com ele; se esse não era o caso, eu simplesmente deveria me retirar daquela reunião porque eu não tinha direito a nenhum tostão da falecida senhora Montgomery. E eu definitivamente não perderia dois milhões de dólares assim, por uma besteira dessas!
  — Senhorita ? — Kevin chamou minha atenção percebendo meu momento de distração enquanto eu brigava com meus próprios pensamentos.
  — Bem, nós não marcamos nenhuma data ainda, mas estamos juntos sim, e é claro que pretendemos nos casar. Eu vou conversar com meu namorado — parei um instante para pigarrear. Mentir não devia ser tão difícil para uma advogada, . — E entro em contato com você assim que decidirmos isso.
  — Certo. Só devo lembrá-la que sua tia menciona no testamento que a herança só lhe será entregue se o casamento entre a senhorita e o senhor acontecer até o dia que seria o próximo aniversário de sua tia-avó. Isto é, 12 de setembro de 2013.
  — Ou seja, nós devemos nos casar até no máximo daqui três meses.
  — Exato. — Kevin assentiu com um sorriso.
  — Tudo bem. Vou conversar com o e te ligo para falarmos de novo sobre o assunto.

***

  — Você o quê? — perguntou levantando-se da cadeira dentro de seu escritório. A expressão era mais chocada do que nervosa.
  — Você ouviu a parte dos DOIS MILHÕES DE DÓLARES? — quase berrei o valor para ele levantando-me também.
  — Ok, então você pretende dividir o dinheiro comigo? — questionou cético.
  — É claro, né, seu idiota? Quarenta por cento pra você, sessenta pra mim. — anunciei o óbvio.
  — Lógico que não! Esqueceu que eu tenho namorada? Eu vou ter que convencer a Sammanta a participar de uma situação dessas. Então é cinquenta pra você e cinquenta pra mim.
  — Certo, certo. — me rendi voltando ao meu assento diante da mesa gigante de . Ele imitou o gesto, mas levou as mãos aos cabelos impecavelmente penteados antes.
  — Caramba, o que eu vou dizer pra Sammanta?
  — Oferece pra ela dez por cento. — dei de ombros, mas ele continuou me encarando como se eu fosse louca e estivesse tratando as coisas com uma frieza absurda, porque não era tudo tão simples assim. — , relaxa. Nós só temos que levar algumas das suas coisas pro meu apartamento, fingir ser um casal por alguns dias enquanto a vigia da tia-avó Marie observa nossos passos, contratar alguém para planejar um casamento simples, mas ao qual o advogado possa comparecer, e depois de alguns meses de uma feliz união, nós nos divorciamos legalmente e você volta as coisas ao normal com a Sammanta. — falei usando a voz mais tranquilizadora que sabia esboçar.
  — E você vai dizer o quê pra sua mãe, pras suas amigas...? O que eu vou dizer para as pessoas, ?
  — Ninguém além de nós dois e a sua namorada pode saber da verdade. Quanto mais gente envolvida, pior. Então nós realmente vamos ter que inventar uma história para o resto do povo. — declarei pensando nos problemas que assumir um relacionamento com agora me traria. Minha mãe ficaria chocada com a notícia repentina de matrimônio vinda de uma filha que vivia fugindo do assunto “casamento”, mas também ficaria tão feliz que transformaria o evento em algo para si mesma. Minhas amigas... Deus, eu nem sabia como dizer para elas que eu e resolvemos do nada reatar o namoro, e como estávamos perdidamente apaixonados, a data do casamento já seria marcada também. , Summer e Phoebe com certeza não engoliriam essa história tão fácil.
  — , a Sammanta nunca vai aceitar terminar comigo de mentirinha e deixar que eu apareça com você por aí como minha noiva e depois esposa pelos próximos meses.
  — , ela é louca por você, então vai te perdoar depois! Caramba, você não quer um milhão de dólares? — perguntei nervosa com o pessimismo dele. — Do jeito que você está falando até parece que morre de amores pela sua namorada!
  — Posso saber o que está acontecendo aqui? — Sammanta perguntou abrindo a porta do escritório de . Provavelmente havia escutado minhas últimas palavras porque meu tom de voz não era nada sutil quando eu as pronunciei, e sua expressão indicava que eu havia ultrapassado algum limite.
  — Vou deixar vocês conversarem a sós... — eu disse caminhando até a saída antes que a garota pulasse no meu pescoço.
  — Não, não. Você fica. Vamos explicar as coisas pra ela juntos. — falou rodeando a mesa para ficar entre mim e sua namorada.
  — Explicar o quê? — Sammanta questionou nervosa.
  — A está para receber uma herança de dois milhões de dólares, deixados por uma tia-avó que faleceu esses dias e deixou um testamento declarando isso. — a namorada de assentiu e parecia prestes a perguntar o que ele tinha a ver com isso, mas ele prosseguiu antes que ela falasse algo: — Mas tem uma condição para que a receba a herança. E a condição é que ela deve se casar comigo. — sorriu amarelo para Sammanta, que mudou de cor dez vezes antes de falar alguma coisa.
  — Como é? — ela disse quase engasgando com as palavras.
  — Me deixa explicar isso direito. Minha tia-avó conheceu o enquanto nós ainda namorávamos, há oito anos. Ele foi um encanto com ela em sua festa de aniversário, e ela provavelmente pensava que nós dois ainda estávamos juntos quando escreveu o testamento. Eu não a via há muito tempo, então não tinha como ela saber que havíamos terminado. — falei usando minha voz mais doce.
  — E por que você simplesmente não diz isso para o advogado da falecida? — Sammanta perguntou não parecendo nem um pouco mais calma. Reprimi o impulso de chamá-la de estúpida como eu fazia com o tempo todo.
  — Porque isso anularia minhas possibilidades de receber o dinheiro. As condições não mudam simplesmente porque a pessoa que deixou a herança não sabia de uma coisa ou outra. Os dois milhões de dólares serão doados para alguma instituição de caridade se eu não me casar com o até setembro.
  — Bom, então que sejam. Não seria justo ficar com esse dinheiro de qualquer forma. — Sammanta deu de ombros. Respirei fundo e contei até dez. Agora eu quem queria pular no pescoço daquela vaca loura!
  — Amor, nós só precisamos fingir que estamos juntos por alguns meses. Vamos nos divorciar legalmente o mais rápido possível... — pegou as mãos de Sammanta enquanto falava.
  — O quê? Eu não acredito que você está concordando com isso! Comigo você não quer se casar, mas aí a aparece falando de dinheiro e de repente essa é a melhor ideia do mundo pra você? , eu não vou aceitar que você fale pra todo mundo que me largou pra ficar com ela e que já estão planejando casamento, enquanto nós passamos seis anos juntos sem que você sequer tocasse no assunto! — Sammanta esbravejou com o rosto vermelho de ódio.
  — Ok, ok. — disse tentando conter a confusão. — Vamos fazer o seguinte. Se você concordar com isso agora, nós vamos usar a minha parte do dinheiro para comprar uma casa pra nós dois e para dar uma festa de casamento enorme.
  — O que você está dizendo? — a namorada de perguntou parecendo surpresa com o rumo da conversa. E, bom, eu também estava. O choque só aumentou de tamanho quando ele se colocou de joelhos e disse:
  — Sammanta Rivers, quer se casar comigo depois que eu me divorciar da ? — ele disse com um sorriso bobo no rosto e os olhos brilhando. E então eu estava tão perplexa que mal ouvia Sammanta gritando que sim e pulando no pescoço do meu (ou nosso) futuro marido.

2. Justificativas

  — Essa é a última caixa? — perguntei quando passou pela soleira da porta do meu apartamento pela vigésima vez. O chão da sala já estava coberto com outras caixas lotadas de coisas dele.
  — Sim. — ele respondeu com um suspiro.
  — Caramba, quanta coisa! Nem sei se vou ter espaço aqui pra tudo isso.
  — Quando é que a vigia da sua tia-avó vai vir aqui? — questionou indo até a cozinha e pegando uma garrafa de água na geladeira.
  — Ela vai passar alguns dias da semana que vem com a gente.
  — Ela sabe que nós trabalhamos, né?
  — Sim, , ela sabe disso. — rolei os olhos. terminou de tomar sua água e colocou a garrafa e o copo sobre a pia. — O copo não vai se lavar sozinho e a garrafa não vai caminhar até a geladeira de volta, sabia? — eu disse enquanto ele andava para o interior do meu apartamento.
  — E você vai ter que aprender a ser mais gentil comigo se vamos ter uma terceira pessoa vigiando nosso comportamento de casal. Quero dizer, nenhum cara casaria com uma mulher tão grossa. — ele respondeu colocando algumas de suas camisas na parte do closet que reservei para suas coisas.
  — Como é que é? — perguntei ultrajada. — Quer dizer que eu sou grossa?
  — Sim, você é.
  — Eu com certeza seria mais gentil se você não fosse tão porco. — devolvi a ofensa irritada.
  — Nem todo mundo tem TOC como você, . — ele falou um pouco mais alterado também. Bom, eu tinha mesmo que admitir que ser extremamente organizada e odiar bagunça era uma das minhas características mais fortes.
  — Isso vai ser mais difícil do que imaginei. — suspirei sentando-me no puff dentro do closet. agora guardava seus ternos impecavelmente passados.
  — Tudo vai ficar mais fácil se a gente fizer sexo. Você sabe disso, não sabe? — ele disse parando o que fazia para encarar meu rosto ruborizado e piscar para mim. Não consegui conter uma risada.
  — Termina isso logo enquanto eu arrumo a bagunça que você fez na minha cozinha, .
  — Nossa cozinha, amor. — ele me corrigiu adorando aquela situação. Estávamos morando juntos há cinco minutos e eu já queria esganar aquele abusado.

  Naquela mesma sexta à noite, quando as coisas de estavam devidamente ajeitadas no meu apartamento, recebi , Summer e Phoebe para jantar, com o objetivo de contá-las que e eu estávamos juntos de novo. Se eu conseguisse convencê-las disso, seria fácil empurrar a história para minha mãe ou qualquer outra pessoa.
  — Oi, meninas! — eu disse ao abrir a porta para minhas três melhores amigas. Recebi um abraço de cada uma delas e todas nós nos acomodamos na minha sala.
  — Quando recebi sua mensagem hoje mais cedo, tive que ligar pra Summer pra perguntar se eu não estava enganada e você realmente havia convidado nós três pra jantar. — Phoebe falou. — Nenhuma tragédia aconteceu, né? — ela realmente parecia preocupada com essa possibilidade.
  — Não, nenhuma tragédia aconteceu, Phoebe. — rolei os olhos. — Eu já te falei que você me lembra muito a minha mãe?
  — Dez ou onze vezes só na última ocasião que nos encontramos. — Summer respondeu por ela rindo.
  — Mas eu aposto que você realmente tem alguma novidade bombástica pra contar e não queria tirar a atenção da gente no chá de lingerie da Sum na próxima sexta, por isso nos chamou aqui hoje. — disse estreitando os olhos ao me encarar. Isso que eu ganhava por ter amigas acostumadas a interrogar bandidos e convencer juízes a fazer o que quiserem pelo estado de Nova York afora...!
  — Eu realmente tenho uma novidade. — respirei fundo enquanto cada uma delas me fitava, todas ansiosas pelo que quer que eu fosse dizer. Por um instante, quase decidi contar a verdade e implorar que guardassem segredo. Mas meu medo de perder a herança caso alguém cometesse algum deslize e denunciasse a mentira era grande demais para que eu realmente conseguisse fazer isso. — O e eu estamos ficando há algumas semanas. — falei antes que a coragem desaparecesse novamente.
  — Como é que é? — Summer foi a primeira a falar.
  — Mas eu o vi com a Sammanta nem tem muito tempo! Eles pareciam bem juntos. — Phoebe comentou deixando-me ainda mais nervosa.
  — Na verdade, o terminou com a Sammanta para ficar comigo. Eles estavam tendo problemas há algum tempo e, de alguma forma, isso acabou fazendo com que nos aproximássemos novamente. — menti. — Mas nós só ficamos algumas vezes. Não estávamos namorando mesmo até o último final de semana... Quando ele me pediu em casamento.
   parecia perplexa demais para falar alguma coisa; Summer se engasgou com a própria língua aparentemente, e Phoebe dava-lhe tapinhas nas costas tentando ajudá-la a recuperar o fôlego, mas sua expressão era de quem havia visto um fantasma também.
  — Gente, isso magoa, sabia? — declarei realmente um pouco ofendida.
  — , não é que a gente pense que nenhum cara te pediria em casamento algum dia. É que a gente nunca imaginava que você diria sim. — justificou-se.
  — Peraí, . Ela não falou que disse sim. Só disse que ele propôs... — Phoebe concluiu me encarando.
  — Eu disse sim, gente! — confessei ainda séria.
  — E cadê a sua felicidade, ? — perguntou sorrindo. — Sério, quando o Alex me pediu em casamento, eu não consegui parar de sorrir acho que por uma semana.
  — Bom... Vocês acabaram com a minha felicidade com essas caras chocadas e engasgamentos. — respondi rindo e fazendo com que elas gargalhassem também.
  — Certo, a culpa foi nossa. — concordou. — Sabe, eu sempre soube que havia algo de diferente nisso de você e o terem namorado e mantido a amizade. Esse negócio de você recebê-lo sozinha no seu apê usando nada mais que uma toalha não podia dar em outra coisa também... — ela completou piscando para mim. Claro que aquele comentário viria de ! Ela era quase a versão feminina de quando se tratava de falar bobagens. Ruborizei automaticamente embora nada físico tivesse acontecido entre mim e desde que terminamos nosso curto namoro oito anos atrás.
  O barulho de alguém destrancando a porta fez com que todas nós voltássemos nossa atenção para a entrada do apartamento. Então, surgiu ali, vestindo um belo terno – esse era praticamente seu uniforme de trabalho – e com a sua pasta em uma das mãos. Reprimi o impulso de perguntar o que ele fazia em casa se havíamos combinado que ele só apareceria quando eu avisasse que minhas amigas já haviam ido embora.
  — Boa noite, meninas. Desculpem atrapalhar, mas é que eu esqueci minha carteira. — ele disse sorrindo.
  — Boa noite, . Não se preocupe, você não está atrapalhando nada. — respondeu olhando para mim.
  — Homem distraído, viu... — comentei e me levantei do sofá para caminhar até ele. Da forma mais sem jeito e sem graça do mundo, coloquei-me nas pontas dos pés e depositei um beijinho leve nos lábios de . Ao contrário de mim, ele agiu com uma naturalidade impressionante, como se nos beijarmos fosse a coisa mais comum do mundo.
  — Bom, vou lá pegar a carteira. Podem continuar a conversa de vocês. — falou e retirou-se da sala.
  — Então... Eu fiz lasanha! — anunciei e as meninas deram gritinhos animados, indo comigo para a cozinha.
  Enquanto eu abria uma garrafa de vinho, sussurrou no meu ouvido algo como “não dá pra ser SÓ amiga de alguém por quem você tem tanta química!”, e ouvir isso me deixou feliz, afinal, fora muito mais fácil convencê-las do que eu havia imaginado. No entanto, essa felicidade durou só alguns instantes, até que o beijo simples e sem significado passou a se repetir vez após vez na minha mente, e a frase de passou a acompanhar a lembrança também. Havia pouco mais de 24 horas desde o instante que aquele acordo de casamento forjado foi feito e minha cabeça já parecia uma caixa de gatos. Aquela manhã se mudou para a minha casa e agora minhas amigas já estavam envolvidas na mentira, e, aparentemente, super felizes por mim – eu não era a única encalhada do grupo mais, até onde elas sabiam...
  — Vou indo, amor. — disse me dando um beijo na testa. — Deixem um pedaço de lasanha pra mim, hein? — ele brincou com as minhas amigas que murmuraram “é claro”, “até logo, ” e “juízo, hein?”, todas ao mesmo tempo. Com isso, deixou-nos a sós novamente.
  — Aonde ele vai? — Summer perguntou.
  — Na festa de aniversário de um colega de trabalho. — menti, tirando a lasanha do forno. A verdade era que ele estava indo para a casa de Sammanta, a ainda namorada de verdade dele.
  — Vou ter que comentar isso, : vocês fazem um casal perfeito! — disse batendo palminhas de felicidade e fazendo com que eu me perguntasse de novo pela enésima vez em poucas horas: em que eu havia me metido, meu Deus?

3. Sentimentos

  Abri os olhos assustada quando o barulho de alguma coisa caindo me despertou. Na verdade, eu ainda estava na transição do estado acordada para adormecida, de modo que qualquer barulho seria suficiente para me deixar alerta de novo.
  — Desculpe, eu não queria te acordar. — disse enquanto terminava de desabotoar sua camisa. Ele chutou os sapatos para um canto qualquer e desafivelou o cinto, descendo as calças logo em seguida.
  — Ei, o que você está fazendo? – perguntei chocada.
  — Tirando as roupas pra ir dormir? — ele respondeu com uma expressão que questionava a minha inteligência.
  — Você pretende vestir alguma coisa além da sua cueca?
  — Pra quê? Não tem nada aqui que você nunca tenha visto, . — disse puxando os cobertores para se deitar na cama de casal ao meu lado.
  — Nós só devíamos dividir a cama quando a tal pessoa que vai vigiar a nossa vida estiver hospedada aqui. — comentei nervosa demais com a ideia de dormir com ele. Mesmo que fôssemos apenas dormir, a ideia me perturbava de muitas formas. Eu não podia confundir meus sentimentos por ele àquela altura de minha vida.
  — O que foi, ? Está com medo? — ele sorriu para mim de um jeito safado e levou uma de suas mãos até a minha perna para me provocar.
  — Nem pense em me tocar, . — dei um tapa na mão dele e me deitei de novo, virando na cama para ficar de costas para ele. não respondeu; provavelmente estava cansado demais para continuar com aquela briguinha idiota. — Onde você foi? — perguntei tentando parecer casual. Eu já sabia a resposta, mas tive que perguntar assim mesmo.
  — Na casa da Sammanta. — disse e bocejou.
  — Hum. — foi tudo o que consegui dizer, porque alguma coisa dentro de mim odiou aquela situação. Ele estava ali comigo, mas era à Sammanta que pertencia.
  — Como foi o jantar com as suas amigas?
  — Tudo bem. Elas ficaram surpresas no início, mas acreditaram em tudo.
  — Que bom... A Sammanta já disse pra todo mundo que nós terminamos. — falou e voltou a bocejar. — Boa noite, . — senti seus lábios pousarem sobre o meu ombro em um beijinho leve e cada milímetro da superfície da minha pele se arrepiou ao simples toque da boca dele.
  — Boa noite. — respondi com a voz ainda afetada por aquilo, mas, felizmente, não pareceu perceber isso.

***

  — Setembro! Excelente escolha para o mês do casamento. Eu estava pensando na decoração e... — minha mãe tagarelava sem parar, e o pior era que eu nem podia rolar os olhos ou ignorar a empolgação dela, porque estávamos conversando pessoalmente em uma cafeteria. Eu havia acabado de contar a ela que e eu voltamos quando ele me pediu em casamento e, para nós, não fazia muito sentido esperar tanto mais para que isso acontecesse, já que eu o conhecia melhor que a mim mesma. — Ah, querida, eu sabia que você sempre fugia do assunto quando eu falava sobre te apresentar algum rapaz por alguma razão. Você estava apaixonada pelo esse tempo todo, não estava? E pensar que teve que aguentar vê-lo com aquela sem graça da Sammanta... — Louise pegou minhas mãos e suas palavras traziam toda a piedade que ela sentia e eu não merecia. Certo, eu não estava com tanto peso na consciência por mentir para a minha mãe. Se aquele casamento me trouxesse alguma coisa boa, essa coisa com certeza seria tirá-la do meu pé com relação a esse assunto.
   chegou à cafeteria bem quando minha mãe voltava a falar sobre os defeitos de Sammanta. Ele a cumprimentou como um cavalheiro, mas ela não mudou de assunto.
  — Você fez muito bem em deixar a tal Sammanta para voltar com a , . Ela é uma boa moça, mas é tão sem graça, coitadinha...
  — Mãe! — eu a repreendi. sorriu.
  — Tudo bem, . — ele acariciou minha mão que estava junto com a sua.
  — Mas então, me contem! Como foi o pedido de casamento? — me olhou de soslaio como se estivesse pedindo socorro. Lembrei-me de todas as ideias que já havíamos tido quanto a isso e em como cada uma era pior que a outra.
  — É meio constrangedor isso. — comentei decidindo escolher a história que minha mãe provavelmente acharia melhor.
  — Ora, por quê? — ela perguntou ainda mais interessada no assunto.
  — Porque foi na cama, mãe. — respondi fazendo com que pigarreasse alto ao meu lado. Não consegui conter uma risada. Louise também riu.
  — Essa é a minha garota! — ela disse piscando para mim. Realmente aquela reposição hormonal estava acabando com o resto do juízo que lhe restara. — Quero saber direitinho como foi isso.
   quase me fuzilou com os olhos depois de escutar essa frase. Seu rosto estava vermelho como um tomate maduro.
  — Depois eu te conto. O me mata se eu continuar falando disso.
  — Certo, então vamos mudar de assunto. — minha mãe sugeriu e tive medo que o próximo tópico que ela escolheria fosse o testamento da tia-avó Marie. Felizmente, ela voltou a falar sobre o casamento, e tanto eu como passamos os próximos minutos do encontro com ela fazendo caras de coerência, mas sem realmente prestar atenção a sequer uma palavra.

  Depois do café com minha mãe, fui para casa e vesti roupas de ginástica para sair para correr. Eu sempre fazia isso nos meus sábados no fim da tarde, como uma tentativa de não ser tão sedentária e me perdoar por não ter tempo para a academia. Cheguei em casa à noite, depois de três horas de caminhada, implorando por um banho.
  — ? — chamei batendo na porta do banheiro da minha suíte quando escutei o barulho do chuveiro.
  — Que foi? — ele respondeu aos berros.
  Pensei em perguntar por que ele não estava tomando banho no banheiro social como havíamos combinado, mas decidi deixar essa besteira pra lá. Tirei os tênis e me sentei na cama enquanto esperava até que ele terminasse de usar meu banheiro. Então, parei para prestar atenção às roupas que estavam no chão. Além da bermuda e da camisa de , havia também o que parecia ser um vestido... Antes que eu perguntasse alguma coisa sobre o assunto, porém, Sammanta saiu do meu banheiro enrolada em uma das minhas toalhas.
  — Oi, . Me desculpe. Eu pensei que você só fosse chegar mais tarde. — ela disse pegando suas roupas do chão. Por um instante, fiquei perplexa demais para conseguir falar alguma coisa.
  — , — falou saindo do banheiro também enrolado em uma tolha — a Sammanta já estava de saída. Desculpe por isso. — ele sorriu para mim.
  — Eu vou me vestir no outro banheiro e vou embora. Tchauzinho! — a namorada de falou e saiu do meu quarto, felizmente. Eu não sabia quanto tempo mais minha paciência aguentaria até que eu explodisse de raiva.
   foi até o banheiro da suíte se vestir e, enquanto ele fazia isso, tentei pensar em algo que me acalmasse um pouco com relação à cena que eu havia acabado de presenciar. Não estava sendo fácil para Sammanta saber que seu namorado estava dormindo com a ex, ainda que nós só estivéssemos apenas dormindo realmente. Não, não era nada fácil pra ela transar com dentro da minha banheira, enquanto eu era obrigada a aguentar as bagunças que seu namorado espalhava pela minha casa o dia inteiro!
  — , eu sei que você não gostou de ver a Sammanta aqui, mas... — começou a dizer, mas a risada sarcástica que soltei o interrompeu.
  — Não gostar nem começa a descrever o que eu achei disso tudo. — o rosto de indicava seu pânico ao escutar as minhas palavras. — Me diga uma coisa, : quando foi que eu te dei autorização para comer a sua namorada dentro da minha banheira? Ou sei lá mais onde vocês fizeram isso dentro do meu apartamento, né? — gritei deixando a raiva transbordar.
  — Nós não planejamos isso, .
  — A Sammanta planejou! Ela está morrendo de ódio porque você vai se casar comigo, mesmo sendo só por fachada. E a forma que ela arranjou de se vingar de mim foi... essa. E você, como o tarado e pervertido que é, adorou a ideia!
  — Ok, eu não fiz certo em ficar com a Sammanta aqui, mas que reação é essa? Você não está com ciúmes, está? — riu, aumentando exponencialmente o ódio que eu estava sentindo. Como ele podia fazer uma coisa daquelas e ainda rir da minha cara?
  — Eu não tenho razões pra ter ciúmes de você, . Não seja idiota! Você ultrapassou os limites aqui. Eu te dei a chave do meu apartamento, eu estou aturando as suas bagunças, e o que eu ganho? Chegar na minha casa e ela ter sido transformada em motel por vocês? — ele apenas me encarou com uma cara de cachorro arrependido, mas não disse mais nenhuma palavra. — Da próxima vez que você trouxer a Sammanta aqui, não importa pra que seja, o acordo está acabado. Eu não tenho estômago pra isso, e não há dinheiro nesse mundo que pague tanto transtorno. — completei e calcei de novo meus tênis. Minha vontade de tomar banho e deitar em frente à TV pelas próximas horas fora substituída pelo desejo de encher a cara até me esquecer de todos aqueles problemas.
  — ... — chamou me seguindo até a sala. — Aonde você vai? — perguntou me segurando pelo braço.
  — Não é da sua conta. — respondi como uma adolescente mimada e saí dali com o objetivo de me enfiar no primeiro bar que encontrasse pela frente.

  Demorei alguns longos segundos até conseguir atingir a fechadura da porta, mas finalmente consegui entrar no meu apartamento. A primeira coisa que percebi foi que estava encolhido no sofá da sala, seu corpo grande demais para ficar confortável ali. Eu ainda tinha raiva dele pelo episódio de mais cedo, mas fui até lá a fim de chamá-lo para dormir comigo. Ok, eu deveria confessar que levá-lo para a minha cama nada tinha a ver com piedade. Eu queria irritar Sammanta, dar o troco por ela ter corrompido meu precioso apartamento com sua vadiagem, e a bebida havia me encorajado a ultrapassar alguns limites para atingir esse objetivo.
  — . — chamei balançando o braço dele. abriu os olhos e esfregou o rosto com uma das mãos. O gesto foi tão fofo que quase o perdoei por ter sido um idiota comigo. — Vem deitar na cama. Você vai acabar com a sua coluna dormindo aí. — falei com a voz estranha por causa do excesso de vodka.
  — Tá. — ele falou e levantou-se do sofá, jogando o cobertor sobre seus ombros.
  Minha vontade era simplesmente me jogar na minha cama, mas eu precisava de um banho. Então, catei um short e uma blusa qualquer na cômoda do quarto e liguei o chuveiro em uma temperatura baixa, que me devolveria à sobriedade se eu tivesse um pouco de sorte. Quando voltei para o quarto, estava sentado na cama ainda com cara de sono.
  — Pensei que você já estava dormindo de novo. — eu disse tomando o meu lugar ao lado dele.
  — Eu quero pedir desculpas. Isso não vai mais acontecer. Nunca mais. — ele falou e parecia mesmo estar falando sério.
  — Certo. — respondi simplesmente. — Boa noite.
  — ?
  — O que foi, ? — minha voz transmitia boa parte do cansaço que eu estava sentindo.
  — Você não estava mesmo com ciúmes? — ele perguntou e riu novamente.
  — Boa noite, . — falei e ri em resposta. A verdade era que, depois de colocar algum álcool na minha corrente sanguínea, consegui ser autêntica o bastante para admitir pelo menos para mim mesma: eu realmente estava morrendo de ciúmes dele.

4. Teatro

  — Olá, Sra. Sullivan. Seja bem vinda. — cumprimentei a pessoa que minha tia-avó Marie deixara designada para acompanhar meu relacionamento com .
  — Obrigada. Onde posso acomodar minhas coisas? — a mulher, que aparentava uns 40 anos de idade, tinha o cabelo preso num coque baixo e usava um terninho preto, perguntou. Ela não sorriu para mim, não esboçou qualquer sentimento ao pronunciar aquelas duas frases.
  — Vou te levar até o quarto de hóspedes. — segui para o interior do apartamento, apontando o banheiro que ela poderia usar, o pequeno escritório e a salinha de televisão.
  — Aquele é o quarto de vocês? — ela questionou apontando para a porta no final do corredor.
  — Sim, é sim.
  — Se você não se importar, amanhã, enquanto você e o estiverem no trabalho, eu gostaria de observar com mais detalhes o apartamento de vocês.
  — Sim, é claro. — concordei um tanto apavorada.
  — Há quanto tempo vocês estão morando juntos? — Meggie Sullivan disse enquanto colocava sua mala no quarto.
  — Algumas semanas. Na verdade, o ainda tem o próprio apartamento em Manhattan.
  — E os preparativos do casamento? — seus olhos encararam os meus e um arrepio de medo percorreu o meu corpo.
  — Tudo correndo bem. — sorri e levei minha mão com a aliança de noivado até os cabelos.
  — Certo. — ela assentiu. — Eu gostaria que você me falasse um pouco sobre a rotina de vocês.
  — Certamente. Podemos conversar enquanto eu preparo um café pra nós.
  — Onde fica a cozinha?
  — Por aqui. — sorri novamente para Meggie e segui para a cozinha do meu apartamento, repetindo mentalmente toda a história que eu e elaboramos cuidadosamente juntos.

     A mulher fez um interrogatório que imaginei que seria interminável. Começou pelas perguntas que eu já esperava: como você e se conheceram?
  — Nós fizemos Direito juntos na Universidade Columbia. Nos conhecemos na primeira aula que tivemos no primeiro semestre: Filosofia.
  — A sua tia conheceu o na festa de aniversário de 75 anos, oito anos atrás. Vocês estão juntos desde então?
  — Na verdade, nós namoramos por alguns meses naquela ocasião, mas terminamos pouco tempo depois da festa da tia-avó Marie. Mas continuamos amigos. O começou a namorar uma moça chamada Sammanta e ficou com ela por alguns anos, e então nós tivemos uma recaída, ele terminou com a Sam e nós voltamos.
  — Já estavam pensando em se casar quando você soube do testamento? — Meggie levou o café à boca, mas manteve os olhos no meu rosto.
  Essa era a pergunta mais difícil porque tudo o que eu poderia responder só seria uma grande mentira. Havia verdade nas outras informações: eu realmente conhecera na faculdade, nós terminamos, mas mantivemos a amizade... Dizer que casamento era uma boa ideia para mim, em qualquer que fosse o contexto, era difícil. Uma mentira complicada de contar porque ia contra todos os meus princípios... Mas eram dois milhões de dólares, afinal de contas. Eu podia sobreviver a isso.
  — Na verdade, nós voltamos mesmo no dia que o me disse que queria se casar comigo. Não foi exatamente uma proposta, porque eu disse que me pedir em casamento na cama não contava... — dei uma risadinha como se estivesse me lembrando da cena. — Mas quando me chamaram para falar do testamento e das condições da minha tia-avó para que eu recebesse a herança, nós soubemos que não havia por que adiar mais. Reatamos há pouco tempo, mas eu conheço o há dez anos, afinal.
  Pensei em pegar a xícara de café e bebericar um pouco do conteúdo, mas minhas mãos ainda estavam trêmulas demais para tanto.
  — Compreendo. — Meggie deu de ombros e voltou ao interrogatório.
  Ela perguntou coisas sobre – que tipo de causas jurídicas o escritório dele tratava, os amigos mais próximos, onde ele havia nascido, onde se formara no colegial, e por aí em diante -, nossos principais problemas como casal, como eu me dava com a família dele e mais uma porção de coisas. A mulher estava mesmo decidida a investigar cada detalhe das nossas vidas.
   chegou em casa por volta das sete da noite, dizendo que ficou preso no tribunal. Em compensação, trouxe o jantar – comida tailandesa –, então consegui perdoá-lo bem rápido por ter me deixado tantas horas sozinha com a bruxa detetive.
  — disse que gosta muito dos seus pais e é muito amiga da sua irmã, . — Meggie comentou aleatoriamente em dado momento do jantar. Estávamos todos sentados à mesa da copa da minha casa, e a presença tranquila de quase fazia parecer que nós três éramos grandes amigos de longa data.
  — É verdade. A foi minha amiga por muito tempo. Meus pais mandam presentes pra ela todos os natais, e ela faz o mesmo. E minha irmã é uma adolescente de 16 anos que ganha subornos da desde que se entende por gente. Não teria como não gostar dela. — deu de ombros. Se eu fosse a detetive da tia-avó não me ateria a detalhes da nossa vida pessoal. Eu sabia exatamente até todos os processos que havia assumido durante toda a sua carreira.
  — E o que eles pensaram quando vocês contaram que reataram o namoro? — Meggie perguntou e por muito pouco não me engasgo com o suco. A mocréia sabia o que estava fazendo!
  Meu desespero no instante se devia a um fato: até onde eu sabia, não havia contado para a família ainda. Eu imaginava que sua mãe daria pulinhos de alegria porque ela me amava e odiava Sammanta – ponto para ! Seu pai provavelmente nem mudaria a expressão – o filho estava bem na fita de qualquer forma, na opinião dele. E Susan... Bom, ela com certeza pediria para ter um quarto no nosso apartamento de casados. Mas tudo isso ainda estava na minha imaginação. No mundo real, eles nem sonhavam que o filho havia trocado de mulher.
  — Vamos contar aos meus pais daqui duas semanas. Eles moram em Chicago e eu não os vejo desde o último Natal. E um noivado não é notícia para dar pelo telefone. — respondeu preferindo ser sincero. Inteligente da parte dele. Eu teria mentido e nos enrolado mais ainda.
  O jantar foi um evento longo, mas fizemos o teatro de forma completa. Nos tratamos por “amor” e “meu bem” a maior parte do tempo – eu deixei “” escapar no lugar dos dois apelidinhos de namorados várias vezes, é claro –, dividimos a sobremesa e houve vários momentos em que rolou uma sincronia bizarra em que um completava a fala do outro ou ríamos juntos de alguma coisa – as risadas tão semelhantes que fiquei assustada, no final. Eu não sabia desde quando éramos tão parecidos, mas veio muito a calhar.
  — Meggie, tem cobertores e toalhas dentro do guarda-roupa do quarto de hóspedes. Se precisar de qualquer coisa, é só falar. — sorri para a bruxa enviada por minha tia-avó. Ela agradeceu e se retirou para o quarto, fechando a porta atrás de si.
  Eu, por minha vez, fiz o mesmo. já estava se despindo quando passei a chave na porta do quarto – sabe-se lá Deus se a mulher não tentaria nos ver dormindo também.
  — Vai dormir só de cueca de novo, ? — reclamei mais de implicância do que por que aquilo me incomodava. Na verdade, ver o de cueca boxer preta era o ponto alto da minha vida sexual há meses. Algo triste de se admitir, mas mais pura verdade.
  — Para de reclamar que eu sei que você adora me ver de preto. — o convencido disse e pulou na cama. Respondi com uma risada e fui até o closet pegar uma camisola.
  Eu não queria exatamente provocar meu ex-namorado e fazer com que ele pensasse em mim quando estivesse com a verdadeira namorada loura e ridícula, mas confesso que tive uma imensa satisfação quando o vi acompanhar meu rebolado do closet ao banheiro. A camisola consistia de um vestidinho preto que só tampava mesmo os seios – o bojo era revestido de cetim. O restante era renda pura e completamente transparente. É claro que acompanhava com uma calcinha também de renda e igualmente incapaz de tampar alguma coisa, mas eu a troquei por outra mais comportada da mesma cor que a camisola e que tinha escrito na parte da frente um inocente “recarregue a energia”.
  — Eu não me responsabilizo por mim se você se deitar nessa cama vestida desse jeito. — disse enquanto eu escovava os dentes. Quase engasguei com a espuma formada pela pasta dental quando tentei rir da besteira dele.
  — A mulher vai pensar o quê se me vir de moletons velhos pela manhã? Temos que convencê-la que somos o casal mais apaixonado do mundo. — falei depois de cuspir a espuma e lavei a boca.
  — Você tem razão. Além do mais, eu durmo de cueca na sua casa. Você pode ficar até pelada se quiser. Juro que não me importo. — deu de ombros e sorriu.
  — Não exagera. — sorri amarelo para ele de volta.
  — O que você achou da dona detetive? — mudou de assunto ficando sério por um instante.
  — Acho que ela está levando a sério o que faz. E que ainda suspeita que nosso noivado é mais por conveniência do que por que realmente queremos nos casar.
  — Será que se nós ainda estivéssemos namorando íamos nos casar algum dia? Quero dizer, a gente abomina o matrimônio.
  — Nós moraríamos juntos, com certeza. Acho que nos casaríamos se tivéssemos filhos. Quero dizer, se fizéssemos uma merda dessas, casar seria o de menos. — eu ri.
  — Você não quer mesmo ter filhos? — perguntou.
  — Na verdade, não sei nem se não quero mesmo me casar. — admiti.
  — O quê? Essa coisa toda de casamento forjado te deixou romântica, ? — ele cutucou minha barriga provocando-me cócegas.
  — Vai tomar no cu, . — respondi batendo em sua mão.
  — Vai você, sua bocona suja. — falou subindo em cima de mim para que eu não conseguisse mais evitar as cócegas. Eu ri alto pelo que pareceu uma eternidade e então comecei a pedir, ainda entre risadas, para que ele parasse quando meu abdômen começou a doer por causa das gargalhadas.
  — A bruxa investigadora vai pensar que meu pinto é muito engraçado. “Para , HAHAHAHA” — me imitou e parou de me fazer cócegas.
  — Vamos consertar isso então. — falei. — Hmmmmmmm. — gemi exageradamente alto.
  — O que você tá fazendo? — ele perguntou com um sorriso no rosto.
  — Deixando nosso sexo de mentira convincente. — respondi e gemi novamente, desta vez variando entre “hmmm” e “hãããm”.
  — Para, . — disse trincando os dentes e antes que ele saísse de sobre mim, percebi que o volume de sua cueca havia aumentado muito de tamanho.
  — Que isso, ?! A Sammanta não tá dando conta do recado, é? Já tá animadinho só com alguns gemidos?
  Ele se virou na cama de modo a ficar de costas para mim e se cobriu.
  — Hmmmmmm... — repeti em seu ouvido com vontade. levantou-se da cama e me olhou com uma raiva que me deixou animada também instantaneamente.
  — Eu te odeio, . — ele disse e entrou no banheiro, fechando a porta ruidosamente.
  Eu ri por uns longos segundos até que estava cansada demais por causa do longo dia e das cócegas. Não vi quando voltou para a cama. No dia seguinte, quando despertei, eu só sabia que estava perturbada porque, no meu sonho, ele não se levantava para ir ao banheiro – ele se colocava sobre mim de novo e desta vez me beijava até perdermos o fôlego.

