10 Cores (Para Se Aprender a Amar)

Escrito por Ana Paula Junqueira | Revisado por Paulinha

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  Você provavelmente já brincou com tintas aquarelas, certo? Quando era criança e a professora te mandava fazer pintura com os dedos, se lembra disso? Você provavelmente já tentou misturar todas as cores possíveis também, achando que no fim sairia uma coisa muito bonita, e se decepcionou quando a mistura deu em uma cor sem vida e chata. Podia ser um marrom estranho ou um cinza escuro, mas nunca era uma cor feliz, nunca era uma cor bonita. E se eu te fizer achar que essa cor formada a partir da mistura de muitas, é a cor mais bela que existe? Porque essa, para mim, é a cor do amor.

  PRETO

  Meu nome é Edward Sheeran. Ou só Ed. Conhecido como cantor, compositor, musico ou simplesmente pelo amontoado de cabelos da cor laranja que carrego em cima da cabeça. Hoje é assim, antes eu era conhecido só pelos cabelos ruivos, e tive que batalhar muito pra chegar onde estou.
  No começo da minha carreira, quando resolvi realmente levar a vida de cantor como meu ganha pão, tudo era muito difícil. Nenhuma rádio me aceitava, nenhuma gravadora assinava comigo, os bares não permitiam que eu tocasse e eu não posso dizer que fazia muito sucesso entre as mulheres. Apesar de tudo, foi uma época boa, da qual gosto de relembrar com carinho. Digo isso hoje, porque enquanto eu realmente vivia naquele tempo, tudo parecia escuro, tudo parecia preto.
  Eu tinha acabado de sair de um péssimo relacionamento, depois de meses sendo tratado como capacho pela mulher que eu julgava ser a criatura mais linda do planeta, eu a peguei na cama com o homem que seria meu primeiro empresário. Eu perdi a fé em tudo. No amor, na música, nas pessoas em geral. Eu queria que o mundo explodisse, realmente queria. O céu estava realmente negro pra mim, as nuvens já tinham deixado de serem cinza a um bom tempo e a chuva não queria parar de cair.
  Parei de compor e cantar. Acabei por destruir todas as músicas que tinha, porque todas eram dedicadas à vadia traidora e bem, eu estava na fossa.
  Em uma das noites que passei em um pub, já há boas três semanas sem a música em minha vida, algo diferente aconteceu. Uma garota tocava violão no palco em frente ás várias mesas com casais felizes, enquanto eu estava ancorado no balcão, no fundo do estabelecimento, bebendo minha primeira cerveja de várias que viriam e rabiscando desenhos sem sentido num guardanapo. E foi aí que a garota começou a cantar.
  Pode parecer clichê, mas eu me apaixonei imediatamente pela voz daquela mulher, seja lá quem ela fosse, afinal realmente não havia reparado nela durante todo o tempo em que estive ali, e só sabia que ela era mulher pois o barman acabou por comentar algo.
  Me virei imediatamente, notando algumas poucas cabeças se virarem com a minha, para observar de onde aquela voz vinha.
  Ela vestia uma calça jeans e uma camiseta escura com desenhos variados, e dedilhava o violão deixando os cabelos tamparem parcialmente seu rosto, enquanto, mantendo os olhos bem fechados, cantava alguma música bem calma que eu desconhecia, perfeita pra podermos apreciar cada tom que a voz dela alcançava.
  Quando ela finalizou a canção, eu não bati palmas como algumas pessoas fizeram, eu continuei ali, observando ela agradecer, deixar o violão descansando no suporte no canto do palco e descendo deste para ter seus 10 minutos de descanso. Só me movimentei novamente ao notar que ela vinha em minha direção. A garota misteriosa com voz tão bonita então se sentou num banco ao lado do meu, e chamou com a mão um atendente.
  - Uma cerveja, por favor Paul. - o homem mais velho, com alguns cabelos faltando, com quem ela falou pegou uma cerveja na geladeira, abriu e a entregou de imediato.
  - Está na mão, senhorita. – ele sorriu simpático e ela retribuiu o sorriso.
  - Obrigada. – ela bebericou do recipiente de vidro sem pedir copo ou coisa do tipo, e se virou pra mim.
  Virei a cabeça de imediato, percebendo que a estava encarando desde o momento que ela se sentou como se fosse um idiota, e a ouvi rir baixo.
  - Oi? – ela chamou divertida. – Tem algo preso no meu cabelo? – me virei pra ela novamente enquanto ela passava a mão pelos fios, com um sorriso encantador no rosto.
  - Não, imagina, seu cabelo... Ele... É, tá bom. – eu meio que perdi a fala, admito, mas eu já tinha perdido o costume de ser simpático com as pessoas... E de falar com as pessoas, aliás. –Você canta muito bem, é cantora profissional? – tentei sorrir quando falei, mas acho que tinha desaprendido a fazer isso também.
  - Bem que eu queria! Mas sabe como é, ninguém quer contratar uma desconhecida como eu. –ela bebeu mais da cerveja e eu notei como o brilho em seus olhos diminuiu, como se eu tivesse tocado em um ponto delicado.
  - Eu sei bem como é. Também sou cantor, apesar de não cantar a um tempo. Fiquei meio desiludido com a vida de uns tempos pra cá. – a acompanhei bebendo a minha cerveja, e ela passou a me olhar com certa curiosidade.
  - Cantor? Sério? Não parece...
  - Pois é, se pra você, que parece, é difícil, imagina pra mim, um desconhecido maior ainda, que nem cara de cantor tem. – brinquei, e ela pousou a cerveja no balcão, e se virou quase completamente pra mim.
  - Como você chama? – ela perguntou como uma criança, e eu me virei para ela também, sem entender onde ela queria chegar.
  - Ed, Ed Sheeran. – respondi e ela me estendeu a mão, que eu apertei sem hesitar.
  - Prazer Ed, meu nome é . Agora não somos mais desconhecidos. Um dia todos vão saber nossos nomes, do mesmo jeito que eu sei o seu e você sabe o meu. – ela sorriu e, pela primeira vez em sabe-se lá quantos meses, eu sorri verdadeiramente.
  E foi ali, que tudo deixou de parecer preto.