5. Compras

  — Nós deveríamos almoçar juntos de vez em quando. Do jeito que a sua tia-avó era rica e tinha funcionários competentes, eu não me surpreenderia se fôssemos fotografados por um paparazzo enquanto estivermos no trabalho, sei lá. — disse depois que perguntei o que ele queria. Eu estava estressada por causa do trabalho e precisava me concentrar num caso difícil que havia acabado de ser jogado na minha mesa. Faltavam uns trinta minutos para a hora do almoço, então meu estômago já estava implorando por comida. E se havia alguém mais estressada do que a Atolada de Trabalho, essa pessoa com certeza era a Atolada de Trabalho e Com Fome.
  — Tá, tá. Qualquer dia comemos juntos. Hoje não dá. Estou cheia de trabalho aqui e pretendo só engolir um sanduíche. — falei sem me preocupar em ser fofa, educada ou algo do tipo.
  — Certo. — respondeu e ficou mudo.
  — É só isso, ?
  — Na verdade... Acho que você deveria me visitar no trabalho qualquer dia desses ou vice-versa. Pra ser mais convincente, sabe?
  Rolei os olhos sem paciência para aquela besteira súbita dele.
  — , se você está carente, por que não liga pra sua namorada? — eu disse impaciente.
  — Eu briguei com a Sammanta mais cedo.
  Não consegui conter a risada e gargalhei na cara dele mesmo. Meu riso sarcástico soou muito Paola Bracho até para mim.
  Pensei em mandar crescer e nunca mais me ligar pra encher o saco só porque brigou com a namoradinha. Eu tinha mais o que fazer, afinal. Mas aquela era a minha deixa para ser a pessoa legal enquanto a namorada de verdade dele era a insuportável. E eu queria me vingar de Sammanta ainda por ter transado com ele na minha banheira – eu não sou idiota e aquela biscate só é burra para o que lhe convém, por isso eu tinha certeza que a coisa toda fora proposital, armada por ela para provocar uma briga entre mim e .
  — Faz o seguinte, seu chato: vou sair do trabalho mais cedo hoje. Tenho que ir ao shopping comprar algumas tralhas de enxoval, e acho que seria uma boa ideia se você fosse comigo. Aí você me conta da briga e a gente compra um ou dois vinhos pra encher a cara mais tarde.
  — Hoje é terça-feira, . Temos que trabalhar amanhã. — riu. — E, sei lá, compras... — completou com uma voz de nojo.
  — Então tá. Se você não quer, fique aí afundado nesse escritório até as sete. Só não vá fazer as pazes com a sua namoradinha depois disso e me deixar na unha daquela bruxa detetive sozinha. Apareça até as oito para o jantar, pode ser? — falei nervosa novamente.
  — Calma, não precisa brigar comigo também. Passo aí as quatro pra irmos ao shopping.
  — Me pegue em casa às quatro. Eu tenho que deixar meu carro lá antes, né?
  — Ok. Até lá então.
  — Até. Amor. — respondi e sorri para o apelido ridículo. riu do outro lado da linha e então desligamos o telefone provavelmente juntos.
  Assim que deixei o celular sobre a mesa, ele tocou novamente. O nome de apareceu no visor e, pela primeira vez, isso me deu um arrepio de medo. O excesso de trabalho e a fome sempre me deixavam mais paranoica ainda do que eu já era normalmente. Portanto, a primeira coisa que me veio à mente foi: descobriu toda a verdade.
  — Oi, . — atendi no sexto toque.
  — Oi, amiga! — ela disse empolgada. Bom, empolgação era bom. — Estou ligando pra falar do chá de lingerie da Summer.
  — Hmm, ok. — por essa eu não esperava. — O que tem isso?
  — Queremos que você vá de lingerie branca também.
  — Só a noiva usa lingerie branca, flor. É o mesmo que você me pedir para ir de vestido branco no casamento dela. — eu não conseguia acreditar que era eu mesma quem estava dizendo aquilo, como se já fosse uma verdadeira expert em casamentos e afins. Conviver com minhas amigas noivas estava estragando meu bom senso.
  — Exatamente por isso queremos que você vá de branco. — eu podia apostar que se estivesse com as duas mãos livres, estaria batendo palminhas de animação do outro lado da linha.
  — Quê? — perguntei verdadeiramente chocada.
  — A Summer quem teve a ideia. Seu casamento é daqui três meses e vinte e oito dias, e sabemos o quanto você está atarefada com tudo. Além do mais, te conhecemos e sabemos que você não vai organizar o chá de lingerie e ficaria por nossa conta, que estamos atoladas de tarefas por causa dos nossos próprios casamentos também. Nada melhor do que fazer agora, junto com a Sum. O que você acha?
  O que eu achava? Bom, eu achava que aquela história toda de ser noiva de um cara que dorme com uma loura azeda e não comigo era uma merda. Se aquele um milhão de dólares não fosse me deixar financeiramente a salvo por um bom tempo, eu mandaria tudo à puta que pariu e voltaria à paz e tranquilidade que era jogar criminosos na cadeia e ver TV até pegar no sono todas as noites. Mas eu precisava fazer aquele sacrifício se quisesse a recompensa, então eu disse o seguinte em resposta a minha amiga:
  — Eu acho maravilhoso. — e saturei a voz da mais cínica emoção e felicidade que fui capaz de simular com o estômago roncando de fome.
   falou várias frases que saíram tão rápido que pareciam uma única palavra ininteligível, mas como ela estava mais animada ainda, só entendi que ela havia gostado da minha resposta.
  — Não se preocupe com nada, ok? Quero dizer, preocupe-se só em ficar linda. Vamos ajeitar o que for preciso. Sexta à noite será épica!
  — Obrigada, . Agradeça à Sum por mim. Nos vemos na sexta então?
  — Às seis da tarde, sem atraso. — ela respondeu autoritária.
  — Ok. Sexta às seis, sem atraso. Beijo.
   me mandou outro beijo e desligamos o telefone. Depois disso, a única coisa que eu queria era meu almoço.
  No entanto, mais uma surpresa impediu que eu saísse para comer. A boa notícia é que desta vez a surpresa era maravilhosa. Quando eu já estava com minha bolsa pendurada no ombro pedindo o elevador no décimo andar do prédio comercial em que trabalhava, ela tocou o meu ombro fazendo-me virar e olhar uma das minhas pessoas favoritas no mundo, e que eu não via havia dez anos.
  — Marcella?! — eu sabia que era ela, mas não podia ter tanta certeza assim. Mah, minha melhor amiga do ensino médio, estava muito diferente do que eu me lembrava. Ela não tinha mais aparelho nos dentes, seus cabelos estavam mais claros e a moça havia dado adeus às roupas de rockeira.
  — Sentiu saudades? — ela perguntou me abraçando.
  — Como não sentiria? Meu Deus, quando você voltou para os Estados Unidos?
  Os pais de Marcella se mudaram para a Irlanda alguns meses antes de concluirmos o high school, e desde então nos falamos algumas vezes pela internet ou pelo celular. Não preciso dizer que minha vida corrida demais até para alimentar Tufão, meu peixe, com certeza contribuiu para que esse contato fosse ainda menor. Eu tinha vontade de bater em mim mesma ao pensar nisso, mas, por outro lado, não mudava meu jeito de ser.
  — Este fim de semana.
  — Seus pais vieram também?
  — Não, eles ficaram na Irlanda. Provavelmente não falarão comigo de novo tão cedo. — ela riu. — Mas o que posso fazer, não é mesmo? Preciso cuidar da minha vida.
  — Sim, você tem razão. Já estamos beirando os 30...
  — Como ficamos velhas tão rápido?
  — Não ficamos. Botox existe para isso mesmo. — Mah riu das minhas palavras. — Então você recebeu uma proposta de emprego aqui?
  — Sim. Você está olhando para a mais nova editora de livros da Golden Books. — ela sorriu para mim.
  — Meus parabéns! — dei-lhe um abraço em cumprimento. — Você merece tudo de bom, e está certíssima em perseguir seus sonhos.
  — Você já realizou o seu maior, certo? Seu nome está frequentemente nos jornais, . Promotora trabalhando para o estado, escritório próprio... Sério, meus parabéns.
  — Obrigada. — agradeci ruborizando. — Temos muito o que conversar... Você já almoçou?
  — Não, ainda não.
  — Então vamos almoçar juntas e tentar colocar pelo menos parte do papo em dia. — sugeri e Marcella concordou prontamente. Dez minutos depois, estávamos adentrando um dos meus restaurantes japoneses favorito em Manhattan.

     — Eu não acredito que você está noiva. — Mah disse depois que terminei de contar a história falsa de reatar o namoro com e tudo mais.
  — Nem eu. — eu disse e ela riu. — Mas e quanto a você? Quando conversamos no último ano novo você estava com o Conor, não é isso?
  — Sim, eu estava. — Mah desviou o olhar e mexeu o suco de laranja com o canudinho. — Na verdade, não sei nosso status atualmente. Nós namoramos por quase dois anos, daí eu recebi essa proposta de emprego... E ele tem a vida por lá, né? Cuida dos negócios da família, eles são donos de uma rede de restaurantes. Eu não podia pedir que ele viesse pra cá comigo, não seria justo fazer isso com ele. E ele não podia me pedir para ficar lá com ele porque não seria justo comigo. — ela completou com um tom de voz triste.
  — Se foi isso que os separou e não vocês a si mesmos, é provável que um dia vocês retomem as coisas de onde pararam. — falei. Eu era péssima para dar conselhos amorosos, mas eu tentava. Quando se tratava das minhas amigas, eu sempre era procurada quando elas precisavam de conselhos duros, de alguém fria e calculista para ver as coisas racionalmente. Por isso, se o assunto era consolo, eu só era convidada se precisavam de uma companheira para beber, afinal, isso eu fazia tão bem quanto um homem.
  — Não sei, . Eu sou da opinião de que, se está difícil demais, se as rotinas não combinam, se as vidas não se completam, é porque não é pra ser.
  — Acho que eu sou controladora demais pra pensar dessa forma. — concluí. Marcella sorriu para mim, desta vez com alegria, e então pedimos a conta. Enquanto esperávamos o garçom, Mah me passou seu número de telefone dos Estados Unidos e jogou uma nota de vinte dólares sobre a mesa para pagar sua parte.
  — Me chame para ajudar na escolha do vestido de noiva, hein? — ela disse me dando um abraço de despedida.
  — Chamo sim. E por falar nisso... Você está convidada para o meu chá de lingerie.
  — Oh meu Deus! Eu com certeza vou! Tem algum tema? — Marcella falou empolgada.
  — Cabaré. — respondi. — Na verdade, minha amiga Summer ofereceu me incluir. O chá de lingerie inicialmente era apenas dela. Eu te envio os detalhes por e-mail.
  — Ok, vou ficar esperando.

***

  — Jogo de toalhas bordadas, faqueiro, jogo de jantar... — lia a lista enquanto caminhávamos pelo segundo piso do Manhattan Mall. Estávamos de mãos dadas e aquilo era estranho demais pra mim, que já estava a tanto tempo solteira que nem lembrava mais de como era ter um namorado. — Quantos itens têm nessa lista? — ele perguntou virando a folha que estava cheia dos dois lados.
  — Não sei, eu peguei isso na Internet. Vamos comprar só algumas coisas pra detetive bruxa da tia-avó ver que estou fazendo enxoval.
  — Devíamos passar naquela loja. — acompanhei a mão de que apontava o local e lá estava uma ostentosa loja da Victoria’s Secrets.
  — Pior que vou ter que passar lá mesmo.
  — Pra quê? Resolveu concordar com o sexo pra facilitar nossa convivência?
  — Deixa de ser idiota, . — respondi grossa; riu. — As meninas tiveram a ideia genial de fazer um chá de lingerie pra mim junto com o da Summer esta sexta-feira. E eu não tenho nenhum corpete branco.
  — Pra que você precisa de um?
  — Porque a noiva se veste de branco. E as outras amigas de outras cores. É tipo um clube da Luluzinha.
  — Cara, se eu fosse um pouco mais novo chamaria meus amigos pra tentarmos bisbilhotar vocês na casa da Summer.
  — Pois é, mas você não é. E você tem uma namorada possessiva, esqueceu?
   rolou os olhos e então finalmente chegamos à House Stuff, onde eu pretendia passar os próximos 30 minutos enchendo um carrinho de tralhas domésticas.
  É claro que aquilo levou mais que 30 minutos. Eu era muito perfeccionista pra simplesmente pegar os primeiros itens que visse pela frente, então escolhi um a um cuidadosamente. Nos primeiros trinta minutos, eu só tinha escolhido o faqueiro e as toalhas.
  — Acho que vou à loja de eletrônicos enquanto você compra essas coisas. — comentou desanimado enquanto eu me decidia sobre quais taças de champanhe levar.
  — Nem pensar. Seja útil uma vez na sua vida e me ajuda a escolher os edredons.
  — , por que você está levando isso tão a sério? — ele perguntou tirando a taça com detalhes dourados da minha mão e colocando-a na prateleira junto com as outras.
  — Eu não consigo simplesmente levar qualquer coisa pra casa, é isso. — dei de ombros.
  — Olha, eu entendo, tá? Mas eu tô estressado demais pra fazer compras. — disse inquieto.
  — Tá, tudo bem. Vamos pagar por isso aqui e tomar um café pra ver se você relaxa um pouco. — falei afagando seu braço e me dirigi ao caixa da loja.
  Pedi um café preto puro e um cappuccino cheio de gordices – caramelo, creme de leite, canela... Ele bebericou a bebida e comentou alguma coisa sobre estar mais relaxado se estivesse me ajudando a escolher o espartilho para sexta à noite.
  — Depois que sairmos daqui você vai pra tal loja de eletrônicos e eu vou escolher isso sozinha.
  — Eu sou o seu noivo, esqueceu?
  — É namorado de outra mulher também. — fez uma careta. — O que houve entre vocês dessa vez?
  — A Sammanta já está escolhendo o vestido de noiva, você acredita? — ele respondeu depois de um suspiro.
  — Acredito. Você a pediu em casamento, não se lembra mais?
  — Lembro, mas já me arrependi de ter feito isso.
   parecia realmente triste e eu teria que ser de ferro para não ficar comovida com aquilo. Mas eu não conseguia entender por que ele não simplesmente terminava com Sammanta então.
  — , você não precisa se casar, se não quiser. Quero dizer, não com a Sammanta. Comigo você precisa por causa do dinheiro, mas não vamos estar realmente casados.
  Ele me encarou por alguns segundos e abriu a boca três vezes, fechando-a logo em seguida, desistindo de falar o que queria dizer.
  — Eu não quero magoar a Sam, . Eu enrolei a garota por seis anos... Isso não é certo.
  Uma das principais características de era seu senso de certo e errado. No trabalho, isso funcionava muito bem porque ele sempre defendia os mocinhos, sempre estava do lado daqueles que saíram prejudicados, e sua determinação de fazer a coisa certa fazia com que ele fosse um advogado com todas as causas ganhas até hoje. Mas quando isso se tratava da vida pessoal, o que era certo pra muitas vezes ia contra sua própria felicidade. Eu ainda estava surpresa com o fato dele ter concordado com aquele casamento falso. Fazer isso simplesmente não combinava com a personalidade dele.
  — Não é certo também se casar de mentira com uma mulher que você não ama só pra ganhar um milhão de dólares. — dizer isso tinha o potencial de fazê-lo desistir do casamento, mas eu disse mesmo assim. me olhou por um instante antes de responder:
  — Em primeiro lugar, você é minha melhor amiga, e é claro que eu te amo.
  Isso acelerou meus batimentos cardíacos e colocou um sorriso bobo no meu rosto, tenho que admitir.
  — E em segundo lugar, desde quando “só” cabe na mesma sentença que “um milhão de dólares”?
  — Então sua honestidade tem um preço? — perguntei rindo, mas fazendo cara de assustada.
  — Eu não faria isso nem por um bilhão de dólares se fosse qualquer pessoa, . Mas isso é bom pra nós dois, e dizer pros meus amigos que eu voltei com você foi bom pro meu status também.
  — Peraí. Você não ia contar pra eles esse fim de semana? Não estão todos ocupados e blábláblá?
  — O Jack me fez soltar pelo telefone algumas coisas e eles aparecem no escritório hoje à tarde, depois que conversamos pelo telefone. Fomos almoçar juntos, e passei um bom tempo falando bem de você. Não precisa me agradecer por isso, embora não tenha sido nada fácil. Você é muito mal humorada, sabe como é. — fez cara de desdém e bebericou seu cappuccino.
  — O que você disse pra eles exatamente?
  — O mesmo que estamos contando pra todo mundo: que tivemos uma recaída há algumas semanas e eu terminei com a Sammanta pra ficar com você.
  — Mas eles engoliram essa história? Quero dizer, você não costumava reclamar da Sammanta com eles também?
  — , o Jack e o Rian são jogadores dos Yankees em plena temporada de jogos. O Alex está na Inglaterra a trabalho há quase dois meses, o que eu suspeito que você saiba porque é amiga da noiva dele. E meus outros amigos são músicos. Então eu não os via há algum tempo, e mesmo se visse todos os dias, provavelmente não ficaria reclamando de mulher com eles.
  — Entendi. Quem escuta seus problemas sou eu. Seus amigos ficam com a parte legal, que é beber cerveja, falar de esportes e contar vantagem das mulheres que têm pegado.
  — Essas minhas briguinhas com a Sam estão enchendo o saco já, né?
  — Não, imagina. Adoro ouvir sobre esse assunto. — respondi ironicamente. riu.
  — Certo, vou parar de falar disso.
  — , eu realmente não me importo de ouvir suas lamentações sobre a pressão psicológica que a Sammanta te faz com relação a casamento. O problema não é você reclamar comigo. O problema é você continuar vivendo isso. Mas a vida é sua, você sabe o que faz. Desde que não desista do nosso casamento de mentirinha porque eu realmente quero e preciso desse dinheiro, está tudo bem por mim.
  — Eu nunca desistiria disso, tá brincando?
  — Ótimo. Agora eu vou escolher algumas lingeries...
  — Que ficarão empoeiradas e cobertas de teias de aranhas se você não aceitar minha proposta... — continuou a minha frase.
  — Muito engraçadinho. — falei fazendo uma careta pra ele. — Nos encontramos no estacionamento daqui à uma hora.
  — Certo. — respondeu e eu me levantei. Já havia dado quatro passos em direção à escada rolante quando ele chamou meu nome e me deu um selinho de supetão.
  — Até logo, amor. — meu noivo de mentira disse e me deu as costas porque as lojas de eletrônicos ficavam na direção oposta do shopping.

6. Chá de lingerie

  O restante da semana não foi muito emocionante. Trabalhei até as seis da tarde todos os dias, assim como , e nós só nos vimos a partir desse horário. A vigia da tia-avó Marie ficaria conosco até a quinta-feira da semana seguinte, depois do meu chá de lingerie. O que ela fazia no meu apartamento das nove da manhã até as seis, eu não sabia dizer. Provavelmente havia revirado meu closet à procura de provas de que eu e realmente fazíamos parte da vida um do outro. Mas se ela de fato tirou algo do lugar, foi absolutamente impecável ao colocar de volta, porque eu não percebi nenhuma diferença na arrumação.
  Aquela semana, jantamos com Meggie todos os dias. Ela continuou questionando sobre nossas vidas sem esboçar qualquer reação às nossas respostas, de modo que eu jamais saberia dizer se estávamos sendo convincentes o bastante. Quando a sexta-feira, o dia do meu chá de lingerie, chegou, eu já estava cansada de bancar a noiva feliz da vida com o casório e a anfitriã hospitaleira. Mas aquele teatro teria que durar mais alguns dias, até a mulher finalmente ir embora. Enquanto isso, eu ainda tinha a tarefa de fazê-la acreditar na minha paixão por e na minha empolgação com o casamento.

  — Está pronta, amor? — me gritou da sala.
  — Quase! — respondi fechando o roupão de cetim sobre a lingerie escandalosa e dando uma última olhada no espelho. Passei mais uma vez o batom vermelho nos lábios e fui até meu noivo de mentirinha calçando os sapatos de salto.
  — A senhora tem certeza de que não quer ir? — escutei perguntando à Meggie antes que eu entrasse na sala.
  — Tenho sim. — ela respondeu.
  Quando me viu, soltou um assovio malandro que fez com que eu ruborizasse do couro cabeludo ao dedão do pé.
  — Meu Deus, vocês está... deslumbrante. – ele disse me pegando pela mão e me fazendo dar uma voltinha.
  — Obrigada. Mas eu estou de roupão. Você não viu exatamente o que eu estou vestindo. — sussurrei a última frase dirigindo-lhe uma piscadela.
  — Não seja por isso. Vamos pro quarto e você me mostra... — falou me puxando para o interior do apartamento. Plantei os pés onde estava, rindo e dizendo que não, que já eram quase seis horas e eu não podia me atrasar.
  — Certo. Eu vejo mais tarde então. — ele disse fazendo bico. — Até logo, Meggie! — acenou para mulher que não respondeu, nem tirou os olhos do livro. — Bruxa. — ele murmurou assim que fechou a porta atrás de si.

  — Ai, meu Deus, como você está linda! — disse emocionada quando tirei o roupão de cetim que estava usando para cobrir a lingerie branca.
  Quando eu disse para a vendedora da loja que precisava de um conjunto para meu chá de lingerie, ela me trouxe um monte de parafernálias feitas exatamente para a ocasião. Portanto, eu estava usando um corpete branco bordado nos flancos e um shortinho de cetim (porque eu me recusei a ficar de calcinha mesmo que só houvesse mulheres na casa de Summer durante o evento). Minhas pernas estavam cobertas até cinco dedos acima dos joelhos por meias também brancas, e, para finalizar, na minha coxa direita, coloquei uma cinta-liga também branca. Meu cabelo estava preso em um coque, a franja pendendo de lado, e um arco com um véu pregado completava o restante do look.
  — Obrigada, . — agradeci dando-lhe um abraço. Ganhei mais um abraço das outras trinta mulheres presentes. Reconheci algumas da época da faculdade, mas quem me importava mesmo, além de , era Summer, Phoebe e Marcella.
  — Você veio! – dei pulinhos de alegria quando vi Mah.
  — Eu não faltaria por nada nesse mundo! E te trouxe um presente memorável. — ela piscou para mim.
  A primeira atividade da noite foi uma brincadeira que começou dando a mim e à Summer a tarefa de narrar o pedido de casamento que nossos noivos nos fizeram.
  — O Kyle me levou à cafeteria onde nos conhecemos na universidade no nosso aniversário de seis anos de namoro. O lugar havia sido fechado só pra nós, e comemos exatamente o mesmo que no dia que começamos a namorar: hambúrguer e milk-shake de morango. Daí, ao som de “You are so beautiful”, tocada pelo violinista e pianista que estavam no local contratados por ele, é claro, ele me disse algumas coisas, as mais lindas que já ouvi na vida, e perguntou se eu passaria o resto da minha vida com ele. — Summer contou com os olhos brilhando e derramou algumas lágrimas ao se lembrar do momento, provavelmente o mais emocionante de sua vida até então.
  — Sua vez, . — disse. Seria a primeira vez que ela e todas as minhas amigas ouviriam a minha história, e depois da contada por Sum, nada mesmo do que eu dissesse emocionaria ou surpreenderia alguém.
  — É claro que eu e o nunca chegaremos aos pés do casal mais fofo e romântico do mundo, né? — falei apontando para Sum e ela sorriu para mim. — E as coisas entre nós foram um pouco... confusas. — tentei justificar a falta de criatividade da minha história falsa. — Eu cheguei da minha corrida sagrada de todos os sábados, cinco semanas atrás, e estava no banho quando o apareceu no meu apartamento. Nós havíamos ficado cinco ou seis vezes até então, mas vocês me conhecem, eu ainda não sabia o que aquilo significava, o que queria que significasse. Atendi o irritada, porque ele adorava tocar minha campainha mil vezes mesmo sabendo que eu só estava demorando para atender porque tinha um motivo pra isso, e nós discutimos. Não me lembro mais sobre o que foi a discussão, mas sei que não tinha um motivo válido. Daí nós transamos — todas as mulheres presentes começaram a rir e escutei falando “é claro, bem a cara de vocês isso”. Pelo menos a história estava colando. — E, depois disso, o perguntou se eu ainda pensava que casamento era a pior tragédia do mundo. Eu disse que não tinha certeza mais, e ele perguntou se um dia ele me faria a pergunta “quer se casar comigo?” e eu diria sim.
  — Daí você riu da cara dele e mandou o coitado paro raio que o parta. — Phoebe concluiu a história por mim. As meninas riram e eu também.
  — Não, Phoebe. — fiz uma careta para ela, mas ainda estava sorrindo porque ela disse exatamente o que eu provavelmente faria. — Eu disse que sim. E não estava levando isso tão a sério até que o me apareceu com essa aliança.
  — E ele como o espertinho que é, já colocou as coisas para caminharem antes que a senhorita desista, né? — sugeriu.
  Depois disso, Summer e eu tivemos que responder uma série de perguntas sobre nossos noivos. havia conseguido as respostas com e Kyle, e diria se estava certo ou errado. Se déssemos a resposta certa, tínhamos o direito de abrir um presente; se a resposta fosse errada de acordo com o que nossos noivos disseram a , tínhamos que beber um shot de tequila.
  — Qual foi o primeiro animal de estimação do Kyle? — esta foi a primeira pergunta dirigida à Sum.
  — Caramba... — Summer disse enquanto pensava. — Um cachorro chamado Rex?
  — Errado! Shot de tequila pra ela!
  — O que sonhava ser quando era criança? — perguntou para mim.
  — Essa é fácil. Astronauta.
  — Certa resposta! Qual presente você quer abrir primeiro?
  — Qual é o da Marcella? — eu estava morrendo de curiosidade para saber o que Mah me comprara. me passou o embrulho vermelho com um laço dourado e dentro dele estava uma fantasia sexy de policial.
  — Porque vocês adoram cumprir a lei, sabe como é. — Mah justificou a escolha do presente enquanto todas nós ríamos da roupa e eu ficava vermelha só de me imaginar dentro dela.
  A brincadeira rendeu mais de uma hora, e no final dela, Summer estava tão tonta que mal podia ficar de pé. Eu só havia bebido três shots e estava chocada pela quantidade de informações inúteis que sabia sobre .
  Comemos doces e conversamos pela próxima hora. Depois, Summer e eu abrimos o restante dos presentes, e não sei quanto a ela, mas eu nunca tinha visto tantos artigos de sex shop – um mais inusitado e absurdo que o outro – em minha vida.
  Tivemos um desfile entre as meninas que elegeu a mais bem vestida da noite – Norah, uma modelo amiga de Summer, foi a mais votada.
  — Bom, a brincadeira para finalizar seria entre as madrinhas da noiva, mas não sei se convém fazê-la porque a ainda não escolheu a dela. — anunciou.
  — Deixa eu aproveitar a ocasião então, . — pedi sendo ajudada por alguém que estava por perto a me colocar de pé. Depois dos três shots de tequila, comecei a pensar demais naquela história de casamento, no pedido que na realidade nunca me fizera, no quanto minhas amigas ficariam magoadas se soubessem a verdade. Consequência de pensar demais? Bebi tantas taças de vinho que o chão já estava rodando sob os meus pés. — Você quer ser minha madrinha de casamento?
   abriu um sorriso enorme para mim e pensei que fosse pular no meu pescoço e me dar um abraço esmagador.
  — Tem certeza, ? Você não está no seu melhor estado para tomar decisões, né? — falou para a minha surpresa.
  — Tenho certeza absoluta. Eu não preciso estar sóbria pra saber que quero você ao meu lado em um dos dias mais importantes da minha vida. — falei e comecei a chorar descontroladamente. Fui abraçada por várias pessoas ao mesmo tempo enquanto tentava me controlar. O que estava acontecendo comigo?
  — Tudo bem, eu aceito, amiga. — disse. — Agora alguém, por favor, ligue para o buscar a ? A noite foi ótima, mas é hora de dar tchau.

***

  Acordei no dia seguinte com a cabeça explodindo de dor. Ainda estava usando a lingerie branca e, quando peguei o espelho que ficava sempre sobre o criado mudo do lado direito da minha cama, vi que meu rosto estava deplorável – a maquiagem toda borrada, meu cabelo parecendo um ninho de pássaros.
  — Bom dia, dorminhoca. — disse entrando no quarto com uma bandeja de café da manhã nas mãos.
  — Eu acordei mesmo ou ainda estou dormindo? — perguntei ironicamente quando ele colocou à minha frente a bandeja com café, pãezinhos, queijo e o iogurte diet que eu normalmente comia todas as manhãs. Havia também um vasinho com uma rosa cor de rosa, minha flor favorita, dentro.
  — Já acordou... — disse com uma voz gentil fechando a porta do quarto. — Sua ingrata. — completou depois que já estávamos isolados no cômodo.
  — A vigia tá lá fora?
  — Está na copa tomando café da manhã, que eu preparei sozinho porque a senhorita estava descansando depois da bebedeira de ontem à noite. — reclamou.
  — Foi meu chá de lingerie, querido. Você vai ter sua despedida de solteiro e vai ter o direito de me dar o troco. — falei esfregando as têmporas com os indicadores.
  — Bom, isso é verdade. — deu de ombros. Peguei o café puro e bebi quase a xícara inteira de uma vez. — Então você se divertiu ontem?
  — Sim. Foi bem melhor do que eu havia imaginado. — respondi abrindo a embalagem do iogurte.
  — Ninguém desconfiou de nada, nem disse nada demais, né? — perguntou ainda cauteloso.
  — Não. Por que você está me fazendo essas perguntas, ?
  — Porque você chegou em casa chorando e falando que não ia dar certo continuarmos com isso, que eu devia me casar com a Sammanta e desistir do acordo. — respondeu preocupado.
  — Eu disse tudo isso? — eu não me lembrava de nada e com certeza veria isso na minha expressão chocada. Eu estava de fato surpresa por ter falado aquelas coisas porque não me recordava nem mesmo de tê-las pensado. Pelo visto, a bebida me tornara sincera o bastante para acabar desabafando com ele.
  — Disse. E eu perguntava por que você estava falando essas coisas e você só dizia que valorizava muito a nossa amizade e não queria que as coisas acabassem mal. Daí ficamos abraçados até não sei que horas enquanto eu te fazia cafuné tentando te acalmar. Mas até lá você me assustou pra caramba, né? — ele passou as mãos pelos cabelos como se estivesse cansado e voltou a me encarar.
  — Desculpe, . Eu estava tonta, pessimista por causa do álcool. Isso não vai mais acontecer, eu juro. — garanti pegando uma de suas mãos e afagado-a com as minhas. olhou nossas mãos juntas pelo que pareceu uma eternidade até suspirar e dizer “tudo bem”.
  — Nossa amizade não vai acabar por causa de um acordo, . Nós somos adultos que namoraram um dia, e nossa amizade resistiu ao fim de um namoro. Vai dar tudo certo, ok? — ele me garantiu sorrindo para mim.
  — Você tem razão. — assenti sorrindo também.
  Então, deu um beijinho em cada uma das minhas mãos e se levantou da minha cama.
  — Tanya, a diarista, já começou a limpeza da cozinha. Depois que você terminar o café...
  — Vou tomar um banho e levar a detetive da tia-avó ao supermercado comigo. Não se preocupe, pode sair pra fazer suas coisas que eu cuido dela. — eu interrompi . Estava tão envergonhada pelo trabalho que havia lhe dado durante aquela noite que quase lhe disse que estava tudo bem se ele levasse Sammanta na minha casa de novo.
  — Eu só vou ao meu apartamento pegar uma mala. Temos que ir a Chicago no fim de semana que vem contar as novidades pra minha família, né?
  — Ah, é verdade.
  — Vou indo então. Até mais tarde. — ele disse sem jeito e girou a maçaneta da porta.
  — ? — chamei antes que ele saísse.
  — Oi?
  — Obrigada por cuidar de mim. — agradeci sem jeito.
  — Tudo bem. Só não me chame de tarado nunca mais. Eu não mereço isso. Quero dizer, um tarado que se preze teria se aproveitado da sua vulnerabilidade e te agarrado ontem. Você estava linda, sabe?
  Minha resposta foi uma risada porque a esta altura eu estava sem graça demais para esboçar outra reação.

***

  Eu estava escolhendo ingredientes para fazer um jantar de agradecimento e de “me desculpe por ter surtado ontem” para quando ele me cumprimentou fazendo-me dar um pulo de susto e, em seguida, alguns gritinhos de empolgação. Na minha frente estava Ryle Fields, meu peguete da época do colégio por quem tive um amor platônico por muito tempo. Infelizmente, Ryle só estudou na minha escola por um ano e então o pai foi transferido da empresa que trabalhava para Seattle, levando o cara mais gato que eu já havia visto na vida para o outro lado do país.
  — O que você está fazendo aqui? — perguntei enquanto nos abraçávamos.
  — Eu moro no Central Park West há uns dois anos já. — ele respondeu com aquele sorriso maravilhoso que já havia feito com que eu me derretesse várias vezes. Ryle não tinha mais a carinha de 17 anos que eu conheci, mas os anos só haviam feito bem à sua aparência. Ele parecia ainda mais alto, e sua camisa pólo tinha as mangas apertadas nos bíceps. Precisei me esforçar para fingir que era indiferente àquilo. A vigia da minha tia-avó estava no corredor ao lado pegando alguns dos ingredientes da torta de morango que eu pretendia fazer mais tarde, e se ela me pegasse cobiçando um colega da época do high school, isso não me ajudaria em nada.
  — Minha nossa, como nunca nos esbarramos então? Eu vivo aqui já faz uns quatro anos!
  — Imagino que a sua vida seja ainda mais corrida que a minha. Você se formou em direito na Columbia U?
  — Sim. Você fez faculdade aonde?
  — Em Washington mesmo. Agora estou dando aulas no curso de Arquitetura da Columbia.
  — Jura? — fiquei verdadeiramente impressionada. 28 anos e professor em uma das melhores universidades do país... Ryle subiu vários pontos no meu conceito com isso.
  — É. Pensei que havia chegado no fim da minha carreira com isso, mas acho que nasci pra dar aulas.
  — Fico feliz por você, Ryle. — falei e afaguei seu braço. E, Deus, era tão bom de pegar quanto aparentava!
  — E a vida amorosa, como anda? — ele perguntou mudando de assunto e não pude deixar de imaginar que estava encarando a aliança.
  — Estou noiva. — falei e sorri da forma mais convincente que pude.
  — Meus parabéns, ! Espero que seja um cara legal.
  — Sim, ele é... Mas e quanto a você? Já está pensando em se casar também?
  — Estou, mas ainda falta encontrar a noiva. — Ryle disse e riu. Odiei aquele acordo com com todas as forças da minha alma naquele instante. Ryle Fields na minha frente, mas lindo e gostoso do que nunca, e eu presa a um compromisso que nem era bem compromisso de verdade.
  — Talvez nós possamos tomar um café um dia desses. Conversar melhor. — propus tentando parecer super inocente ao dizer isso. Provavelmente era uma péssima ideia, mas a parte do meu cérebro que queria tirar as calças dele me dizia que eu poderia explicá-lo o que meu noivado realmente significava, e isso definitivamente não me impedia de ficar com ele de novo, já que e eu estávamos amarrados àquela situação por causa do dinheiro.
  — É uma ótima ideia. Você me passa seu número? — Ryle pediu encarando meus olhos por um instante.
  — Claro. Devo ter um cartão por aqui... — revirei minha bolsa por alguns segundos até encontrar o bendito cartão com meus contatos. Antes que meu olhar cruzasse com o de Ryle de novo, percebi que ele estava me medindo dos pés a cabeça.

7. Família

  Quando cheguei em casa do supermercado, já estava por lá, esparramado no sofá da sala assistindo a algum esporte na TV. Guardei cuidadosamente todos os itens que comprei e, logo em seguida, preparei sanduíches para o almoço. Depois que comemos, Meggie me ajudou a lavar a louça e voltou para a frente da TV, levando uma cerveja para lhe fazer companhia.
  — Vocês têm álbuns de foto, senhorita ? — Meggie perguntou assim que terminou de enxugar a louça e enquanto eu passava um pano no balcão já perfeitamente limpo.
  — Álbuns com apenas fotos de nós dois não, porque passamos a maior parte do tempo nesses anos sendo só amigos, mas temos várias fotos juntos. Vou pegar para que você veja. — sorri para ela e fui até o meu quarto. Se ela havia revirado o meu closet, era surpreendente que não tinha encontrado a caixa de fotos, que tem uma etiqueta de todo tamanho na tampa dizendo “fotos”.
  Meggie olhou meu álbum de formatura da faculdade – e estava em praticamente todas as fotos -, dos meus aniversários – e lá estava na maioria delas também – e dos Natais que passei com a família . Ela também observou algumas das fotos da minha viagem à Madrid e à Londres, mas nestas não aparecia – eu havia ido para a Europa com e viajou para o Caribe e o Brasil com sua namorada, Sammanta, praticamente na mesma ocasião em que saí do país.
  — Vocês realmente foram amigos esse tempo todo. — Meggie disse parecendo surpresa ao constatar este fato.
  — É... Nem me lembro mais de como era a minha vida antes de conhecer o . — concluí sentindo uma pontada de medo ao perceber isso. Senti os olhos de Meggie sobre o meu rosto provavelmente estranhando a minha frieza em dizer uma coisa dessas. Mas não tentei corrigir minha “falha”, nem nada do tipo. Eu estava começando a ficar perturbada de novo e precisava fazer algo para me distrair. — Bom, vou guardar as fotos. Eu costumo sair para correr aos sábados, e já está no meu horário.
  Deixei Meggie sentada na minha cama e levei a caixa para o closet, onde troquei meus jeans e minha blusa preta por uma calça legging e uma regata.
  — Estou saindo pra fazer caminhada, ok? — avisei por sobre o ombro enquanto destrancava a porta da sala.
  — Ok. — ele respondeu de lá sem olhar na minha direção.
  Não sei se Meggie viu a forma como nos tratamos, mas pelo jeito que já havíamos almoçado – um silêncio constrangedor quebrado de vez em quase nunca por alguma de suas perguntas -, ela já devia ter notado que não estávamos em nosso melhor humor. Tudo bem, nenhum casal é só feliz o tempo todo, certo?
  Uma das melhores coisas em correr era que o esforço físico direcionava parte do fluxo sanguíneo para os meus músculos e fazia com que meu cérebro trabalhasse um pouco menos freneticamente. Ou seja, correr me ajudava a não pensar demais. E se eu pensasse bem, provavelmente desistiria daquele acordo agora, enquanto ainda era tempo, enquanto a situação ainda não havia fugido do controle.
  Só mais três meses e vinte e seis dias, . Foi o que falei para mim mesma e puxei um bocado de ar pelo nariz, soltando-o devagar pela boca numa respiração profunda. Ótimo, agora eu estava contando o tempo da mesma forma que !
  Corri por duas horas, cheguei em casa e me deparei com um cochilando no sofá com a TV ligada e uma vigia lendo um livro em uma das poltronas da sala. Tomei um banho longo e vesti um vestido florido um palmo acima dos joelhos, dirigindo-me então para a cozinha e usando todos os meus dotes culinários para cozinhar um dos cinco pratos que realmente sabia fazer e que eu sabia que adorava: espaguete. Além do espaguete, caprichei na torta de morangos, que foi levada à geladeira enquanto o jantar era colocado à mesa junto com taças e um vinho branco.
  — Senhorita , vou deixar vocês a sós e aproveitar a oportunidade para visitar uma amiga que mora na região. — Meggie disse antes que eu colocasse os pratos à mesa.
  — Oh... Você precise que alguém te leve lá? Posso pedir ao que faça isso... — perguntei sem jeito para a bondade dela. Pelo visto estava pensando que precisávamos de um momento a sós para fazermos as pazes, porque parecemos brigados o dia todo.
  — Não é necessário. Eu peço um táxi aqui em frente ao prédio. Divirtam-se. — Meggie disse e tive a impressão de que me dirigiu um sorriso. Agradeci e lhe desejei um bom passeio, mas falei tarde demais, ela já havia saído.
  Terminei de arrumar a mesa na copa e fui até o quarto chamar para jantar. Ele estava tomando banho enquanto eu terminava a torta, até onde eu havia percebido, então já devia ter saído do banheiro.
  — O jantar está pronto, . — falei e ele apenas assentiu uma vez com a cabeça, sem tirar os olhos da tela do laptop que tinha no colo. Respirei fundo repetindo para mim mesma que manteria a calma. — Não está com fome?
  — Já vou, . — ele murmurou e apertou algumas teclas no teclado do computador.
  — Eu fiz espaguete e comprei seu vinho favorito. — eu disse embora minha vontade fosse começar a xingá-lo por estar sendo tão estúpido comigo se eu já havia pedido desculpas pelo meu comportamento na noite anterior.
   não respondeu. Era como se ele nem tivesse escutado o que eu havia dito. Então, ele deu uma risadinha e voltou a digitar no laptop. Foi aí que minha paciência esgotou. Fechei a tampa do computador com força sobre os seus dedos, fazendo com ele xingasse e me encarasse.
  — Quer prestar atenção ao que eu estou dizendo? — pedi já com a voz elevada.
  — O que foi, mulher? Está ficando doida? E a Meggie? — ele devolveu quase gritando também.
  — Ela fez a gentileza de sair para nos deixar a sós. Acho que percebeu o quanto estávamos distantes hoje e pensou que seria uma boa ideia para que fizéssemos as pazes.
  — Acho que ela estava errada, então. — disse jogando o computador sobre a cama.
  — Você é um idiota, ! Eu passei o dia todo tentando me redimir pelo meu comportamento de ontem, mas você continua sendo um imbecil comigo.
  — Passou o dia tentando se redimir? — ele riu sarcasticamente.
  — Por que você acha que eu fiz sua comida favorita e comprei essa porra desse vinho branco que eu detesto? — gritei me segurando para não pular em seu pescoço e esganá-lo até a morte.
  — , você não precisava ter feito isso. Eu já esqueci ontem. — disse com o tom de voz normal. — Não estou distante por sua causa. — completou. — Vamos jantar, então?
  — Aconteceu alguma coisa? — perguntei com os braços cruzados sobre o peito, ainda na defensiva.
  — Não, não aconteceu nada. Está tudo bem. Eu só estou cansado.
  — Por que não foi ver a Sammanta hoje então?
  — Ela foi pra Jacksonville. Uma amiga está se casando esse fim de semana e pediu que a Sam fizesse as fotos.
  Bom, aquilo fazia sentido. Sammanta era fotógrafa profissional e havia crescido na Flórida, até onde eu me lembrava.
  — Agora vamos jantar? — pediu me cutucando na cintura para me provocar cócegas e fazendo com que eu relaxasse a postura.
  — Ok. — concordei andando para a copa com em meu encalço.
  — A Sammanta disse que poderia pedir a uma das funcionárias dela para fazer nosso álbum de casamento. — comentou puxando uma cadeira para si à mesa.
  — Não, obrigada. Não quero nenhuma ajuda da sua ex. Se eu me casar só uma vez nessa vida, mesmo que seja de mentira, quero que minhas fotos sejam perfeitas ou que eu pelo menos não pareça uma bruxa nelas.
   riu e serviu metade do macarrão para si.
  — Qual é o seu problema com vinho branco, hein? — perguntou enchendo sua taça pela segunda vez e completando a minha.
  — Sei lá. Muito fraco. Pelo menos esse é.
  — Você não devia beber por um bom tempo, isso sim. — murmurou.
  — Está tão traumatizado assim porque ao invés de me jogar sobre você eu fiquei chorando no seu colo, ? — eu ri, fez uma careta.
  — Foi assustador pra mim te ver chorando. A única vez que eu havia visto isso na minha vida foi quando seu gato pulou da janela e morreu.
  — Pobrezinho do Einstein...
  — Você não é boa com animais de estimação, né? — riu de novo e colocou mais uma garfada de comida na boca.
  Eu não era mesmo boa com animais de estimação. Eles sempre fugiam de mim, cometiam suicídio – como no caso de Einstein, que pulou da janela daquele mesmíssimo apartamento, e eu morava no sétimo andar – ou acabavam morrendo por que eu esquecia de alimentá-los...
  — Oh meu Deus! O Tufão! — gritei desesperada porque eu não me lembrava mais de qual havia sido a última vez que o alimentara.
  — Como é que é? — perguntou enquanto eu corria para a sala para ver o aquário do meu peixe dourado.
  — O Tufão, meu peixinho. Eu esqueci de... — eu ainda murmurava quando vi que Tufão estava bem, balançando sua calda por todos os lados e fazendo a volta no aquário provavelmente pela milésima vez naquele dia.
  — Eu estou dando comida pra ele quando vejo que você não fez isso ainda. — disse colocando uma mão sobre o meu ombro enquanto eu fitava meu peixe.
  — Obrigada, .
  — Sinceramente, , não sei como você e esse peixe sobreviviam antes de eu me mudar pra cá. — ele falou convencido voltando para a copa. Rolei os olhos e só respondi com uma risada.
  Sem ele debaixo do meu teto, eu tinha certeza que sobreviveria. Mas tirar da minha vida... Isso eu realmente não conseguia mais imaginar.

  Se naquele sábado e eu parecemos o casal mais frio do mundo, no domingo Meggie provavelmente mudou de opinião. Preparamos o café da manhã juntos conversando e brincando como um perfeito casal e voltamos para o quarto logo depois de comer – os dois ficaram em seus laptops vadiando na internet, trabalhando, lendo ou algo do tipo, mas Meggie não devia ter imaginado que era isso que fazíamos, ou pelo menos era o que eu esperava. Saímos para almoçar em um restaurante vegetariano perto do meu prédio, e passamos a tarde toda deitados no sofá vendo filmes. Meggie ficou no quarto vendo TV, lendo, cuidando de sua própria vida. Não foi possível ignorar o corpo de envolvendo o meu, suas mãos acariciando meus cabelos, minhas costas ou minha cintura enquanto estávamos dividindo o espaço naquele sofá como um belo casal. Mas eu teria que me acostumar com isso, afinal de contas. Além disso, Meggie iria embora na quinta-feira. Eu sobreviveria até lá.
  — Já comprei nossas passagens pra Chicago. — disse antes de entrar no banheiro para tomar banho antes de irmos dormir. Meggie já estava acomodada em seu quarto e nós poderíamos ser nós mesmos até no outro dia de manhã.
  — Que dia vamos e que dia voltamos? — perguntei antes que ele fechasse a porta atrás de si.
  — Sexta às seis da tarde nós vamos, e domingo às duas voltamos. — ele respondeu e depois de dez segundos ouvi o barulho do chuveiro sendo ligado.
  Meus dentes já estavam escovados, eu já estava de pijama – um baby doll que consistia em um short com corações e uma regata sem estampa – e precisava daquela noite de sono para viver minha segunda-feira da melhor forma possível. Mas eu não estava com sono por dois motivos. Primeiro: havia passado o dia deitada e à toa, sem gastar muita energia, sem me cansar. Segundo: ser tocada por , mesmo que fosse da forma mais inocente possível, fazia com que a adrenalina se acumulasse no meu sistema. Eu podia mentir para mim mesma o quanto quisesse com relação aos meus sentimentos por , mas não podia mentir para o meu corpo quando o assunto era entrar em contato com aquele homem.
  Duas batidas leves na porta do meu quarto fizeram com que eu interrompesse esses pensamentos.
  — Sim? — eu disse depois de abrir a porta para Meggie.
  — Você teria algum analgésico para dor de cabeça? — ela perguntou esfregando as têmporas com os indicadores.
  — Tenho sim... — respondi pensando onde havia guardado minha caixa de remédios... E foi então que me lembrei que ela estava em uma das gavetas da bancada do banheiro onde estava tomando banho. Involuntariamente, olhei para a porta do banheiro e fiquei encarando-a enquanto pensava em como lidar com aquela situação.
  — Está no banheiro? — ela perguntou.
  — Sim. — eu disse e encarei seu rosto inexpressivo por um momento.
  — Seu noivo se importa se você entra no banheiro enquanto ele toma banho? — questionou franzindo um pouco o cenho.
  — Não. Ele não se importa. — eu disse e sorri para ela. Por dentro, eu estava tremendo até nas organelas das minhas células.
  Andei devagar até o banheiro e coloquei a mão na maçaneta. Olhei de soslaio para Meggie e ela estava escorada ao batente da porta do meu quarto, esperando pelo remédio. Se ela havia calculado aquilo para me colocar numa situação difícil, eu não sabia, mas sua astúcia era admirável. Odiosamente admirável.
  — Amor, vou entrar pra pegar uma coisa... — avisei tentando falar alto o bastante para que não desse um berro de susto quando eu entrasse no banheiro com ele lá dentro.
  E então, eu girei a maçaneta da porta e me enfiei no banheiro com meu ex-namorado e noivo de fachada nu.
  — O que você está fazendo? — ele sussurrou enquanto eu tentava não olhar na sua direção.
  — Pegando um remédio para a Meggie. — respondi abrindo as gavetas da bancada da pia e derrubando tudo o que tocava por causa do nervosismo.
   deu uma risada e voltou a cantarolar. Devia estar adorando aquela situação, o abusado maldito. Encontrei a caixa de remédios e peguei-a inteira para o caso de Meggie arranjar alguma dor de barriga também e precisar de mais alguma coisa. Encarei o chão enquanto terminava o caminho até a porta evitando pensar que estava pelado – e molhado - há pouca distância de mim.
  — ? — ele me chamou e, por reflexo, voltei meus olhos na sua direção para atender. Desviei o olhar logo em seguida, mas era tarde demais. Eu já havia visto ele nu, as gotinhas de água descendo por seu corpo sarado.
  — Eu te odeio, . — murmurei enquanto ele ria e saí do banheiro.

***

  O resto da semana não contou com evento algum muito emocionante. Simplesmente continuei interpretando o papel de noiva feliz até a quinta-feira, quando finalmente me despedi de Meggie pela manhã, antes de ir para o trabalho.
  — Obrigada por me receberem na sua casa essa semana. — Meggie me agradeceu estendendo a mão para que eu apertasse em cumprimento.
  — Foi um prazer conhecê-la. — sorri retribuindo o aperto de mãos.
  — Bom, acho que nos vemos no seu casamento.
  — A senhora é bem-vinda para nos visitar quando quiser. — falei puramente por educação, mas desejando não vê-la nunca mais em minha vida. Nada contra Meggie, ela até era uma boa pessoa. Mas aquilo era pressão psicológica demais para uma só.
  — Obrigada, mas acho que já cumpri meu compromisso com sua falecida tia-avó por aqui. É evidente que você e o senhor se conhecem bem e se gostam.
  Sorri aliviada para o comentário de Meggie. Ela atravessou a soleira da porta puxando sua pequena mala de rodinhas e eu estava prestes a dizer “adeus” e agradecer novamente, quando ela se virou para mim e levou uma de suas mãos ao meu braço, afagando-me condescendentemente na região.
  — Espero que você consiga entender de verdade o que essa oportunidade significa para a sua vida.
  Franzi o cenho sem conseguir entender onde ela queria chegar com aquilo.
  — E não estou falando do dinheiro, senhorita . — ela completou. Eu já havia lhe dito que poderia me tratar apenas por , mas ela insistia em ser formal assim.
  — Não se preocupe conosco, senhora Sullivan. Nós provavelmente não formamos o casal mais perfeito do mundo, mas juro que não vamos nos matar. — brinquei.
  — Acredite, querida, eu sei que vocês não vão, mas essa não é a minha preocupação. — ela quase sorriu de volta para mim. Não consegui não me perguntar o que diabos aquela mulher já devia ter passado na vida para ser tão séria o tempo todo. — Até setembro, . — Meggie Sullivan disse, por fim, tratando-me pela primeira vez em quase duas semanas pelo meu primeiro nome, e me deu as costas, andando até o elevador do meu andar no prédio.
  — Até setembro. — respondi refletindo sobre o que ela disse.
  Eu tinha uma ideia do que Meggie queria me transmitir com aquelas palavras, mas seria complicado demais acrescentar esse fator à equação. As coisas já estavam complicadas o bastante sem que eu pensasse muito no assunto. era comprometido com outra mulher, afinal de contas. Mesmo que eu quisesse usar aquela aproximação para tentar de novo com ele, esta não era uma opção a essa altura. Além disso, eu já estava pedindo demais à ; provavelmente, já estava pedindo demais para mim. E foi por isso que, como a covarde que eu era, ignorei as palavras dela e continuei ignorando como de fato me sentia por tudo aquilo. Até que então, sexta à noite chegou e fui com para Chicago.

***

  — Estou muito ansiosa para saber sobre os preparativos que você já adiantou... — Eliza , a mãe do meu futuro marido, tagarelava na minha cabeça enquanto arrumávamos a mesa do jantar juntas.
   estava a alguns metros de distância, na sala de televisão ao lado da copa, assistindo a algum esporte na TV com seu pai. Susan havia se retirado para tomar banho e experimentar as roupas que eu havia lhe trazido de presente. Como já era tarde, jantaríamos comida japonesa comprada num restaurante próximo à residência dos , e iríamos dormir logo em seguida. No dia seguinte, Eliza e eu sairíamos para comprar itens para o meu enxoval.
  Como contamos para a família de que estávamos noivos? Bom, esta história realmente não era tão emocionante e, na minha cabeça, decidi denominá-la comicamente estranha.

  Flashback on
  — Como você pretende dizer isso a eles? — perguntei a enquanto caminhávamos pelo corredor do desembarque para alcançar a esteira que continha nossas malas.
  — Sinceramente, eu ainda não sei. Mas não estou apavorado como você. — ele deu de ombros.
  — Eu não estou apavorada com isso. — menti e decidi me concentrar em achar minha mala.
   fez questão de levar sua mala pequena e a minha mala de rodinhas nem tão pequena assim. Portanto, não estávamos de mãos dadas quando encontrados sua família, perto da ala de desembarque no meio da pequena multidão. Apesar disso, porém, assim que terminou de nos abraçar, a mãe de puxou minha mão do bolso e encarou minha aliança.
  — Posso saber quem é o sortudo? — Eliza perguntou e o diamante de tamanho médio pareceu pesar mil toneladas no meu dedo.
  Olhei para de soslaio e ele abriu a boca para dizer algo, mas sua mãe o interrompeu:
  — Oh meu Deus, vocês vão se casar!
  Flashback Off

  E foi assim, como se já imaginassem que acabaríamos ficando noivos algum dia, que a família de soube do nosso noivado.
  É claro que eu estava feliz por eles levarem as coisas numa boa dessa forma. Eu adorava ser tratada como uma filha pelos pais de e sua irmã, Susan, era exatamente a irmã mais nova que sempre sonhei ter. Eu me sentia uma heroína por lhe dar conselhos e ver o quanto ela confiava no meu julgamento. E talvez por tudo isso que a culpa era ainda mais esmagadora: eu estava enganando pessoas que verdadeiramente me amavam.
  Portanto, eu não estava alegre quando fui para o quarto da adolescência de aquela noite. A cama era de casal desde que ele conquistou esse privilégio aos 15 anos de idade, as paredes estavam lotadas de pôsters de bandas e times de baseball, e eu adorava a estante com os livros e fotos antigas dele.
  — Meus pais adoraram a notícia. — comentou se despindo.
  — É... — murmurei tentando ignorar a vozinha na minha cabeça que dizia que eu devia me incomodar por ficar de roupas íntimas na frente dele. Naquele momento, eu não estava com ânimo nem para provocar, me vingar de Sammanta ou o que fosse.
  Tirei a minha blusa e a calça jeans e coloquei a camisola que parecia um blusão por cima das roupas íntimas.
  — Está tudo bem, ? Você não parece feliz porque meus pais gostaram da notícia do noivado.
  — Eu já sabia que eles iam gostar. — dei de ombros. Fechei minha mala e puxei o edredom que cobria a cama de . Ele me puxou pelo braço antes que me jogasse no colchão macio, fazendo com que eu ficasse diante de si.
  — O que tá havendo?
  — Já disse que tá tudo bem, .
  — Você só consegue ser sincera quando está bêbada, é? — ele perguntou num tom de acusação.
  — Como é?
  — Bêbada você admite seus medos e... é honesta. Sóbria você gasta todas as suas energias tentando bancar a durona. — concluiu. — O que foi, ? Se vamos dividir nossas vidas juntos, você tem que confiar em mim.
  Eu ri sarcasticamente daquilo e me sentei na cama.
  — Eu odeio mentir para as pessoas que eu amo. Quero dizer, eu minto sobre isso sem culpa para minha mãe porque ela me enche o saco sobre esse negócio de casamento. Mas a sua família... — balancei a cabeça em negação me perguntando como eu era capaz de ser tão mesquinha ao ponto de enganá-los de tal forma.
  — , não se preocupe sobre isso, ok? — se sentou ao meu lado e passou um dos braços ao meu redor. — Vamos continuar amigos depois do divórcio, e meus pais vão continuar te amando.
  Pensei em dizer que eu não tinha tanta certeza sobre a nossa amizade resistir àquele casamento falso, mas não fiz isso. Apenas assenti, falei que estava cansada e que tinha um dia de compras pela frente, e então nós dois fomos dormir.
  Naquela noite, tive o sonho mais confuso de todos.

8. Riley

  — Eu nunca te disse isso, mas sempre pensei que você cometeu um erro quando terminou comigo. — disse enquanto eu terminava de enxugar os pratos que havia acabado de tirar da lavadora de louças. Passei o último prato para que ele guardasse no armário e coloquei o pano sobre a pia.
  — Por que você acha isso? Aliás, por que está me falando isso agora? Nós terminamos quase oito anos atrás, . — rolei os olhos.
  — Não estou falando que fiquei com raiva da sua decisão nem nada. Se eu tivesse ficado, obviamente não seríamos amigos agora. Mas pense bem, : nós somos perfeitos um pro outro.
  Bufei e soltei uma gargalhada involuntariamente.
  — Estou falando sério! — ele disse, mas riu também.
  — Cara, você é muito convencido.
  — Não,
você é muito convencida. E olha aí: mais uma coisa que temos em comum. Até a sua tia-avó sabia que tínhamos tudo pra dar certo, tanto que ela apostou dois milhões de dólares nisso.
  — Minha avó não estava nas melhores condições mentais do mundo, . — falei ainda disposta a discordar dele naquele assunto.
  Como a minha cozinha já estava perfeitamente limpa e o relógio indicava quase onze horas da noite, decidi que estava na hora de dormir. Portanto, andei até o quarto com tagarelando no meu ouvido sobre tudo o que estava a favor de sermos um casal perfeito. Troquei de roupas na frente dele e ele na minha frente, enquanto ainda falava sobre as coisas que tínhamos em comum e o fato de estarmos convivendo bem debaixo do mesmo teto.
  — Ok, ok. Realmente poderíamos dar certo. Mas existe um detalhe que pesa muito nessa balança e está completamente contra a tudo o que você disse. — comentei puxando os cobertores do meu lado da cama. franziu o cenho para mim curioso com o que eu estava prestes a dizer: — Você tem namorada.
   rolou os olhos e sentou-se na cama, recostando-se contra a cabeceira.
  — Você sabe que eu e a Sammanta não estamos mais juntos. — ele disse.
  — Vocês terminaram a menos de uma semana. Tenho certeza de que vão voltar. — falei mais triste com aquilo do que admitia para ele ou até para mim mesma. Então, sentei-me na cama ao seu lado.
  — Eu não diria isso com tanta certeza... — murmurou. — De qualquer modo, o que você acha de aceitar minha proposta enquanto isso?
  — Que proposta?
  A mão de alcançou minha perna pouco coberta pelo short curto do pijama e ficou repousando sobre a minha virilha.
  — Há quanto tempo você não transa, hein? – ele perguntou, só um sussurro ao pé do meu ouvido. Neste instante, cada do poro do meu corpo já estava arrepiado e eu sentia um calor absurdo subindo pelas minhas pernas e se concentrando exatamente onde a mão de estava.
  Não respondi à pergunta dele. Apenas ignorei a parte do meu cérebro que me dizia que aquilo era uma péssima ideia e o agarrei pela nuca, beijando-o do jeito que eu queria desde que ele havia dividido a cama comigo pela primeira vez depois que ficamos noivos de mentira.

  Acordei no meio da madrugada, interrompendo o melhor sonho da minha vida bem no meio. Mantive os olhos fechados esperando retomar a coisa de onde havia parado, mas não obtive sucesso.
  Eu não conseguiria dormir mais pelo resto da noite, podia apostar. Não com o objeto do meu sonho erótico bem ao meu lado, um dos braços involuntariamente sobre o meu tronco. E eu estava tão necessitada de executar o bendito sonho, tão alterada pelo desejo que o maldito me despertava que, ao invés de me levantar, beber uma água e pensar em alguma coisa inocente por alguns minutos até voltar ao normal, me juntei mais ainda ao meu noivo de mentira e esfreguei minha bunda contra seu quadril com vontade. Ele acordou, é claro, e pressionou seu corpo contra o meu também.
   depositou alguns beijos no meu ombro que me deixaram ainda mais louca. Sua mão que estava pendendo a frente do meu tronco enquanto seu braço me envolvia foi parar na minha coxa. Só depois de alguns bons minutos me esfregando de costas para meu ex-namorado sobre a cama dele na casa de seus pais e pouco antes que o resto do meu juízo evaporasse e eu me virasse sobre a cama para beijá-lo, que me lembrei o quanto aquilo era errado.
  — ... — falei tentando me afastar, mas o nome dele saiu em forma de gemido.
  — Hmm? — ele falou e apertou minha perna mais forte.
  — Para de roçar em mim, seu tarado. — eu disse e dei uma risada. Aquilo pareceu acordá-lo para a realidade e ele se afastou um pouco de mim no mesmo instante. Recolheu sua mão da minha perna e se virou na cama de modo a ficar de barriga pra cima, olhando para o teto. Eu fiz o mesmo.
  — Desculpa. — ele riu.
  — Tudo bem. — eu havia começado, afinal de contas. Não diria isso em voz alta nunca, mas sabia da verdade.
  — Culpa sua por vir pra cama comigo usando roupas tão curtas e finas.
  — Pleno mês de maio e você quer que eu durma de moletons gigantes? E que belo discurso vindo de quem só dorme de cueca, hein?
   respondeu com uma risada.
  — Ok, ok. Não tá mais aqui quem falou. Boa noite, .
  — Boa noite. — respondi. Ele se virou de modo a ficar de costas para mim e eu passei um bom tempo encarando suas costas e odiando Sammanta mais do que nunca por ser a legítima dona dele.

***

  — Vocês deviam arranjar um apartamento novo. Um lugar para começarem do zero depois que se casarem. — a mãe de comentou enquanto dirigia até a IKEA de Chicago, onde compraríamos alguns itens para o meu enxoval. Eu ainda achava aquilo uma péssima ideia, mas ela disse que enviaria tudo para Nova York depois, então tentei não questionar sobre o assunto.
  — Meu apartamento é novo... — murmurei desconfortável com a ideia de abandonar meu doce lar para comprar um lugar que seria habitado por poucos meses. Eram mudanças demais para um período de tempo tão curto...
  — Eu sei, querida, mas é um apartamento para uma mulher solteira. Vocês vão precisar de mais espaço agora, afinal, uma criança pode vir a qualquer momento. — quase engasguei com minha própria língua quando Eliza disse isso. — E é bom que os dois escolham um lugar novo, que represente a vida que terão a partir do casamento. Sabe, , eu sei que hoje em dia desfazer um matrimônio é a coisa mais fácil do mundo. Mas eu criei meus filhos para se casarem uma vez só, para acreditarem que é uma união para a vida toda. — pude sentir os olhos dela indo da estrada para o meu rosto por um instante depois de dizer isso.
  — Sim, o me disse que quando se casar, quer que seja pra sempre. — comentei lembrando-me do dia em que ele disse isso, antes de saber que poderia ganhar um milhão de dólares por alguns meses de união forjada. É claro que eu sabia que, na mente dele, casamento é pra sempre se o motivo da união é amor, então tecnicamente ele não estava deixando de respeitar o que os pais lhe ensinaram.
  Eliza sorriu para as minhas palavras orgulhosa do filho.
  — O vai ser um marido maravilhoso, tenho certeza disso. Vocês conseguirão levar isso bem. São amigos há muitos anos, se conhecem bem...
  — Mas nós dois somos muito teimosos e orgulhosos também. Isso pode ser um grande problema. — tentei convencer mais a mim mesma do que à Eliza de que eu e o filho dela não funcionávamos tão bem assim.
  — É aí que entra o amor, . O amor cobre uma multidão de pecados. — minha sogra sorriu para mim novamente. Sorri para ela em resposta da forma mais convincente que pude, enquanto a culpa fazia minha cabeça pesar uma tonelada. — Bom, vamos falar dos preparativos... Você já escolheu o vestido de noiva?
  Passamos os próximos dez minutos até chegar à loja falando sobre o que eu já sabia que estava acertado – na terça-feira iria ao estilista onde minhas amigas noivas haviam mandado fazer seus vestidos para escolher o meu e acertar esta parte, na quinta-feira me encontraria com a cerimonialista indicada por Summer, que me ajudaria a começar a ver a decoração, o local da recepção, o Buffet, as bandas...
  Passamos a manhã toda planejando meu novo apartamento – quando me dei conta, já havia concordado com essa ideia – e comprando tralhas – de jogo de talheres a toalhas de mesa bordadas, passando por roupas de cama e banho. Na hora do almoço, nos encontramos com Kevin, o pai de , Susan e meu futuro marido em uma churrascaria para almoçarmos. Então, os homens da família foram assistir aos Chicago Bears no estádio Soldier Field e nós, mulheres, fomos ao shopping, porque Susan teria um baile de estudantes em menos de um mês e queria minha ajuda para escolher o vestido.
  À noite, ajudei Eliza a preparar um canelone para o jantar. Ela tagarelava sobre as receitas da família – a bisavó de por parte de mãe era uma cozinheira italiana – que eu deveria aprender.
  — Eu realmente adoro cozinhar. Não é a melhor coisa que sei fazer, mas adoro! — comentei animada mexendo o molho que cobriria a massa do canelone. E então quase entornei a panela sobre mim quando , de supetão, me abraçou por traz e me deu um beijo no rosto. — Car... – interrompi o palavrão que estava prestes a soltar quando me lembrei que estava no mesmo ambiente que minha futura sogra com sua filha adolescente recheando cupcakes no mesmo cômodo.
  — Não queria te assustar, desculpe. — disse rindo.
  — Tudo bem, eu só... — ri também, completamente sem graça.
  Eliza e Susan riam de nós como se a cena de um quase acidente em que eu poderia ter me queimado inteira fosse a coisa mais engraçada do mundo. E foi observando aquelas pessoas que eu adorava se divertindo em um momento tão simples que eu admiti para mim que me acostumaria facilmente com aquilo.

  Deitei-me para dormir junto com , mas depois de trinta minutos me revirando na cama e quando ele já estava respirando profundamente, completamente apagado, levantei-me, catei o livro que havia levado e estava dentro da mala, abandonado, e fui para o banheiro da suíte de . Eu queria ler, queria que as horas passassem, queria distrair minha cabeça. Mas eu não queria ir para a sala da casa ou qualquer outro cômodo que alguém pudesse aparecer e me questionar porque eu estava perambulando pela casa, insone. Eu não tinha uma desculpa boa o bastante para dar para isso, e a verdade não podia ser dita – era a culpa que estava mandando meu sono para a puta que pariu. Portanto, abaixei a tampa do vaso, mantive a porta do banheiro fechava e me acomodei ali, abrindo Razão e Sensibilidade na página em que havia parado e me permitindo esquecer toda aquela história pelas próximas horas.

  — ? — ouvi me chamando e batendo na porta do banheiro. Eu havia adormecido sentada no chão, com a cabeça escorada no vaso e o despertar súbito fez com que meu pescoço estralasse em protesto.
  — Oi. Oi... — respondi colocando-me de pé. — Está aberta.
   entrou no banheiro enquanto eu ainda me esticava conferindo os danos que dormir daquele jeito haviam provocado.
  — Está tudo bem? Você passou mal ou algo assim? — ele perguntou preocupado.
  — Não... Eu perdi o sono. Daí vim pra cá ler um pouco. Não queria acender o abajur e te acordar.
  — Desde quando você é tão generosa?
  — De nada, . — falei rolando os olhos. Voltei-me para a pia do banheiro e abri a torneira. Lavei meu rosto e levei as mãos molhadas pela água fria ao pescoço. O frio teve um pequeno efeito aliviador sobre meus músculos enrijecidos pela posição horrorosa a qual eu os havia submetido.
  — Você dormiu no chão, foi? — perguntou.
  — É, eu me sentei no chão e acabei pegando no sono com a cabeça apoiada no vaso.
  — Por que não voltou pra cama, sua louca? — ele riu.
  — Eu ia continuar lendo. Não foi um pegar no sono planejado. — respondi mal humorada.
  Vi pelo espelho do banheiro balançando a cabeça em negação. Então, vi ele se aproximando mais de mim e senti suas mãos tocando meus ombros antes que nosso reflexo no espelho me mostrasse isso.
  — Tá fazendo o quê? — questionei já com a voz e meu organismo afetados pelo toque dele.
  — Massagem. Talvez melhore um pouco seu pescoço. — ele respondeu enquanto apertada os polegares com a força adequada nos músculos das minhas costas no nível dos ombros.
  — Hmmmm, isso é realmente bom. — gemi involuntariamente depois de alguns segundos de massagem.
  — Fala mais baixo, . O quarto da minha irmã é logo atrás dessa parede. — riu. Fiquei tão constrangida de vergonha porque daquela vez eu havia sido completamente espontânea e não poderia negar isso que nem fui capaz de formular uma resposta. Então fechei os olhos e aproveitei a massagem de pelos próximos minutos.

  — Sabe o que eu queria ver? — comentei enquanto trocávamos os pijamas para tomar café em família. Aliás, eu troquei o pijama por um short e uma camiseta; apenas vestiu roupas porque sua roupa de dormir era sempre só uma cueca.
  — Eu pelado?
  Ri alto. Bom, eu até queria, mas não diria isso àquele puto jamais.
  — Pode admitir que gosta. Eu vi sua cara de gula aquele dia no banheiro.
  — Deixa de ser idiota, ! Exatamente porque eu sei como você é pelado que posso dizer que não é nada tão surpreendente.
  — , meça bem suas palavras... Não me incomodo de tirar a roupa aqui na sua frente pra te fazer repetir isso. — ele me alertou, mas continuou vestindo as calças.
  — Eu queria ver a cara da Sammanta presenciando uma situação dessas.
  — Por quê? Não estamos fazendo nada demais.
  — Não, não estamos. Mas ela ficaria puta se escutasse essas besteiras que você me diz e ficaria mais puta ainda ao saber que fico de langerie na sua frente. Ah, e ela sabe que você dorme comigo praticamente nu?
  — Você se apega a uns detalhes muito bobos. Não tem necessidade de fazer a Sam ficar imaginando coisas. Não vai acontecer nada entre nós.
  A certeza nas palavras dele feriu um pouco o meu ego. Ele estava certo – não aconteceria mesmo nada entre nós. Eu podia não ser a pessoa mais certa e decente do mundo, mas eu tinha minhas qualidades, afinal de contas.
  Terminei de me vestir, tentei ignorar a mágoa idiota parecida com aquela que costuma suceder um episódio de rejeição, e coloquei um sorriso no rosto para ter mais uma refeição com a família maravilhosa do meu futuro marido, que faria com que eu me sentisse ainda mais culpada por contar tantas mentiras.
  — Bom dia! — Eliza nos cumprimentou assim que aparecemos na copa. A mesa já estava pronta; Kevin já estava sentado à cabeceira com o jornal do dia aberto à sua frente, Susan digitava na tela do celular enquanto mordiscava um pãozinho e Eliza servia café para o marido.
  — Bom dia. — respondemos em uníssono. Sentei-me ao lado de Susan e ocupou o lugar na outra ponta da mesa em relação ao seu pai e ao meu lado.
  — Filho, eu estava pensando em irmos ao abrigo hoje de manhã. Preciso entregar algumas roupas e alguns dos garotos sempre perguntam por você lá. — Eliza comentou trazendo a jarra de café para o nosso lado e enchendo minha xícara logo em seguida.
  — Acho uma ótima ideia, mãe. Você vai com a gente, ?
  — Ah não, a fica! Ainda não pude conversar direito com ela. — Susan interveio.
  — Tudo bem, Suh, eu posso ficar. — falei e recebi um sorriso da minha futura cunhada com isso.
  — Você escolheu a noiva perfeita, . Só a mesmo para ser aprovada pela sua irmã. — Eliza disse e Susan voltou a sorrir na minha direção. Primeiro eu me senti verdadeiramente feliz e lisonjeada. Então a culpa me invadiu de novo e voltei a contar as horas para ir embora.
  Mais um dia naquele lugar e o casamento iria por água abaixo.

  — Ele é bonito, sabe? E inteligente. E carinhoso comigo. Eu realmente acho que está na hora. — Susan falava com os olhinhos brilhando contando sobre o namorado que havia arranjado na escola e com quem estava pretendendo ter sua primeira vez. Típico, isso acontece com a maioria das garotas.
  Quem, afinal, não romantiza sua primeira transa? Quem não quer encontrar o príncipe aos 15 anos de idade e viver o resto da vida apaixonada por ele? Bom, eu nunca quis, mas eu sempre desconfiei que havia algo de errado no meu cérebro.
  — O sabe sobre o garoto? Aliás, qual é o nome dele?
  — Eric. E não, o não sabe.
  — Seus pais sabem?
  — Bom, minha mãe desconfia. Mas não quero que eles fiquem preocupados com as minhas notas nem nada. Isso não vai interferir nos meus estudo, mas eles vão pensar que vai.
  — Namoradinho sempre interfere, Suh. Foi por isso que eu e o seu irmão terminamos quando começamos a namorar na época da faculdade.
  — Por isso você terminou com o . Ele começou a namorar a Sammanta depois, né? Namorar nunca atrapalhou muito as coisas pra ele.
  Mudei o peso do corpo de uma perna para a outra desconfortável com aquela conclusão dela. Certo, então, na verdade, eu não tinha motivos para ter terminado com ?
  — Bom, isso não vem ao caso. — dei de ombros. — Você precisa ser racional o bastante para saber o que vai ser bom pra você agora. A verdade sobre sexo é que a maioria das vezes as pessoas não romantizam nada. E se você está pensando nisso porque o Eric está te pressionando, isso é um sinal de que você não deve fazer. Nunca deixe um homem te manipular, Susan. Seja você a manipuladora sempre.
  — Olha, não sei mais se você é uma boa coisa para o meu irmão... — ela disse, mas tinha um sorriso no rosto.   — Acredite, eles são mais felizes assim. Já ouviu o ditado “mulher feliz, família feliz”? — comentei também sorrindo.
  — É, faz sentido.
  — Mas então, você quer fazer sexo ou o Eric quer que você faça sexo com ele?
  — Eu quero. Mas quero mais do que isso. Quero que a gente continue junto depois. E tenho medo de que isso seja a única coisa que ele quer. Você entende?
  — Entendo. — afaguei o braço dela sentando-me na cama à sua frente. — Bom, sugiro que você só concorde com isso quando tiver certeza de que evoluir a parte física só trará benefícios para vocês dois. Ou seja, mesmo que você pense que ele vai terminar com você depois disso, só faça se você estiver bem com o fato dele te ignorar depois que acontecer.
  — Okay, isso parece justo. — Susan assentiu. — Sua primeira vez foi com o meu irmão?
  — Não, não. Minha primeira vez foi um cara que eu conheci na escola. Nós nem chegamos a namorar e nós dois sempre soubemos que a coisa entre nós era puramente física.
  — Qual é o nome dele?
  — Riley. Riley Fields.

  Ajudei Eliza a preparar o almoço e logo depois fomos para o aeroporto. Nosso voo para Nova York sairia às duas e trinta e cinco, portanto nos despedimos da família de às duas.
  — E então? Foi tão ruim assim? — ele perguntou. Andávamos lado a lado, nada de mãos dadas, as malas depositadas em um dos carrinhos do aeroporto que estava empurrando.
  — Eu nunca disse que pensava que seria ruim.
  — Certo. – riu. — Eles estão muito felizes com a notícia.
  — Você parece satisfeito com isso. — observei nervosa.
  — E não era para estar?
  — , nós vamos partir o coração da sua família em breve. Realmente não acho lindo e maravilhoso que tenham gostado tanto da ideia. Aliás, a culpa está me matando desde que chegamos nesse lugar, e você está achando incrível enganar sua família! Caramba, cadê aquele belo senso de certo e errado que você tinha?
  — , para de ser dramática. Depois que nós ganharmos o dinheiro, eu conto pra eles a verdade sobre nosso casamento.
  — Você acha mesmo que isso vai melhorar as coisas? — bufei. suspirou e parou de andar abruptamente ficando parado diante de mim.
  — Você quer fazer o que então? Quer acabar com o acordo?
  — Talvez fosse uma ideia melhor. — dei de ombros sem nenhuma segurança nas minhas palavras.
  — Pois eu digo que não vamos. Já me dediquei muito a essa coisa para simplesmente largar pra lá. — ele respondeu simplesmente e voltou a caminhar.
  Bom, ele não estava errado. A mentira havia ganhado proporções grandes demais para abandoná-la agora.

***

  — , seu celular tá tocando feito um louco aqui. — gritou do lado de fora do banheiro.
  — Quem é?
  — Não sei, é um número desconhecido.
  — Então deixe ir pra caixa de mensagens que eu vejo depois. — rolei os olhos e continuei esfregando a esponja no meu pé esquerdo.
  — Deixa eu entrar pra te entregar? — pediu e soltou uma risada. Ri alto em resposta. — Pode ser importante, ué.
  — Já estou terminando, . Com certeza não é nada que não possa esperar dois minutos.
  Imaginei que murmurou algo do lado de fora do banheiro, mas concentrei-me em tirar o excesso de água do corpo e me enrolar na toalha para sair do banheiro.
  Meu celular estava sobre a mesinha de cabeceira, e digitava no teclado do laptop quando entrei no quarto.
  — Já pediu a pizza? — perguntei acendendo a tela do telefone e selecionando minha caixa de mensagens de voz.
  — Já.
  — Oi, . Aqui é o Riley. Estou ligando para marcarmos aquele café... Bom, me ligue de volta quando puder. — a voz de Riley Fields preencheu o espaço sem a menor discrição.
  Andei até o closet às pressas para pegar uma muda de roupas, e sabia que eu pretendia me trocar, mas mesmo assim me seguiu.
  — Riley? Café? — perguntou. Não olhei para o rosto dele para saber, mas pelo tom de voz eu já podia imaginar que estava nervoso comigo.
  — Riley Fields, que estudou comigo no colégio. Ele está morando a algumas quadras daqui. Nós nos encontramos no supermercado uns dias atrás e ficamos de marcar um café depois. Fim da história.
  — Você perdeu sua virgindade com esse cara, . Não adianta falar dele como se não fosse nada e eu estivesse fazendo tempestade em copo d’água. — disse ofendido, a voz saturada de revolta e indignação, como se eu estivesse fazendo a pior coisa do mundo contra ele.
  — Você está fazendo tempestade em copo d’água...
  — Você é minha noiva! — ele interrompeu o que eu dizia ainda indignado. Neste momento não consegui mais conter a risada. Gargalhei sarcasticamente na cara de , o que fez com que ele ficasse com ainda mais raiva, é claro.
  — Você se esqueceu que nosso casamento nada tem a ver com fidelidade? Esqueceu que você dorme comigo, mas dorme. Que você transa com a Sammanta sempre que te dá na teia?
   abriu a boca para falar, mas a fechou novamente, completamente sem argumentos, é claro.
  — Eu não te devo fidelidade, . Aliás, eu não te devo explicação nenhuma sobre a minha vida. O que eu te conto, eu conto porque quero, não porque te devo justificativas pelo que faço ou deixo de fazer. — concluí e dei as costas para ele de novo.
  Deixei que a toalha caísse – daquele ângulo ele só veria minha bunda mesmo, e do jeito que estava nervoso era bem provável que nem apreciasse a vista – e vesti um blusão. Coloquei a calcinha logo em seguida, e enrolei a toalha nos cabelos. Quando me voltei para , ele ainda estava de pé ali, olhando para mim. Fingi que não o vi parado perto da porta do closet, e estava passando pela soleira para voltar para o quarto quando ele me segurou pelo braço. Não foi um gesto ríspido, nem carinhoso – ele simplesmente me segurou para que eu parasse de andar.
  — Esse cara sabe do nosso acordo então?
  — Não, ele pensa que eu simplesmente estou noiva.
   bufou para a minha resposta.
  — E mesmo assim ele te ligou para te chamar para sair?
  — Ele me chamou para tomar um café. E eu vou aproveitar a ocasião para deixar bem claro o que o meu noivado significa. — abriu a boca para me interromper de novo, mas continuei antes que ele fizesse isso: — Se eu quiser ficar com ele de algum jeito de novo. Se for só um café, como amigos, não tem por que envolvê-lo nessa história.
  — Não vejo como envolver esse cara nisso de qualquer forma que seja possa ser bom pra gente.
  — Eu sei o que estou fazendo, . — concluí e saí do closet, desvencilhando-me da mão dele que ainda me segurava pelo braço.
  — Eu me sacrifiquei muito pra te apoiar nessa história pra você simplesmente colocar tudo a perder agora, .
  — Caramba, qual é o seu problema? — cuspi. Já estava exausta daquela briga sem sentido. — O que você ganha por empatar a minha vida, ?
  — Empatar a sua vida? — ele devolveu ultrajado.
  — Você não tem motivos para não querer que eu fique com outro homem. Você tem namorada, esqueceu?
  — Quem disse que eu não quero que você fique com outro homem? — o rosto de estava vermelho feito um pimentão, sinal claro de que eu havia lhe acusado de algo que ele sabia ser culpado, mas não queria admitir.
  — Por que você se importa com o que eu tenho ou deixo de ter com o Riley, então?
  — Porque se ele der com a língua nos dentes pode acabar prejudicando tudo o que nós já conseguimos armar até agora... — o tom de voz dele não indicava credibilidade alguma.
  — , a Sammanta tem o poder de acabar com tudo isso quando ela quiser. Ou pelo menos ela pode provocar uma grande confusão nas nossas vidas. O Riley é só um desconhecido a quem ninguém daria credibilidade. O que você está dizendo não faz o menor sentido.
   pensou no que eu disse por um instante e então o interfone tocou, provavelmente anunciando o cara da pizza.
  — Deve ser o entregador de pizza. — disse.
  — Vou atender. — falei já sabendo que havia ganhado aquela briga.