  AZUL

  Não era só o céu que estava azul naquela manhã. Azul também era a cor do vestido que ela usava.
  Depois de conhecer num pub, conversamos muito e rimos como eu não fazia há muito tempo. Descobri que não morávamos longe um do outro e a acompanhei até em casa. Não nos beijamos nem nada do tipo, só sorrimos e prometemos que se um dia fossemos famosos, nos lembraríamos um do outro... E dedicaríamos o primeiro Brit que ganhássemos para o outro. Não trocamos telefone nem nada do tipo, mas sempre acabávamos por nos encontrar na rua ou no pub em que ela cantava, o qual, coincidentemente, passei a frequentar mais.
  Faziam alguns meses que nos conhecíamos e, depois de ela comentar que gostava de filmes em preto e branco, eu descobri um cinema onde só se exibiam produções desse tipo, e a chamei para ir em uma sessão do Drácula que seria exibida. E ela, como uma boa amiga, amante de cinema em preto e branco, de filmes de terror e de passeio de graça, aceitou.
  Fomos a pé, uma vez que nenhum de nós tinha carro e que o dia estava bonito demais para ser desperdiçado.
  - Ed, tá perto? – ela resmungou a pergunta pela milionésima vez nos últimos 10 minutos.
  - Eu já falei que é virando a esquina, calma mulher! – empurrei ela de leve com meu ombro e ela bufou.
  - Eu sabia que devia ter colocado um tênis. – ela falou mais para si mesma que para mim.
  - É verdade, que doença deu em você pra resolver colocar essas sandálias estranhas?
  - O nome é sapatilha Ed, e eu só coloquei porque combina com o vestido.
  - E desde quando você se preocupa com roupas que combinam?
  - Sei lá, deu vontade. E eu li em um site que pessoas bonitas tendem a ser mais bem aceitas quando querem um emprego. Bonita eu não posso ser, então pelo menos preciso começar a me vestir bem... – ela deu de ombros e o cabelo dela balançou daquele jeito que eu gosto.
  - Mas você é bonita. – falei meio sem perceber, eu juro. Ela olhou pra mim com as sobrancelhas erguidas, eu sorri, e ela adquiriu uma expressão que eu nunca tinha visto antes, e sorriu de volta. Tenho certeza que ela corou.
  - Larga de ser idiota Sheeran. – ela ia falar mais algo, mas tínhamos acabado de virar a esquina, e ela localizou o cinema independente no meio do quarteirão, agarrou minha mão e me fez praticamente correr até lá.
  Comprei nossos ingressos e entramos na sala cinco minutos antes do filme começar. Fui comprar pipoca e quando voltei ela estava digitando rapidamente algo no celular, sem tirar os olhos da tela.
  - Tá fazendo o que? – me sentei ao seu lado e a vi pular na cadeira por conta do susto.
  - Mas que porra Ed! Assustar sua avó você não quer não né? – ela colocou a mão no peito e enfiou o celular no bolso do vestido. – Tive uma ideia pra uma música, nada de mais.
  - Ok então. – dei de ombros e logo as luzes se apagaram e o filme começou.
  A cada susto que ela levava eu gargalhava. Em algum momento, não sei dizer qual, ela agarrou minha mão, mas ao contrário das outras vezes, ela continuou segurando. O filme acabou, e mesmo com as minhas zoações com relação ao medo dela, ela não fez menção de soltar a mão. Nem eu. Saímos do cinema e fomos caminhando de volta para o pub em que ela cantava, porque naquele dia ela tocaria durante o almoço. Não soltamos nossas mãos durante todo o caminho.
  - Tem certeza que não pode ficar? Depois a gente podia ir lá pra minha casa e você me ajuda com essa ideia que eu tive. – ela perguntou mais uma vez.
  - Eu tinha prometido pra minha mãe que ia almoçar com ela, mas se você quiser de noite eu vou pra lá.
  - Não, não. Não precisa. Mas eu quero mesmo sua ajuda na música. A gente pode ir ao Green park amanhã? Eu gosto de compor lá. – ela sugeriu, sorrindo como se tivesse tido a melhor ideia do mundo.
  - Por mim tudo bem. – eu sorri de volta, porque ela tinha tido a melhor ideia do mundo.
  - Eu tenho que ir então Ed, amanhã cedo eu passo na tua casa pra gente ir junto. – ela parou na frente do pub, ainda segurando minha mão, e me deu um beijo suave na bochecha.
  - Até amanhã. – respondi abobado, sentindo nossos dedos se distanciarem e a vendo sumir porta adentro, com o vestido azul balançando atrás de si.
  Eu me sentia tranquilo. Eu gostava daquele vestido azul dela, azul da cor do céu. E eu gostava da cor azul. Aquele era um dia bom, era um dia azul.

  VERDE

  No dia seguinte, acordei com meu celular tocando desesperado no chão ao lado da cama.
  - Alô? – estava sonolento demais e acho que a pessoa do outro lado da linha nem entendeu o que eu falei.
  - Ed, cadê você? Eu to batendo na porta faz 15 minutos! – estava com sua voz de brava. A voz de brava dela não era bom sinal.
  - Ah, certo! – eu meio gritei, já levantando da cama e correndo até o armário pra tentar achar uma roupa limpa. – Eu sei, é, eu ouvi. Eu tava só... Eu tava procurando o celular, calma que eu já to saindo. – Desliguei sem esperar resposta e torcendo para ela não notar o desespero em minha voz. Enfiei uma calça larga, uma camiseta do Capitão America, um tênis, baguncei ainda mais meu cabelo para parecer que era proposital, peguei as chaves e em 5 minutos estava abrindo a porta e dando de cara com uma sentada no chão e encostada a parede do corredor escuro do meu prédio, trajando um short e uma camiseta e com um caderno e o violão, me olhando com cara de pouquíssimos amigos.
  - Não tá esquecendo de nada não? – ela perguntou irônica, e eu bati a mão na testa me lembrando que estávamos saindo pra compor, e não dá pra compor sem violão.
  - Só um minuto.
  - Já esperei 20, mais um não faz diferença. – ainda a ouvi dizer, quando entrei novamente pra pegar o instrumento.
  Quando cheguei na porta novamente ela já estava de pé, com o violão dependurado nas costas e o caderno em baixo do braço.
  - Pronto agora?
  - Prontíssimo! – fiz um sorriso exagerado e ela rolou os olhos e saiu andando na minha frente até o elevador localizado no fim do corredor. A alcancei no meio do caminho e puxei o violão de leve, fazendo com que ela se desequilibrasse e esbarrasse em mim.
  - Edward!
  - Tá brava?
  - Não. – ela continuou andando.
  - Tá sim.
  - Não to.
  - Então sorri pra mim. – ela parou, me encarou de braços cruzados e ergueu uma sobrancelha daquele jeito que só ela fazia. Imitei a pose dela, e se dando por vencida, rolou os olhos e sorriu exageradamente como eu, acabando por gargalhar em seguida.
  Passei o braço por cima de seus ombros e fomos caminhando até o elevador.
  Durante todo o caminho até o parque ela foi me contando que vinha sonhando com esse passarinho verde há alguns dias, e ontem no cinema ela teve uma ideia, pensando como se o mundo fosse em preto e branco e ela fosse o passarinho verde, diferente de todos, e que ela achou que poderia ser uma boa ideia para a música.
  Chegando lá, notamos que a maioria dos bancos estava sendo usado pelas pessoas que também aproveitaram aquele dia ensolarado de verão londrino para visitar o parque, e acabamos optando por sentar na grama, de baixo da sombra de uma árvore.
  Compusemos por quase a manhã toda e ela pareceu gostar da música no final. A fome começou a apertar e resolvemos comprar um sanduíche em alguma lanchonete que tinha ali perto, depois voltamos para a sombra onde estávamos para comer.
  Sempre que o vento batia, as folhas voavam, e a grama verde parecia fazer redemoinhos em volta dela, e insistir em parar em seu cabelo. Ela fazia careta e passava as mãos pelos fios, retirando da melhor maneira possível os pedacinhos de planta. Eu ria, arrancava mais grama e jogava ainda mais em cima de seu cabelo. Ela reclamava, pegava grama e jogava em mim. E ficávamos nessa de grama pra lá e grama pra cá. Depois de guerrear por um tempo, de barriga cheia, humor bom e o sol começando a perder as forças, nos deitamos e ficamos olhando para as nuvens.
  - Por que o céu não é verde? – ela perguntou de repente, apontando para cima.
  - Que tipo de pergunta é essa, ? – eu ri e ela riu junto, bateu de leve no meu braço, descendo a mão devagar até alcançar a minha, entrelaçou nossos dedos e fez com que puxássemos um pouco de grama com a ação, puxou minha mão junto da dela um pouco para cima e afrouxou nossas mãos fazendo com que as plantinhas caíssem e fossem levadas pelo vento.
  - É, olha, o céu é azul porque reflete a água do mar, não é? – fiz um barulho com a boca para confirmar e ela continuou – então, imagina se ele, de algum jeito, refletisse a grama? A parte verde do planeta? Ela ia ser verde.
  - É, talvez o céu pudesse ser verde.
  - Ia ser muito mais legal.
  - Por quê?
  - Verde é minha cor preferida. – ela virou a cabeça pra mim e sorriu com os lábios fechados, deixando pequenas ruguinhas aparecerem ao lado de seus olhos brilhantes.
  A partir daquele dia, verde também se tornou minha cor preferida.