  Quando me levantei no dia seguinte, já havia saído para trabalhar, embora eu sempre acordasse e saísse antes dele. O idiota estava me evitando, não havia outra explicação para isso. E eu estava tão estressada com o surto dele que nem consegui me divertir pensando que o puto estava se roendo de ciúmes de mim.
  Liguei para Riley de dentro do carro, a caminho do escritório. Ele foi impecável, como sempre, e combinamos um café para as quatro da tarde no Starbucks próximo ao meu prédio. Às segundas-feiras geralmente eu não ia ao tribunal, portanto, ficaria na minha sala o dia todo resolvendo problemas dos meus clientes particulares.
  O relógio marcava três e vinte e duas da tarde quando estacionei na garagem do meu prédio. Cinco minutos depois, peguei o elevador ao terceiro andar. Tomei um banho breve, coloquei uma calça jeans e uma blusa branca que pareceram muito inocentes para mim, e calcei um scarpin preto de dez centímetros – eu não sabia andar sem saltos.
   chegou ao meu apartamento no instante que eu pegava minha bolsa para sair.
  — De saída? — ele perguntou simplesmente.
  — Uhum. — respondi e peguei o batom de dentro da bolsa, parando diante do espelho que eu tinha no corredor para passá-lo.
  — Bom, vou tomar um banho e vou pra casa da Sam.
  — Ok. — sorri para e saí de casa sem me despedir dele nem nada do tipo.
  Duas pessoas podiam jogar esse jogo, e eu já estava cansada de ficar de pernas cruzadas em casa enquanto se sentia o sultão de Baguidá, com a vadia da Sammanta para comer na rua e eu para aturar seus problemas em casa. Eu merecia um pouco de diversão também, e iria atrás disso agora.

9. Necessidades

  A princípio minha conversa com Riley se resumiu ao que fizemos nos últimos anos que não nos vimos. Ele contou sobre a faculdade de arquitetura – Riley se formou na Universidade da Califórnia – e eu falei sobre minha carreira no direito. Eu já estava pensando que ele não comentaria nada sobre o meu noivado quando ele trouxe o assunto à tona. Neste momento eu já estava no segundo descafeinado, e ele no segundo cappuccino quase tão calórico quanto os que costumava pedir.
  — Eu fiquei noivo por três meses. — Riley comentou.
  — É mesmo? — aquilo realmente me surpreendeu.
  — É... Mas acabou que não deu certo. — deu de ombros.
  Fiquei curiosa para saber o motivo, mas não perguntei. Se a garota tivesse enchido a cabeça dele de chifres ou tivesse morrido, o clima iria por água abaixo.
  — Bom, o meu casamento não tem como dar errado. — falei e deixei a frase no ar. Riley arqueou as sobrancelhas e bebericou seu cappuccino. — É impressionante o quanto as pessoas se esforçam para dar certo quando há dinheiro envolvido. — emendei.
  — Certo, agora você me deixou confuso. — ele sorriu para mim e se inclinou sobre a mesa de modo a se aproximar mais, como se fosse ouvir um segredo. — Alguém está tentando dar o golpe nessa história?
  — Não, não. — eu ri. – e eu namoramos quando jovens. Ele foi um doce com uma tia minha conhecida pela carência e pelo cérebro debilitado. Resultado: a velha era rica e deixou no testamento o valor de dois milhões de dólares para sua sobrinha e o marido fofo dela. O único problema é que ela não sabia que e eu terminamos e éramos só amigos quando ela faleceu.
  — Então vocês estão juntos para colocar a mão em dois milhões de dólares?
  — Exatamente. Porque se não houver casamento, não temos direito à herança. Temos até setembro para oficializar a união e pegar o dinheiro.
  — E o que vocês pretendem fazer depois disso? Simplesmente se divorciar do nada?
  — Vamos manter a encenação por algum tempo. Quando parecer conveniente, nos separamos como fizemos oito anos atrás. A amizade não acabou naquela ocasião e as pessoas entenderam isso. Elas vão entender agora. E bom, há oito anos havia de fato um relacionamento. — falei como se realmente acreditasse que tudo ficaria às mil maravilhas depois que e eu anunciássemos um divórcio nem um ano depois do casamento. — Além disso, o tem namorada. Todos pensam que os dois terminaram quando nós voltamos, mas eles ainda estão juntos e provavelmente vão se casar quando nós nos divorciarmos. — Eu esperava que Riley não percebesse minha raiva ao admitir aquilo da mesma forma que eu era capaz de perceber.
  — Caramba. — Riley disse e sorriu para mim. — Que situação, hein?
  — Nem me fale... Está desgastante demais. Mas vai valer a pena o esforço.
  Riley assentiu e bebericou seu cappuccino.
  — Então... Você não está noiva de verdade. — ele estreitou os olhos para mim ao fazer a constatação. Qualquer observador um pouco atento perceberia que estávamos flertando.
  — Não, eu não estou noiva de verdade. — sustentei o olhar dele por um bom tempo até que Riley voltou a falar:
  — O que você acha de terminarmos essa conversa no meu apartamento?

  Assim que entramos no apartamento de Riley, ele colocou as chaves do carro sobre a mesinha de centro da sala e eu deixei minha bolsa sobre o sofá. Então trocamos um olhar que por si só já me deixou arrepiada e no instante seguinte as mãos dele estavam sobre a minha bunda e nos beijávamos com uma saudade que eu nem imaginava que sentia do corpo dele. Porque a verdade era essa: Riley e eu éramos sexualmente compatíveis, mas a coisa parava por aí. Ele era sim inteligente, interessante, engraçado e poderíamos passar bons momentos juntos. No entanto, tudo entre nós sempre fora platônico demais para que investigássemos a possibilidade de um relacionamento. E a verdade era que eu considerava relacionamentos desgastantes demais para que valesse a pena estragar o lance lucrativo que tinha com ele ao tentar algo mais sério.
  Tirei a camisa de Riley pela cabeça enquanto ele desabotoava minha calça jeans. Depois, eu mesma comecei a desatacar os botões da minha blusa e ele mesmo desafivelou o próprio cinto.
  — Quer ir para o quarto? — ele perguntou ao pé do meu ouvido enquanto eu mordiscava seu pescoço cheiroso pelo perfume que ele estava usando.
  — Pra que perder esse tempo todo? — eu ri e o empurrei para o sofá.
  Antes de me posicionar com as pernas abertas sobre o colo de Riley, terminei de tirar a minha calça e ele fez o mesmo com a sua, assim como com os sapatos.
  Coloquei minha boca sobre a de Riley e me sentei em seu colo. Ele desabotoou meu sutiã enquanto nos beijávamos e depois levou as mãos à minha cintura, me apertando de um jeito tão bom que minha primeira reação foi soltar um gemido baixo. Assim que deixei o sutiã cair sobre o chão, os lábios dele foram parar no meu mamilo direito e os meus gemidos aumentaram de volume instantaneamente.
  Desci minhas mãos para a aba da cueca de Riley para colocar as mãos no material dele, algo que não mudou nada apesar dos dez anos que se passaram desde a última vez que nos vimos. Comecei a masturbar Riley Fields enquanto ele sugava um dos meus peitos e apertava o outro com uma de suas mãos; isso estava me desconcentrando muito para que eu fizesse movimentos muito precisos, mas a outra mão dele na minha bunda, me apertando com força, parecia indicar que eu estava agradando.
  Riley tirou a boca do meu peito para sussurrar “gostosa” no meu ouvido.
  — Senti sua falta. — ele murmurou com a voz extremamente afetada.
  — É? — respondi. — Sentiu falta também da minha boca no seu pau? — perguntei me lembrando que ele gostava de falar putarias durante o sexo, uma coisa que eu descobri com ele que gostava também.
  — Se você me chupar não vou aguentar muito hoje. — ele riu.
  — Temos a noite toda, querido. Qualquer coisa fazemos um segundo round.
  — Eu realmente senti a sua falta, linda. — Riley falou com um sorriso. Desci de seu colo para ficar diante dele e colocar tudo de seu pênis que coube na minha boca.

***

  Cheguei em casa antes das sete da manhã rezando para que tivesse dormido na casa de Sammanta e eu não esbarrasse com ele àquela hora. Acordei uma dor de cabeça horrorosa que não estava contribuindo para o meu humor, e eu estava cansada demais para discutir de novo. E por mais confortável que a cama de Riley fosse, eu precisava deitar e dormir um pouco. Tirar um dia de folga em plena terça-feira não era algo que eu normalmente fazia, então me permiti cometer esse ato de irresponsabilidade uma vez na vida. tinha razão: eu realmente precisava transar com mais frequência. Uma noite de sexo selvagem e eu me sentia acabada, como se tivesse passado horas correndo uma maratona.
  Abri a porta do apartamento e tirei os sapatos assim que passei pela soleira. Estava prestes a jogar a chave sobre a mesinha de centro quando apareceu na sala e me fez dar um pulo de susto:
  — Olha, olha. Sua mãe finalmente chegou. — ele disse abraçado ao aquário de Tufão. — Às sete da manhã do dia seguinte. Mais de doze horas fora de casa... — completou nervoso e colocou o aquário do peixe sobre a copeira, ao lado do telefone.
  — O que é isso, ? Tá drogado por acaso?
  — Não, não estou. Tava dando comida pro pobre do peixe. Se eu não alimento esse infeliz, ele morre de fome.
  — Eu não sou boa com animais de estimação. — dei de ombros.
  — Você não é boa com nada que envolva interação social, .
  Rolei os olhos para o comentário dele.
  — O que você tá fazendo em casa?
  — São sete da manhã. Eu sempre saio às oito e meia.
  — Ontem você saiu antes do dia amanhecer, praticamente. — argumentei.
  — Ontem eu tinha coisas para fazer antes. — ele disse, mas eu sabia que ele só queria me evitar, o que aparentemente tinha desistido de fazer.
  Andei até a cozinha a procura de um copo d’água.
  — Pensei que você iria para o trabalho da casa da Sammanta. — comentei enquanto tomava coragem para fazer um café preto.
  — Eu não dormi na casa da Sammanta. — disse olhando para os próprios pés. Então, abriu o armário da cozinha e tirou de lá um copo característico do Starbucks com o meu nome escrito e me entregou.
  — Tem veneno nisso aqui? — perguntei e sorri para ; ele sorriu de volta pra mim.
  — Preciso de você para ganhar um milhão de dólares. O que você acha?
  — Então você reconhece que sou muito valiosa? — arqueei as sobrancelhas.
  — Toma o seu café, . — ele disse depois de uma risada. — Vou me trocar pra ir trabalhar.
  E então me deixou sozinha na cozinha. Pensei em ir atrás dele e agradecer pelo café, mas continuei estatelada na frente do fogão, bebendo o café preto e me sentindo culpada pela briga do dia anterior, o que era uma grande burrice, porque eu não havia feito nada de errado.
  — Ah, ... — chamou voltando para a cozinha já sem a camisa e com a calça desabotoada. — A ligou. Disse que te espera às dez no lugar que vocês combinaram.
  — Oh meu Deus! O vestido de noiva! Eu esqueci completamente!
  Larguei o café sobre a pia e corri para o meu quarto. Eu precisava ficar pronta, e precisava logo. O estilista de não aceitava atrasos, e eu precisava escolher o bendito vestido de noiva!
  Entrei no closet e comecei a tirar a blusa com lá dentro mesmo trocando de roupas. Antes que eu corresse para o banheiro e quando já estava só de sutiã, me puxou para perto de si e a proximidade me deixou tonta. Ele cheirava tão bem que chegava a ser ilegal.
  — Quer dizer que ainda vai ter casamento? — perguntou sorrindo e a poucos centímetros de distância de mim.
  — É claro que vai. Preciso de você pra ganhar um milhão de dólares. — pisquei para ele e corri para o banheiro, certa de que, se não estivesse com tanta pressa, ainda estaria no closet olhando para a boca de , boca esta que eu não podia beijar.

  Cheguei ao ateliê do estilista de dez minutos antes do combinado. Felizmente o trânsito estava bom, então consegui fazer um tempo recorde do meu apartamento até Brooklin.
  Recebi uma mensagem de texto de assim que coloquei os pés dentro da loja de vestidos de noiva. Ela dizia que atrasaria alguns minutos porque ainda estava saindo de casa. Dei de ombros e respondi apenas um “ok” para minha amiga. O que me restou então foi encarar os vestidos brancos nas vitrines. Todos eram muito bonitos. Com certeza você poderia ser a mulher mais horrorosa do mundo que não pareceria tão feia assim dentro de uma roupa daquelas.
  — Posso ajudar, senhorita? — uma moça que julguei ser vendedora do local perguntou. Ela estava bem vestida, o rosto maquiado demais para o dia, na minha opinião, e o cabelo preso em um rabo de cavalo.
  — Eu estou esperando uma amiga. Temos hora marcada com o Francis.
  — Ah sim. Fique à vontade então. — ela sorriu para mim. Então percebi seu nome escrito em uma plaquinha costurada ao bolso de sua blusa e decidi matar a minha curiosidade sobre o preço dos vestidos.
  — Lori, você pode fazer a gentileza de conferir o preço deste vestido para mim? — pedi apontando para a peça que mais me chamara a atenção.
  — Claro. — Lori andou até o balcão e pegou um catálogo que indicava vários modelos e os preços deles. Quando ela parou na página que mostrava o vestido da vitrine, quase caí de costas. Com certeza pelo menos 10% da herança ficaria naquele casamento forjado.

  Francis desenhou vários modelos de vestido na minha frente. Fizemos diversas adaptações até ficar perfeito, mas pelo menos gastei 50 mil dólares com mais categoria.
  — vai cair de costas quando souber o preço disso. — murmurei enquanto aguardávamos para provar o vestido dela, que ainda não estava finalizado, mas só precisava de alguns ajustes.
  — Eles sempre reclamam, mas vão adorar nos ver como princesas no altar.
  Rolei os olhos para o comentário de .
  — Honestamente, por mim eu vestiria jeans e iria ao cartório. Só isso.
  — Nossa, , credo! — a expressão de era de uma pessoa chocada. — Você e o brigaram? — ela perguntou e foi aí que me lembrei que eu estava mal humorada demais para alguém que estava apaixonada, escolhendo o vestido que usaria em um dia super importante de sua vida.
  — Não. — menti. — Por que a pergunta?
  — Porque você parecia empolgada com o casamento no seu chá de langerie, mas hoje... Nem parece que está noiva de verdade.
  — Eu só estou cansada, . — comentei. — É muita coisa pra resolver em pouquíssimo tempo. Nem comecei a olhar apartamentos ainda, e já tenho uma van cheia de compras da Ikea na casa da minha sogra em Chicago que deve trazer daqui algumas semanas. — desabafei. Deixar meu apartamento que, para mim, parecia perfeitamente confortável para um casal não era uma ideia que eu havia assimilado ainda.
  — Eu te entendo, amiga. — me abraçou. Ela já estava dentro do vestido que pesava sete quilos, todo bordado e com pedras nos locais certos. A costureira havia saído para pegar alguns alfinetes, e me largou quando a mulher voltou para terminar de acertar os ajustes. — No prédio que Alex e eu compramos nosso apartamento têm outros a venda ainda. Se você quiser, posso te passar o telefone da minha corretora e você dá uma olhada com ela.
  — Obrigada, flor. — agradeci sinceramente.
  — Você não precisa surtar sozinha, . As amigas são pra essas coisas.
  Se ela soubesse pelo menos metade da história, com certeza eu me sentiria mais aliviada. Mas eu não podia obrigar ninguém a guardar um segredo daqueles, e certamente acabaria deixando algo escapar... A única coisa que me restava, portanto, era continuar segurando aquela situação pelos próximos meses. e eu nos divorciaríamos logo e minha vida voltaria ao normal finalmente. Isso era tudo o que eu queria, mas, no fundo, já sabia que minha vida nunca mais seria a mesma.

  — 50 mil dólares?! — quase engasgou com o refrigerante quando eu disse o valor do vestido de noiva.
  — Pois é. Vá se preparando para pagar a mesma quantia quando for se casar com a Sammanta. — falei. O nome da namorada de saiu quase como um palavrão. — Agora chega pra lá. — joguei uma almofada nele. O folgado estava esparramado no sofá de modo que não restava espaço nem para eu me sentar. Ele se endireitou fazendo uma careta.
  — Preciso resolver isso. — murmurou.
  — Sua mãe quer que a gente se mude. — falei enquanto ele esfregava as têmporas com os dedos. Não sei se estava mais preocupado com o casamento que viria depois do nosso ou com o preço do meu vestido de noiva, mas decidi mudar de assunto mesmo assim.
  — Quê?
  — Ela disse que meu apartamento é de uma mulher solteira. Que precisamos começar a nossa vida juntos num lugar novo.
  — , nós não precisamos nos mudar só porque minha mãe quer. Vai dar mais trabalho ainda desfazer isso depois. Vamos ter que vender o apartamento, além de divorciar e tudo mais.
  — Não precisamos vender. Imóveis são um bom investimento. Podemos só alugar também e desfazemos o aluguel na ocasião. Ninguém precisa saber disso.
  — Você vai mesmo sair da sua casa, ter o trabalho de arranjar outro lugar, decorar e tudo mais só porque minha mãe quer? — perguntou olhando bem para os meus olhos. Desviei o olhar para o copo de suco que estava segurando no mesmo instante.
  — Não é grande coisa. — dei de ombros.
  — Meu Deus, a minha família realmente é um ponto fraco seu. — riu alto. O ódio queimou dentro do meu corpo.
  — Você é um idiota, . — falei simplesmente e me levantei, andando em direção à cozinha.
  — Me desculpe. Eu olho o apartamento então. Escolho alguns para visitarmos juntos e você decide com qual ficaremos. Pode ser? — ele sugeriu me seguindo.
  — Desde quando você é tão legal?
  — Você já está cuidando de todo o resto sozinha. Posso fazer isso por nós.
  — Ok. — assenti. — Vou te passar o cartão da corretora que me sugeriu.
   concordou e voltou para a sala com a lata de Coca ainda em mãos. Tirei os ingredientes do risoto que pretendia fazer aquela noite dos respectivos lugares e comecei a cozinhar. apareceu na cozinha assim que coloquei a travessa de comida no forno para derreter o queijo.
  — ? — ele chamou enquanto eu lavava a louça.
  — O quê, ?
  — Você vai sair com o Riley de novo? — perguntou. Quando olhei para , ele estava com a cara escondida na geladeira. Tentou fazer com que a pergunta parecesse com algo bem trivial, tipo “você pegou a roupa na lavanderia?”, mas eu sabia que ele havia batalhado muito tempo consigo mesmo para conseguir me dizer aquilo.
  — Por que você quer saber?
  — Oras, eu sou seu amigo. Acho que posso perguntar isso sem ter bem um motivo. — ele disse e bufou.
  — Não sei se vou sair com ele de novo, . — respondi. O forno apitou indicando que o que eu colocara ali já estava pronto. — Vamos jantar.
   passou o jantar inteiro ligando e desligando a tela de seu celular, como se estivesse esperando uma mensagem de texto ou ligação de alguém. Tentei ignorar isso no início, mas acabou ficando irritante demais e perguntei o que estava deixando ele tão ansioso.
  — Você se importa se eu sair depois do jantar? — ele respondeu a minha pergunta com esta outra pergunta que não fazia o menor sentido.
  — Desde quando você me pede permissão para sair? — tive que rir dessa. fez uma careta e riu também.
  — Cara, acho que estou me acostumando demais com esse negócio de noivado. — disse e bagunçou os próprios cabelos. Aquilo fez com que eu me sentisse culpada novamente pela noite anterior. Eu estava com tanta raiva no instante que tomei a decisão de ficar novamente com meu antigo colega de escola que agora não sabia se havia feito aquilo por , para enlouquecê-lo de ciúmes, ou por mim, porque eu queria “aliviar o estresse”.
  Terminamos de comer em silêncio e saiu. Não perguntei onde ele estava indo – geralmente eu tinha certeza que era para a casa de Sammanta, mas hoje tinha minhas dúvidas. Minha campainha tocou assim que vesti o roupão de banho, depois de me despir e planejar passar no mínimo trinta minutos dentro da minha banheira. Quando abri a porta para atender, quase não acreditei no que vi.
  — Oi. — Riley me cumprimentou com um sorriso safado no rosto e me mediu dos pés a cabeça.
  — Oi. — sorri sem graça para ele sem saber o que faria a seguir. Eu poderia convidá-lo para entrar e cobrir a lembrança de Sammanta saindo do meu banheiro depois de ter dado para debaixo do meu teto, e, Deus, como eu ainda tinha raiva daquilo! Ou poderia dizer para ele que aquele momento não era muito oportuno, o que seria uma mentira, mas pelo menos eu não estragaria as coisas com de novo. Por que diabos eu deveria me preocupar se isso estragaria alguma coisa com , que era só meu amigo e noivo de mentira, eu não sabia explicar.
  — Não vai me convidar para entrar? — Riley perguntou ainda sorrindo.
  O que eu faria com isso agora, Senhor?

10. Pratos limpos

  — Não vai me convidar pra entrar? — Riley repetiu a pergunta. Não sei há quanto tempo estava encarando sua figura diante da minha porta sem saber o que fazer, mas provavelmente havia tempo demais.
  — O que você tá fazendo aqui? Eu tenho um noivo, esqueceu? — falei, a voz estrangulada de nervosismo.
  — Pensei que ele também era seu melhor amigo e sabia que você tinha saído comigo ontem.
  — Sim, mas...
  — Ele está aqui na sua casa agora?
  — Não...
  — Você não gostou de ontem à noite? — a confusão estava impressa no rosto dele. E eu estava completamente sem argumentos àquela altura.
  — Claro que gostei, Riley. Pode entrar. — eu disse um tanto relutante. Assim que fiquei de costas para ele para trancar a porta novamente, Riley me abraçou por trás. Seu corpo envolveu o meu, suas mãos abraçaram minha barriga e seus lábios foram parar no meu pescoço.
  Eu fiquei afetada, obviamente. Nós tínhamos uma química inegável. Mas não consegui ficar a vontade com aquilo. A imagem de esparramado no meu sofá tomando cerveja despreocupadamente não me deixaria ficar a vontade, por mais que eu tentasse.
  — Você ainda não disse o que veio fazer aqui. — falei me esquivando dele.
  — Ainda não ficou claro? — ele riu.
  — Nós nos vimos ontem à noite. Desse jeito vou pensar que você está apaixonado, querido. — pisquei para ele e me dirigi para cozinha, esperando que Riley me seguisse até lá.
  — Fazer sexo todos os dias é altamente recomendado.
  — É mesmo, doutor Fields? — ri ironizando a palavra "doutor". — Quer beber alguma coisa?
  — Vai te ajudar a relaxar? — ele questionou colocando uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha. Respondi com um sorriso amarelo e peguei uma garrafa de cerveja para Riley na geladeira. — O que está acontecendo, ? — ele perguntou pegando a cerveja da minha mão apenas para colocá-la no balcão da cozinha.
  — Nada. — menti.
  — Então me dá um beijo.
  — E se eu não quiser beijar você?
  — Ah, então foi isso o que aconteceu. Você queria só um revivol de uma noite e paramos por aí.
  — Isso nunca te incomodou quando nós éramos mais jovens. — retruquei. — Vai me dizer que você quer compromisso agora?
  — O problema não é que você não quer ficar comigo. O problema é que você não quer magoar seu futuro marido.
  — Meu noivado não é de verdade, Riley. Não faz o menor sentido isso que você está falando. — Ser uma boa advogada me ajudou neste ponto. Eu poderia mentir sobre aquilo a noite inteira.
  — Ok, continue mentindo sobre isso então. — ele se rendeu. — Foi bom te ver de novo. — afagou meu braço e caminhou de volta para a sala. A campainha do meu apartamento tocou no instante que pisei no cômodo atrás de Riley, decidindo se o deixaria ir embora daquele jeito ou se tentaria reverter a situação. Mais um prejuízo para colocar na conta de e desta vez ele havia feito o "estrago" sem nem saber de nada.
  Abri a porta para atender quem quer que fosse que estava me incomodando agora e tive vontade de pular da janela quando vi Meggie parada diante de mim.
  — Boa noite, senhorita ... — ela me cumprimentou. — Estou atrapalhando alguma coisa? — Meggie perguntou quando viu Riley parado atrás de mim.
  Oh merda! Merda, merda, merda, merda, merda.
  — Não, não. Eu já estava indo embora. Até mais, . — Riley sorriu pra nós e saiu do meu apartamento, me deixando de roupão e uma bela situação para explicar para a investigadora da minha falecida tia-avó.

***

   chegou em casa quase duas horas depois que Meggie foi embora e, calculei, cerca de três horas depois de ter saído. A essa altura eu já estava de pijama, já havia tomado um litro de chá de camomila tentando me aclamar, sem muito sucesso, e minhas unhas já estavam detonadas porque eu costumava roer a cutícula em volta delas quando ficava naquele nível de nervosismo.
  Assim que passou pela soleira da porta, pulei do sofá.
  — , você não vai acreditar no que aconteceu! — soltei ansiosa. A cara dele não era das melhores, e ficou ainda pior depois de ver minha ansiedade e nervosismo.
  — Oh meu Deus, o que aconteceu? — perguntou esfregando as têmporas.
  — A bruxa investigadora esteve aqui.
  — Hã? E aí?
  E aí que eu não sabia como contar o resto da história.
  — E aí, ? — ele insistiu andando até mim.
  — E aí que o Riley estava aqui na hora. — falei tudo tão rápido que a frase toda pareceu uma única palavra.
  — Eu não acredito nisso. — riu sem humor algum. — Eu te falei que isso ia nos trazer problemas! Eu avisei. E eu não posso trazer ninguém aqui, mas você está tudo bem, né? Está tudo ótimo dar pra um desgraçado de um cara que nunca te mereceu debaixo do teto que a gente tá morando junto?! — esbravejou. Essa foi a ocasião em dez anos que o vi com mais ódio na vida.
  — Em primeiro lugar, você não pode trazer a Sammanta aqui. Por que mais você traria outra pessoa? Em segundo lugar, o apartamento é meu. E em terceiro lugar, eu não dei pra ninguém aqui. Ele apareceu, mas não aconteceu nada. Não que isso seja da sua conta, é claro. — cuspi.
  — Então por que você está tão nervosa com a mulher ter vindo aqui?
  — Porque eu estava de roupão na hora. Estava indo tomar banho quando ele chegou, e aí a cena toda pareceu muito suspeita.
  — Não posso culpar a bruxa. Até pra mim tá difícil de acreditar que não rolou nada entre vocês. — comentou.
  — Não rolou, . Não tenho motivos pra mentir pra você.
  — Não tem mesmo. Aliás, você adoraria esfregar isso na minha cara. Mas com a Meggie é outra história. Você tem todos os motivos pra mentir, e ela sabe muito bem disso. — bagunçou os próprios cabelos. — Preciso de uma bebida. — emendou e andou em direção à cozinha.
  — Eu tentei parecer natural com aquilo, mas ela me encheu de perguntas. — comentei seguindo-o. — E não ajudou nada quando meu cérebro falhou e não conseguiu elaborar uma desculpa convincente sobre onde você estava. Não ia dizer que era na casa da sua suposta ex, né?
   tomou um longo gole de vinho antes falar:
  — Da minha verdadeira ex.
  — O quê?
  — Eu terminei com a Sammanta.
  — Você está brincando! — eu ri e lhe soquei de leve o braço.
  — , olha bem pra minha cara de quem está pra brincadeira. — a cara dele realmente não era de quem estava brincando.
  — Posso perguntar por quê?
  — Porque eu não a amo.
  — E aquele papo de que não é certo enrolar uma mulher por anos e simplesmente terminar com ela? — questionei porque o fato de ter terminado com Sammanta ainda não fazia sentido pra mim. Há muito tempo ele sabia que não gostava dela o suficiente para se casar ou mesmo para que continuassem juntos. Mesmo assim, porém, isso não havia lhe motivado a terminar o relacionamento. Bom, não até hoje.
  — Eu pensei bem no assunto e cheguei à conclusão de que menos certo ainda é enganar uma mulher dizendo que a ama, pedindo-a em casamento e tudo mais se não é verdade, se eu não me vejo passando o resto da vida com ela.
  É claro que isso fazia sentido. Sempre quis dizer isso com todas as letras para ele, mas nunca tive coragem. Ou sempre desejei que ele chegasse a essa conclusão sozinho. Na verdade, eu sabia que só terminaria com Sammanta no dia que ele percebesse sozinho que estava piorando as coisas por sustentar aquela situação.
  Eu não sabia bem o que dizer, então fiquei calada, apenas observando drenar duas taças de vinho, uma atrás da outra.
  — Amanhã ainda é quarta, . Melhor pegar leve com isso aí. — aconselhei.
  — Como ficou a situação com a bruxa, no fim das contas? — ele mudou de assunto, mas pôs o vinho no armário e abriu a torneira para lavar a taça.
  — Ah, ela saiu daqui me olhando torto. Falei que você tinha ido à casa de um amigo depois do trabalho, e não comentei do Riley. Ela perguntou dos preparativos do casamento, e sugeriu que fizéssemos a cerimônia em Farhampton, onde a tia-avó se casou. Eu concordei, é claro.
  — Claro. — ele assentiu. Ficamos em silêncio por vários segundos. Então, desafivelou o cinto da calça e tirou a camisa. Meu coração foi a 220 no mesmo instante e me lembrei do episódio da caixa de remédios no banheiro, da visão dele pelado e molhado...
  — Vou tomar um banho. — ele disse e beijou o alto da minha cabeça antes de sair da cozinha.
  — ? — chamei antes que ele me deixasse sozinha no cômodo.
  — Oi?
  — Eu sinto muito por você e a Sammanta.
  — Sente? — ele questionou com as sobrancelhas arqueadas em surpresa.
  — Bom, ela é uma vaca, mas sei que você não está bem, então... — dei de ombros.
  — Estou melhor do que antes, pra ser sincero. — ele sorriu amarelo. — Mas podemos esperar por muita intriga daqui pra frente. Nosso teatro vai ter que ser mais bem feito.
  — Sim, imaginei isso. — fiz uma careta.
  — Se você continuar vendo o Riley, vai ter que ser mais discreta do que foi hoje. Eu sei que a casa é sua, mas...
  — Eu não vou mais ver o Riley. Não vai dar certo. Melhor esperar esse lance de casamento e tudo mais passar.
  — Não quero que isso empate a sua vida, . — ele disse olhando para os próprios pés.
  — Não está empatando. Está empatando a sua?
  — Na verdade, está me ajudando com a minha. — ele riu.
  — É mesmo? Como? — questionei realmente surpresa.
  — Bom... Agora eu sei lavar louça. — piscou para mim, eu sorri em resposta.
  Então ele se retirou, e minha cabeça, que já estava uma confusão, ficou pior ainda.

  Não dormi direito aquela noite.
  Uma boa parte do meu cérebro estava concentrada em Meggie e no que eu faria agora para convencê-la de que Riley não significava para mim nada além de um colega da época do colégio. A outra parte estava em , no corpo dele relaxado ao meu lado respirando profundamente, no fato de que agora ele era um homem livre. Bom, pelo menos por enquanto.
  Terminar e voltar não é algo que aconteceu sempre no relacionamento de e Sam. Ele reclamava dela com muita frequência, até falava em terminar, mas nunca fez isso realmente. Às vezes ele sumia, ignorava as ligações dela, fazia uma pirraça básica de alguns dias. Mas se o próprio não colocava um ponto final, Sammanta que não colocaria mesmo. Agora que ele havia tomado coragem para fazer isso, ela ficaria louca. Com certeza atribuiria a decisão dele ao casamento forjado. Com certeza estava bufando de ódio de mim àquela altura. Sorri debilmente para o teto do meu quarto escuro quando imaginei a cara dela toda borrada de maquiagem depois de chorar horrores e o meu bonequinho vodu, que eu apostava que ela tinha há um bom tempo, todo espetado de alfinetes. Aquela era uma briga que eu definitivamente ia gostar de comprar.

  Levantei de manhã e fui até à Starbucks a três quadras de distância do meu apartamento e à uma loja de donuts e outras bobagens. Comprei o café e as rosquinhas favoritas de e deixei tudo dentro do microondas. Estava escrevendo um bilhete avisando sobre o café da manhã dele para pregar na porta da geladeira quando entrou na cozinha só de boxers pretas. Tive que me segurar para não lamber os lábios de gula quando olhei pra ele.
  — Bom dia. — ele disse me encarando. — Já está de saída?
  Eu estava pronta para ir trabalhar: saltos de 10 centímetros como sempre, saia preta de cintura alta cobrindo até dois dedos acima dos meus joelhos, camiseta branca e uma maquiagem leve – base, pó, gloss, rímel e blush.
  — Bom dia. — falei embolando o bilhete escrito pelas metades. — Já estou indo sim. Comprei seu café da manhã. — completei tirando a caixa de donuts e o copo de café com o nome dele de dentro do microondas.
  — Caramba! De onde saiu tanta gentileza? — ele perguntou sorrindo e pegando a comida das minhas mãos.
  — Você fez isso por mim ontem, né?
  — Bom, eu também já te levei café na cama e você nunca retribuiu. — ele jogou na minha cara com sua voz de quem está argumentando.
  — Eu faço seu jantar todos os dias e você nunca fritou um ovo aqui. — retruquei já estressada com a ingratidão de . — Bom saber que eu nunca mais compro seu café da manhã, seu ingrato.
  — Calma, estressada. Você tem razão. Vou assumir a cozinha qualquer dia.
  — Lave a louça que é melhor. Já vi você cozinhando, e a faxineira vai pedir demissão se tiver que limpar isso aqui depois do furacão .
   rolou os olhos e riu.
  — Como você está? — perguntei um pouco preocupada. Terminar um relacionamento longo não é a coisa mais fácil do mundo. Nunca namorei seis anos, mas podia imaginar isso.
  — Estou bem, . Eu terminei porque quis, então não vou entrar em depressão nem nada. Tá tudo bem.
  — A Sammanta provavelmente vai, então.
  — Ela vai sobreviver. Não sou o cara certo pra ela e, no fundo, a Sam sabe disso. — disse e bebericou o café. — Vou comer e tomar um banho pra ir trabalhar também.
  — Certo. Bom dia pra você, então. — falei e estava prestes a pôr o pé para fora da cozinha quando me segurou pelo braço e me girou para ficar de frente pra ele.
  — Não vai me dar um beijo de despedida, amor? — perguntou com o hálito no meu rosto.
  — Vai se foder, . — consegui falar embora meus olhos estivessem na boca dele e eu realmente quisesse beijá-lo. Quisesse muito.
  — Você pode me beijar o quanto quiser agora. Estou solteiro.
  — Quero ver por quanto tempo. — cuspi. Então ele me soltou, riu e mordiscou seu donut.
  — Também quero ver por quanto tempo, senhora . — ele disse.
  — Eu vou manter meu sobrenome. — respondi.
  — Tchau, . — falou e andou em direção ao quarto comendo.
  — Se sujar meu quarto de café e donut, eu sujo a sua cara de sangue, escutou?
  Só ouvi as risadas do puto vindo lá de dentro. Então peguei a minha bolsa e as chaves do meu carro que jaziam sobre a copeira, aos pés de Tufão. Olhei para o peixe, que parecia exaurido de fome, e peguei a comida dele dentro da gaveta do móvel onde ele morava para alimentá-lo.
  — Só seu pai cuida de você, né, filho? — disse para o peixe que já estava comendo como se não houvesse amanhã. E quando parei pra pensar que já havia feito adotar meu bicho de estimação como pai sem sequer pensar direito nisso tive certeza: eu estava mesmo me apaixonando de novo por ele.

  Minha quarta-feira começou agitada. Minha secretária, Kristin, havia deixado todo o trabalho do dia anterior – porque eu não havia ido ao escritório nem feito nada da vida além de olhar vestido de noiva, brigar com Riley, encarar a vigia da tia e discutir com – sobre a minha mesa, e as quartas eu sempre ia ao tribunal à tarde resolver alguma coisa quando não tinha audiência, como era o caso daquele dia.
  — Sinto muito, mas só com hora marcada, senhorita. — escutei Kristin dizer quando saí da minha sala para encher a minha xícara de água no filtro do fim do corredor.
  — Querida, você não entendeu. — uma voz muito familiar respondeu. — Ou você autoriza a minha entrada para falar com a sua chefe ou eu vou entrar sem autorização mesmo. — foi no “sua chefe” que soou feito um palavrão que reconheci a voz.
  — Pode deixar ela entrar, Kristin. — falei aparecendo na recepção no mesmo instante. — Como vai, Sammanta? — cumprimentei-a com um sorriso que sabia que a mataria de ódio estampado no rosto.
  — Preciso falar com você. — ela respondeu endireitando o corpo que estava praticamente deitado sobre o balcão da minha secretária e recepcionista.
  — Perfeitamente. — disse indicando o caminho para a minha sala. — Se mais alguém precisar me ver, peça que aguarde, Kristin. Obrigada.
  Sammanta entrou na minha sala pisando alto, é claro. Indiquei uma cadeira para que ela se sentasse e me acomodei na minha, decidindo como conduziria aquela conversa. Só tinha certeza de duas coisas: a primeira era que qualquer coisa que ela dissesse e eu sentisse que me ofendeu, seria usado contra ela; e a segunda que eu não escutaria nenhum desaforo calada.
  — Como você está? — perguntei recostando-me na minha poltrona.
  — Você está sendo irônica? — ela devolveu nervosa.
  — É óbvio que não. Você é a namorada do meu melhor amigo. — falei decidindo me fazer de boba.
  — Ah, então você ainda não sabe... — ela suspirou. Apenas arqueei as sobrancelhas colocando uma expressão confusa no rosto. — terminou comigo ontem.
  — O que deu no agora? Ele te pediu em casamento algumas semanas atrás. — continuei com a encenação de quem não estava entendendo nada.
  — Também não sei o que houve. Eu perguntei pra ele se você quem havia pedido pra ele terminar comigo por causa do casamento falso, mas ele só disse que não... — ela se interrompeu e pigarreou, sinal claro de que estava prestes a mentir. — Que.. que achava melhor a gente dar um tempo.
  — Eu não pedi pra ele terminar com você, Sammanta. O que eu pedi ao quase um mês atrás é o que você já sabe: que case comigo no papel em setembro pra nós ganharmos um dinheiro que vai adiantar algumas conquistas nas nossas vidas em alguns anos. Isso é bom pra ele também. Seria pra você, se vocês continuassem juntos. Qualquer coisa que o fizer além disso, é ideia dele.
  — Essa história toda o confundiu totalmente. Tenho certeza que foi daí que saiu essa ideia! — ela reclamou com os olhos se enchendo de lágrimas.
  — O confundiu como? Não estou entendendo. — me fiz de boba de novo.
  Se ela queria dizer que estava tendo uma recaída por mim, ela diria isso com todas as letras. Eu queria ouvir a frase completa, clara, em alto e bom som.
  — Assustou ele... Assustou ele com relação a... a ter um casamento de verdade. — ela gaguejou.
  Tive vontade de rir da cara dela, mas não fiz isso.
  — Olha, eu não sei o que está passando pela cabeça do agora, mas tenho certeza de que ele sabe muito bem até onde o nosso acordo vai, e que ele conhece todo tipo de casamento que existe.
  — Talvez você devesse conversar com ele e dizer que eu sei demais para sair dessa história agora.
  Certo, agora ela entrou exatamente onde eu sabia que entraria.
  — Quer dizer o que com isso?
  — Não ia ser nada bom se aquela tal de Meggie ou os advogados da sua falecida tia descobrissem que vocês não estão se casando de verdade.
  — Nós vamos nos casar de verdade para eles.
  — Pois é, mas se eles descobrirem que isso é só pra eles, que o casamento existe só no papel, que vocês não se amam nem nada disso... Bom, isso mudaria um pouco o rumo da herança, né? — Sammanta me encarou. Vi seu nariz sangrando na minha mente. Como eu queria dar um soco na cara daquela vadia!
  — Quem vai falar alguma coisa? Você? — sorri para ela. — Faça isso, querida. Eu te desafio.
  — Eu era namorada do . Você acha mesmo que não vão dar crédito algum ao que eu disser? — a voz ela esgoelou de nervosismo.
  — Eu confio no teatro que nós fizemos à Meggie, portanto faça o que quiser.
  — Quer dizer o que com isso? Por acaso você e o ... — pude ver o ódio queimando no olhar dela.
  — Pense bem numa coisa antes de fazer algo. — avisei interrompendo o chilique de ciúmes que ela estava prestes a iniciar. — O máximo que vai me acontecer é perder um dinheiro com o qual eu nem estava contando, para início de conversa. Eu vou continuar com um bom emprego, com a minha vida. Já a você... Você corre o sério risco de perder o carinho do para sempre com as suas atitudes. Não se esqueça disso.
  Sammanta me olhou por um instante e seus olhos voltaram a se encher de lágrimas.
  — Agora, se me der licença... — falei levantando-me da minha cadeira e andando até a porta da minha sala. – Eu tenho trabalho de ontem e de hoje para fazer.
  Ela se levantou e andou a passos lerdos até a porta. Antes de sair olhou bem nos meus olhos antes de murmurar:
  — Vou pensar bem sim no que vou fazer, mas não pense que só vou te ver de novo no altar com o meu noivo.
  — Seu ex-noivo. — rebati. — E não pretendo te convidar para o meu casamento com ele, portanto você não nos verá no altar.
  — Você está adorando isso, né? Desde muito antes dessa herança que você não me suporta e quer o de volta!
  — Em primeiro lugar, eu não te suporto desde a primeira vez que olhei na sua cara. Em segundo lugar, o que eu sinto ou não pelo já foi da sua conta, não é mais.
  — Essa guerra só está começando, . — Sammanta disse e finalmente pôs os pés para fora da minha sala.
  — Boa sorte, fofa. Você vai precisar. — sussurrei para ela, sorri e fechei a porta em sua cara.