  AMARELO

  - Eu quero MUITO ir à roda-gigante, por favor, Ed, vamos! – ela me puxava pela mão e fazia força para que eu me movimentasse, sem sucesso.
  - É o brinquedo mais chato que existe! Vai até lá em cima, para, e desce. Sem emoção, sem sentido. Eu não quero ir! Se formos à montanha russa de novo ia ser muito melhor.
  - Nós já fomos à montanha russa TRÊS vezes, o que custa irmos à roda-gigante uma vez? – ela parou de fazer força e substituiu o sorriso brincalhão por um biquinho. Rolei meus olhos e segurei a mão dela, puxando-a em direção a fila da roda-gigante sem dizer nada. Ela soltou uma risada boa de se escutar e eu acabei rindo também.
  Faziam seis meses que eu conhecia e ela queria comemorar o nosso aniversário de amizade de algum jeito. No dia anterior mais uma gravadora tinha recusado minha demo, e ela disse que seria perfeito se fossemos a um parque de diversões. Nós nos divertiríamos até esquecer que eu havia sido recusado e já comemoraríamos a data, como ela queria. Não hesitei em concordar, mesmo não sendo o maior fã de parque de diversões, e preferindo mil vezes passar o dia em casa assistindo a séries no sofá.
  Entramos na roda-gigante, e acabamos ficando com uma cabine só pra nós dois. Ela tirou o celular e me fez sorrir para uma foto quanto chegamos ao topo, antes daquele brinquedo parar e nos deixar lá por longos minutos.
  - Viu? Essa é a parte chata. Eles querem deixar a gente aqui por muito tempo sem motivo algum!
  - Para de reclamar Ed.
  - Mas é chato!
  - É chato porque você quer. Olha: daqui de cima da pra ver o parque todo e até um pedaço da cidade.
  - Continua chato.
  - Você que está chato hoje.
  - Não é verdade.
  - É sim. – ela cruzou os braços e pela sua expressão percebi que era hora de parar.
  - Então vamos fazer alguma coisa aqui, pelo menos.
  - O que você quer fazer?
  - Sei lá, vamos jogar um jogo.
  - Que jogo Ed?
  - Adivinhação? – ela levantou a sobrancelha daquele jeito e eu me animei com a ideia do jogo. – É, olha, eu estou vendo algo... Rosa.
  - Hm... Aquela tia gorda de vestido rosa lá do lado do carrinho de pipoca?
  - Você é boa! – exclamei abobado. – Vai, sua vez.
  - Ok... hm, eu to vendo algo cumprido e de madeira.
  - O bote do túnel do amor. – ela confirmou com a cabeça. – Essa foi fácil. Tá, eu to vendo algo... Amarelo e redondo.
  - O chapéu daquela menina?
  - Não.
  - A bola da barraca de pescaria?
  - Nooooop.
  - A xícara que gira daquele brinquedo?
  - Continua errando.
  - Você tá roubando! – ela acusou já perdendo a paciência.
  - Não to não, você que é ruim.
  - E você consegue acabar com toda a graça da roda gigante.
  - Dramática. Desiste?
  - Desisto vai, o que é?
  - O Sol. –sorri orgulhoso e ela me deu um tapa de leve no braço. – Ai! Por que me bateu agora?
  - Gosto de te bater.
  - Eu percebi.
  A roda-gigante começou a descer. Saímos do brinquedo ainda rindo das brincadeiras de adivinhação. Avistei a barraca de pescaria e a convenci de brincarmos. Acabei ganhando a tal bola amarela pra ela, que aceitou o presente e me agradeceu com um beijo que era pra ser na bochecha, mas acabou acontecendo no canto da boca. Ela corou e eu sorri, realmente gostando do contato.
  Já íamos embora do parque quando ela parou no meio do caminho e ficou olhando para cima.
  - Tá fazendo o quê?
  - Vendo o sol.
  - Você vai ficar cega desse jeito.
  - Não vou não.
  - Tá fazendo isso por quê?
  - Queria ver se o sol é mesmo amarelo. – ela gargalhou, provavelmente percebendo o quão idiota aquela frase soava.
  - Sério mesmo?
  - Aham. – ela segurou minha mão e passou a caminhar em direção a saída.
  - E aí?
  - Aí o quê?
  - O Sol é amarelo? – ela gargalhou, e porra cara, como eu amava a gargalhada dela.
  - É sim, o Sol é amarelo.

  ROSA

  Oito meses. Faziam oito meses que a mulher mais incrível do mundo tinha entrado na minha vida.
  Era mais uma noite normal. Uma terça-feira que tinha tudo pra ser sem graça, mas não era, porque era a terça-feira do cor de rosa. Sim. não tocava no bar às terças, sextas e domingos, então em cada dia sempre fazíamos algo. Domingo, por exemplo, era o dia do filme de terror. não era muuuuito fã desse tipo de filme, na verdade, por isso entramos num acordo e criamos a terça-feira cor de rosa, onde eu era obrigado a assistir com ela algum filme meloso água com açúcar que eu nunca assistiria num estado normal, mas como eu sempre estava meio dopado na presença dela, isso servia de desculpa pra poder até gostar desse tipo de longa metragem.
  Estávamos no apartamento dela, no velho sofá preto que ela tinha na sala, acomodados em meio a cobertas e almofadas. O balde de pipoca há tempos estava virado no chão, com os milhos que não estouraram espalhados pelo tapete, devido a uma pequena briga de comida que tivemos mais cedo, quando eu vi que o filme escolhido para a noite era mais uma comédia romântica com a Jennifer Aniston. Dizia que a atriz de Friends era sua celebrity crush e que viraria lésbica com ela. Eu nem duvido, na verdade, já que de cada 5 filmes que assistíamos, 3 eram com a atriz.
  O filme da vez era “A Razão Do Meu Afeto”. Pelo que tagarelou sobre o mesmo, foi um dos primeiros que Jennifer fez, enquanto ainda fazia Friends, e era o seu preferido da mulher.
  Achei meio bobinho, para falar a verdade, mas minha companheira de sofá estava chorando horrores com os conflitos internos de Kate por estar apaixonada pelo melhor amigo gay e grávida do namorado babaca controlador.
  Ver chorar não é uma coisa que eu gostava, e já tinha a visto desse jeito mais vezes do que gostaria de admitir, então a puxei para mais perto de mim e a abracei do melhor jeito que pude, sentindo ela se acomodar em meu peito.
  - Tá bem?
  - To sim Ed, relaxa, você sabe como eu fico com esses filmes.
  - Sei, e não entendo porque continua assistindo se vai chorar
.   - Eu que não entendo porque você gosta tanto de filme de terror se depois fica com medo e me liga no meio da noite. – ela enxugou as lágrimas e riu para mim.
  - Foi só uma vez!
  - Foram cinco!
  - Você é chata.
  - Você é medroso.
  - Chorona. – rebati, dando um peteleco leve no nariz dela.
  - Insensível. –ela tirou minha mão dali e aproximou o rosto do meu, fazendo a melhor cara de má que pode fingir na hora.
  - Dramática. – também aproximei meu rosto mais do dela, e ela não recuou.
  - Idiota. – os lábios dela estavam tão próximos aos meus.
  - Eu vou... – não completei a fase, só selei nossos lábios, e ela correspondeu de imediato.
  O beijo começou estranho, percebia-se o nervosismo de nós dois ali. Mas, para minha surpresa, ela quem pediu passagem para aprofundar o mesmo, e eu, obviamente, concedi. E então notei como eu estava completamente aos pés dela, como eu desejava secretamente aquele beijo há meses, talvez desde a noite do pub, mas não admitia nem para mim mesmo, percebi o quanto estava me apaixonando por aquela menina com a voz de anjo, um gosto estranho por filmes e uma paixão pelo universo infantil. Ela sorriu e eu sorri também, quebrando assim o beijo.
  Ficamos nos encarando por um tempo, eu me aproximei dela e depositei mais um selinho nos seus lábios convidativos, fazendo-a corar de leve.
  - Eu gosto de você. – ela disse, feito uma criança, completamente diferente da mandona e decidida que eu estava acostumado a ver. Ela parecia vulnerável, completamente vulnerável.
  - Eu também gosto de você, muito. – continuei a encarando, mas ela desviou o olhar para o filme, notando que já passavam os créditos finais.
  - Você me fez perder o final.
  - A gente vê de novo terça que vem – dei de ombros.
  - Você não quer mesmo ver esse filme de novo, nem tava gostando!
  - Não tem problema, se você quiser mesmo, eu posso assistir de novo com você. – ela deve ter gostado da minha resposta, pois passou uma mão pela minha nuca e se aproximou para me beijar de novo.
  - Eu gosto principalmente disso.
  - Disso o quê?
  - O jeito que você sempre encontra pra me fazer feliz, pra me fazer gostar mais um pouco de você. Mesmo quando eu acho que não possa gostar mais, você dá um jeito.
  - Como assim ? Eu só quero te fazer feliz, você é importante, você também me faz feliz, nada mais justo do que eu retribuir. – tentei não mostrar em minha fala o quanto saber que eu a fazia feliz me fez bem.
  - Mas sei lá, foi você que deu ideia da terça-feira rosa, lembra? – eu assenti - Então, são essas coisinhas bobas, mas que tem um significado enorme pra mim que me fazem te querer sempre por perto.
  - E eu to sempre por perto.
  - Sim, você tá. – ela me beijou novamente, ainda com mais intensidade, e eu só conseguia pensar em como eu era sortudo por ter ela... E em como ela beijava bem e eu estava ficando com calor, mas isso não vem ao caso.
  Dali em diante, as terças-feiras rosa ganharam um significado diferente. Eram as noites em que eu podia ser fofo sem ser gay, noites em que eu podia ficar beijando a sem motivo, e parafraseando algo que o mocinho do filme acabara de dizer, o que a fazia rir e me chamar de “sem criatividade”. Mas eu não ligava, claro, porque ela me beijava do mesmo jeito.
  As terças-feiras eram os dias dos beijos. Não que os outros dias não fossem, mas o dia “rosa” da semana, que por mais que eu não tivesse gostado no começo passei a me acostumar, se tornaram os dias em que os beijos eram mais calorosos, mais apaixonados, porque foi numa terça-feira rosa que nos beijamos pela primeira vez.