11. Saudade

  Depois que Sammanta foi embora do meu escritório, minha concentração desapareceu pela porta junto com ela. Esperava que ela passasse um bom tempo pensando sobre o que fazer com o que sabia, ou que pelo menos gastasse tempo suficiente para Meggie esquecer o episódio com Riley. É claro que uma boa parte do meu cérebro sabia que Meggie com certeza tinha memória de elefante e não se esqueceria daquilo jamais. Esperta como era, ela com certeza havia conseguido captar a tensão sexual entre mim e Riley... Quanto mais eu pensava nisso e me lembrava que estava solteiro agora, menos capacidade de trabalhar eu tinha. Então, na hora do almoço, decidi que aquilo era informação demais para administrar sozinha e chamei Marcella para comermos juntas. Ela trabalhava na editora Golden Books a duas quadras de distância do meu escritório, então comprei um sanduíche natural em uma das poucas lojas de orgânicos e afins perto do prédio onde trabalhava, e Mah e eu dividimos um suco na sala dela mesmo enquanto comíamos.
  — Você parece preocupada, . Tem certeza de que tá tudo bem? — ela perguntou assim que terminamos de nos cumprimentar e trocar um "como vai", "tudo bem".
  Passávamos meses sem nos falar com a vida corrida, e principalmente porque ela esteve na Irlanda por um tempo, mas continuávamos com essa facilidade de interpretar até a energia que a outra trazia. E, se eu estava certa, ela também não estava ótima.
  — Na verdade estou preocupada com algumas coisas. E se eu te conheço bem, você também está. — respondi.
  — Bom, como eu perguntei primeiro, você começa. — ela riu.
  — Você se lembra do Riley, né? — eu disse pensando até onde contaria a história para ela. Não queria nem podia envolvê-la na mentira do noivado, mas precisava desabafar sobre algumas coisas.
  — Seu affair do ensino médio com quem você teve a primeira vez? Lembro, claro. Não vai me dizer que ele ressurgiu das cinzas?! — Mah arregalou os olhos para mim.
  — Sim, ressurgiu...
  — deve ter pirado, né?
  — É, ele surtou um pouco. — sorri amarelo me lembrando das brigas que tive com por causa de Riley.
  — Vocês brigaram? Com isso que você está preocupada?
  — Na verdade, é que... — parei um instante para dizer para mim mesma que eu ia mentir para ela, mas era melhor assim.
  Mentir para Mah era ainda mais complicado do que mentir para todas as minhas outras amigas. Marcella nunca me julgou pelas minhas decisões, nunca me olhou com cara de dó ou questionando se eu morreria sozinha, como as outras meninas. Eu podia dizer a merda que fosse a ela, que mesmo que ela considerasse uma grande burrice, apenas sorriria e me diria para eu ir em frente porque ela acreditava em mim e me ajudaria se algo desse errado. Cogitei seriamente falar a verdade para ela, mas aquele não era o momento ainda, se é que esse momento chegaria. De qualquer modo, eu tinha certeza que ela me perdoaria pelas meias verdades depois e me diria que entendia meu lado.
  — Bom, o Riley apareceu lá em casa. O tinha saído para ir à casa de um amigo e eu fui tomar banho. — pigarreei. É melhor mentir sobre alguns pontos, , você consegue. — Daí a campainha tocou e eu fui até lá de roupão atender. Era o Riley. Mas o voltou para pegar a carteira que tinha esquecido em casa bem no instante que Riley pôs o pé dentro do meu apartamento. Você pode imaginar o tamanho do mal entendido, né?
  Mah fez uma careta para mim e bebericou seu suco de laranja.
  — Caramba. — ela disse.
  — Pois é...
  — Se fosse a Sammanta chegando e o só de toalha, você teria acabado o noivado no mesmo instante — Mah riu. Pior que ela estava certa. Mesmo o noivado sendo de mentira e mesmo que eles não tivessem feito nada debaixo do meu teto, eu terminaria porque eu já havia dito que não queria a vadia da Sammanta na minha casa.
  — Por falar em Sammanta, ela também tá na minha lista de dores de cabeça. Esteve no meu escritório hoje fazendo barraco, você acredita?
  — Acredito. É a cara dela isso. — Mah rolou os olhos. — Mas como você e o estão? Fizeram as pazes?
  — Sim, mas sei lá. Estou preocupada com isso trazer problemas depois, sabe?
  Eu não estava preocupada sobre isso me trazer problemas com , claro. Minha preocupação de verdade era quanto a Meggie. Mas Mah não sabia disso, então não faria sentido mencionar a mulher agora.
  — Você não tem que se preocupar. Tá na cara do que ele te adora. A forma como ele te tratou no dia do seu chá de langerie quando te pegou para te levar embora já deixa isso evidente.
  — O que aconteceu nesse momento? No meu chá de langerie? — perguntei curiosa.
  — Ah, claro, você bebeu dois litros de vinho, claro que não se lembra de nada. — Mah riu. — Bom, você pulou no pescoço do assim que o viu e pediu pra ele dizer que era louco por você e o casamento era um fato na vida de vocês.
  — Oh meu Deus... — cobri o rosto com a mão, corando do couro cabeludo ao dedinho do pé.
  — Daí ele disse que te amava, que você é maravilhosa, que claro que o casamento era um fato e ele é louco por você. Vocês se beijaram e aí ele te colocou dentro do carro e agradeceu a gente por ter cuidado de você.
  — Nós nos beijamos? — perguntei incrédula. — Tipo, demoradamente?
  — Tão demoradamente que nós falamos pra vocês irem embora e arranjarem um quarto.
  Fiquei chocada. Por que não havia me contado isso?
  — Você parece surpresa. — Mah franziu o cenho estranhando minha reação.
  — Ah, é só que não me lembro de nada. É estranho isso. — sorri sem graça.
  — Sim, eu entendo. Mas olha, tá na cara que ele é apaixonado por você. E como diz minha mãe: se vocês têm isso, o resto se ajeita.
  — Por acaso o que sua mãe diz se aplica ao seu caso? — perguntei mordendo meu sanduíche.
  — O que eu vou fazer com o Colin, ? — Mah suspirou.
  — Vocês têm se falado?
  — Ele é insistente. Sabe que é melhor não continuarmos juntos, mas não some por completo, mesmo estando a um oceano de distância. E eu não tenho forças pra simplesmente ignorá-lo, sabe? Já devia ter passado dessa fase. Estou velha demais pra isso. — ela riu sem humor algum.
  — Desde quando essa situação tem idade? Desde quando amar uma pessoa tem idade, Mah? Não seja boba! — falei e afaguei o braço dela. — Olha, você e o Colin precisam conversar. Mas exija essa conversa quando tiver certeza do que sente. Eu sei que não entendo sua situação... Poucas pessoas no mundo entendem. Mas uma coisa eu sei: todo mundo precisa de um tempo pra si, pra se compreender antes de tomar decisões assim. Tire esse tempo. Talvez depois, quando as coisas estiverem menos à flor da pele, você consiga ver uma solução para vocês. Sugira o mesmo pra ele. Uma coisa é fato, Mah: se vocês tiverem que ficar juntos, nem que isso leve dez anos, vocês vão ficar.
  — Como você e o . — ela afagou minha mão que estava sobre o seu braço. Não respondi, apenas sorri para ela. Eu não sabia se e eu íamos ficar juntos. Mas agora isso parecia uma possibilidade sim. Uma possibilidade que eu estava conseguindo entender que estava disposta a abraçar.

  Cheguei em casa depois das seis da tarde, e encontrei na cozinha misturando alguma coisa numa panela ao fogão.
  — O que você está fazendo? — perguntei preocupada. Não devia ter jogado na cara dele o negócio do jantar. Agora ele queria provar que eu estava errada.
  — Boa noite, querida. Como foi o seu dia? — ele devolveu ironicamente.
  — , eu só falei aquilo do jantar no outro dia porque era o que eu tinha pra revidar ao que você disse. Não quis dizer de verdade que você precisava cozinhar aqui.
  — Calma, , isso aqui é só macarrão instantâneo. Eu cheguei com fome e não tinha nada além de biscoito e esse macarrão, e não tava afim de sair de novo. Não vou cozinhar, pode ficar tranquila. — disse e desligou o macarrão. Imaginei que ele sabia o que estava fazendo, porque miojo não era complicado de preparar, e decidi não me meter nisso.
  — É, eu tenho que ir ao supermercado mesmo... — comentei imaginando quando iria às compras com a semana lotada do jeito que estava. — Você vai estar muito ocupado amanhã?
  — Vou trabalhar até as quatro. Depois pensei em ir até a casa do Alex. Ele chega de volta de Londres amanhã à tarde.
  — O Alex tem uma noiva de verdade, . Acho melhor você passar lá na sexta só pra cumprimentá-lo e ir embora rápido. está uma pilha de nervos porque se casa daqui um mês e ficou sem noivo por dois, então não vá alugar o Alex tempo demais porque ela te mata. — avisei largando a bolsa no lugar de sempre, abaixo de Tufão na copeira.
  — É, acho que você tem razão. — respondeu da cozinha.
  Tirei os sapatos e meus pés agradeceram pelo alívio quando pisei no chão descalça. Peguei um bloco de notas e uma caneta dentro da gaveta da copeira e voltei para a cozinha para anotar o que precisava ser reposto. agora estava misturando o tempero que acompanhava o miojo com a papa que parecia ter cozinhado demais.
  — Acho que vamos ter que pedir uma pizza pro jantar. — falei analisando a escassez que estava meu armário. — Por que a comida está acabando tão rápido se você sempre comeu aqui, mesmo quando não morava comigo? — Isso era realmente estranho.
  — Pode ser porque a detetive da sua tia estava aqui até semana passada... Não sei mesmo, . — ele respondeu minha pergunta que foi mais retórica do que pra ele. Rolei os olhos.
  Gastei cerca de trinta minutos para terminar a lista. Durante esse tempo, comeu seu miojo que parecia horrível e bebeu uma Coca enquanto assistia a algum jogo na TV. Eu só sabia que era algum jogo porque volta e meia ele reclamava sozinho de alguma coisa ou elogiava alguém em voz alta.
  — Você vai querer pizza de que, ? — perguntei com o telefone em mãos me sentando ao lado dele. Ele pegou o telefone da minha mão e o escondeu entre as almofadas do sofá. Eu estava prestes a protestar quando ele falou que queria me perguntar uma coisa. Me afastei dele alguns centímetros sabendo que minha expressão era de uma pessoa desconfiada do que estava por vir.
  — Quando você percebeu que não era apaixonada por mim? Oito anos atrás, quando namoramos? — ele estava sério quando fez a pergunta.
  — Quem disse que eu não era apaixonada por você? — devolvi realmente confusa com aquilo.
  — , uma mulher apaixonada não termina com o cara porque acha que está perdendo o foco na vida.
  — Uma mulher apaixonada sem o mínimo de racionalidade não termina. Não era o meu caso.
  — Eu estava apaixonado por você na época e, sinceramente, não tem como ser tão racional se você gosta de uma pessoa de verdade. — ele respondeu com raiva.
  — Você tem mágoa de mim por isso? Oito anos depois, ? — sorri divertida com aquilo.
  — Onde está a graça nisso? — ele realmente não estava rindo.
  — ... — me aproximei dele no sofá e o puxei de leve pelo braço para perto de mim. — Eu terminei com você porque eu percebi que eu estava me apaixonando de verdade e eu tinha medo disso. Tinha medo de gostar demais de você e me esquecer de mim. De ter vontade de ir estudar do outro lado do mundo e ter você aqui me prendendo. De fazer minha família inteira te adorar, como minha mãe te adora e a tia-avó também adorava, e você partir o coração de todas nós um dia. Foi medo que fez com que eu colocasse na minha cabeça que era melhor recuar. E eu nunca imaginei que nós conseguiríamos manter a amizade, porque eu sabia que você ficaria com raiva de mim.
  — Você tá falando sério? — ele perguntou com um sorriso no canto do rosto e se aproximou mais ainda de mim para olhar nos meus olhos.
  — O que eu ganho mentindo pra você a essa altura das coisas, seu idiota? — dei-lhe um soquinho no braço e ele protestou quando meu anel lhe machucou. — Deixa de ser gay. — falei alisando o local atingido porque devia ter doído um pouco mesmo e não fiz de propósito, só havia me esquecido do anel.
  — E hoje, ? Nenhum sentimento, só amizade? — ele perguntou, para a minha surpresa.
  — Por que eu sentiria outra coisa por você além disso? — eu disse nervosa. Não conseguiria negar com todas as letras sem ele notar que eu estava mentindo, mas podia tentar fugir da pergunta.
  — Porque eu sinto.
  As palavras dele pairaram no ar e eu não sabia o que responder. sem saber o que dizer... Só mesmo pra provocar um efeito desses em mim!
  — Deixa de ser mentiroso. — falei balançando a cabeça em negação e passei o corpo por cima do dele para tentar alcançar o telefone que estava atrás das almofadas, ao lado de no sofá.
  — Eu estou falando sério. — ele riu perdendo metade da credibilidade com isso.
  — Onde tá o telefone, ?
  — Você não vai pegar agora porque eu não terminei de conversar com você ainda. — respondeu me segurando pela cintura e tentando me reposicionar onde eu estava.
  — Eu não quero conversar. — falei como uma criança mimada tentando alcançar o telefone ainda. Em um movimento rápido, me puxou e me fez ficar sentada no colo dele.
  — Você não sai daqui até me explicar porque me agarrou quando estava bêbada no seu chá de lingerie se você não sente nada além de amor de amigo por mim. — disse decidido.
  Nossos rostos estavam tão próximos a essa altura que eu podia sentir o hálito do Trident que ele estava mascando varrendo meu rosto.
  — Por que você está fazendo isso comigo? — perguntei porque eu realmente não estava entendendo.
  — Porque um dos motivos para eu ter terminado meu namoro de seis anos foi pra ter essa conversa com você.
  — Você tem tanta certeza assim de que eu vou me atirar nos seus braços e dizer que quero você de volta? Tanta certeza que terminou com a Sammanta pra isso?
  — , quando se trata de você, ninguém pode ter certeza de nada. Nem mesmo eu que te conheço melhor que ninguém. E eu disse que foi um dos motivos.
  Pensei por alguns segundos sobre o que iria dizer. Eu não queria me expor, não queria dizer a que agora eu via futuro pra nós, que me casar não me apavorava tanto mais porque se tratava dele.
  — , eu gosto de homeostase.
  — O quê? — ele riu.
  — Homeostase. Capacidade do corpo de se manter em equilíbrio... — fiz uma pausa para engolir o bolo que eu sentia se formando na minha garganta. Eu estava nervosa, perdendo meu equilíbrio com aquela conversa. — É como nós estamos agora. Por que mexer nisso?
  — Porque eu não vou conseguir esquecer de você me agarrando bêbada nem se eu quiser, . Nós não estamos em homeostase. Nós nunca estivemos.
  Olhei para as minhas próprias mãos por um instante, porque eu sabia que ele estava certo, e agora sim havia ficado sem saída. Ele já sabia que eu me sentia atraída por ele, e quando você mistura isso à amizade... Bom, é aí que as coisas complicam. A verdade é que eu não sabia o que queria. estava solteiro há 24 horas, provavelmente nem ele sabia o que queria de verdade. Decidi argumentar em cima disso, mas quando ergui meus olhos para encarar os dele de novo, me beijou.
  Eu não devia retribuir àquele beijo. Devia afastá-lo de mim e dizer que seria um erro qualquer coisa desse tipo naquele momento. Devia falar que ele estava vulnerável, confuso, que talvez Sammanta tivesse razão e eu quem havia deixado ele desorientado daquele jeito quando pedi que participasse daquela farsa de casamento comigo. Mas eu não fiz isso porque eu não tinha forças para tanto. Quando me beijou, tudo o que eu sabia era que estava com muito mais saudade daquele beijo do que me lembrava.
  Segurei o rosto de com minhas duas mãos e mudei de posição sobre seu colo, ficando com as pernas abertas em cima dele. As mãos de apertaram a minha cintura com intensidade e ele alisou as minhas costas, dos meus ombros até a minha bunda. Então, nosso beijo que começou até romântico e calmo, se tornou desesperado, intenso, quente. Senti minha blusa se erguendo e ele abriu o fecho da minha saia.
  Eu sempre fui uma pessoa muito racional, e em alguma parte do meu cérebro eu gritava para mim mesma que deveria parar. Mas essa parte não teve importância suficiente para se impor, e rapidamente decidi que eu deixaria as coisas acontecerem aquela noite. Só essa noite, amanhã eu lido com as consequências – foi o que eu disse para mim mesma.
  Puxei a camisa dele para cima e me ajudou a se livrar dela. Fiz um rastro de beijos no pescoço dele, seguindo o caminho de sua orelha ao seu ombro do lado direito e segurei seu rosto do lado esquerdo com a mão tremendo de nervosismo. Meu coração batia tão forte dentro do meu peito que quase chegava a ser doloroso. Eu estava dando uns amassos com , o homem mais gostoso que já havia cruzado meu caminho. Me senti um pouco mal por ter transado com Riley dois dias atrás, mas eu estava com tanto tesão agora que me convenci rápido que aquilo era irrelevante.
  Parei de beijar para que ele se livrasse da minha blusa. Então foi sua vez de cobrir meu pescoço e meu colo de beijos. Suas mãos encontraram o fecho do meu sutiã, mas ele apenas alisou as minhas costas, me apertando com força. Foi então que imaginei que talvez ele não tivesse certeza do que queria.
  — ... — encontrei forças para interrompê-lo porque eu queria que ele ficasse comigo com tanta certeza quanto eu tinha, que até podia não ser a maior do mundo, mas foi o bastante para ter se transformado numa decisão quase cem por cento consciente.
  Precisei falar o nome dele três vezes pra que ele acordasse, parasse de me apertar contra si e me respondesse.
  — Você tem certeza?
  — Nunca tive dúvidas sobre você, .
  Eu poderia continuar a conversa com base nessa frase, mas eu não queria conversar, não agora. Então apenas desabotoei meu sutiã e enquanto ele me olhava nua da cintura pra cima com a expressão de gula mais linda do mundo, como se nunca tivesse visto aqueles peitos antes, sugeri:
  — Vamos pro quarto, então?
  A resposta de foi se levantar comigo ainda sentada de pernas abertas no seu colo e me carregar daquele jeito para o meu, ou nosso, quarto.

  Fechei os olhos quando acabou e relembrei em alguns flashes o que havia acontecido. Eu não queria mudar nada ali, nem pensar em outra coisa pela próxima hora, se possível.
  Os lábios de percorrendo minha barriga e se demorando nos meus seios. Sua língua entre meus lábios de baixo e como eu só conseguia gemer quando sentia aquilo. Suas mãos apertado minhas coxas, minha bunda, me alisando inteira. O pau dele entrando em mim e a sensação mais deliciosa do mundo: o vai-e-vem das nossas genitálias e corpos juntos quando estávamos transando.
   então beijou meu ombro de leve e eu arrepiei inteira. Ok, agora não conseguiria mais sentir o toque dele sem essa energia atravessar meu corpo e me deixar elétrica, fazendo com que eu parecesse um fio desencapado.
  — Você vai me chamar de tarado se eu falar que já quero fazer de novo?
  Ri alto. E quando abri os olhos, ele estava me encarando: os cabelos ainda molhados de suor e um sorriso de orelha a orelha no rosto.
  — Fazer o que de novo? — perguntei me posicionando por cima dele, tomando cuidado para minhas partes íntimas tocarem sua barriga, não seu pênis sem camisinha, já que já havia se livrado dela.
  — Sexo com você. — ele respondeu no meu ouvido, dando ênfase à palavra sexo. Incrível como se lembrava que eu adorava ouvi-lo falar essas coisas quando estávamos nessas circunstâncias. Só isso e suas mãos nas minhas costas já me deixaram excitada novamente.
  — Você estava com saudades de me comer? — sussurrei quase gemendo para .
  — Não sei como consegui ficar tanto tempo olhando pra essa sua bunda sem fazer nada a respeito.
  — Hmmm... — respondi com um sorriso.
  Cobri a boca de com a minha e nos beijamos avidamente. Dei uma mordida em seu lábio inferior antes de me afastar dele. Sabia que, pela sua cara, ouviria algum protesto por ter interrompido o beijo, mas isso não aconteceu porque antes que ele falasse alguma coisa, coloquei tudo o que consegui de seu pau dentro da minha boca e chupei com tanta vontade que ele serrou os dentes e soltou um gemido reprimido.
  — Jura que você ainda acha gemer um ato gay? — brinquei.
  — Muito gay. — riu.
  — Pois vai ficar difícil não fazer isso agora, doutor .
  — É mesmo? — ele incentivou.
  Eu ri e passei a língua na cabeça de seu pênis. Fiz tudo o que sabia nos minutos seguintes: chupei, coloquei tudo o que conseguia dentro da boca e tentei engolir (meu reflexo de regurgitação apareceu para atrapalhar essa parte, é claro), lambi, beijei sua barriga quando precisava recuperar o fôlego antes de chupá-lo mais um pouco de novo. Fiquei nessa até dizer que a gente precisava fazer antes que ele gozasse outra vez. Então, ele me beijou e colocou um de seus dedos dentro da minha vagina para me deixar molhada e eu gemi com vontade porque ele era simplesmente o melhor cara do mundo em termos de achar o ponto G – pelo menos para achar o meu, ele era.
  — Ok, ok, vamos transar. — falei por fim.
  Ajudei a desenrolar a camisinha em seu pau avantajado (que eu duvido que tem menos de 18 centímetros) e sentei em cima dele, revirando os olhos quando senti aquilo tudo dentro de mim de novo. Gozei poucos minutos depois, com as mãos de sobre os meus seios enquanto eu me movia, e seus olhos azuis mergulhados nos meus.
  Ele levou mais tempo, é claro. Transamos de lado, de quatro, ele também ficou por cima por alguns minutos, e foi nessa posição, com a boca no meu ouvido e me dizendo que me amava que ele gozou pela segunda vez aquela noite. Depois disso, nós dois apagamos, completamente esgotados.

  Acordei com o estômago roncando de fome às nove da noite. O quarto tinha cheiro do perfume de e ele ainda dormia, nu e deitado ao meu lado, um dos braços em volta de mim.
  — ! — eu disse empurrando o tronco dele para acordá-lo.
  — Hmm? — ele sorriu para mim esfregando os olhos com uma das mãos.
  — A gente dormiu. Temos que pedir a pizza. Tô morrendo de fome. — falei sentando-me na cama.
  — Caramba, são quantas horas?
  — Nove e pouco. — respondi. — Você quer pizza de quê?
  — Pode escolher, amor. — ele disse casualmente e se levantou.
  — Amor? — repeti estranhando a palavra.
  — Ok, não vou te chamar assim porque você não tem delicadeza pra gostar desses termos. Esqueci, me desculpe. — rolou os olhos. Mostrei o dedo do meio pra ele como resposta, e fui para a sala atrás do telefone enquanto ele ria e me chamava de grossa.
  — Pede isso logo e vem aqui pra gente tomar banho junto! — gritou do quarto para que eu ouvisse.
  Então, antes de pedir a pizza, me permiti sentar um segundo no sofá e suspirar. Não sabia que diabo de feitiço ele havia lançado sobre mim, mas sabia que havia dado certo porque eu não conseguia parar de sorrir.

12. Lua de Mel

  Acordei de manhã com o cheiro de café vindo da cozinha. Dormi usando uma camisa de , e ele, como sempre, usou apenas uma cueca. Só que, desta vez, adormecemos abraçados, com um sorriso no rosto.
  — Bom dia. — falei porque realmente o dia havia amanhecido lindo para mim.
  — Bom dia. — respondeu me entregando um copo do Starbucks com meu nome escrito. Café preto, delicioso; agora sim o dia estava mais que perfeito. — Comprei donuts, seu iogurt e torradas. Não sabia se você ia querer alguma coisa em especial...
  — Está perfeito, . — eu o interrompi. Me aproximei dele e pus-me nas pontas dos dedos para lhe dar um beijo leve. Ele me envolveu e afundou o rosto nos meus cabelos despenteados, me puxando para um abraço delicioso.
  — Perfeito seria passar o dia na cama com você. — murmurou ao pé do meu ouvindo.
  — Acredite, eu também adoraria isso, mas nós temos obrigações.
  — Podemos almoçar juntos. O que acha? — perguntou se afastando de mim para pegar seu cappuccino cheio de gordices.
  — É uma boa ideia. Vou trabalhar só de manhã hoje. Tenho uma reunião com o cerimonial que vai decorar a capela em Farhampton para o nosso casamento. Preciso resolver a questão do hotel para os convidados e o salão de festas do lugar também.
  — Vai levar a tarde toda? — perguntou.
  — Provavelmente. Preciso ir ao supermercado depois disso.
  — Bom, me avise quando sair da reunião então, e nós vamos juntos. — sugeriu.
  — Tudo bem, querido. — pisquei para ele e peguei o iogurte sagrado de todas as manhãs, que era responsável por manter meu intestino em ordem.
  Até me arrumar para ir trabalhar aquela manhã foi mais divertido. tentou me agarrar dentro do closet várias vezes, e em todas elas precisei fazer um esforço sobre-humano para pará-lo, lembrando que íamos nos atrasar e eu tinha coisas para resolver no tribunal. Eu queria muito um sexo matinal para tornar o dia ainda melhor, mas eu também queria fazê-lo passar o dia todo pensando nisso. Queria que aquela noite fosse tão saudosa quanto a noite anterior havia sido, embora uma parte de mim soubesse que ainda demoraria um bom tempo até nós matarmos completamente a saudade que tínhamos um do outro.

  Dirigi para o trabalho aquela manhã ouvindo o jornal da manhã, como sempre fazia. Mas não consegui ouvir uma notícia inteira sequer – minha cabeça ia parar em a todo instante.
  Nós precisávamos conversar. Eu sabia disso. Precisávamos definir o que estava acontecendo, se o casamento agora era real. Precisávamos colocar as cartas na mesa, ser honestos com o que quer estivéssemos sentindo. Mas, por mais que eu soubesse disso tudo, eu ainda queria protelar aquele assunto, adiar aquela conversa. Eu teria que entender se me dissesse que preferia decidir isso depois, que agora ele só sabia que queria voltar a ficar comigo. Ele havia terminado um relacionamento longo há pouco tempo, e provavelmente isso nem teria acontecido se não fosse aquele casamento forjado que eu havia inventado, certo? Ele nunca quis compromisso com Sammanta. Eu nunca quis compromisso com ninguém. Não do tipo “vamos viver o resto das nossas vidas juntos, nos mudar para uma casa grande e ter dois filhos”. E se ele ainda estivesse convicto quanto a isso? Com certeza eu era a última pessoa do mundo que poderia reclamar disso. Nem eu mesma tinha cem por cento de certeza ainda quanto a me casar de verdade, me mudar para um lugar maior e gerar uma criança. Era informação demais para tão pouco, mudanças demais para quem passou uma vida inteira se negando a imaginar qualquer uma dessas coisas.
   insegura. Por isso eu sempre preferi fugir de me apaixonar. Por isso eu passei a vida inteira sem me relacionar de verdade com ninguém. Mas agora o estrago estava feito. Minha relação com foi semelhante a cozinhar um sapo: você não joga o sapo na água quente; você o coloca na água fria e daí coloca a água para ferver, e o sapo cozinhará ali dentro sem se dar conta do que está acontecendo. Foi o que aconteceu comigo. Convivi tanto com que, quando me dei conta, já estava irreparavelmente apaixonada por ele.

*****

  — Acho que o que mais me assusta às vezes é que eu não peguei a coisa no início. Eu só vi o final, sabe? Quando acordei, eu estava noiva e pensando em como meus genes combinariam com os de . — falei para ao telefone quando ela me perguntou como eu estava lidando com o casamento, se estava mais animada e tudo mais. Ela com certeza ainda estava desconfiada porque meu comportamento dias atrás, quando fui escolher o vestido de noiva, não havia sido dos melhores.
  — Acho isso acontece com todo mundo que foge de relacionamentos, . Ou que tem um pouco de medo de dividir a vida com alguém. — minha amiga disse do seu lado da linha.
  — Ou medo de que dê errado e uma coisa legal se perca.
  Sim, uma coisa que ainda me fazia ter dúvidas sobre se tudo aquilo era uma boa ideia era o fato de que eu não queria – ou não podia talvez fosse mais adequado de se dizer – perder o que havia entre e mim. Eu nem me lembrava de como era a minha vida antes da nossa amizade. E se tudo aquilo acabasse desastrosamente mal? Certamente nós não conseguiríamos ser amigos mais. Eu não pediria uma coisa dessas a novamente. Ou talvez a verdade fosse de que, dessa vez, eu não tinha tanta certeza de que conseguiria desligar meus sentimentos românticos por ele.
  — , você e o nunca foram genuinamente só amigos. Você acha mesmo que todas as piadinhas dele sobre vocês transarem numa boa, sem envolver a Sammanta ou só porque ele queria “te fazer esse favor” — imaginei fazendo as aspas com as mãos — não tinham um fundo de verdade?
  Nunca havia parado para pensar nisso. Talvez ela tivesse razão.
  — Sinceramente, não sei como vocês ficaram tanto tempo sem se pegar. Ainda mais porque o é lindo, um fofo e você já teve momentos bem tensos da sua vida sexual.
  — Ei! — reclamei com uma risada.
  — Para uma escorpiana, você sabe se controlar bem até demais.
  — Ok, ok, senhorita que namora há milênios. Nem todo mundo dá tanta sorte assim de achar o príncipe encantado tão cedo.
  — Você deu. Mas como você adora complicar as coisas, preferiu dar um pé na bunda do coitado, submetê-lo àquele relacionamento que já começou fodido com uma vadia enjoada e torturá-lo por anos até finalmente admitir que é ele mesmo que você quer pra sua vida. Acho que o problema está aí, amiga: sua vida está tranquila demais, e por isso tem uma parte do seu cérebro procurando um jeito de complicar tudo de novo. — concluiu.
  — Meu Deus, como você está sábia hoje! Pensei que você fosse arquiteta, não psicóloga. — riu do outro lado da linha.
  — Bom, eu liguei também para oferecer minhas habilidades como arquiteta, além dos ótimos conselhos psicologicamente fundamentados. — ela ironizou e eu ri em resposta. — Você já encontrou o apartamento pra vida nova?
  — Não, ainda não. ficou de me apresentar algumas opções até a próxima semana.
  — Hmm, certo. Vou ligar para o e sugerir um lugar que eu achei a cara de vocês, então. Daí dependendo da sua escolha nós vemos os detalhes que você quiser mudar e eu te dou algumas sugestões.
  — Nossa, seria ótimo, ! Você não está ocupada demais com seu próprio casamento? Não vai atrapalhar?
  — Não, de jeito nenhum. Faltam mínimos detalhes pra resolvermos agora. Com o Alex de volta, as coisas estão mais calmas também.
   já havia me contado como foi perfeito rever seu noivo depois dos dois meses que a companhia da família de seu futuro marido lhe fez passar na Inglaterra a negócios. Eu sinceramente não sabia como ela conseguia aturar os pais de Alex... Ok, ok, amor ajuda, é claro.
  — Então, me conte mais sobre esse lugar perfeito pra mim e pro . — questionei porque obviamente fiquei curiosa.
  — Não, senhora. Aguente-se aí, pessoa mais controladora do mundo. te passa as informações depois.
  — Como fui elogiada nessa conversa, meu Deus! Isso é porque você é minha melhor amiga! — me queixei rindo.
  — Melhor amiga e madrinha de casamento! Somos praticamente comadres!
  Me diverti ao telefone com por mais alguns minutos, até que fui obrigada a desligar, ou não daria conta de tudo que precisava fazer ainda aquela manhã. Mas apesar de ter milhões de tarefas, o relógio ainda parecia lerdo. Entendi o porquê quando me ligou as onze, confirmando nosso almoço meio-dia: eu estava louca para vê-lo de novo.

*****

  Pela primeira vez em provavelmente oito anos, foi divertido ir ao supermercado, e, bom, minha compra nunca saiu tão cara quanto naquele dia. Agora, além dos meus alimentos orgânicos criteriosamente selecionados, os armários da minha cozinha também continham quantidades perigosas de açúcar e álcool. Sinceramente, não sei como mantinha aquele corpo. Uma hora de academia por dia nunca seria suficiente para me manter tão em forma comendo tanta besteira.
  — Bem, uma coisa podemos deduzir com isso: sua genética é excelente. — falei depois que terminamos de guardar as compras.
  Impressionante como os homens ficam cooperativos com as tarefas domésticas quando sexo passa a fazer parte da equação! jamais teria me ajudado tanto hoje se ainda estivéssemos vivendo como amigos debaixo do mesmo teto. Ele não concordaria se eu dissesse isso em voz alta perto dele, mas eu não precisava discutir o assunto com para saber que era verdade.
  — Pois é. Com a minha genética e seu vício por ser saudável, nossos filhos vão viver para sempre.
  — Nossos filhos? Desde quando você quer ser pai?
  — Desde quando você quiser ser mãe. Você que vai carregar por nove meses nessa sua linda barriga, então você decide. — ele respondeu se aproximando de mim e levantou minha blusa para tocar minha barriga. Talvez esse toque fosse inocente quando/se de fato um dia tivéssemos um bebê ali, respirando e se desenvolvendo dentro de mim. Hoje, porém, depois da noite incrível que tivemos juntos e de ter passado o dia todo desejando estar a sós com as mãos dele sobre mim, tudo o que consegui sentir foi tesão.
   tocou a base da minha mandíbula com sua boca e manteve a mão sobre o meu estômago, que agora estava cheio de borboletas. Fechei os olhos e respirei fundo enquanto ele descia os lábios pelo meu pescoço, me fazendo ficar mais louca a cada segundo que passava. Levei minhas mãos ao seu pescoço e entrelacei os dedos em sua nuca, agradecendo mentalmente quando ele finalmente me beijou e me carregou para o sofá.
  — Foi uma tortura ficar o dia todo sem poder te beijar assim — ele sussurrou ao pé do meu ouvido, me fazendo ficar ainda mais arrepiada, se é que isso era possível.
  — Eu entendo perfeitamente. — respondi e o beijei de novo.

*****

  Os dias que se seguiram foram maravilhosos.
  Continuamos com nossa rotina de trabalho, planejamento do casamento, risadas, jantares românticos, sexo, mais trabalho e mais sexo. E eu tinha que admitir: há bastante tempo eu não me sentia tão feliz e realizada emocionalmente.
  Era quarta-feira, estávamos completando uma semana desde que voltamos a nos envolver e, para comemorar isso, me levou para ver dois apartamentos candidatos ao nosso futuro lar-doce-lar: ambos sugeridos por , um no prédio em que ela e o noivo haviam comprado uma propriedade, e o outro há duas quadras de distância do primeiro. Ambos os locais eram bem localizados, três quartos, dois banheiros, sala e cozinha espaçosos. E ambos custavam um rim e duas córneas.
  — Parabéns, . Os dois lugares são maravilhosos. Eu realmente não sei o que dizer. — falei no elevador logo que saímos do “apê numero 2”.
  — Obrigado, mas os créditos pertencem totalmente à . Ela que sugeriu quatro lugares, e eu selecionei os que achei que você iria gostar mais.
  — Jura? E quanto à sua opinião?
  — , é como diz o ditado: “Esposa feliz, família feliz”. Eu estarei bem onde você estiver. — me beijou na testa.
  — Acho que temos que conversar sobre o nosso casamento. Quero dizer, sem ser a parte da capela, da recepção e tudo mais. — falei completamente a contragosto. As coisas estavam perfeitas como estavam, mas não poderíamos adiar aquele assunto para sempre, certo?
  — Precisamos. — Ele respondeu e eu sabia que ele sabia o que eu queria dizer. sorriu para mim e sugeriu: — Que tal fazermos isso hoje à noite durante um jantar naquele seu restaurante italiano predileto?
  — Excelente ideia. — sorri de volta me sentindo um pouco menos nervosa com o assunto.
  Nos despedimos com um beijo em frente ao prédio que talvez seria nosso futuro prédio muito em breve, e voltamos para o trabalho. tinha uma tarde inteira no tribunal pela frente, e uma pilha de processos me aguardava na minha mesa.
  Entrei na minha sala colocando os pensamentos em ordem. Eu estava decidida a abaixar a guarda e dizer para que eu queria que aquele casamento fosse de verdade. Se essa não fosse sua vontade, eu ficaria muito bem com isso, afinal, uma formalidade dessas era completamente desnecessária para mim. No entanto, pela primeira vez na minha vida eu era obrigada a admitir: a ideia de me prender para o resto dos meus dias não me assustava. Levei muito tempo para entender isso, mas hoje era bem claro que dividir minha vida de alguma forma com para sempre nunca foi uma opção. Nem que fosse apenas como meu amigo, eu precisava daquela criatura viciada em açúcar e em filmes ruins por perto.
  A primeira coisa que notei em minha mesa assim que me sentei foi um envelope branco sem endereço ou selo – só havia meu nome escrito em uma letra que parecia de mulher.
  — Kristin, que correspondência não endereçada é essa na minha mesa? — perguntei à minha secretaria pelo telefone.
  — Um despachante veio entregá-la, . Ele disse apenas que avisaram que era urgente.
  — Ok, obrigada.
  Pensei em apenas atirar aquilo no lixo porque eu podia sentir o cheio de intriga de Sammanta emanando daquele envelope, mas não fiz isso. A guerra estava declarada, então eu teria que pelo menos entender a provocação para preparar meu próximo ataque ou levantar minhas defesas.
  Tirei uma folha de papel que continha um círculo vermelho ao redor da palavra POSITIVO e um recadinho de Sammanta para mim escrito também de vermelho ao lado:

  Acho que você quem vai precisar de sorte agora, querida.
  Sammanta.

  Junto ao exame de gravidez positivo de Sammanta havia a descrição de um ultrassom que dizia seu tempo de gestação: 3 semanas.

  E foi assim que minha lua de mel com terminou e minha vida virou um pesadelo: de um minuto para o outro.

13. Verdades

  Meu plano inicial para aquela noite era ir para casa, tomar um banho, me arrumar e ir para o restaurante em que havia combinado de encontrar . Ele ficaria no trabalho até tarde, então a ideia era nos encontrarmos lá. Durante os trinta minutos em que essa ideia ficou na minha cabeça – até que vi o teste de gravidez positivo de Sammanta – imaginei o que eu diria a . Imaginei um cenário lindo, em que ele me diria que nunca me esqueceu de verdade, que queria que casássemos pra valer e fizéssemos aquilo dar certo. No instante em que vi aqueles exames da ex dele, porém, foi como se eu acordasse pra realidade.
  Eu estava sendo tão ingênua quanto uma garota de 15 anos, imaginando o “felizes para sempre” e me esquecendo absolutamente de que haviam muitas complicações naquela história para que isso fosse possível. Agora eu estava com raiva de Sammanta, de e, mais do que deles, de mim mesma. Porque, afinal, eu não havia me metido naquela desinformada. Eu sabia que há pouquíssimo tempo ainda estava com aquela idiota, por mais merda que o namoro deles estivesse. E, bom, com certeza não estava merda o bastante para que ele parasse de ir pra cama com ela. Imaginar tudo isso só piorou meu humor ao longo das horas. Engoli o choro durante toda a tarde e me forcei a me concentrar no trabalho.
  Cheguei em casa no horário previsto, mas não me incomodei em me vestir e gastar minha maquiagem para ir para um encontro que eu já sabia que acabaria em briga. Tomei um banho longo, resisti à tentação de abrir uma garrafa de vinho e ignorei as mensagens e ligações de até que ele chegou em casa e me encontrou no sofá, vestindo pijamas e tentando ler um livro com a TV ligada em uma série aleatória.
  — Posso saber por que você me deixou plantado no restaurante por mais de uma hora? Onde está o seu celular? — disse estressado.
  Levantei meu celular com uma mão indicando que eu sabia muito bem onde ele estava, e com a outra estendi o envelope de Sammanta para ele.
  — O que está acontecendo, ? — perguntou pegando o papel da minha mão.
  Não respondi. Apenas me levantei e fui para o meu quarto. Ele apareceu lá atrás de mim segundos depois.
  — O que significa isso? — estava mais branco que as duas folhas de papel com os resultados dos exames que diziam que ele seria papai em cerca de 8 meses.
  — Não sabe mais ler, ? — perguntei tentando encharcar minha voz de ironia, mas soei apenas cansada.
  — A Sammanta está grávida e você é a primeira a saber?
  — E por acaso importa quem foi a primeira pessoa a saber? — gritei. Respirei fundo e reduzi o volume da minha voz novamente, porque eu perderia toda a razão se levasse aquela conversa aos gritos. — Ela te fez um favor, isso sim! Te poupou de ter que me dar essa notícia. Não é com isso que você deveria estar preocupado.
  — Você acredita nesse resultado? — sacudiu as duas folhas amassadas na minha frente.
  — É claro que eu acredito! Nós não vivemos dentro de uma novela mexicana, ! É óbvio que ela não forjou esse exame! Vocês estavam juntos três semanas atrás, então faz perfeito sentido ela estar grávida de você.
   se calou por um instante e quando conseguiu dizer algo sua voz estava tão trêmula que uma pequenina parte de mim sentiu pena:
  — Eu não sei o que dizer. Ela com certeza fez isso de…
  — Não vem me dizer que ela fez isso de propósito porque pra se fazer um filho é preciso duas pessoas. — Eu o interrompi. — Não é obrigação da mulher prevenir uma gestação sozinha. Você tem tanta culpa nisso quanto ela. — seu pervertido, filho da puta, emendei mentalmente.
  — Eu pensei que ela estava tomando a pílula.
  — Para, . — Respirei fundo e contei até dez. Sammanta podia ser o que fosse, mas eu jamais abandonaria meus conceitos só porque eu a odiava. Homens tentam se livrar muito facilmente da responsabilidade, como se fosse obrigação feminina evitar uma gravidez indesejada. — Só para. Não me faça ter mais nojo ainda da sua cara!
  — Nojo da minha cara? — disse ultrajado. — Você sempre soube que eu ainda estava com a Sammanta quando isso aconteceu. — ele devolveu.
  — Você tem razão, eu sempre soube. — meu tom voltou a ser o de quem estava cansada. Suspirei pesadamente antes de prosseguir: — Não precisa jogar isso na minha cara, porque eu mesma já passei o dia inteiro desde a hora que vi esse bendito exame repetindo meus erros para mim mesma. Eu sou uma idiota porque claramente é a ideia mais estúpida do mundo imaginar que seria possível levar a sério um casamento com alguém que acabou de sair de um relacionamento de tantos anos. Pode ter certeza que neste momento eu me odeio mais do que odeio você ou essa sua maldita ex.
  O silêncio mais pesado de todos pairou sobre nós por um longo instante até que teve coragem de se pronunciar de novo:
  — Como isso nos deixa então?
  — Acabou o casamento.
  — O quê? — ele pareceu chocado. — E a sua herança?
  — Eu não vou me submeter a isso, . Todos pensam que reatamos há muito mais que três semanas. Eu não vou ser a chifruda que aceitou ficar com você e lidar com o fato de que você engravidou sua ex enquanto estava comigo. Diferentemente da Sammanta, a minha dignidade vem em primeiro lugar e vale muito mais do que um, dois milhões ou o dinheiro que for. O plano sempre foi trabalhar para conquistar as minhas coisas, foi isso o que sempre fiz, e é o que vou continuar fazendo. — eu disse. — E sinceramente? Perder esse dinheiro é a menor das minhas decepções com essa situação toda.
  — Então você está terminando comigo?
  — Você tem 24 horas pra tirar suas coisas daqui. — falei simplesmente.
  — , você não vê que isso é exatamente o que a Sammanta quer?! — disse exasperado.
  — Ela conseguiu o que ela queria, ! Ela foi exatamente onde eu não consigo lidar. Parabéns pra ela! Aliás, parabéns pra vocês dois! Você vai ser papai, devia estar feliz com isso!
  — Eu não vou ficar feliz com nada se você continuar com essa ideia. Essa criança vai ter todo o meu apoio e carinho, mas eu não vou voltar com a Sammanta. Eu quero você, eu sempre quis você. O fato de eu ter um filho pra dar atenção e amor não significa que nós não podemos ficar juntos.
  — Você não sabe o que você quer, . — eu disse por mais que escutar aquilo saindo da boca dele me afetasse. — Você ainda não teve tempo pra descobrir. Você não tem mais obrigação nenhuma comigo, então não me importa se você vai voltar com a Sammanta, arranjar outra ou ficar solteiro. Como sua amiga, que se importa com você, eu te aconselho a colocar sua vida nos eixos e tirar um tempo pra você mesmo. Eu não quero começar nada pelas metades e, quer saber? Essa história toda me mostrou que nós estávamos tentando construir algo duradouro em bases completamente instáveis. Não tinha mesmo como isso dar certo.
  — Eu não preciso de tempo pra pensar, . Eu tenho muita certeza sobre nós. Sempre tive.
  — Bom, eu não tenho mais, . — dei de ombros. Eu tinha certeza que o amava, mas não tinha sobre nós darmos certos. Ele provavelmente não entenderia a diferença, e naquele momento eu não estava disposta a explicar.
  — … — deu três passos na minha direção, dei três passos para longe dele ao mesmo tempo. Se ele me tocasse, eu não sabia se era capaz de manter aquela conversa sem perder controle.
  — Não quero mais falar sobre isso. Eu já tomei a minha decisão, e nós dois sabemos que eu vou voltar atrás. Não se preocupe sobre anunciar nosso término ou cancelar o que já contratamos, eu faço isso. Te aconselho a contar a verdade para a sua família e, se puder, diga a eles que eu sinto muito.
  — Você vai derramar que seja uma lágrima por tudo isso? Porque neste instante você parece uma máquina que calculou absolutamente tudo o que deve ser feito a partir de agora. — A voz dele parecia carregar uma magoa de oito anos.
  — Acho que você me conhece bem o bastante pra saber que eu não cheguei a conclusão de nada disso facilmente.
  — Alguma chance de você conseguir me perdoar algum dia?
  — Se você me fizer o favor de sumir da minha frente agora talvez eu considere isso. — falei com um leve sorriso no rosto usando o tom de voz irritado que sempre usava com ele. — Perdoar e voltar a te namorar são duas coisas bem diferentes, afinal. — Ele assentiu. O silêncio voltou a pairar entre nós enquanto ele me encarava. Mantive meus braços cruzados sob o peito; minha sensação era de que eles estavam naquela posição há horas, na tentativa de manter meus cacos juntos.
  — Eu te amo, . — disse, por fim. Olhando nos olhos dele, eu sabia que ele estava dizendo a verdade. A minha vontade era dizer o mesmo de volta, mas eu ainda estava com muita raiva para fazer isso. Portanto, apenas engoli em seco e emendei:
  — O sofá é todo seu, . Agora, se você não se importa, eu tive um dia cansativo e preciso dormir.
  — Claro, claro. Boa noite. — ele respondeu e se arrastou para fora do meu quarto.
  O perfume dele ficou no ambiente, porém, e no instante que fechei a porta atrás dele, a minha máscara de pessoa dura e calculista caiu e eu despenquei.
  Em uma semana senti todas as emoções que eu havia evitado por oito anos: paixão, empolgação, borboletas no estômago, tristeza, raiva e uma vontade absurda de não pensar nunca mais.

*****

  — Olá, Meggie. Obrigada por vir até aqui como eu pedi. — eu disse para a detetive da tia avó indicando a cadeira do meu escritório para que ela se sentasse.
  Pensei e repensei mil vezes qual estratégia seria a melhor a se tomar: dizer a verdade de uma vez ou inventar um término trágico para meu relacionamento com .
  — Sem problemas. Como você e seu noivo tem passado?
  — Eu estou bem e acredito que o também está. — Havia quase uma semana desde nosso término, e eu ainda estava ignorando as ligações e as mensagens dele, na esperança de que ele desistisse e me deixasse em paz. Eu ainda não queria falar com ele. Na verdade, ainda não queria falar com ninguém. — Bom, como eu sei que a senhora é uma pessoa tão ocupada quanto eu, vou direto ao ponto: os dois milhões de dólares podem ser destinados ao que quer que a tia avó desejava que fosse feito com o dinheiro caso eu não me casasse com . Nós rompemos o noivado.
  — Oh… Eu realmente não imaginava que isso aconteceria. Eu sinto muito, senhorita . Posso perguntar por quê? — pela primeira vez havia alguma expressão no rosto da mulher e ela de fato parecia chateada com a notícia.
  Suspirei alto antes de respondê-la:
  — A verdade é que sempre foi meu melhor amigo. Eu sempre fui apaixonada por ele, mas nunca me permiti viver isso. Acredito que ele me ame igualmente. Mas nós simplesmente não estávamos juntos no momento que eu soube da herança e não creio que ficaremos juntos algum dia novamente.
  — Posso te fazer outra pergunta? — ela disse. Assenti reprimindo o desejo de rolar os olhos: — Qual é a complicação, se vocês se amam?
  — O vai ser pai, Meggie. Ele e a ex estão esperando um bebê. Eu até pensei que fosse possível, mas recebi essa noticia há alguns dias e percebi que... não é pra ser. — Engoli em seco.
  — E...? — Meggie perguntou.
  — Você ouviu a parte em que eu disse que nós fingimos que reatamos por causa do dinheiro? — perguntei nervosa.
  — Ouvi sim. Eu já sabia disso, obviamente.
  — Você já sabia? — questionei chocada.
  — Sim. Como eu te disse na última vez que nos vimos, havia muito mais que dois milhões envolvidos nisso tudo. Vocês dois tiveram uma segunda chance de perceber que funcionam e tem potencial para serem felizes juntos. Entenda, sua tia avó sabia que vocês haviam terminado e ainda eram amigos. Mas ela acreditava que um empurrãozinho era tudo o que vocês precisavam para verem isso e pararem de perder tempo com as pessoas erradas. — Encarei Meggie perplexa. Ela estava com o rosto distorcido de uma forma que quase parecia que estava sorrindo.
  — Bom, parece que a tia avó e a senhora estavam erradas então. — suspirei.
  —Você não acha que está sendo muito radical com essa história do seu noivo ser pai do filho de outra mulher? Não é o seu orgulho falando alto mais uma vez? — ela disse delicadamente.
  — Não, eu não estou sendo radical. Eu não vou encarar um noivado agora sob essas circunstâncias. E acho que a senhora me conhece muito pouco para me dizer que meu orgulho está falando alto “mais uma vez”. — respondi nervosa e louca para colocar um ponto final naquela conversa. Minha cabeça já estava péssima o bastante; eu não precisava de ninguém colocando mais coisas nela.
  — Certo. Bom, a decisão é sua. De qualquer modo, o dinheiro só será destinado a outra coisa após o aniversário da sua falecida tia avó. Ainda faltam cerca de três meses. Muita coisa pode acontecer até lá. É o que está previsto no testamento de qualquer modo. — ela parecia bem certa de que as coisas não haviam terminado como eu tinha tanta certeza que tinham. Mas eu já estava cansada de discutir, cansada de pensar naquela merda toda. Tudo o que eu queria era esquecer. Portanto, optei por concordar e apenas despachá-la do meu escritório.
  — Ok. Novamente, muito obrigada por vir até aqui. Tenha um bom dia. — falei.
  — Você também, senhorita . — Meggie respondeu e me deixou sozinha com uma pilha de trabalho e uma dor de cabeça que eu tinha medo de que não passasse nunca.

14. Trégua

  Encarei os olhos arregalados de Phoebe, e Summer, todos os três pares vidrados em mim. Virei o resto do que vinho que continha na minha taça, mas ainda não me sentia corajosa o bastante para contá-las toda a verdade. Como eu sabia que não me sentiria de outra forma tão cedo e era melhor que elas soubessem através de mim do que pela boca de outra pessoa, repeti para mim mesma que eu não tinha saída a não ser fazer aquela breve reunião na minha casa. Eu as havia chamado ali para contar a mentira; nada mais justo do que fazer isso agora para contar a verdade.
  — Amiga, eu sei que você pediu para ficarmos caladas até você dizer tudo que precisa, mas vou morrer se não perguntar: onde está a sua aliança? — perguntou, o pânico evidente em sua voz.
  Eu já havia dito, quando as recebi e elas perguntaram o que era tão urgente e importante que exigia a presença de todas aquela noite, que esperassem que eu dissesse tudo o que precisava antes de me bombardearem de perguntas ou decidirem me odiar para sempre.
  — Vou chegar nessa parte, . — garanti e respirei fundo antes de começar a contar a confusão em que eu havia me metido cerca de dois meses atrás, desde o dia que recebi o telefonema do advogado da tia Marie dizendo que eu estava no testamento dela.
  Contei tudo – sobre os dois milhões de dólares que eu só receberia se me casasse com , sobre Sammanta ter concordado com “simular” o rompimento dos dois porque prometeu se casar com ela quando nos divorciássemos, sobre termos que manter segredo sobre tudo porque haviam pessoas vigiando aquela história de perto, como Meggie que havia passado alguns dias conosco para averiguar nossa relação.
  — Então tudo foi mentira desde o princípio? Vocês não estão apaixonados? — para minha surpresa quem disse isso foi Phoebe, minha amiga mais cética sobre minha capacidade de nutrir sentimentos românticos por alguém. E ela parecia tão chocada quanto e Summer.
  — Eu estaria mentindo se eu dissesse que não estamos. — suspirei. — As coisas ficaram confusas para mim e para com toda essa proximidade. Daí, há três semanas ele terminou com a Sammanta e me disse que não gostava de mim só como amigo. Nós acabamos indo para a cama e passamos mais ou menos uma semana maravilhosa como um casal de verdade. Eu cheguei a pensar que o casamento seria pra valer e tudo mais. Até que num belo dia eu recebi um teste de gravidez com fotos de ultrassom anexas e tudo mais. O vai ser pai de um filho com a biscate da Sammanta.
  — E no momento que você viu esse teste positivo, você desistiu do casamento. — disse; não era uma pergunta.
  — Sim.
  — O quis terminar por esse motivo? — Summer perguntou.
  — Não, ele veio com aquele papo de que vai amar e dar carinho ao filho, mas que não voltaria com a Sammanta e blábláblá. Mas eu não vou me submeter isso. — respondi.
  — , você vai jogar a felicidade de vocês dois pela janela porque a Sammanta claramente parou de tomar a pílula sem comunicar o , na tentativa ridícula de fazê-lo voltar com ela? — questionou exasperada.
  — Ninguém garante que nós vamos ser felizes juntos, . Tudo isso simplesmente não está acontecendo no momento certo. Os dois acabaram de terminar. E se ela está grávida, é porque aquele puto estava indo pra cama com ela normalmente. Evitar uma gravidez é responsabilidade dos dois.
  — Ah claro, porque para ir pra cama com alguém é preciso gostar da pessoa. — bufou.
  — Pode até não ser, mas já estava difícil lidar com essa história antes. Agora se tornou impossível. Eu não quero a Sammanta deixando criança com meu marido todos os finais de semana. Não quero ter que assistir o surtando a cada ultrassom ou acalmá-lo na sala de espera do hospital enquanto ela dá à luz a um filho dele. Não dá para competir com isso. Ela venceu, eu já me conformei. Vocês vão ter que se conformar também. — falei. Enchi minha taça de vinho novamente e bebi quase tudo em dois goles.
  Aquela era a primeira vez em uma semana desde minha última conversa com que eu me permitia encarar aquela história. Até então eu estava fazendo o que sempre faço quando algo é demais para que eu administre: enfiado minha cara no trabalho, na corrida, feito uma massagem por dia e tudo mais que conseguisse desviar minha atenção do que me doía. Quando essa fase aguda passasse, eu seria capaz de encarar o problema de uma forma mais sensata. Por enquanto, até a imagem mental de com aquela loura azeda já me dava embrulho no estômago.
  — Me perdoem por todas essas mentiras. Pareceu muito simples fingir que eu e ele estávamos juntos, nos casarmos e essa merda toda pelo dinheiro. Eu pensei que nossa amizade era algo muito claro, pelo menos na minha cabeça, e que nada mudaria de verdade. E eu não contei nada a vocês antes porque eu não queria colocar nas costas de vocês a responsabilidade de ter que mentir também. Claramente foi a maior estupidez que eu poderia ter feito. Eu estou realmente muito arrependida. Não apenas porque deu tudo desastrosamente errado, mas porque eu aprendi da pior forma possível que fingir uma coisa dessas e mentir para todo mundo que eu amo não vale a pena, não é certo e nem justo. Eu espero que vocês consigam me perdoar. — tentei manter contado visual com elas enquanto dizia tudo isso. Eu realmente não tinha esperanças que elas me perdoassem instantaneamente, mas esperava que com o tempo as coisas voltassem ao normal pelo menos entre mim e minhas amigas.
  — Claro que nós te perdoamos, . — disse.
  — Eu teria feito a mesma coisa, não se preocupe. Já está perdoado. — Phoebe falou.
  — Mais que perdoado. — sorriu Summer.
  — E sobre o ... Nós entendemos. Se fosse qualquer uma de nós na sua pele, bem provável que faríamos o mesmo. Realmente é muita coisa para lidar. — Phoebe concordou pesarosamente.
  — Eu concordo que é muita coisa. Eu só acho que algumas coisas valem a pena. Você pretende deixar de conviver com o totalmente, para o resto da vida de vocês? — perguntou.
  — Eu não sei ainda. Ele tem me procurado, mas eu tenho ignorado. Eu realmente não sei como tirá-lo da minha vida por completo. — senti água demais nos meus olhos e minha voz falhou na última palavra. Pigarreei. — Mas eu também não sei como lidar com essa nova situação de outra forma. — me puxou para um abraço e quando dei por mim todas elas estavam me abraçando ao mesmo tempo e eu estava com o rosto ensopado de lágrimas.
.   Pensei que minhas amigas ficariam com ódio de mim pelas mentiras cabeludas que inventei em nome de dinheiro. Mas na verdade elas estavam sendo absolutamente solidárias sobre o fato de eu estar sofrendo com minha história com . Nunca me senti tão estranhamente preenchida na minha vida.
  Eu sempre fui do tipo de pessoa que não se abre para os outros, que não se permite sofrer, que levanta muralhas ao redor de suas vulnerabilidades para não ser ferida. Eu sempre fiz de tudo para me bastar sozinha por medo de não saber como lidar se eu acabasse assim. Só que eu nunca havia parado para pensar que minhas atitudes estavam me levando a ser alguém desnecessariamente solitária, armada e (sim, por mais que eu odiasse admitir) amarga. Quando isso passou pela minha mente, o que Meggie disse sobre eu estar sendo orgulhosa mais uma vez até fez um pouco de sentido. Talvez fosse mais uma vez meu medo de me abrir para um relacionamento que me deixava vulnerável, a mercê do desconhecido, com meus sentimentos expostos e com a possibilidade de me machucar.
  — Você precisa de um tempo para pensar. — disse, por fim. — Mas isso significa analisar a possibilidade de ficar com o , apesar de ele estar esperando um filho com a sonsa da Sammanta.
  — ... — comecei a dizer, mas ela me interrompeu de novo:
  — , você não precisa competir com o filho dele. Inclusive, essa criança pode ser uma coisa boa na vida de vocês dois. Além do mais, a Sammanta é uma desequilibrada. Vai sobrar para o criar essa criança, e você pode ser uma mãe para esse bebê. E, de quebra, treinar para ter os seus bebês com o senhor também.
  — Ai, amiga, eu gostaria de ser tão romântica quanto você. — eu ri, mas era obrigada a admitir que pela primeira vez eu havia conseguido formar uma imagem mental envolvendo aquela criança que pareceu ser possível e até feliz. O bebê era inocente, afinal de contas.
  — Isso não é apenas romantismo, . — Phoebe falou. — A está certa. Existem formas de conciliar isso, sim. Se você tiver certeza, no fundo do seu coração, que você ama de verdade o e ele vale a pena esse esforço, faça isso. Não está saindo como o planejado, e isso deve estar te matando porque você é a pessoa mais controladora do mundo, mas poucas coisas na vida acontecem como nós gostaríamos que acontecessem.
  — As meninas tem razão. Você sempre diz que tudo na vida tem um preço, certo? Qual das duas alternativas vai sair mais cara para você? Ficar com o e vê-lo sendo pai de um filho com a Sam, ou viver sem ele para o resto dos seus dias para evitar a criança e a Sammanta para sempre? — Summer completou.
  — Tudo bem. — suspirei. — Prometo que vou pensar direito sobre tudo isso.
  — Tenta ouvir a gente uma vez na vida, sua cabeça dura. — Phoebe disse e encheu minha taça novamente.
  — Tentarei. — falei e beberiquei meu vinho. Minha cabeça já estava rodando, pelo álcool e pela decisão enorme que eu precisava tomar.
  O sonho virara pesadelo e eu estava completamente perdida.

*****

  Duas semanas depois...

  — Agora respirem fundo e segurem por dez segundos: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. E soltem. Podem relaxar agora... — A professora de yoga disse no vídeo ao qual eu estava assistindo naquela manhã de sábado enquanto fazia a tal yoga que me matava de dor, mas me fazia atingir um estado de paz que eu nem conseguia explicar como era possível. Meu telefone tocou, me obrigando a pausar a aula para atendê-lo.
  O casamento de seria aquela noite, então o dia seria agitado. Eram sete da manhã e eu já estava tentando me preparar psicologicamente para entrar na igreja de braços dados com aquela noite. Ele era padrinho de Alex, assim como eu era madrinha de , então eu não tinha escapatória. Consegui fugir do último ensaio no início da semana porque uma intoxicação alimentar verdadeira me deixou de cama por um dia – nunca fui tão grata à vida por me fazer vomitar até as tripas. Mas hoje eu não tinha escolha. Teria que fingir que estava tudo bem.
  As coisas estavam um pouco melhores agora. Eu havia decidido mergulhar nas minhas amigas, além do meu trabalho e da yoga, e elas estavam ajudando muito na minha missão “ignorar o que me machuca até o dia em que serei capaz de lidar com isso”. Claro que às vezes era impossível não pensar no que eu faria a respeito de . Mas eu ainda não havia conseguido chegar a nenhuma conclusão a respeito. Uma parte muito grande de mim queria passar por cima de tudo e estar com . Certo dia até mesmo me peguei imaginando aquele bebê com os olhos verdes dele e o mesmo sorriso perfeito. Mas quando eu pensava em Sammanta e todo o inferno que ela me faria aguentar pelo resto dos meus dias... Quando eu pensava que ela quem daria a luz ao primeiro filho do amor da minha vida... Quando meu próprio cérebro me lembrava de que se eu não tivesse terminado com há oito anos aquela criança poderia ser nossa... Bom, era aí que eu não sabia mais como lidar com aquilo tudo e voltava a ignorar a coisa toda.
  — Como está a noiva mais linda de Nova York? — perguntei ao atender o telefone, porque é claro que era .
  — Cheia de olheiras porque não dormiu a semana toda! — ela disse com o tom de voz nervoso/ansioso/feliz que apenas ela era capaz de esboçar.
  — Não se preocupe que a Shannon vai dar um jeito nisso mais tarde! — eu a tranquilizei e tomei um gole do meu copo de água. Shannon era a melhor maquiadora de Nova York, e maquiadora de para o casamento.
  — Quando você vem pra cá?
  — Depois do almoço, como combinamos. — falei enxugando meu rosto suado.
  — Que tal agora, ao invés de depois do almoço?
  — Mas nós combinamos que a Summer ficaria com você de manhã. — Summer era a outra madrinha de .
  — A Sum está me deixando mais nervosa do que eu já estou, ! Ela está fazendo um ótimo trabalho se certificando de que tudo está indo bem com a decoração e blábláblá, mas a cada crise ela surta mais do que eu. Precisamos de alguém racional por aqui.
  — Certo. — eu ri. Bom, nós realmente não havíamos pensado naquela história antes. Sum não era boa em lidar com crises, e eu realmente não chamaria a banda chegar dez minutos atrasada ou as rosas estarem um pouco desbotadas de crise. Claro que não era o meu casamento. Esse pensamento já me deixou um pouco triste. Eu não iria mais me casar. — Chego aí o mais rápido possível. Só vou ajeitar minhas coisas.
  — Obrigada, linda!
  — Sem problemas. Agora respire fundo e treine seus votos. — assentiu e desligamos o telefone.
  Catei meu tatame de yoga e desliguei a TV. Estava terminando de tomar o resto do conteúdo da minha garrafinha de água quando minha campainha tocou. Meu coração veio na goela – a única pessoa que eu conseguia imaginar fazendo isso naquele dia era . Quando conferi pelo “olho mágico” da porta quem era, porém, me deparei com uma surpresa que não podia ser mais desagradável: era Sammanta.
  Respirei fundo e abri a porta com mais raiva do que eu gostaria.
  — O que você quer? — perguntei.
  — Não vai nem me convidar para entrar? — ela tinha um sorriso irônico no rosto que fez com a raiva queimasse no fundo da minha alma. Pensei em dizer que a merda que ela quisesse dizer podia falar dali mesmo, mas meu vizinho do apartamento ao lado estava com a porta aberta colocando o lixo para fora e ele não parecia perto de terminar. Eu não queria que ele presenciasse um barraco, portanto dei passagem para a ridícula da mãe do filho do entrar no meu apartamento e fechei a porta atrás dela com o máximo de delicadeza que pude.
  — O que você quer? — repeti cruzando os braços sobre o meu busto.
  — Vim ter uma conversa de mulher para mulher com você.
  Arqueei as sobrancelhas e assenti incentivando-a a continuar. Pensei em dizer “mulher para vadia, você quer dizer, né, querida?”, mas eu não estava nem um pouco a fim de estender aquele diálogo.
  — , você precisa entender que a coisa entre você e o já afundou. Como você bem sabe, nós vamos ter um bebê juntos. Estamos unidos por um laço que vocês dois simplesmente não possuem. Então, eu vim lhe dizer, em nome do meu filho que ainda não nasceu: deixe o livre para ficar comigo logo e vamos acabar com isso. Eu pensei que os exames comprovando a minha gravidez seriam o bastante para convencê-la disso, mas pelo visto você não entendeu ain...
  — Do que diabos você está falando? — eu a interrompi. Já havia escutado loucuras demais.
  — Como assim do que diabos estou falando? Estou falando para você libertar logo o dessa obrigação com esse dinheiro e entender que ele não vai ficar com você.
  — Eu e o terminamos tudo no dia que eu recebi o resultado do seu exame no meu escritório.
  — Como é? — ela questionou chocada.
  — O que foi que o te disse? — bufei, quase rindo da cara dela.
  — Ele disse que vocês não iriam terminar nada porque ele teria um filho comigo. Que ele seria um pai presente, mas que... — ela se interrompeu. — Como assim vocês terminaram? Por que você está mentindo para mim?
  — Quem está mentindo pra você é o pai do seu filho. — falei. Peguei meu celular na mesinha de Tufão e entrei nas ligações perdidas e mensagens de voz que eu nem havia escutado. Mostrei a lista para Sammanta indicando que eu estava ignorando há mais de duas semanas, desde o maldito dia que eu soube que ele teria um filho com ela. Mostrei as mensagens de texto que ele havia me enviado indicando a mesma coisa e que eu nem me preocupei em responder.
  — Mas por que o mentiria para mim?
  Suspirei alto e respondi, com a voz metade tingida de cansaço, metade de pena:
  — Porque ele não vai ser mais do que o pai do seu filho para você, Sammanta. Acabou entre vocês dois. Pode ficar tranquila quanto a mim e , porque acabou entre nós também. Mas o fato dele não estar comigo não quer dizer que ele vá obrigatoriamente ficar com você.
  Ela me encarou por alguns longos segundos, os olhos marejados.
  — Eu não vou te culpar por ter engravidado dele mesmo que eu saiba que no fundo você tomou essa decisão sem comunicá-lo. — continuei. — Foi egoísta da sua parte, mas foi mais ainda uma tática muito estúpida. Eu vou ter que conviver com o fato de que desisti do anos atrás e acabei perdendo-o para sempre. Mas você vai ter que olhar para cópia física dele e assisti-lo tendo uma vida com outra mulher enquanto tudo o que você ganha é uma atualização semanal do que o filho de vocês comeu, brincou ou aprendeu. Você pensou que estava ganhando a guerra, mas você foi a segunda maior vítima dela. A primeira claramente foi essa criança que não tem culpa de absolutamente nada. — eu disse. Aquela conclusão só havia me surgido naquele momento e agora parecia tão óbvia. Sammanta havia dado um tiro no próprio pé com tudo aquilo: conquistado o desprezo de para sempre, além de ter que lidar com isso de perto, sem a possibilidade de pôr uma pedra em cima daquilo.
  — Se não existe mais esperanças para você e o , por que ele continua dizendo que vocês estão juntos? — ela perguntou.
  — Não sei. Para te tirar do pé dele, talvez. — dei de ombros.
  — Você não é tão mais inteligente do que eu quanto pensa, . — ela riu.
  — Como é que é?
  — te ama. — ela disse, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto desta vez. — Ele não vai desistir de você. Nem pelo nosso filho. — ela cobriu o rosto e chorou mais, os soluços começando logo em seguida. Fiquei com tanta pena que quis abraçá-la, mas não fiz isso. Esperei até que ela erguesse o rosto novamente e perguntei se ela queria um pouco de água. Ela assentiu que sim.
  Sammanta bebeu um copo cheio antes de se pronunciar de novo:
  — Eu não vim aqui completamente alheia à situação. Eu sabia que ele estava mentindo porque você jamais continuaria com ele sabendo que nós teríamos um filho juntos. Você é orgulhosa demais para isso. Mas eu queria que alguém me confirmasse a verdade, porque da boca do ela nunca sairia. — ela suspirou. — Eu posso ser muito burra por ter achado que isso o faria voltar comigo porque você não aceitaria continuar com ele, mas você também está sendo muito burra porque você sabe que ele não vai ficar comigo de novo, e mesmo assim decidiu romper tudo. Você disse que ele vai viver a vida dele com outra mulher... Como você consegue saber que ele quer que você seja essa mulher, e mesmo assim deixá-lo para outra? Porque vai chegar o dia em que ele vai se cansar de correr atrás de você.
  — Espera aí. O que você está dizendo? Você quer que eu aceite o de volta? — eu ri porque aquela era a melhor piada que eu havia escutado nos últimos tempos. Sammanta tentando unir e eu? Só podia ser brincadeira!
  — É claro que não. Eu só não tenho mais armas para lutar contra isso. Bom, a não ser essa sua autossabotagem. — ela sorriu de leve para mim; eu ri novamente.
  — Você prefere que eu fique com o porque você já esta acostumada a medir forças comigo do que ver ele com outra completamente desconhecida então? — concluí.
  Sammanta deu de ombros. Entendi como um sim.
  — Eu o tive por seis anos. Talvez seja a sua vez. E, bom, meu filho sai ganhando com essa herança, de qualquer forma. — ela riu de leve apesar de os olhos ainda estarem marejados. — Acho que estou cansada de brigar por alguém que nunca esteve cem por cento ali por mim. — Sam suspirou.
  Pela primeira vez, ela conseguira me fazer ver um lado que eu desconhecia: o lado da mulher que foi enrolada por anos acreditando que o relacionamento evoluiria, mas que a cada passo adiante, outros trinta eram dados para trás.
  — Bom, com um pouco de sorte, esse bebê será um menino, e agora sim você terá um homem que te amará com todas as suas forças. E com um pouco mais de sorte, ele nascerá com os malditos olhos perfeitos do . — forcei um sorriso para Sammanta. Ela sorriu de volta para mim e acariciou a própria barriga ainda chapada e sem sinais de que havia alguém crescendo por ali.
  — Obrigada. — Sammanta disse encaminhando-se para a porta.
  — Podemos considerar isso uma bandeira de paz? — perguntei torcendo a cara. Soava estranho ter uma trégua com Sammanta depois de tanto tempo de clima ruim e brigas.
  — Sim, vamos dar uma trégua. Acho que finalmente temos algo em comum: nós duas estamos cansadas de drama.
  Assenti, porque eu tinha que admitir: ela tinha razão.

15. Ponto Fraco

  O casamento de aconteceria ao pôr do sol, na casa de campo da família de Alex, em Newsburgh, uma pequena cidade há uns cem quilômetros de NYC. A casa de campo era enorme: tinha três piscinas e um gramado gigante onde tudo havia sido montado e iluminado para receber o evento; a casa em si contava com 15 suítes, e uma centena de pessoas havia sido contratada como parte do staff do casamento. 300 convidados. Normalmente, eu não tinha pavor de festas; até gostava, porque encher a cara (e de graça) era um dos prazeres na vida que eu mais apreciava. Na verdade, um porre talvez até me ajudasse a sobreviver ao fato de ter que conviver com aquele dia.
  Estacionei meu carro na vaga reservada para mim; tinha meu sobrenome escrito em letras grandes, e o porteiro havia me ajudado a localizá-la. Peguei minha pequena mala, o embrulho do meu vestido, e respirei fundo: você vai sobreviver. No segundo seguinte, porém, eu já sabia que acabara de mentir para mim mesma, porque o carro de estava ali, já estacionado bonitinho na vaga atrás da minha.
  — Ótimo. — falei e sorri sarcasticamente.
  Talvez se eu entrasse correndo sem chamar atenção – se isso fosse possível – conseguisse evitar esbarrar em . Talvez se eu cavasse um buraco ali mesmo no estacionamento e me enfiasse lá dentro até a festa acabar, eu conseguisse evitar meu ex-namorado, amor da minha vida, futuro papai de um filho que não seria também meu.
  — Talvez se eu me matar agora fico livre de tudo isso. — murmurei baixinho enquanto andava a passos rápidos acenando de leve para os empregados que me cumprimentavam.
  — Conversando sozinha, ? — Ele disse e eu quase pulei de susto. Meu coração deu um salto doloroso dentro do peito.
  — O que diabos você está fazendo aqui, Alex? — Perguntei entredentes ao noivo, parecendo mais nervosa com ele do que gostaria. Pela minha última conversa com , ele deveria estar buscando a irmã no aeroporto, porque ela não pôde vir no voo com os pais de Alex no dia anterior, por motivos de trabalho.
  — Calma, madrinha. Estou saindo agora para buscar a Angie. Graças a Deus você chegou! A noiva está surtando no quarto dela.
  — Pode deixar que estou aqui para salvar o dia. — sorri. — Agora vá logo.
  — Te vejo mais tarde! — Alex sorriu. — Ah, e o perguntou por você só uma vinte e sete vezes hoje. — piscou para mim e saiu andando antes que eu formulasse uma resposta. — Obrigado por tudo! — Alex gritou por sobre o ombro e correu pelo caminho pelo qual eu havia acabado de passar.
  E então, a vida se aproveitando do meu momento de distração, pregou a pior das peças que poderia me pregar naquele instante. Quando eu me virei, pronta para caminhar em direção às escadas, lá estava ele: , meu único ponto fraco.
  — . — fez um aceno com a cabeça para me cumprimentar, sério demais. Por algum motivo, aquilo me deu uma vontade absurda de rir.
  — . — Repeti o gesto dele reprimindo uma gargalhada, o sorriso se retorcendo nos cantos da minha boca.
   continuou parado onde estava: entre mim e a escada, onde eu precisava pisar em seguida. Eu sabia o que ele ia fazer: no instante que eu passasse ao seu lado, ele iria me segurar e falar alguma merda. Tentei me convencer de que eu estava preparada para receber e retrucar a provocação e segui em direção a ele, meus olhos bem distantes dos seus, que me encaravam como se eu fosse uma miragem.
  — A gente precisa conversa. — ele disse me segurando de leve pelo braço assim que pus meu pé no espaço ao seu lado, exatamente como eu havia previsto.
  Suspirei alto.
  — Não no dia do casamento dos nossos melhores amigos. — respondi.
  — Quando, então? Porque antes disso você também não parecia nem um pouco disposta, já que simplesmente ignorou todas as minhas tentativas de entrar em contato com você. — ele soava cansado. Não indignado, não com raiva; apenas cansado. Aquilo me deu uma vontade absurda de xingá-lo, mandá-lo para os quintos dos infernos. Tudo o que eu havia feito nas últimas semanas havia sido tentar não sofrer por causa dele, me esforçar para ignorá-lo porque, se eu o atendesse, minha raiva e decepção dobrariam de tamanho, e ele falava como se eu o estivesse torturando por mero prazer, porque não tenho nada mais interessante para fazer!
  — Você sabe o que isso significa, ? Eu te ignorar completamente? — Esperei uma resposta; ele apenas rolou os olhos. — Eu claramente não quero falar com você. E, francamente, você não respeitar o meu espaço só tem piorado minha opinião a seu respeito.
  — Está bem. Eu não vou mais te procurar, não vou mais insistir ou te pressionar. Quando você decidir falar comigo de novo, você me procura, então. — disse, soltando o meu braço e caminhando para a direção oposta para onde eu ia.
  Me arrependi instantaneamente das minhas palavras porque, no fundo, eu queria que ele corresse atrás de mim. No fundo, eu sabia que estava mentindo: ele não havia caído no meu conceito por estar me procurando, ligando sem parar e mandando mensagens sempre, mesmo sabendo que eu não iria atendê-lo. Para ser sincera, meu ego estava adorando vê-lo se humilhando para receber meu perdão; meu coração estúpido me dizia que aquilo era um bom sinal, afinal. Ele estava disposto a pisar no próprio orgulho para se redimir comigo.
  — Você é mesmo um idiota, pau mandado! — Falei alto o bastante para que ele e todos os funcionários passando pra lá e pra cá naquele momento me ouvissem. Falei porque eu sabia que isso iria provocá-lo o bastante para que ele voltasse até mim e me respondesse alguma coisa.
   me encarou de volta com a raiva queimando em seus olhos. Eu havia conseguido o que queria.
  — Eu não consigo te entender, ! Você acha que eu estou adorando essa situação toda? Acha que estou amando o fato de que vou ser pai de um filho com uma mulher que eu desprezo? Acha que tem sido fácil para mim ser ignorado por você? Eu pensei que a única coisa que eu estava fazendo certo era continuar te procurando porque pelo menos assim você saberia que eu estou disposto a lutar por nós dois... aí você agora diz que eu não estou respeitando seu espaço e então que eu sou um pau mandado por fazer o que você quer? O que você quer, afinal de contas? — Ele gritou na minha cara.
  Respirei fundo antes de responder. Agora eu queria chorar, mas meu corpo simplesmente se recusava a produzir lágrimas na presença masculina; um dos mecanismos de defesa que você desenvolve com muitos anos de prática. Um minuto na presença de e eu já havia experienciado todos os sentimentos possíveis.
  — Eu quero voltar oito anos no tempo, . — Admiti.
  A expressão dele diante da minha resposta foi a de quem havia acabado de tomar um soco na boca do estômago.
  — Eu sinto muito, , mas você não pode voltar no passado para desfazer o fato de ter me conhecido.
  Não consegui me conter e ri alto. Não tinha graça nenhuma, e a cara dele foi de quem estava ainda mais magoado pela minha reação.
  — Não isso, seu idiota. Eu queria poder desfazer o fato de que eu terminei com você há oito anos.
   olhou para baixo e sorriu de leve.
  — Nunca pensei que você fosse desejar não ter feito isso.
  — Nem eu. — dei de ombros.
  Ele abriu a boca para dizer algo, mas a fechou novamente. Eu podia apostar que queria retomar o fatídico tópico “precisamos conversar sobre a gente”.
  — precisa de mim e Alex precisa de você. Eu sei que precisamos conversar, mas também sei que não vou fazer isso enquanto eu não estiver pronta para fazê-lo. E me desculpe por isso, mas eu ainda não estou. — Suspirei alto e prossegui: — Portanto, você tem duas opções: desistir de esperar e seguir sua vida como se eu não existisse, ou esperar até o dia em que eu consiga terminar de processar tudo isso, mesmo que isso talvez signifique que eu não queira voltar com você, e então conversamos.
  Eu não havia calculado aquela conversa, não havia me planejado para ela, mesmo sabendo que eu esbarraria com cedo ou tarde antes de entrarmos sorrindo de braços dados rumo ao altar de nossos amigos, como se nada estivesse acontecendo. Portanto, fiz a única coisa me restava: fui sincera.
  — Eu esperei oito anos. Posso esperar mais oito se existe a possibilidade de você me perdoar.
  Assenti, incapaz de fazer outra coisa, e subi as escadas. Seria quase impossível esquecer e tudo o que dizia respeito a ele com sua presença pairando sobre minha mente, mas minha atenção deveria pertencer à minha melhor amiga naquele dia, e eu faria até o impossível para isso.