  ROXO

  Estávamos na loja de móveis escolhendo um sofá novo para . Ela tinha aberto o show para uma banda local, nada grande, mas rendeu um dinheiro extra e ela realmente precisava de algo mais decente que aquele trapo cheio de caroços para assistir filmes ou dormir, o que vinha acontecendo com mais frequência, uma vez que sempre caíamos no sono em meio a beijos e carícias.
  - Eu gostei desse. – apontei para um cinza bem grande, assento que abria, encosto reclinável, braços largos, muito bonito. Ela só apontou para a etiqueta que indicava o preço do produto – É, esquece...
  - Que tal esse? – ela se jogou em um sofá roxo que tinha dentro da loja. Não era bonito e não parecia nem um pouco confortável.
  - Roxo, sério?
  - Aham, eu gostei.
  - É tão esquisito, sério, vamos olhar mais.
  - Não Ed, eu gostei do roxo. – ela tinha adquirido aquela pose mandona, com os braços cruzados e a expressão que afirmava claramente que sua decisão havia sido tomada.
  - Ah , olha, tem aquele sofá branco ali, ele é bonito, não é?
  - É, mas eu gostei do roxo.
  - Vamos só ver o branco, vai...
  - Não Edward, o sofá quem vai pagar sou eu, quem vai usar sou eu, quem vai escolher sou eu. – ela levantou a sobrancelha e ali eu soube que havia perdido mais uma batalha.
  - Oi, eu posso ajudar vocês? – uma voz feminina questionou e eu me virei para dispensar a ajuda quando notei quem era.
  - ? – meus olhos de arregalaram e meu coração disparou. Eu não queria nunca mais precisar me encontrar com aquela vaca traidora, e a odiava com todas as minhas forças, mas de algum jeito ela ainda mexia comigo.
  - Oi Ed! – e ainda agia como se nada tivesse acontecido, nem pra ficar com vergonha! Vaca traidora falsa.
  - Vocês se conhecem? – perguntou, já desfazendo a pose mandona e inflexível de antes.
  - Ah sim, eu namorei o Ed durante um bom tempo, e você queridinha, quem é? – perguntou com toda aquela pose de superioridade que ela sempre teve.
  - Eu sou... Eu sou... hm... Amig-
  - Namorada, ela é minha namorada. – cortei a fala de , que me olhou meio surpresa meio feliz, e depois sorriu, vindo até meu lado e entrelaçando os dedos nos meus.
  - É, sou namorada dele. – ela disse sorrindo de orelha a orelha para mim e depois voltando a encarar , que nos olhava com uma cara de pouquíssimos amigos.
  - Ah... Que bom, fico feliz por você Ed. – ela deu seu sorriso falso. – Mas então, como posso ajudar vocês?
  - Desde quando você trabalha aqui? – mudei de assunto, sentindo a curiosidade falar mais alto.
  - Ah uns 5 meses, desde que a gravadora faliu. – ela respondeu meio abatida. – Mas é temporário, vou me mudar pra França com o Martin no meio do próximo ano. – ela retomou a pose, e só de ouvir o nome de Martin, vulgo meu ex-empresário, senti meu sangue ferver.
  - Bom saber, . – respondi seco, e senti meus músculos se tencionarem.
  - Mas então, como posso ajudar vocês?
  - Eu quero levar esse sofá roxo. – também estava agindo mais fria que o normal, não tinha aquele calor de sempre em sua voz.
  - Ah, esse sofá é maravilhoso, está na promoção, não é dos melhores, mas a cor chama atenção. É pequeno e meio esquisito, mas combina com você. – soltou, finalmente, o veneno que estava guardando.
  - Ah não, acho que você se enganou, ele combina mais com você queridinha mostrou as presas que tinha, mas raramente usava e ainda retrucou o apelido usado anteriormente pela Vaca Traidora. – Eu vou levara aquele branco grande.
  - Acho que está um pouco fora da sua grade de preço, não acha? – Senti apertar de leva a minha mão.
  - E eu acho que você é só uma funcionária e não deveria ficar se intrometendo na vida dos outros. – respondi por , que afrouxou o aperto da mão. – Agora se você puder, por favor, nos ajudar a concluir a compra eu vou ser feliz, se não posso comprar em outro lugar.
   me fuzilou com os olhos e eu tive a impressão que ela conjurou alguma maldição pra cima de nós dois, mas ignorei e, assim que concluímos a compra e combinamos o dia para a entrega do móvel, deixamos a loja.
  - Você ficou chateada por causa do sofá roxo? – perguntei, cauteloso, para minha nova namorada.
  - Não, ele era feio mesmo. – ela deu de ombros.
  - Mas você tinha gostado.
  - Gostei até perceber que aquela sua ex-namorada vadia estava com sapatos e blusa da mesma cor, de repente ele ficou feio e sem graça, bem feio, deu vontade de tacar fogo até. –ela franziu as sobrancelhas e encarou o nada, e eu quase pude a ver imaginando como seria tacar fogo no sofá roxo.
  - Você tá imaginando isso, né?
  - Na verdade to, só que não é bem no sofá que eu ponho fogo... – ela sorriu de lado, meio maldosa, e eu sabia bem que ela estava imaginado agora pegando fogo em sua frente.
  - Tá com ciúmes? – sorri largo, já sabendo da resposta, e ela corou de imediato, voltando a me encarar e arregalando os olhos.
  - Eu? Com ciúmes? De onde tirou isso? Claro que não... – ela começou a falar com uma velocidade excessiva.
  - TÁ COM CIÚMES!
  - Para Ed! – ela me empurrou de lado. – Vem, tem uma Starbucks aqui perto, quero tomar um café.
  - Não muda de assunto, por que ficou com ciúmes?
  - Não tava com ciúmes.
  - Claro que tava.
  - Não tava. – ela estava ficando emburrada, então resolvi calar a boca por um tempo, até chegarmos à porta do prédio.
  - Não ligo que você tava com ciúmes, até porque isso é normal, namorados sentem ciúmes um do outro. – eu disse sorrindo pra ela quando abri a porta para que ela passasse, e ela acabou por retribuir o sorriso.
  - Ok namorado, você venceu, eu estava com ciúmes.
  Ri alto e entrei atrás dela, nos dirigimos para uma mesa ao fundo e fizemos nossos pedidos.
  Por algum motivo, depois daquele dia, nós dois passamos a odiar a cor roxa.