  Minha tarefa mais difícil foi manter Summer e suas “notícias ruins” longe de . A cada meia-hora ela aparecia com alguma informação como “as rosas estão um pouco mais claras que a cor que queria. O que faremos? Coitada, vai ficar decepcionada”, e eu tinha que reprimir um rolar de olhos e um curto e grosso “amiga, me faz um favor, e vá à merda?”. Isso aconteceu umas cinquentas vezes, toda vez que ela batia na porta do quarto. Tive que dar mais champanhe que deveria à noiva para mantê-la afastada dos problemas idiotas de Sum.
  Então, depois da tarde mais longa da minha vida, entrou pelo caminho de pétalas brancas ladeado pelas cadeiras ocupadas por seus amigos e familiares para encontrar seu noivo perfeitamente bem vestido no altar dourado, branco e verde montado no jardim do aras. O crepúsculo preencheu o céu de cores alaranjadas, amarelas e rosa, o quarteto tocou A Thousand Years exatamente como queria. Tudo estava perfeito e lindo.
   parecia mais satisfeito, agora que eu havia lhe dirigido a palavra, e confesso que eu também estava. Portanto, me senti até mesmo confortável em entrar na cerimônia de mãos dadas com ele e ter seus olhos sobre mim a maior parte do evento.
  Tiramos dezenas de fotos, bebi o máximo de champanhe e vinho que consegui entre uma tarefa de madrinha e outra – como dar ordens à cerimonialista e aos fotógrafos, verificar se estava tudo dentro dos conformes e fazer sala para os familiares dos noivos. Quando enfim pude respirar aliviada junto à minha taça de Martini, me chamou para dançar. Já havia tanto álcool no meu organismo que eu provavelmente diria “sim” para praticamente tudo naquele momento.
  — Sou obrigado a admitir... Adoro o efeito que o álcool provoca em você. — riu.
  — Nem começa que eu sei que você também está bêbado.
  — Só assim para superar o fato de que você está linda pra cacete e eu não posso arrancar esse seu vestido com os dentes.
  Se eu estivesse sóbria, conseguiria com certeza conter a gargalhada, rolar os olhos e mandar para a puta que o pariu. Como eu já havia saído deste estado há muito tempo, eu ri alto mesmo e dei de ombros:
  — Talvez seja para o melhor. te mataria se você danificasse meu vestido. Ela quer que eu o guarde de lembrança.
  Estávamos cambaleando juntos na pista de dança, num ritmo tão lento que eu duvidava que estava combinando com a música, um detalhe que não me importava mesmo. Quando terminei de falar, porém, parou de cambalear e se afastou um pouco, apenas o bastante para me encarar. Eu o encarei de volta e não sei quantos segundos haviam se passado, mas sei que não se passou muito tempo até que meus olhos estivessem fitando a boca linda de e imaginando como seria beijá-lo.
  — Eu quero tanto te beijar... — ele disse, como se pudesse ler meus pensamentos.
  — Acho que você deveria. — corei intensamente, mais vulnerável do que gostaria de admitir.
  Então sorriu e seus lábios macios tocaram os meus, nos embalando em uma sensação maravilhosa que eu ainda não sabia se era efeito do álcool, de uma possível reconciliação ou da saudade imensa que eu sentia há tantos dias.

16. Recomeço

  Quando acordei na manhã seguinte, com a cabeça estourando de dor e o corpo cansado como se eu tivesse corrido uma maratona, precisei de um instante para me localizar. Eu estava sozinha, na suíte reservada a mim na casa do aras da família de , no mesmo local onde havia sido realizado o casamento na noite anterior. havia me acompanhado até o quarto, depois de ficarmos o que pareceram ser horas abraçados no jardim, em silêncio. Claramente, eu não havia bebido o bastante para perder todo o meu juízo; se tivesse, certamente não estaria acordando sozinha aquela manhã. Se isso era bom ou ruim? Eu sinceramente ainda não sabia a resposta para esta pergunta.
  — Ok, isso é bom. A última coisa que precisamos agora é ressaca moral por ter dado pra o quando ele não merecia atenção alguma. — disse para mim mesma. Joguei um pouco de água no rosto e ri. Será que algum dia eu conseguiria perdoar aquele cretino verdadeiramente?
  Alguém bateu na porta do meu quarto, e meu coração deu um solavanco dentro do peito. Era só o que me faltava, ter que lidar com àquela hora da manhã, com o humor horroroso que eu estava!
  — Abre logo, ! — Ouvi a voz de Phoebe vindo do lado de fora, enquanto eu me perguntava se abriria a porta ou não, e respirei aliviada.
  — O que foi que rolou entre você e o ontem a noite? Pode desembuchar tudinho! — Summer disse, invadindo meu quarto.
  — Bom dia para vocês também. — respondi ironicamente.
  As duas apenas rolaram os olhos e se acomodaram na cama, ainda me encarando.
  — Nada aconteceu. — falei e voltei para o banheiro. Precisava tirar a maquiagem que ainda estava quase que completamente na minha cara, e meu cabelo parecia um ninho de andorinhas.
  — Como assim, gente? — Phoebe disse, me seguindo; Summer ao seu lado. — Vocês dois já foram mais espertos... — suspirou chateada.
  — Mas eu vi vocês metade da madrugada jogados no jardim, grudados. — Sum murmurou, tão decepcionada quanto Phoebe.
  Respirei fundo e soltei o ar lentamente. Deixei o demaquilante e os algodões de lado por um instante. Eu não estava com paciência para tentar enrolar as duas, então fui direto ao ponto:
  — Meninas, eu quero colocar uma pedra em cima de tudo e voltar com o . Mas, por enquanto, eu simplesmente não consigo me jogar nessa sem nenhuma mágoa ou ressentimento.
  — Mas ele engravidou a Sammanta antes de voltar com vo... — Summer começou a defender , claro.
  — Eu sei. — eu a interrompi. — Eu sei que ele não me traiu nem nada. Mas eu pesei as coisas como vocês disseram... — suspirei antes de prosseguir: — Vai adiantar alguma coisa eu voltar com , se eu não consigo nem dormir com ele por enquanto? Vai adiantar a gente dividir o mesmo teto, e até subir ao altar, se toda vez que eu olho pra ele, eu tenho vontade de pular da ponte?
  As duas ficaram caladas, fitando-me com caras de dó.
  — Eu disse para ele que vamos falar disso quando eu estiver pronta. Se ele realmente me amar, ele vai esperar esse dia chegar. E se eu realmente o amar, eu vou chegar nesse ponto. — concluí.
  Eu sabia que eu realmente amava aquele puto. Mas eu também sabia muito bem agora que eu precisava de tempo – tempo para encarar tudo o que eu não havia encarado ainda, porque era demais para mim. Tempo para ter certeza de que ele havia tido tempo o bastante também para estar cem por cento certo de que ele não queria criar aquela criança junto com Sammanta, de que eu era realmente quem ele desejava para ser a mulher que envelheceria ao seu lado.
  — Agora vamos mudar de assunto? e Alex deram notícias? — Perguntei pegando novamente as tralhas para limpar meu rosto e esperando que as duas se dessem por satisfeitas em relação ao e eu, pelo menos por enquanto.
  Paz: isso era tudo o que eu queria agora.

*****

  Um mês depois...

  — Peraí. Deixa eu ver se entendi direito... Eles estão debitando o valor da sua doação em dobro da sua conta corrente, e você está sem jeito de ligar para eles para reclamar disso? — Ri ao telefone.
  — É a Associação dos Cegos... — ele começou a dizer.
  — Você é um frouxo mesmo, . — ri alto novamente. — Você poderia doar para o Hospital de Crianças e para os Cegos, mas como um deles está tomando toda a quantia que você destina à caridade no mês...
  — Eu sei, eu sei. — ele riu e fez uma pausa. Eu estava prestes a chamá-lo de frouxo de novo quando ele voltou a se pronunciar: — Ei, espera! Encontrei a solução perfeita! Você liga para eles e diz que é minha esposa e resolve isso. O que acha? — sugeriu com uma risada. — Você sabe, já que você é a sem coração por aqui, que consegue negar qualquer coisa.
  “Bem que eu gostaria de ser sem coração”, foi o que pensei. Porque este órgão estúpido e infeliz se manifestou no instante que ouvi a palavra “esposa” saindo da boca de . O solavanco que deu foi quase doloroso.
  Desde o casamento de , há um mês, havíamos recobrado contato como amigos. Nenhum outro beijo aconteceu entre a gente, mas as ligações telefônicas se tornaram muito mais frequentes do que jamais foram, e nos encontrávamos em dias aleatórios em lugares públicos – para tomar um café, almoçar rapidinho, ver uma peça de teatro ou jantar em lugares que eu chamava de “inofensivos”, porque velas, flores, meia-luz, ou qualquer coisa romântica nunca estava envolvida.
  Não sei como ele se sentia a respeito da nossa nova dinâmica, porque ele não estava me pressionando a falar de sentimentos ou algo do tipo. Na verdade, aquele assunto nunca era mencionado entre nós, embora os dois soubessem que cedo ou tarde traríamos a questão em pauta. Para mim, a coisa estava evoluindo muito bem. Eu já conseguia pensar nele sem sentir aquela vontade louca de fazer tudo desaparecer. era apenas o bom e velho de sempre novamente – meu melhor amigo, colega de profissão, um cara que eu admirava e com quem eu tinha liberdade para falar de qualquer coisa. Não mais Zackary – o cara que engravidou outra mulher e partiu meu coração, algo que eu alegava ser impossível de acontecer em minha vida até que ele conseguiu fazê-lo.
  — Isso é impossível, porque eu jamais me casaria com uma pessoa que não sabe resolver os próprios problemas. — respondi. riu da minha resposta.
  — Sabia que você diria isso. Ou me mandaria tomar no cu e crescer.
  — Eu pensei exatamente isso: e sua tomação gratuita no cu porque não cresce.
  Ficamos em silêncio por um instante até que ele perguntou o que eu ia fazer para jantar.
  — Bom, eu não tenho nada na geladeira há dias... pensei em ir ao supermercado pegar algumas coisas e fazer um espaguete. — respondi.
  — Minha boca até encheu d’agua só de imaginar seu espaguete com pedaços de salsicha. — ele disse.
  Pensei no quanto eu queria tê-lo por perto fazendo aquelas compras e me incomodando enquanto eu cozinhava. No quanto eu sentia falta dele elogiando minha comida e levando horas para lavar as louças – sim, até dessa parte eu sentia falta.
  — Bom, se você não tiver planos, posso cozinhar para dois. — dei de ombros.
  — Te encontro às seis no supermercado perto da sua casa, então?
  — Combinado.

  — O médico disse que daqui um mês deve dar para saber. — respondeu quando questionei sobre a gravidez de Sammanta. Estávamos fazendo compras juntos e me lembrei do assunto “bebê” quando uma mulher que já devia estar perto de dar a luz passou por nós.
  Já que aquele era um fato em nossas vidas, melhor que eu me acostumasse à situação, certo? Além do mais, éramos amigos. nunca falava disso – com certeza porque não queria me irritar, chatear ou nada do tipo –, nunca reclamava de nada, embora eu soubesse que Sam provavelmente não o estava deixando em paz... Portanto, coloquei a nota mental no meu cérebro de perguntar da gravidez dela e do estado da criança pelo menos uma vez por semana. Àquela altura, eu já estava muito mais acostumada à ideia de ser pai de um filho com a loura mais insuportável da cidade – sim, estávamos em trégua, mas isso não aumentava muito minha simpatia pela cara de Sammanta.
  — O que você prefere? Menino ou menina? — Perguntei com naturalidade, porque este assunto de fato não me incomodava tanto mais. , porém, me fitou por um instante, provavelmente procurando sinais de que deveria abandonar o assunto porque eu estava puta com ele de novo e voltaria a excluí-lo da minha vida, e respondeu minha pergunta encarando as latas de palmito na prateleira mais próxima, embora aquilo não estivesse na minha lista de compras, porque eu odiava palmito.
  — Se eu tiver uma menina, vou querer matar todos os meninos do mundo, então acho que prefiro menino. Sabe como é, não precisar ir pra cadeia.
  Eu ri de sua resposta.
  — Tão machista. — rolei os olhos. — Mulheres também se masturbam e adoram sexo. Você sabe disso muito bem. Qual o problema dos homens de lidar com isso quando se trata da filha de vocês?
   deu de ombros.
  — Com você, eu gostaria de ter um de cada. — disse, por fim.
  Sorri involuntariamente.
  — Um de cada? — Perguntei.
  — Sim. Um menino, uma menina, um gay, uma trans... — Falou. Eu o interrompi com uma risada.
  — A gente devia começar logo então. Já estou com 28 anos, né? Meu prazo de validade para parir bebês está quase se esgotando. — brinquei.
  — Eu estou falando sério, !
  — Ok. E por que você não vê problema em ter uma menina comigo, mas com a Sam sim?
você vai ajudar a criá-la. Ninguém vai tirar vantagem de uma filha sua. — piscou para mim. Eu ri novamente. Esperava que ele tivesse razão, é claro.
  — Não se preocupe, eu ensino uns truques para a sua filha com a Sam, se for menina. — falei e me pus na ponta dos pés para beijar o rosto de , porque eu sabia que ele só entenderia que eu não estava sendo sarcástica se eu acompanhasse a frase com um gesto de paz. Eu era muito baixinha perto dele, e estava sem salto, então acabei tocando meus lábios na linha inferior de sua mandíbula, em seu pescoço. E então eu podia apostar que o sorriso que ele me deu em resposta valeria todo e qualquer esforço em ensinar sua filha com Sammanta a manipular garotos.

  Preparei o jantar com a ajuda de . Ele cortou as salsichas, me ajudou a guardar as compras, colocou a mesa e alimentou Tufão.
  Comemos, rimos, evitamos o álcool, lavamos a louça juntos e assistimos a Game of Thrones jogados no meu sofá. Não nos tocamos – não mais do que dois amigos se tocariam, pelo menos –, não tivemos nenhum momento constrangedor, apesar de passarmos por basicamente todos os assuntos, inclusive os presentes que minhas amigas me deram no chá de lingerie. Então, nos despedimos com um abraço e um almoço combinado para o dia seguinte.
  Deitei-me para dormir aquela noite com o coração cheio de esperança, e a imagem de nossos genes combinados na forma de um bebê nosso na minha mente. Talvez aquela não fosse a pior das coisas a me acontecer, afinal de contas.
  Eu estava naquela transição de acordada para dormindo – ou pelo menos era como eu me sentia – quando o telefone do meu apartamento me despertou totalmente. Olhei as horas no celular e vi que havia várias ligações perdidas de um número que eu não reconhecia, e nem tinha registrado. Talvez fosse o mesmo número me telefonando em casa.
  Corri para a sala – onde ficava meu telefone fixo, que eu ainda mantinha simplesmente para emergências – e atendi a ligação do médico que me disse a única coisa que não esperava ouvir naquele instante: havia sofrido um acidente de carro, estava sendo encaminhado para uma cirurgia de emergência e eu estava entre seus contatos de urgência. Não sei quanto tempo passei encarando Tufão no aquário até minha ficha cair e eu ser capaz de me vestir para sair de casa. Não sei como fui capaz de pensar em chamar um táxi, porque eu não estava em condições de dirigir – não sei de onde saiu a racionalidade para isso. O que eu sei é que havia muitos anos que eu não rezava – desde a morte do meu primeiro gato, quando eu tinha dez anos, e parei de acreditar em Deus porque ele não havia trazido Sassy de volta. Mas, naquele momento, eu rezei.

17. Flashbacks

   havia sofrido uma perfuração no pulmão e quebrado a perna direita – fratura exposta. Estava naquele instante em cirurgia para a retirada de ar na cavidade pleural – porque o ar só pode estar dentro dos pulmões, não nas camadas em volta dele – e, possivelmente, também de fluidos no pulmão. Eles também iriam reduzir a fratura na tíbia.
  Meu estômago estava embrulhado apenas de imaginá-lo naquela situação.
  Os pais de foram avisados e pegariam o primeiro voo de Chicago para Nova York. Sua mãe chorava descontroladamente ao telefone quando nos falamos, e era minha tarefa manter a calma para transmiti-la calma. Não preciso dizer que aquilo foi uma das coisas mais difíceis que tive que fazer em toda a minha vida.
  Sammanta foi sedada, na medida do possível já que nem tudo pode ser administrado em uma mulher grávida, porque desmaiou duas vezes no espaço de uma hora. Agora o pai e a mãe do bebê estavam hospitalizados, embora a primeira não corresse risco de vida – graças a Deus.
  Jack, Kevin, Kyle e Connor – todos os amigos de , exceto Alex – estavam também na sala de espera, aguardando notícias. Não deixei Summer ir até o hospital porque ela não sabia lidar com pressão – aquele tipo de pressão menos ainda -, mas, felizmente, Phoebe, a mais equilibrada das amigas que eu tinha disponíveis, segurava minha mão desde que chegou ao local. Marcella estava na Irlanda, e eu não tinha cabeça para falar daquilo com mais ninguém naquele instante, portanto decidi falar com ela sobre o assunto quando eu tivesse mais informações sobre boas informações, eu esperava.
  Proibi todos – pelo menos os que pude - de dar a notícia a Alex e . Os dois ainda estavam em Lua de Mel – sim, dois meses viajando mundo afora foi o singelo presente de casamento dos pais milionários de Alex ao casal –, ficariam desesperados porque estavam na Indonésia naquele instante e, quando chegassem aos Estados Unidos, já estaria recuperado – com a ajuda de Deus e todos os santos, ele estaria.
  Um filme sobre minha história com insistia em se repetir na minha cabeça desde que entrei no táxi rumo àquele hospital.

  Flashback on

  — Se você não chupar essa cenoura como se ela fosse o pau mais gostoso que você já chupou na sua vida, vai ficar bem difícil pra você se dar bem nessa faculdade, caloura. — o veterano escroto, ridículo, machista e provavelmente diagnosticado com ejaculação precoce, do curso de Direito da Columbia U, disse à Ursula, aluna do primeiro ano, assim como eu, que estava tremendo mais que vara verde na brisa. Era apenas o primeiro dia de aula e eu já estava tão enjoada da cara de tanta gente naquele campus...!
  — Ela não vai chupar merda nenhuma. — eu intervim. Estava apenas de passagem quando vi a cena ridícula, mas não consegui simplesmente seguir reto, como se fosse a coisa mais normal do mundo. A única coisa que me irritava mais que aluno veterano escrotizando calouro era homem machista escrotizando mulher, e aquele energúmeno havia conseguido fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
  — Como é que é? — o playboy imbecil perguntou. — Quem é essa, Fred? — disse dirigindo-se a um outro idiota, que só podia ser seu pau mandado.
  — Não precisa perguntar à sua putinha não que eu tenho boca e posso responder por mim. — cuspi petulante; ele havia conseguido me irritar! — Meu nome é , e eu também sou caloura do curso de Direito. — respondi.
  — Bom, então vê outra cenoura aí, Fred! Uma bem grande pra essa atrevida, bocuda aqui. Ela tem cara de quem adora chupar coisa grande e rígida. — o nojento disso e riu alto. Um bando de garotas ridículas que o acompanhavam e mais uma dupla de playboys igualmente repugnantes riram também.
  — De qual ano vocês são mesmo? — Questionei embora já imaginasse a resposta. Alunos dos últimos anos nunca fariam uma palhaçada daquelas, que era claramente ilegal.
  — Segundo. Por quê? — Uma ruiva com um decote cavado até o umbigo, parte do grupo dos escrotos, falou com uma expressão de superioridade que me deu vontade de gargalhar na cara dela.
  — Típico. — rolei os olhos. — Alunos mais avançados não apenas não têm tempo pra essa macaquice, como também conhecem o regulamento da universidade. Essa porra dessa brincadeira sua vai totalmente contra o regulamento da Columbia U, e é passível de um combo de processo: assédio sexual mais danos psicológicos e morais.
  — A guria mal entrou no curso e acha que já sabe mais que a gente. — o escroto que ainda segurava a cenoura que queria que Ursula chupasse disse e riu alto.
  — Ela mal entrou no curso e já sabe mais que vocês. — um rapaz louro, com um sorriso bonito e lindos olhos azuis falou por detrás de mim. — Está escrito aqui no regulamento. — ele entregou o livro que todos recebemos no dia da orientação para o tal Fred. — E eu pensaria duas vezes antes de fazer brincadeiras machistas e com conotação sexual com mulheres. Quero dizer, eu também sou do primeiro ano, e se você me mandar chupar uma cenoura, eu faço isso até zoando. Eu sou homem, nunca fui estuprado, nem molestado. Ah, e eu não corro esse risco toda vez que eu entro num beco escuro. Assim como vocês, caras. Mulher não tem a mesma sorte. Me desculpe falar, mas que mancada de moleque de high school, hein? Assediar calouras...
  O playboy escroto perdeu a graça no mesmo instante. Fred murmurou alguma coisa ao pé de seu ouvido e a multidão atrás dele começou a se dispersar.
  O menino louro que defendeu minha causa se aproximou da dupla que comandava a arruaça e eu o escutei dizer baixo para os dois:
  — Reza pra nenhuma dessas gurias dar queixa. Você pode até ser jubilado por causa de uma babaquice dessas.
  Fred e o chefe da brincadeira escrota foram embora depois disso, Ursula me agradeceu por tê-la defendido e se despediu de mim. Procurei o louro bonito que ficara do nosso lado na confusão, mas não o encontrei por perto. Por sorte, ele era como uma daquelas pessoas que aparecia na hora certa, porém, porque quando entrei na minha aula de Filosofia – minha primeira aula como aluna de Direito – lá estava ele: sentado na segunda fileira encarando seu laptop.
  — Ei! — Falei tomando o lugar ao seu lado. — Está vazio aqui? — Perguntei colocando-me de pé e só então me dando conta de que ele talvez já tivesse conhecidos.
  — Claro, fique à vontade... , certo? — Ele sorriu para mim.
  — Isso! E o defensor dos oprimidos se chama...? — sorri de volta.
  — . — estendeu a mão para que eu a apertasse.
  O professor então começou a lecture.

  Flashback off

  Eu adorava a forma como nós havíamos nos conhecido. Parecia que eu já conhecia há séculos logo nas primeiras horas em que convivemos. E ele sempre foi tão lindo...! Pouco mais de um mês depois de iniciarmos a faculdade juntos, começamos a namorar. Oito meses depois, uma das minhas amigas da escola desistiu de uma bolsa de estudos na Holanda para ficar nos Estados Unidos com o namorado. E foi então que eu me assustei. Comecei a me perguntar onde e eu estávamos indo, se eu estava tão apegada que deixaria oportunidades de crescer na minha carreira para trás por causa dele.
Nossos parentes ou amigos brincaram uma vez ou outra sobre casamento, se já havíamos escolhido o nome dos filhos ou coisa do tipo, e meu apavoramento aumentou cada vez mais. Eu só tinha 20 anos, afinal. Não havia nem concluído o primeiro ano de faculdade ainda. Tinha tantos planos para realizar sozinha que me amarrar para o resto da vida a alguém era o último dos meus planos. E parecia tão empolgado com a ideia cada vez que alguém sugeria casamento ou qualquer coisa do tipo que, a cada dia que passávamos juntos, menos vontade eu tinha de continuar o relacionamento. Então, ganhei um curso de verão na Florida e passaria quatro meses longe de Nova York. Foi a oportunidade perfeita: terminei com e voltei toda a minha atenção para os meus planos profissionais.
  Ficamos aquele verão inteiro sem contato, mas, quando retomamos o semestre na universidade, voltamos a conversar porque, mais do que namorados, éramos parceiros de faculdade. E a nossa amizade voltou ao normal. Um ano depois, começou a namorar Sammanta, e eu continuei a viver minha vida exatamente como vivia antes: alguns relacionamentos casuais quando me dava na teia, dias cheios com estágios, atividades extracurriculares e aulas para ocupar o meu tempo. Passamos tantos anos apenas sendo amigos que eu me esqueci o quanto era bom tê-lo como namorado. Até que aqueles dois milhões de dólares apareceram e viraram tudo de pernas para o ar.
  Eu não me arrependia de ter investido na minha carreira antes de investir em um relacionamento duradouro. Mas eu me arrependia – e muito – de nunca ter dito a tudo o que me apavorava quando eu me apavorei com o nosso relacionamento. Me arrependia amargamente.

  Flashback on

  — Vou dar um pulo aí no seu quarto, posso? Preciso falar com você. — meu namorado disse ao telefone. Rolei os olhos. Tudo o que eu menos queria era ver gente naquele momento; ele certamente era a última das pessoas que eu queria encarar nos olhos.
  — Agora não é um bom momento, . Estou estudando. — respondi.
  — Quando será um bom momento, então? Porque você tem me ignorado há dias.
  Ele tinha razão. Eu sempre tinha uma desculpa para não atender suas ligações. Estávamos em semana de estudos para as provas que aconteceriam na semana seguinte, portanto não nos víamos há dias, já que não estávamos tendo aulas.
  Encarei o e-mail aberto no meu laptop diante de mim, que anunciava que eu havia sido prestigiada com uma bolsa para um curso de verão na Flórida. Aquela seria a oportunidade perfeita para me afastar, e me afastar seria necessário para nós dois.
  — Ok, passe aqui hoje, então. — suspirei.
  Duas horas depois, tocou a campainha do meu quarto no dormitório da universidade.
  — Você está bem? O que está acontecendo? — perguntou. A expressão em seu rosto era de alguém que estava infeliz há um tempo, e isso fez com que eu me sentisse extremamente culpada.
  — Eu estou ótima. — respondi seca. — Mas nosso relacionamento não.
  — O que aconteceu, ? Você vem se afastando, ou me afastando de você, há semanas. Me diga o que eu fiz de errado que eu conserto. — ele disse.
  — Tudo isso está sendo demais para mim, ! Minha cabeça está cheia, sabe? Conciliar namoro e faculdade não está dando mais. Eu preciso focar e estudar e...
  — Certo, se você quer mais tempo para estudar, então a gente faz isso. — ele sorriu. — Podemos até estudar juntos, a gente faz mesmas matérias mesmo. No primeiro semestre a gente fazia isso e deu certo.
  — Não, você não está entendendo. — suspirei. — Eu vou passar o verão inteiro na Flórida. Quatro meses.
  — Como assim?
  — Eu consegui uma bolsa de estudos para um curso de verão na Universidade do Estado lá. — falei.
  — Você poderia ter me dito quando aplicou — ele começou a dizer, mas se interrompeu, provavelmente por causa da minha cara. Ele sabia que me exigir satisfações não era o melhor caminho. — Mas isso não vem ao caso. Quatro meses passam rápido. Eu vou pra Chicago ficar com a minha família mesmo. Quem sabe posso ir te visitar lá e a gente da um pulo na Disney juntos? — ele sugeriu animado. Fiquei um pouco irritada, porque ele não estava entendendo o que eu estava dizendo e, embora eu ainda me sentisse péssima por tudo aquilo, achei melhor usar essa irritação para afastá-lo de uma vez por todas. não merecia que eu o enrolasse por mais tempo que já havia enrolado.
  — Meu Deus, eu vou ter que dizer com todas as letras para você entender? Eu. Quero. Terminar. . Esse curso é só o começo pra mim. Eu quero ter a liberdade de cuidar da minha vida sem você me dizendo o tempo todo como vamos conciliar para eu te enfiar na minha rotina! — Quase gritei as palavras na cara dele. me encarou com os olhos arregalados. — Eu te adoro como amigo, mas como namorado... não tem tesão mais. — menti. Eu não queria que ele arranjasse mais soluções pra continuarmos juntos, porque eu não achava que era essa a melhor coisa pra gente naquele momento. — Não tenho mais vontade de continuar isso.
   não me respondeu. Fitou seus próprios pés por um instante, antes de catar sua mochila no chão e me olhar nos olhos:
  — Você só podia ter tido a cortesia de me falar isso antes, quando chegou a essa conclusão.
  — Eu ia fazer isso, mas entramos na época de provas e eu não queria te deixar mal.
   bufou e assentiu:
  — Não deixou, não se preocupe. — mentiu. — Aproveite a Flórida. — disse e fechou a porta do meu quarto atrás de si.
  Eu chorei quando ele saiu, mas não porque eu não queria ter feito aquilo; eu queria. Chorei porque eu não queria magoá-lo. Ele era o melhor cara do mundo, e a última coisa que eu queria era fazê-lo sofrer. Mas eu precisava fazer o que havia feito por nós dois e, bom, nós não somos oxigênio, então com certeza sobreviveríamos.

  Flashback off

  Uma boa parte de mim ainda não entendia como foi capaz de me perdoar depois do quão escrota fui com ele. E, olhando para o passado agora, me questionei como eu estava sendo capaz de torturá-lo por um erro que ele havia cometido agora sem querer, se o que eu havia feito no passado havia lhe machucado tanto, e eu o havia feito porque eu quis.
  Com este pensamento na cabeça, não consegui mais me conter, então fui ao banheiro chorar. Chorei abafando os soluços e prometendo a Deus que, se eu tivesse a chance de ver consciente na minha frente de novo, a primeira coisa que eu faria seria pedir perdão por ter sido tão orgulhosa, intolerante e injusta com ele.

18. Dois milhões de dólares

  A boa notícia veio o que pareceu uma eternidade desde que eu havia plantado meus pés naquele hospital, mas veio: a cirurgia fora um sucesso, e estava fora de perigo. Ficaria sedado durante as próximas horas, mas assim que acordasse, já poderia receber visitas. Estava fraco, continuaria internado por alguns dias, mas estava fora de perigo e, no momento, isso era tudo o que me importava.
  Enquanto aguardávamos o despertar de , consegui convencer sua mãe a comer alguma coisa. Particularmente, eu também não estava com fome alguma, mas eu sabia que precisávamos estar bem e fortes para receber ao mundo real novamente. Assim, fomos para a lanchonete do hospital, deixando o padrasto de na companhia dos amigos do enteado. Assim que recebemos as boas novidades do médico, convenci Phoebe a ir para casa descansar – eu estava bem agora que sabia que também estava bem, e poderia me virar sozinha outra vez. Na verdade, eu só ficaria cem por cento bem depois que colocasse meus olhos e minhas mãos em , mas não precisava manter minha amiga naquela situação tensa por mais tempo. A companhia de Eliza mais que bastaria dali em diante.
  — Os últimos meses foram bastante conturbados na relação de vocês, não é mesmo, minha querida? — Eliza comentou assim que nos sentamos com uma xícara de café diante de cada uma de nós, aguardando a garçonete trazer nossos pedidos. tinha razão: sua mãe realmente lamentava o fato de termos rompido (e até me dava razão em ter feito isso), e não estava com ódio da minha cara pela mentira sobre o casamento.
  — Uma verdadeira montanha russa. — suspirei. — Mas foi tudo minha culpa, sabe? Eu fui muito orgulhosa e mesquinha com .
  — Não seja tão dura consigo mesma. não fez nada bonito engravidando uma moça que não amava. Bom, na verdade, não sei o que foi pior da parte dele: namorar a garota tanto tempo sem gostar de verdade dela, pedi-la em casamento para enrolar a pobre enquanto ele queria mesmo era você como esposa, ou engravidar a menina. — Eliza disse estupefata. Só consegui sorrir para ela. — Eu sempre disse para ele: dê o braço a torcer e tente de novo com a , meu filho. Mas ele tinha tanta certeza que você não queria nada com ele que acho que isso o impediu de tomar uma atitude.
  — E eu tinha muita certeza sobre isso. Até nós fazermos aquele acordo de casamento forjado. Porque aí certo contato físico de casal começou a acontecer, e a química que sempre existiu entre nós dois, e apenas ignoramos por tanto tempo, voltou com tudo. me fez desejar coisas que eu nunca pensei que desejaria na minha vida. — confessei.
  Eliza sorriu para mim e embalou minhas mãos com as suas, encarando-me com um olhar extremamente carinhoso. Então, a garçonete da cafeteria serviu minha torrada integral com queijo fresco e o bolo de banana de Eliza, e nos dedicamos a comer por um instante.
  — Sabe, eu pensei que você me odiaria depois que contou a verdade a todos vocês.
  — Imagina! Eu já tive a idade de vocês dois, e teria feito exatamente o mesmo. — Eliza deu de ombros. Eu ri alto. — Serviu para juntar vocês de novo. Quero dizer, você pretende perdoar a mancada de , não pretende?
  — Se você tivesse me feito essa pergunta 24 horas atrás, eu te diria que não sei. Mas essa coisa toda de acidente me fez refletir bastante sobre minhas atitudes atuais e, bom, eu tenho certeza agora que não quero passar mais um dia sequer longe do seu filho.
  Eliza sorriu largo para mim e eu corei intensamente – podia sentir minhas bochechas quentes.
  Passamos na loja de presentes do hospital antes de seguirmos de volta para a sala de espera. Comprei um Darth Vader que falava “fique bem logo” em uma voz medonha, mas que eu tinha certeza de que adoraria, e Eliza comprou alguns balões.
  Não muito depois de nos assentarmos na sala de espera e eu abrir um e-book no celular para tentar ler um pouco enquanto aguardávamos, o médico anunciou que já estava no quarto, acordado, e já poderia receber visitas – poderíamos entrar de três em três pessoas. Lancei um olhar desesperado para Eliza – ela com certeza poderia ler nos meus olhos como eu gostaria de ser a primeira pessoa a ver .
  — Ok, vamos eu, você e Kevin. — Eliza disse. — Nós dois só precisamos ter certeza de que está bem para procurarmos um hotel.
  — Hotel? De jeito nenhum! Vocês podem ficar na minha casa. Quero dizer, depois que verem , claro, mas não vão para hotel nenhum! Eu preciso ir ao apartamento de depois de vê-lo, de toda forma. Ter certeza de que ele tem comida, que as coisas estão limpas e no lugar quando o levarmos embora — falei.
  Eliza sorriu para mim, exausta demais para discutir que não gostaria de incomodar, eu podia ter certeza.
  Corremos para o quarto de , indicado pela enfermeira que devia estar cuidando dos pacientes no andar dele. Quando Kevin abriu a porta e eu pude avistá-lo – bocejando, branco como uma folha de papel, com os olhos fundos e os lábios arroxeados, uma cânula de oxigênio em seu nariz e fios de equipamentos médicos ao seu redor – minhas pernas fraquejaram, meus olhos passaram a conter lágrimas demais. Eu queria abraçá-lo e sair correndo dali – tudo ao mesmo tempo –, mas me concentrei em colocar o Darth Vader e os balões na mesinha do lado da porta enquanto sua mãe o cumprimentava primeiro.
  — Ah, meu filho! — Eliza disse e correu até , beijando suas mãos e fazendo perguntas como “você está se sentindo bem?”, “como estão te tratando?”.
   sorriu enquanto murmurava respostas curtas – “eu estou bem, mãe”, “tá tudo bem”. Seus olhos encontraram os meus em segundos, e em mim eles permaneceram. Então, não fui capaz de prestar atenção em mais nada, até que Eliza me puxou para a porta do quarto:
  — Querida, vamos te deixar a sós com ele. Ele parece bem, e era só isso que eu precisava ver. Estamos exaustos.
  — Claro, claro. — falei tirando a chave do meu apartamento do bolso. — Aqui. Fiquem à vontade. Tomem um banho, durmam, descansem. Eu vou até o apartamento de ajeitar tudo para recebê-lo, e então não pretendo sair daqui enquanto ele não receber alta.
  — , você também precisa descansar um pouco, querida.
  — Não se preocupe comigo. Eu venho bebendo mais café que água por uns 10 anos. Eu aguento mais uma semana disso aqui numa boa. — sorri. Eliza e Kevin riram balançando a cabeça negativamente, provavelmente preocupados com minha saúde também, agora que sabiam como eu me drogava com cafeína.
  — Obrigada por cuidar tão bem do meu filho. — Eliza agradeceu. Kevin também agradeceu, e garantiu que em algumas horas voltariam ao hospital para saber como estávamos e tentar me obrigar a ir embora tomar um banho e descansar um pouco também. Apenas assenti, não porque concordava, mas porque eu queria que eles fossem logo e me deixassem a sós com .
  Assim que Eliza e Kevin saíram, quase pulei na cama de , e cobri todas as partes dele que não estavam tampadas por tubos e cabos de beijos. Ele riu, tossiu um pouco e riu novamente de mim.
  — Acho que vou furar o pulmão e arrebentar minha perna mais frequentemente. — brincou.
  — Na próxima que você me aprontar uma dessas, eu mesma te mato. — falei sorrindo; ele riu novamente.
  Nos encaramos por um instante, e começou a perguntar sobre quem mais estava aguardando para visitá-lo ao mesmo tempo em que eu disse:
  — Eu te amo. — minha voz picou na última palavra porque eu estava prestes a chorar.
  — ... — suspirou e também estava com os olhos marejados quando continuou: — Eu também te amo. Sempre amei.
  — Me perdoa, . Eu precisei quase perder você para entender como eu estive desperdiçando tempo, como eu estava sendo injusta, como eu tenho certeza absoluta de que eu quero você. Eu sempre quis. — a essa altura, meu rosto já estava ensopado pelas lágrimas. — Há tantas coisas que eu quero lhe dizer que nem sei por onde começar — ri.
  — Nós temos a vida inteira pela frente para isso. — sorriu para mim e eu sorri de volta para ele. — Entregaram para vocês meus pertences recuperados?
  O médico havia sim me entregue um envelope plástico com o telefone de – que estava com a tela completamente rachada, porque provavelmente foi lançado de dentro do carro durante o acidente, mas funcionando normalmente –, sua carteira, um par de óculos escuros e os documentos do carro, que havia virado sucata. Tirei o envelope da minha bolsa e entreguei-o a . E então, de sua carteira, tirou meu anel de noivado, o mesmo que eu havia atirado na cara dele há quase dois meses quando soube que sua ex-namorada estava grávida de um filho deles. Meu coração deu um solavanco dentro do peito, e meu rosto, que havia acabado de ser limpo com as mangas da minha blusa, ficou completamente coberto de lágrimas novamente.
  — O que isso está fazendo na sua carteira? — perguntei rindo e chorando ao mesmo tempo.
  — Você sabe... sou um cara otimista. — ele deu de ombros. Eu ri nervosamente outra vez em resposta. — Não vou conseguir me colocar de joelhos, como você merece e manda o figurino. Não até recuperar minha perna na fisioterapia. — riu; eu ri também, e reprimi dar um tapa em seu braço, porque não tinha graça o fato de a perna dele estar ferrada. — Mas aqui vai... : quer se casar comigo?
  — Em todas as vidas, sim. — respondi e cobri os lábios desoxigenados dele com os meus.