  VERMELHO

  Alguns dias depois do nosso desagradável encontro com , estávamos sentados na cama, me meu apartamento, assistindo clipes que passavam em um canal qualquer, quando resolveu que aquele era um bom dia para ser inconveniente.
  - Por que você ficou tenso aquele dia? – ela perguntou do nada, se virando para ficar mais de frente pra mim, me forçando a tirar meu braço que antes repousava atrás de seus ombros.
  - Que dia?
  - Quando encontramos aquela sua ex.
  - Ah, sei lá . – desviei o olhar do dela.
  - Você ainda sente algo por ela?
  - Ódio. – respondi rapidamente.
  - Se fosse só isso não tinha ficado tão tenso.
  - Mas é , só ódio que eu sinto, não queria ver aquela mulher nunca mais na minha vida, ela aparece do nada e ainda resolve ser a mesma vadia de sempre, era de se esperar que eu ficasse meio perturbado.
  - Mas você não ficou perturbado, ficou tenso.
  - É a mesma coisa.
  - Não é não.
  - Vamos mudar de assunto? – aquilo me incomodava e irritava demais, e eu realmente não queria brigar.
  - Não. Você ainda gosta dela?
  - Sério que você tá me fazendo essa pergunta? – ela concordou com a cabeça. Resolvi, em um lapso de loucura, falar a verdade e somente a verdade pra ela, sem pensar bem nas consequências. – Olha , honestamente, encontrar com ela foi sim estranho, e é claro que me deixou tenso. Cara, ela foi a primeira menina que eu achei que amava e a primeira que quebrou meu coração de uma maneira tão ruim, então é, eu fiquei tenso quando encontrei ela.
  - Você ama ela? – tomava uma coloração avermelhada. Se eu bem conhecia minha namorada, ela estava morrendo de vontade de chorar, não tanto de tristeza, mas de raiva, só que estava se segurando, fazendo seu pescoço coçar e seu rosto mudar de cor.
  - Claro que não, você já está sendo ridícula.
  - Não Ed, não estou, porque o meu namorado acabou de falar que ama outra mulher na minha frente e eu só estou me sentindo a maior idiota do universo.
  - Pra começar, , foi você que iniciou esse assunto, então não vem jogar a culpa em mim. –Minha voz estava ficando alterada e eu começava a sentir o sangue ferver.
  - Eu que comecei com esse assunto? – agora era a voz dela que subia um tom, e ela estava a ponto de explodir.
  - DEIXA EU ACABAR DE FALAR UMA VEZ NA VIDA, HOPE? – Eu gritei e ela se encolheu na cama, mas por algum motivo eu não parei de falar. – Porra, você sempre faz isso, coloca palavras na minha boca, joga a culpa em mim e nunca deixa eu me explicar, agora é minha vez de falar. Primeiro, não fui eu que comecei com esse assunto, então a culpa não é minha por essa briga imbecil...
  - A gente não tá brigando.
  - ME DEIXA FALAR. – ela se encolheu de novo, e seus olhos se encheram de lágrimas. Percebi a grande idiotice que estava fazendo e respirei fundo, me acalmando o máximo que pude. – Olha , eu disse que ela foi a primeira que eu achei que amava. Achei. Achei que amava ela porque ela era bonita, trabalhava com música e dizia que me amava. Agora eu sei que ela era uma vadia traidora e sei que nunca a amei. Nunca. Porque agora eu achei uma mulher maravilhosa, cuja beleza é realmente indescritível, uma mulher que não trabalha com música e sim vive da música e para a mesma. Conheci uma mulher que nunca disse que me amava, mas me faz ter certeza que ama. E é essa mulher que eu amo. Eu TE amo, com todas as minhas forças, entendeu?
  Um silêncio se instalou no quarto a medida que minha voz sumia, e só me encarava com os olhos arregalados.
  O que eu menos esperava aconteceu. Ela com um só impulso se sentou em meu colo e me beijou de um jeito que nunca tinha feito antes. As suas mãos passeavam pelos meus cabelos, os puxando sem dó, enquanto as minhas se posicionaram em sua cintura. Minhas mãos entraram em sua camiseta e ela, sem esperar por outro sinal, arrancou a mesma, ficando de calça de moletom e sutiã. Um sutiã vermelho sexy pra caralho que fazia os peitos dela ficarem ainda mais bonitos. Ela viu que eu olhava para aquela região e mordeu os lábios me olhando com olhos oblíquos. Aquilo foi o ponto final, a temperatura subiu a níveis que eu nunca antes tinha imaginado que podia subir e pela primeira vez eu não transei com uma mulher, eu fiz amor. Amor de um jeito sexy e nada puritano, mas amor. E tudo ficou ainda melhor e mais único, porque dessa vez, eu amava a mulher que agora estava deitada nua ao meu lado, com o corpo ainda suado e os cabelos bagunçados, e sabia que ela me amava de volta, mesmo ela nunca tendo admitido.
  Passei meus braços por sua cintura e nos cobri com um lençol, por mais que nossos corpos ainda estivessem quentes, a noite londrina era fria, e logo sentiríamos saudade de algo que nos cobrisse. Depositei um beijo em sua bochecha muito vermelha e ela sorriu, se virando meio sem jeito e depositando um selinho carinhoso em meus lábios, depois deitou a cabeça no travesseiro e dormiu. Eu demorei um pouco mais, porque não conseguia parar de olhar para aquela menina em meus braços. Tão explosiva e mandona, mas tão insegura às vezes. E porra, eu a amava demais.

  LARANJA

  Um ano que eu a conhecia. Um ano que ela me salvou com sua voz angelical em um pub londrino numa madrugada sem fim. Um ano que meus dias passaram de preto para azuis, que minhas tardes se tornaram coloridas. Um ano que eu a conhecia, quase quatro meses de namoro. Eu queria passar o dia a abraçando, a beijando, a amando. Queria passar o dia com ela.
  Mas eu estava num avião.
  É, num avião. Voltando de uma viagem de 15 dias – que mais pareceram uma eternidade - que fiz até o País de Gales para conhecer os donos de uma gravadora que tinham aceitado produzir meu primeiro CD. Sim, eu tinha conseguido um contrato.
   não pode ir comigo, pois tinha o trabalho, mas eu prometi que voltaria para comemorarmos a data. O avião atrasou muito no dia anterior e acabou por ser cancelado, tive que embarcar no primeiro que consegui, só na tarde seguinte. Chegaria, com sorte, de noite a Londres, e perderia nosso aniversário de um ano de amizade. Amor, nosso um ano de amor. E eu estava me sentindo um lixo por isso, e sentia antecipadamente a dor dos tapas que me daria assim que eu pusesse os pés em solo londrino novamente.
  Pegando as malas na esteira eu começava a rezar para que ela não ficasse muito brava ou tivesse se esquecido do dia de hoje, duas opções completamente improváveis.
  Empurrava minhas duas malas pelo portão afora, vendo várias pessoas se reencontrando com amigos e parentes enquanto procurava com os olhos a menina irritada que estaria me esperando. Quando a vi, ela ainda não tinha me notado, mas assim que nossos olhares nos encontraram ela saiu correndo em minha direção e eu larguei as malas para recebê-la de volta em meus braços. Meu coração batia acelerado e as famosas borboletas no estômago há tempos já haviam cedido seu lugar para golfinhos agitados dando cambalhotas. Eu não tinha percebido o quanto senti a falta dela até tê-la de novo perto de mim. Seu cheiro, seu toque, o jeito que o cabelo dela balançava por cima dos ombros e a maneira que o alvo de suas mãos sempre era meu cabelo, que ela fazia questão de acariciar a todo momento, fosse durante um beijo, um abraço, ou na fila para pagar a conta do almoço.
  - Eu senti tanto sua falta. – ela foi a primeira a falar.
  - Eu nem consigo explicar o quanto estava com saudades. – rebati e ela gargalhou de leve com a cabeça ainda encostada em meu peito.
  - Sabe do que eu mais senti falta?
  - Hm?
  - Do laranja.
  - Como assim ? Ficou doida?
  - Não. Eu senti falta do laranja do seu cabelo, do laranja dos seus fones de ouvido – ela então passou as mãos que estavam em meus cabelos nos fones da cor laranja caídos em meu pescoço. – Senti saudade da cor alaranjada que suas bochechas ficam quando você está com vergonha. Eu senti falta de toda esse raio laranja de felicidade que você é.
  - Jeito estranho de falar que tava com saudade de mim todo.
  - Ah, é mais criativo, vai.
  - Ok, então eu estava com saudade do verde. – ela ergueu as sobrancelhas daquele jeito e eu ri - É, porque você é meu raio de luz verde.
  - Por que verde?
  - Porque quase um ano atrás, no parque, você disse que era sua cor preferida. Aí virou minha cor preferida também, e você é minha cor preferida. – ela sorriu grandiosa e eu puxei-a para um beijo daqueles bem de cinema, com direito a incliná-la um pouco pra trás, mas bem pouco, porque com a minha coordenação motora era bem capaz de eu me distrair e irmos os dois pro chão.
  Nos separamos e eu peguei novamente minhas malas, as duas com uma só mão, e segurei a dela com a outra, enquanto nos dirigíamos para a saída do aeroporto.
  Eu tinha total certeza de que estava com olheiras enormes, cara de bobo apaixonado e roupa amassada. Não que eu me importasse. Mas tudo pareceu sumir quando ela soltou a mão da minha e passou a fazer carinho em meus cabelos, enquanto esperávamos por um taxi para irmos para casa.
  - Eu realmente senti falta do seu cabelo laranja.
  - Meu cabelo é ruivo, por que você insiste em dizer que é laranja?
  - Porque todo qualquer um pode dizer que tem cabelo ruivo, só você pode dizer que tem cabelo laranja, porque você é diferente dos outros, não é ruivo, é laranja, meu laranja.
  A partir dali, nunca mais me identifiquei como ruivo, até porque era cortado sempre que ia dizer algo do tipo, a partir dali eu era laranja, e quer saber? Ser laranja é bem mais divertido que ser ruivo. E eu era o laranja dela.