*****

  O prazo para nos casarmos e recebermos a herança da Tia Marie se esgotaria em duas semanas. Seria impossível organizar o casamento em um prazo tão curto. Foi exatamente isso que eu disse às minhas amigas loucas.
  — Ah, minha cara , nada é impossível para suas três amigas aqui, que estão organizando casamento desde que saíram do útero.
  — Não posso colocar um fardo desses nas costas de voc... — comecei a dizer, mas fui interrompida:
  — Você vai nos fazer um favor se deixar a gente resolver tudo por você! Temos um orçamento de dois milhões disponível. — disse Phoebe com os olhos brilhando.
  — Pooooor favor, deixa a gente fazer! — , Sum e Pheebs imploraram juntas.
  Ninguém queria mais aquele dinheiro do que eu – já havia feito merda atrás de merda por causa dele, afinal –, portanto, um diálogo curto com foi suficiente para confirmar que ele estava dentro, e autorizei minhas amigas a me ajudarem com tudo.
  A parte mais difícil de resolver foi o local. Farhempton já estava alugado para outro casamento para o fim de semana que tínhamos disponível. Portanto, tive que visitar diversas outras opções propostas pelas meninas, até que Meggie sugeriu que fizemos a cerimônia na mansão da Tia Avó – o casarão ainda não havia sido vendido, e ela se prontificou a conseguir a aprovação com quem quer que fosse para que eu e nos casássemos lá.
  A perna de estava se recuperando bem. Ele sempre teve uma saúde excelente e muita força física, e estava se empenhando na fisioterapia. A equipe que estava cuidando dele obviamente queria que ele voltasse a caminhar o quanto antes. Ele entraria no nosso casamento de muletas, mas isso não importava – segundo , valia os dois milhões de dólares “parecer um idiota” diante de uma centena de pessoas. Para mim, ele pareceria o mais lindo dos príncipes, não importava como se locomovesse até o altar (como eu havia me tornado tão romântica?).
  Connor e Jack assumiram a responsabilidade de cuidar do meu noivo durante nossa última semana como casal solteiro – para aumentar o romance, nós estávamos proibidos de dormir juntos ou nos vermos durante os últimos sete dias antes de eu me tornar uma senhora casada. Portanto, só tive dois dias com depois que ele deixou o hospital e já o tomaram de mim novamente. Só permiti que aquilo acontecesse porque aquela saudade seria até gostosa de sentir.
  — Strippers estão proibidas na minha despedida de solteiro? — perguntou enquanto nos despedíamos em seu apartamento, que estava cheio de caixas porque estávamos nos mudando para o apartamento que compramos no prédio de .
  — É claro que pode! É sua despedida de solteiro: você faz o que quiser, meu amor. Desde que ninguém coloque a mão em ninguém. Olhar não arranca pedaço. — dei de ombros.
  — Eu te amo. — me beijou de leve e riu.
  — Não se esqueça de escrever seus votos. É sua única tarefa até dia 8.
  — Meus votos estão escritos já faz uns nove anos, . — ele piscou para mim. E novamente, desde que ele acordou da cirurgia no hospital, eu me senti a pessoa mais sortuda do mundo.

19. 8 de Setembro de 2013

&

JUNTO COM SEUS FAMILIARES
  SOLICITAM A HONRA DE SUA PRESENÇA
  NA CELEBRAÇÃO DE SEU CASAMENTO

SÁBADO, OITO DE SETEMBRO DE DOIS MIL E TREZE
  ÀS DEZENOVE HORAS

590 MADISON AVENUE
  QUEENS, NY

  Encarei meu convite de casamento, cada uma das letras impressas nele. Esperei o pânico surgir e me fazer questionar que merda eu estava prestes a fazer da minha vida... Mas nada aconteceu. Meu coração estava disparado, minhas mãos suavam, eu tinha dormido duas horas durante toda a noite – cochilado trinta minutos por quatro vezes, para ser mais precisa –, mas eu me sentia empolgada, elétrica, ansiosa para seguir em frente com aquilo. Não sei que diabo de bruxaria havia feito, mas eu estava me sentindo pronta, motivada como não me sentia sobre nada há muito tempo.
  Eu havia dormido na mansão da tia-avó, que seria vendida e cujo dinheiro iria para uma instituição para crianças com câncer. Maggie estava encarregada de providenciar tudo para que o casamento fosse realizado ali, uma vez que tivemos duas semanas para programar tudo, e seria impossível encontrar outro lugar que me agradasse naquele curtíssimo período de tempo.
  Minhas amigas haviam organizado toda a cerimônia e festa – consultando minha opinião, obviamente, então eu sabia que tudo estaria perfeito. Não serei hipócrita o bastante para dizer que nada mais me importava desde que estivesse no altar me esperando. Eu era perfeccionista demais para não saber que cada lâmpada era de acordo com o meu gosto, afinal.
  Procurei meu telefone pelo quarto para ligar para . Eu já estava vestida com o roupão de cetim, mais nada por debaixo dele, porque toda uma equipe de SPA estava a caminho da mansão para o dia da noiva que eu teria junto das minhas damas de honra, portanto eu não tinha mais nada para fazer a não ser me preocupar com meu noivo que ainda estava com a perna quebrada e se recuperando de um derrame pleural.
  Summer entrou no quarto quando eu já estava estressada e xingando palavrões porque não achava o bendito celular, e aparentemente não havia telefone fixo no quarto também.
  — O que foi? Você deveria estar bem-humorada, não parecendo prestes a comer filhotinhos de cachorro no café da manhã.
  Meu estômago roncou de fome quando ouvi as palavras “café da manhã”. Eu não comia nada desde a tarde do dia anterior, porque não tivera vontade até então.
  — Meu celular... não consigo encontrar aquela porr...
  — Não consegue porque nós o confiscamos.
  — Como é? — Eu a encarei com a fúria estampada na cara.
  — Ai, Jesus... Phoebe! ! Socorro! Ela vai me matar! — Summer saiu dos meus aposentos temporários gritando nossas outras amigas, desesperada. Eu a segui.
  — Que merda é essa de terem escondido meu telefone? — Perguntei aos gritos, seguindo Summer. Algumas pessoas que já trançavam para cá e para lá, parte do staff para o evento da tardinha/noite, me olharam de soslaio, meio apavoradas.
  — , calma! — Phoebe, a mais corajosa, disse com e Summer se escondendo atrás de si. — Só fizemos isso porque você precisa de um dia off. está ótimo, feliz, se preparando para o casamento também. Alex, Jack e Trevor estão com ele.
  — Ah, então vocês podem falar com os homens de vocês e eu estou proibida de ligar para o meu?! — Questionei revoltada.
  — Não é o dia dos nossos casamentos. Se fosse, também estaríamos sem telefone e sem contato com os noivos. – falou .
  — Deixa de ser hipócrita, ! Você viu Alex até segundos antes de vestir o vestido de noiva! — joguei na cara dela, que sorriu amarelo.
  — Isso porque eu não estava por perto para evitar. — Pheebs interveio. — Não tem celular hoje, pode esquecer. — completou.
  Eu estava prestes a continuar a discussão pelo telefone quando uma das empregadas do casarão chegou, anunciando que levariam meu café da manhã para o quarto naquele instante. Minha barriga me lembrou novamente que eu precisava de comida, então desisti de continuar aquela discussão e concordei em comermos em paz.

  Quando o “dia da noiva” acabou para que começassem efetivamente a colocar maquiagem na minha cara, puxar meus cabelos e tudo mais, por volta das três da tarde, eu havia sido depilada e esfoliada até em locais que não sabia que existiam no meu corpo. Não vou mentir: eu me sentia leve e revigorada, mais plena do que jamais me sentira em 28 anos de vida. Minha pele estava tão cheirosa e macia que eu mal me sentia um ser humano.
  — Ok, vocês tinham razão. Vamos fazer isso pelo menos uma vez por mês, de agora em diante. — fui obrigada a admitir para as minhas amigas.
  E então começamos a lenta parte de montar meu cabelo em um coque frouxo na parte superior, com a parte inferior caindo em ondas. Quando a cabeleireira terminou, eu estava exatamente como havia imaginado: parecendo a Belle, na cena em que ela dança com a Fera em um vestido amarelo, no conto de fadas “A Bela e a Fera” – o único que eu gostava de verdade, além de Frozen. A maquiagem veio em seguida, com tons cor-de-rosa, pérola, os olhos bem pretos ao redor da linha d’água, e incríveis cílios postiços que fizeram com que eu me sentisse à caminho da premiação do Oscar.
  Todas as noivas que eu conheço dizem que choraram quando se viram no espelho, dentro do vestido de noiva, no dia de seus casamentos. Sempre pensei que isso fosse uma grande bobagem e que eu jamais seria tão estúpida. Bem, quando eu me vi dentro do meu vestido, as costas de renda e quase que completamente expostas, o busto em formato de coração e o véu se estendendo atrás de mim, meus olhos se encheram de lágrimas sem que eu pudesse controlá-los.
  — Você está maravi... — ouvi minha mãe soluçar enxugando as lágrimas que mal começaram a descer por suas bochechas e, então, observei que todas as minhas amigas também estavam tentando salvar suas maquiagens.
  — Ok, ok, faltam 15 minutos para começar a cerimônia. Onde está a noiva? – Marcella entrou no quarto, o tom de voz indicando que ela estava preocupada que eu tivesse fugido pela janela. — Oh meu Deus! — Ela suspirou quando me viu.
  — Tá bom, gente! Chega disso. Precisamos estar intactas porque, afinal, faltam 15 minutos, né? — Eu disse tentando trazer aquelas mulheres para o mundo real.
  Todas começaram então a falar ao mesmo tempo, concordando.

  Sabe todos aqueles clichês sobre não enxergar mais nada à sua frente uma vez que você vê seu noivo ali, parado diante do celebrador da cerimônia no altar? Sobre todos os seus amigos e familiares desaparecerem, mesmo que você tenha consciência, no fundo, e até esteja feliz por saber que eles estão ali? Bom, eu odiava todos os esses clichês idiotas. E, bom, quando eu entrei no jardim da casa da tia-avó, onde o cenário do meu casamento estava completamente montado e apinhado de pessoas, todos aguardando a minha chegada, todos esses clichês bobos fizeram sentido na minha cabeça. Eu sabia que haviam outras duzentas pessoas ali, mas só conseguia enxergar . Uma parte bem pequena do meu cérebro pensou em como devia estar difícil para ele se equilibrar com aquele robofoot na perna, sem poder usar uma muleta. Mas estava sorrindo para mim o sorriso mais perfeito do mundo, o sorriso que significava que eu devia ficar tranquila porque tudo ficaria bem.
  Entrei de braços dados com a minha mãe. Eu havia perdido meu pai quando ainda era uma criança, então era o que fazia mais sentido. Antes de nós, havia entrado com sua mãe, e as minhas quatro damas de honra – , Summer, Phoebe e Marcella – haviam entrado acompanhadas de seus respectivos namorados – inclusive Marcella, que havia voltado a namorar Colin.
  — Meu Deus, como você conseguiu terminar com ele da outra vez? — Minha mãe murmurou enquanto caminhávamos em direção a . — Que pedaço de mal caminho!
  — Mãe! — Eu a repreendi rindo.
  Eu sabia o que ela estava fazendo – tentando me distrair para que eu não chorasse.
  Maggie deixara de ser a bruxa investigadora da tia-avó e se tornara a responsável por celebrar nosso matrimônio. Fazia sentido, uma vez que qualquer pessoa poderia realizar um casamento, desde que tirasse a devida licença – o que exigia basicamente ter acesso à internet. Na verdade, fazia ainda mais sentido porque, por mais que eu não gostasse de admitir, Maggie havia se tornado uma pessoa importante para que eu e reatássemos, afinal.
  Assim que chegamos a , ele deu um beijo no rosto de minha mãe e os dois trocaram meia dúzia de palavras. Então, ele me olhou com os olhos marejados e piscou para mim fazendo a cara safada que costumava fazer quando me sugeria sexo enquanto ainda namorava Sammanta.
  — Não pode me beijar ainda. – eu o lembrei quando se aproximou mais de mim. Ele rolou os olhos, mas me obedeceu e beijou a minha testa.
  Paramos diante de Maggie e esperamos que ela, tão séria como sempre foi, iniciasse a cerimônia com o típico “estamos aqui reunidos hoje...” e todo o blábláblá que viria antes dos nossos votos. Não havíamos exatamente ensaiado tudo – com apenas duas semanas de prazo para planejar tudo, não houve tempo -, mas eu não precisaria perguntar para ter certeza disso.
  — Há uns dois meses, eu tive o prazer de morar por uma semana com esse belo casal. Eu sabia que a história toda de noivado dos dois não fazia o menor sentido, e era muito conveniente. Mas não sejamos hipócritas: quem aqui não forjaria um casamento com o melhor amigo para ganhar dois milhões de dólares?
  Todos os que nos assistiam riram. Eu levei uns segundos a mais para conseguir processar que a vigia da tia-avó estava sendo descontraída no meu discurso de casamento. Pelo visto, e eu não éramos os únicos fingindo outras personalidades nos últimos tempos.
  — Mas eu sabia que uma coisa não era mentira: o quanto estes dois jovens, o quanto este belo casal, se ama, se respeita e confia um no outro. A tia-avó de vocês percebeu isso no pequeno contato que vocês tiveram com ela. Ela era uma mulher solitária, sem filhos, doente há muitos anos, mas ela viu que desperdício seria vocês dois não terem um empurrãozinho para perceberam o quanto são melhores versões de si mesmos quando estão juntos.
  Olhei para de soslaio, e pensei no quanto eu tinha sorte por a tia-avó ter decidido ser nosso cupido agora que já estava no túmulo.
  — É verdade que vocês dois não são perfeitos. Nem separados, nem como casal. Meu Deus, como foram péssimos em esconder a briga que eu presenciei, que aconteceu por motivo nenhum. E discutem por qualquer razão, porque a é muito autoritária e certinha, e o é extremamente avacalhado. — Meggie disse e rolou os olhos. Fiquei chocada! Eu estava sendo insultada no meu próprio casamento. ria quase descontroladamente do meu lado, e, bom, quando vi que todo mundo estava achando graça, só me restou rir também. — Mas, bem, acho que o fato de vocês serem almas tão opostas provavelmente é o que os torna tão adequados um para o outro. Eu, em nome da senhora Marie, em nome dos seus amigos e familiares, e em meu próprio nome, desejo uma vida maravilhosa a vocês dois. Que vocês cuidem um do outro, respeitem um ao outro, estejam juntos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, e que nem mesmo a morte seja capaz de separá-los.
  Uma lágrima escorreu dos meus olhos neste instante. e eu estávamos de mãos dadas, e eu pude sentir que ele estava tão trêmulo quanto eu.
  — Vamos, então, aos votos. Primeiro as damas. — Maggie autorizou. , que estava parada junto com as outras garotas próxima de mim, me ofereceu o cartão onde eu havia escrito algumas palavras aleatórias para me lembrar de dizer tudo o que eu queria.
  — . Minha pedra no sapato desde meu primeiro dia de faculdade. — Ouvi risadas vindas dos nossos amigos que nos assistiam. — Meu melhor amigo. Minha melhor briga. Minha melhor risada. Meu melhor sonho.
  — Sua melhor transa! — alguém gritou por entre os convidados, e parecia ser a voz de Jack, um dos amigos de . Ruborizei da cabeça aos pés. Ele me pagaria por isso depois.
  — Eu demorei muito tempo para admitir para mim mesma que estava tudo bem aceitar que você havia derrubado as muralhas que eu construí em volta do meu coração e que eu te amava. Te amava não apenas como o cara que me salvaria se meu carro quebrasse no meio do nada às 3 da manhã, porque amigo é pra essas coisas. Mas te amava como o cara com quem eu passaria o resto dos meus dias. Demorei muito para entender que está tudo bem eu saltitar por aí com coraçõezinhos nos olhos, apaixonada por uma pessoa que me fazia me sentir uma garotinha boba. Eu nunca precisei de você, . Eu escolhi você. Eu escolho você agora, e vou continuar te escolhendo todos os dias... se você continuar merecendo, né... — falei. Ele riu e assentiu. — Eu te amo. Eu sempre te amei. Obrigada por esperar até que eu convencesse meu cérebro teimoso disso.
   sibilou: “não tem problema, meu bem”. E eu nunca quis tanto beijá-lo como quis naquele instante.
  — Típico da noiva esse discurso, acho que todos concordam, né? — Maggie disse. — Agora, aos votos do noivo.
  Obviamente, não tinha nada escrito em um papel. Eu teria lhe matado ali mesmo, se eu não soubesse que ele tinha memória de elefante.
  — , mulher da minha vida, meu amorzinho, minha coelhinha linda... — ele disse com sua voz “agora eu consigo te matar de ódio, ”; eu rolei os olhos. — E vou parar por aqui, ou vou passar minha lua de mel do lado de fora da suíte mais cara de Manhattan. — Se eu ouvisse mais risadas teria certeza de que aquele casamento havia se tornado um circo ou uma peça de stand-up de um bom comediante. — , eu me lembro exatamente do dia em que eu percebi que eu te amava tanto que, não importava se a gente desse certo ou errado, eu passaria o resto da minha vida correndo atrás de você, nem que esse correr atrás fosse fazendo piada sobre a gente se pegar depois que você terminasse comigo e nos tornássemos amigos. Eu estava no meu quarto no dormitório da faculdade, com uma puta gripe... você era a minha namorada há algumas poucas semanas, e foi até lá me ver. Eu me lembro que você chegou lá cheia de sacolas e com uma mochila pesada, porque além de me trazer todas as anotações possíveis das aulas que eu havia perdido, você também trazia remédios sugeridos por amigos que tinha na medicina e uma sopa que você mesma havia feito. Eu me lembro de quando você sorriu para mim enquanto o termômetro media a minha temperatura e me disse “puta que pariu, , sua cara está horrível”, riu e me deu um beijo leve nos lábios. Naquele dia eu soube que eu tava ferrado, porque se eu nunca me casasse com aquela mulher, alguma coisa sempre estaria faltando na minha vida. Hoje eu sei que eu sou sortudo pra caramba. Obrigado por ter me escolhido também. Eu te escolhi oito anos atrás, mas você já está cansada de saber disso, né. Eu te amo. Continue sendo essa pessoa encrenqueira e nada fácil que você é para sempre, porque eu amo todos os seus detalhes. Até os mais obscuros.
  Eu havia começado a chorar na parte do “eu lembro o dia que me apaixonei por você”. Quando terminou tudo, eu tinha certeza que meu rosto estava completamente arruinado. Agradeci a Deus mentalmente por a minha maquiagem ser a prova d’água e a minha maquiadora estar sentada na primeira fila.
  Então, Maggie disse que tínhamos que trocar as alianças. beijou minhas mãos trêmulas diversas vezes e me abraçou forte antes de nos beijarmos, no momento em que Maggie disse que ele poderia beijar a noiva.
  — Acho que vou te arrastar direto para o hotel. — murmurou ao pé do meu ouvido.
  — Essa festa custou um quarto da nossa herança. Tem certeza de que quer perder isso?
  — Tá bom... A gente tem mais uns cem anos pela frente pelo menos, né? — Ele respondeu.
  — Nesta vida, acho que uns 80 é mais realista. Mas eu espero ter mais muitas outras para torturar você.
  — Soa perfeito para mim.

Epílogo

“Nobody’s lifes just fit together. Fitting together is something you work at. It’s something you make happen – because you love each other”. – Rainbow Rowell.
Tradução: A vida de ninguém simplesmente se encaixa. Encaixar [sua vida] junto com a de outra pessoa é algo no qual vocês trabalham. É algo que vocês fazem acontecer – porque vocês se amam.

10 anos depois

  — Ok, eu não quero mais ouvir. Não me importa quem começou essa briga. Eu estou terminando ela. E mais uma palavra e os dois vão passar o resto do mês sem sobremesa! — falei cerrando os dentes para não gritar.
  Girei a chave na ignição do carro e olhei pelo retrovisor a carinha emburrada do meu filhote de seis anos de idade.
  O plano era ter um filho. Eu não era a pessoa mais apaixonada do mundo por crianças, e já tinha uma filha com Sammanta, sua ex-namorada insuportável – ok, eu já conseguia tolerá-la agora que ela estava casada e feliz o bastante para me tratar civilizadamente. Mas, como muitas coisas nas nossas vidas, minha gravidez não seguira o plano: tivemos gêmeos – um menino e uma menina. Obviamente agora eu não conseguia imaginar nossas vidas sem aqueles dois pestinhas correndo pela casa e infernizando a vida um do outro, mas não vou dizer que a gravidez foi um mar de rosas e que os primeiros dias depois que eles nasceram não foram um pesadelo. Claro que tudo agora valia a pena, e eu faria tudo que fiz nos últimos dez anos de novo, sem mudar absolutamente nada.
   já estava em casa quando chegamos. Eu havia trabalhado até às 17:30 e pegado e na escola às 18h, mas o trânsito não estava dos melhores e demoramos mais de trinta minutos para chegar em casa. já havia telefonado três vezes para saber se estávamos bem e, quando entramos pela porta da frente de nossa casa de dois andares e muito maior do que precisávamos realmente, o cheiro do jantar invadiu nossas narinas.
  É incrível o que o casamento faz com as pessoas! E se eu soubesse que seria um marido tão dedicado, que aprenderia a limpar a bagunça ao invés de produzi-la e se tornaria um cozinheiro melhor – e até mesmo mais organizado – do que eu, talvez eu não tivesse mesmo terminado com ele quando tínhamos 19 anos de idade.
  — Como foi a escola hoje? — Ele perguntou segurando cada um de nossos filhos com um braço. era maior que alguns centímetros, e sempre brincava que ela se parecia tanto comigo que, dentro do saco amniótico, já mandava em e decidia quem pegaria mais nutrientes.
   e falaram um milhão de palavras ao mesmo tempo, mas fingiu que prestava atenção aos dois e os respondeu repetindo “hum” e “legal” algumas vezes.
  — Ok, ok, vocês terminam de contar pra gente como foi o dia de vocês durante o jantar. É hora de tomar banho agora. — avisei. os colocou no chão novamente.
  — Aposto que eu chego no meu quarto primeiro! — gritou e correu escadas acima, com atrás de si respondendo que ele só chegaria antes porque o quarto dela ficava no fim do corredor.
  — Ah, como eu queria ter tanta energia... — resmunguei caminhando até meu marido para colocar meus braços ao redor de seu pescoço e beijá-lo rapidamente nos lábios.
  — Você trabalhou o dia todo, vai dar banho e jantar a duas crianças de seis anos de idade, ajudá-los com o dever de casa, dar atenção ao seu marido que está morrendo de saudades de você, e amanhã, às 7 da manhã, você estará pronta para mais um dia desses. Acho que você tem energia o bastante. — ele me abraçou apertado enquanto eu sorria a cada coisa que ele acrescentava aquela lista. Era cansativa sim aquela rotina. Podia parecer repetitiva para muita gente, mas eu nunca me sentira tão feliz e realizada na minha vida.
  — Talvez você tenha razão... — dei de ombros. — Bom, você termina esse jantar depois. Vou ajudar a com o banho, e você supervisiona . — assentiu e voltou para a cozinha, provavelmente para desligar as panelas.
  — ? — Ele me chamou antes que eu terminasse de subir as escadas.
  — Sim?
  — Alex e se ofereceram para cuidar das crianças no fim de semana pra gente fazer uma viagenzinha, só nós dois. Eles vão pegar a Heather com a Sammanta também.
  — Alex e cuidando de três crianças... — ri alto. Heather tinha 11 anos de idade, e sempre ajudava com os irmãos dela, mas ainda assim... Era muito trabalho para um casal sem muita experiência.
   e Alex estavam tentando ter filhos há dois anos, mas nada ainda acontecera. Os dois já estavam prestes a procurar um especialista, mas tinha medo do que ouviria, por isso eles estavam adiando.
  — Eles disseram que querem praticar mesmo com crianças maiorzinhas.
  — Você acha que estão cogitando adoção?
  — Talvez... — disse.
  — Tudo bem. Eles têm dinheiro o bastante para chamar uma babá caso a situação fique muito complicada mesmo. — falei, e riu.
  Andei despreocupada até o quarto de , mas algo na minha cabeça me disse que eu provavelmente deveria procurar meus filhos com mais agilidade. Eles estavam quietos demais. Antes de entrar no quarto da minha filha, porém, ouvi a voz de e os dois pareciam estar brincando civilizadamente:
  — A mãe do James vai ter outro filho.
  — Eu sei, mas não quer dizer que a mamãe e o papai vão querer nos dar um outro irmão. A mamãe sempre fala que a gente já dá muito trabalho quando a perguntam — respondeu.
  — Quem pergunta? — questionou.
  — Qualquer pessoa. A vovó, a tia Summer, a tia Maggie....
  — Talvez se a gente desse menos trabalho, ela queira nos dar um irmãozinho. — sugeriu.
  — Irmãzinha. o corrigiu.
  Comecei a entrar em pânico ao ouvir aquela história toda de ter outra criança a esta altura de minha vida, então decidi interromper a conversa deles fingindo que não havia escutado nada. Eles estavam sentados no chão, cercados de pecinhas de lego.
  — Hora de tomar banho, meus amores! , vá para o seu quarto que seu pai já vem para te ajudar.
  — Mamãe, nós não precisamos de ajuda para tomar banh... — começou a reclamar.
  — Eu sei, meu amor. — respondi. — Só vou conferir se você está fazendo certinho.
   rolou os olhos. tinha razão. Ela se parecia demais comigo. Até demais.
  — E sem fazer essa cara para mim. — repreendi. assentiu, terminou de tirar suas roupas, colocou o roupão e andou até o banheiro do corredor.
  “Outra criança. Nem mesmo se eu estivesse ficando louca ou se eles me implorassem prometendo nunca mais brigar na vida”, pensei.

  — Poxa, , qualquer mãe ficaria emocionada de ver os filhos desejando um irmãozinho! — riu de mim quando contei a conversa das crianças enquanto nos preparávamos para deitar aquela noite.
  — Eu não, muito obrigada.
  — Seria tão ruim assim?
  — , temos 38 anos de idade. — parei de escovar os dentes para expressar minha completa e absoluta aversão a engravidar de novo: — Você tem uma filha de 11 que, em sete anos, vai para a universidade, o que exige uma boa grana, e duas crianças que já nos tomam todo o tempo que temos fora do trabalho. Não há espaço nas nossas vidas e nos nossos orçamentos para outra criança.
  — Ok, não está mais aqui quem falou! — ele riu do meu desespero dizendo aquelas coisas e me abraçou assim que coloquei a escova de dentes do armário do banheiro. — Chega de bebês, então.
  — Obrigada. — agradeci, beijando-lhe em seguida porque aquele era o momento “dar atenção ao meu marido” do dia.

*****

  O restante da semana foi a mesma rotina de sempre: eu e revezamos buscando as crianças na escola e fazendo o jantar, ajudamos os pestinhas com o dever de casa depois do banho, fizemos alguma outra atividade em família e os colocamos para dormir (quase sempre) pontualmente às 21:30, e tivemos algum tempo para nós dois – quer fosse para namorarmos um pouco, quer fosse para cada um fazer o que desejasse, como ler, no meu caso, e assistir ao jogo de baseball, no caso de .
  Sábado de manhã, como combinado, e Alex buscaram e para passar o fim de semana com eles.
  — está com algumas manchinhas na pele, provavelmente porque o tempo está instável. Coloquei o remédio que ele toma nessas situações na mochila dele e o inalador, caso ele tenha sintomas da asma, que ele já sabe identificar, mas que eu te mandei por mensagem também, em todo caso. — falei para enquanto as crianças entravam no carro de Alex.
  — , fica tranquila, ok? Eu já li seu e-mail com todas as orientações sobre as crianças. Vai ficar tudo bem. — me garantiu com um sorriso.
  — Ok... mas, de qualquer forma, se alguma coisa acontecer, qualquer coisa, telefone pra gente. e eu estaremos em Vermont, e com os telefones ligados 24h por dia. — avisei.
  — Prometo que se algo que não pudermos resolver surgir, eu ligo sim para vocês. Se eu não ligar, já sabe, né?
  — É porque está tudo bem. — rolei os olhos.
  — Exatamente. — riu. — Aproveite seu final de semana! — Ela me abraçou e eu a agradeci por ser a babá dos meus gêmeos pelos próximos dois dias.

  Foi apenas quando chegamos ao chalé que havia reservado para nosso fim de semana que me dei conta de que eu não havia lhe perguntando nada sobre o assunto. Passei a semana toda tão atarefada com o trabalho e as crianças que acabei me esquecendo de averiguar se ele havia feito tudo certinho – como pago a reserva do chalé, enchido o tanque do carro e trazido cuecas suficientes.
  Assim, quando abri a porta do local onde passaríamos o fim de semana, fiquei chocada. O lugar era simplesmente perfeito e, além da reserva, pagara para que colocassem champanhe, chocolates, morangos, velas e pétalas de rosa por todo o quarto. A lareira queimava lenha na sala, e havia um tapete tão felpudo diante dela que o sofá, embora parecesse divino, seria até desnecessário.
  — , que lugar mais perfeito! Obrigada por ter feito isso por nós. — falei quando terminei de conferir também o quarto, a pequena cozinha e o banheiro, cuja banheira já estava pronta para que alguém tomasse um banho maravilhoso, com sais e bolhas. — Estou me sentindo a esposa mais desleixada do mundo. — admiti com um pouco de tristeza.
  — Você é a melhor esposa do mundo, pare com isso. — ele disse me abraçando e beijou o alto da minha cabeça. — Que tal um banho? — Perguntou com o sorriso safado que eu amava tanto.

  Jantamos à luz de velas e bebemos vinho – o champanhe continuou intocado. Tentei me lembrar qual data comemorativa eu estava me esquecendo. Do jeito que era, provavelmente era aniversário da primeira vez que fomos ao supermercado juntos ou algo tão trivial quanto. Eu estava prestes a perguntar quando ele pediu licença para ir ao banheiro e em alguns minutos voltou dizendo:
  — Sabe do que eu me dei conta esses dias?
  — Hmm? — Incentivei-o a continuar.
  — Eu nunca te pedi em casamento de verdade. Quero dizer, num leito de hospital não vale muito. — ele sorriu para mim. Eu estava sentada diante da pequena mesa de duas cadeiras, onde ele estava a minha frente pouco tempo antes. permaneceu de pé e, antes que eu pensasse no que iria responder, ele se colocou de joelhos e abriu a caixinha com outro anel de noivado. — , mulher da minha vida, mãe dos gêmeos mais lindos do mundo e nossos filhos... quer se casar comigo de novo? — Ele perguntou.
  E eu gostaria de ter respondido naquele instante que sim, que eu me casaria com ele um milhão de outras vezes se ele assim desejasse. Mas o fato é que não consegui. Meu estômago revirou-se de uma forma intensa, e tive que cobrir a boca com as mãos e correr para o banheiro para vomitar.

  — Ok, isso não está saindo bem como eu havia imaginado... — comentou depois de segurar meu cabelo por uma eternidade enquanto eu vomitava.
  — Me desculpe, . — eu tentei rir, mas ainda me sentia muito nauseada. — Deve ter sido o ravióli de cogumelos. — senti meu estômago se revirar ao me lembrar do cheiro e do gosto da comida.
  — Pensei que você adorasse ravióli de cogumelos. — franziu o cenho.
  — Eu adoro. — meu estômago discordou veementemente disso. — Ou adorava.
  Escovei os dentes enquanto me media dos pés à cabeça. Eu estava usando uma regata e shorts curtos, e já podia imaginar o que ele estava pensando, porque era o mesmo que eu estava pensando.
  — O que foi? — Perguntei depois de cuspir a espuma no ralinho da pia.
  — Nada. — mentiu, dando de ombros.
  — O que foi? — Repeti.
  — Você vai me mandar ir tomar no cu. — ele riu.
  — Não vou. Pode falar. — menti, abraçando sua nuca com as mãos e me colocando na ponta dos pés para olhar em seus olhos mais de pertinho.
  — Isso está parecendo quando você se sentiu mal na nossa primeira gravidez.
  — Vai tomar no cu, . — falei, rolei os olhos e beijei-o nos lábios.
  — Eu disse. — ele falou quando nossos lábios se separaram. E enquanto aquela hipótese sobre meu mal estar era analisada pelo meu cérebro, perguntou: — Ainda não recebi uma resposta a minha pergunta. Ou esse vômito todo foi um jeito de me dizer não? — Ele riu.
  — A resposta sempre será sim... seu idiota! — Eu disse sorrindo e nos beijamos novamente.

  Eu era neurótica demais para conseguir passar muitas horas cogitando a possibilidade de estar grávida e não fazer nada a respeito. Assim, às 3 da manhã, fiz sair da cama enorme e superconfortável que havia nos custado uma pequena fortuna a diária, e fomos procurar uma farmácia onde eu pudesse comprar um teste de gravidez. Quando finalmente compramos o teste, nunca tive tanta dificuldade de fazer xixi na vida.
  — Como você acha que vai se sentir se for positivo? — perguntou preocupado. Eu sabia que ele estava feliz com a possibilidade, mas a cada instante que eu imaginava outro bebê em nossas vidas, em como já vivíamos na correria e cansados, eu me apavorava.
  — Não sei sobre a próxima semana... mas eu vou me acostumar com a ideia. Não vamos jogar a criança da colina, certo? — Dei de ombros.
  — , nós conseguimos fazer isso. — meu marido me garantiu acariciando minhas mãos e olhando nos meus olhos.
  — Mesmo se forem gêmeos de novo? — Brinquei. arregalou os olhos, mas riu também.
  — Mesmo se forem trigêmeos desta vez.
  Assenti. Porque ele tinha razão. Os gêmeos foram um desafio, ter outro bebê agora seria um desafio também. Mas tanto como eu éramos e sempre fomos movidos a desafios.
  Foi por isso, porque meu coração já havia se acostumado com aquela ideia – muito mais rápido do que eu havia imaginado que se acostumaria, a propósito –, que, quando olhei o resultado do exame, nossa comemoração de fim de semana ganhou outro significado. Nos casaríamos de novo, em uma cerimônia para os amigos para renovar nossos votos e comemorar nossa primeira década casados dali alguns meses, mas dali aproximadamente 34 semanas, teríamos outra pessoinha em nossas vidas, que nos deixaria mais mortos de cansados ainda, mas que nos traria ainda mais felicidade. Imaginei a alegria de e com a notícia, e essa imagem sozinha já me fez sorrir pelo resto do fim de semana.
  — , advogada, casada e mãe de três filhos. — comentei. — O que você fez comigo, ?
  — Eu não sei. Mas eu sei que você fez de mim o homem mais feliz e realizado do mundo. — respondeu, me pegando no colo e andando comigo em direção à cama, nosso lugar favorito quando estávamos juntos.

Fim!



Comentários da autora


  (07/12/2017) N/A: Oi, amoras!
  ENFIM, depois de meses, finalmente, tá aí atualização para vocês! Espero que gostem. Se gostarem ou não, deixem aí nos comentários a opinião de vocês – vou adorar saber o que vocês acharam do capítulo!
  O próximo capítulo será o último. Ele deve entrar daqui a poucos dias, então fiquem de olho.
  Bom, é isso. Obrigada pela paciência de vocês! <3
  XOXO

  (10/01/2017) N/A: Acabooou! Espero que vocês tenham gostado do final – como sempre, fiquem à vontade para opinar nos comentários.
  Quero agradecer primeiramente à Lívia, que betou A Herança desde o início com tanta perfeição e carinho, de forma gratuita. Não sei o que seriam de nós, autoras de fanfics, sem vocês, betas. Muito obrigada, Liv! <3
  Muito obrigada a todas as leitoras maravilhosas que me procuraram pelo Tumblr, Facebook ou Twitter cobrando atualização e me pedindo para continuar a história. E agradeço muito, muito mesmo também a todas vocês que tiraram uns minutos para comentar, além de ler. Sem vocês, leitoras, escrever não seria tão prazeroso e recompensador.
  Eu enviei A Herança para os sites de fanfic onde ela foi postada (All Time Fics e Fanfic Revolution) dia 2 de Janeiro de 2014. Seis meses depois, eu me candidatei ao Programa Ciências sem Fronteiras (intercâmbio internacional) e minha vida virou uma loucura porque meu foco principal era passar no processo do intercâmbio e, ao mesmo tempo, manter boas notas na universidade – eu sou estudante de Fisioterapia na UFMG, para quem não sabe. Dia 18 de Agosto de 2015 eu fui para a Austrália e voltei somente em Dezembro de 2016. Com tanta confusão, mudança na vida, coisas diferentes acontecendo, minha inspiração foi pras cucunhas. Agora ela está voltando vagarosamente e pretendo, em breve, enviar outra longfic para o site – dessa vez vou me certificar de adiantar MUITO a história antes de enviar para evitar torturar pessoas porque ano que vem vai ser crazy também (vou FINALMENTE me formar!). Enfim, apenas dividindo um pouco meu drama de bloqueios e os motivos pelos quais eles surgiram com vocês... Portanto, peço desculpas (mais uma vez) por todo o tempo que fiz vocês esperarem por atualização. Eu fui a que mais sofri com esse processo todo – acreditem em mim. Os últimos quase 3 anos foram uma montanha russa, com muitos pontos positivos e alguns negativos na minha vida, e eu simplesmente não consegui lidar de uma forma melhor. Agradeço também a compreensão e a paciência de vocês com isso.
  Abaixo seguem minhas redes sociais para que, quem desejar, me siga por lá e fique sabendo do conteúdo que eu produzir no futuro ou produzi no passado: (O Tumblr já é mais porque eu adoro seguir Tumblrs novos mesmo, então me sigam lá que eu sigo de volta!)
  Facebook, Twitter e Tumblr da autora (Danielle Aquino): só clicar nos ícones do lado esquerdo da tela, embaixo das opções de fonte, onde está escrito SOCIAL.

  Um beijo, lindonas! Vejo vocês em breve (I hope) <3