  BRANCO

  Naquela mesma noite, quando chegamos ao apartamento, nos sentamos no novo sofá branco que enfeitava a sala dela e puxamos um cobertor para cima de nossos corpos, ficando um bom tempo sem dizer nada, só abraçados encarando o teto também branco da sala.
  - Isso aqui tá tão sem graça.
  - Como assim?
  - Ah, o sofá é branco, o tapete é branco, as paredes são brancas, é tudo tão chato.
  - Eu não acho, acho que deixa tudo bem, sei lá, bem com cara de paraíso.
  - Eu quero pintar essa parede.
  - Não inventa moda não, por favor , eu to cansado.
  - Não hoje né cabeção, mas qualquer dia desses.
  - Tudo bem então, qualquer dia desses a gente pinta isso aqui.
  O silêncio se instalou por mais algum tempo, e eu me divertia observando a cabeça de subir de descer a medida que eu respirava, uma vez que ela estava encostada em meu peito, e sentindo o perfume que seus cabelos exalavam.
  - Agora eu quero saber, vai, fala.
  - Você vai começar a viajar muito agora, né?
  - Não sei, talvez, acho que sim. Mas não muito.
  - Quem vai cuidar do seu apartamento?
  - Não sei, você talvez, ou um amigo, não pensei nisso ainda.
  - E se você se mudasse pra cá?
  - Tá me chamando pra morar com você? – sorri de forma divertida, vendo o quanto ela estava nervosa com aquilo, e ela ergueu a cabeça para poder me encarar.
  - É, quer dizer, aqui é maior que o seu apartamento, mais perto do centro, do pub e da sua futura gravadora. Eu vou estar sempre aqui, aí não preciso ir sempre cuidar do seu apartamento e você não precisa pagar ninguém pra fazer isso, aí a gente pode trazer suas coisas, dar uma mudada no lugar, aí quando você voltar vai estar sempre tudo arrumado e... -pra variar ela começou a falar sem parar e eu a calei com um beijo.
  - Eu vou vir morar com você.
  - Tudo bem. – ela sorriu satisfeita.
  O silêncio se instalou novamente, mas dessa vez ambos estávamos sorrindo abobados e nos encarando.
  - Ed? – ela chamou, mesmo que já estivéssemos nos olhando. Acho que ela gostava de falar meu nome.
  - Meu nome. – brinquei.
  - Já falei que te amo? – arregalei os olhos e senti meu coração disparar.
  - Não, nunca.
  - Ah, porque eu te amo.
  E tudo ali se encaixou. Tudo era branco e tudo era paz. Eu sorri e ela sorriu. Nos beijamos por um longo tempo e ficamos deitados no sofá branco da sala branca sem graça do apartamento dela. Eu poderia ficar ali pela eternidade curtindo aquela paz, e mesmo tal coisa não podendo ser feita, eu guardaria aquele sentimento pra sempre.

  AS CORES

  Chega a ser engraçado, repassando toda a minha história com a , de um jeito rápido, eu não consigo escolher uma cor preferida.
  Eu nunca vi alguém conseguir descrever o amor com perfeição, de um jeito universal, para todos. Assim como nunca vi alguém conseguir descrever a mistura de todas as cores do mesmo jeito para todos. Até porque, essa mistura fica de um jeito para cada um, se você colocar mais vermelho ou amarelo, talvez a mistura fique mais marrom, se você colocar preto ou branco demais ela talvez se torne acinzentada, tudo depende do quanto de cada cor que se coloca. O amor também é assim, se você colocar mais ciúme do que saudade ele é de um jeito, se colocar mais mel do que brigas é de outro. Cada pessoa sente um tipo diferente de amo, cada pessoa faz uma mistura de cores própria. Nenhum desses pode ser descrito com perfeição. Para mim, isso é o amor, uma mistura de cores indescritível, onde não tem como escolher uma preferida, pois mesmo as que parecem mais feias ajudam no resultado final.
  É, acho que posso continuar pensando assim, o amor é uma mistura de cores. Aqui relatei algumas das poucas que ajudaram a formar a minha mistura, mas tenho certeza que esqueci várias, assim como muitas ainda serão usadas e algumas ainda possam vir a ser repetidas. Torço para que o vermelho se repita mais vezes. Só um comentário. Mas não dá pra saber. A mistura pra mim nunca vai ficar pronta, porque enquanto houverem cores no mundo eu continuarei misturando-as. Espero que me ajude com isso, e tenho certeza que ela vai.
  Isso é só a primeira pincelada num quadro completamente vazio aguardado para ser preenchido. Quem sabe aquele borrão disforme de cores misturadas não possa se tornar, no fim, a mais bela obra de arte que a humanidade já viu? Porque essa mistura, essa cor, é a cor do amor.

FIM



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